Open-access OS FILHOS SÃO A HERANÇA DO SENHOR. POLÍTICA E RELIGIÃO NO ABC PAULISTA

CHILDREN ARE THE INHERITANCE OF THE LORD. Politics and Religion in ABC Paulista

Resumos

O objetivo deste artigo é contribuir para a análise dos comportamentos políticos entre famílias de trabalhadores e trabalhadoras metalúrgicas, moradores da região do ABC Paulista. Para tal, recorre-se a resultados obtidos em duas pesquisas realizadas em momentos distintos, com recortes empíricos ligeiramente diferentes e metodologias que lançaram mão de etnografia, survey e entrevistas biográficas. A primeira pesquisa relaciona a possível manutenção das memórias de militância sindical ao período da aposentadoria e do distanciamento do engajamento político-militante, a segunda aborda a questão da transmissão e herança geracional de princípios e valores políticos em famílias de trabalhadores metalúrgicos. Em ambos os casos se está relacionando famílias, como domínio do social, e política, como elemento de socialização, para compreender a constituição/manutenção de comportamentos políticos. A religião surgiu como imposição do campo, e se apresentou como uma variável interveniente no processo de gestão do comportamento político, impactando a negociação de elementos afetivos entre as famílias, bem como no que tange às memórias políticas empreendidas e herdadas. E, além disso, capaz de gerar transformações nos modos de entender e reagir aos acontecimentos presentes e passados ligados às ações e percepções políticas entre os participantes de ambos os estudos.

Família; Política; Afeto; Religião; ABC Paulista


The aim of this article is to contribute to the analysis of political behaviour among families of metalworkers living in the ABC Paulista region by including two essential variables: affections and religion. To this end, we present the results obtained in two studies carried out at different times, with slightly different empirical sections and methodologies that used ethnography, a survey and biographical interviews. The first research relates the possible maintenance of union militancy memories to the period of retirement and the distancing from political-militant engagement, while the second addresses the issue of the transmission and generational inheritance of political principles and values in families of metalworkers. In both cases, we are linking families, as a social domain, and politics, as an element of socialisation, to understand the constitution/maintenance of political behaviour. Religion emerged as an imposition in the field and became an intervening variable in the process of managing political behaviour, impacting the negotiation of affective elements between the families, as well as the political memories undertaken and inherited. It is also capable of generating transformations in the ways of understanding and reacting to present and past events linked to political actions and perceptions among the participants in both studies.

Family; Politics; Affection; Religion; ABC Paulista


APRESENTAÇÃO

Este artigo tem por objetivo principal oferecer uma contribuição acerca dos comportamentos políticos entre famílias de trabalhadores e trabalhadoras metalúrgicas moradores da região do ABC Paulista (São Paulo). A análise aqui proposta inclui duas variáveis, afeto e religião, que embora não sejam propriamente uma novidade para o debate sobre a política, esse tem sido essencial para a compreensão do contexto político atual no Brasil. Para cumprir este objetivo o texto se baseia em duas pesquisas realizadas com trabalhadores metalúrgicos(as) da região do ABC Paulista (São Paulo), que apesar de terem sido originalmente desenvolvidas com focos ligeiramente distintos, apresentam achados relevantes e que fornecem subsídios para a discussão proposta.

O tema da política, ou mais precisamente do comportamento político nas Ciências Sociais, tem sido comumente ligado ao argumento dos “interesses e da razão”. Idealmente, o tema da ação política entrava pela porta da “consciência”, portanto da razão, que ajuizava o discernimento dos motivos para se conhecer e afirmar tomadas de posição. Disso não destoa a perspectiva institucionalista que vincula comportamentos às regras e normas em um campo de disputas entre grupo de interesses (Borba e Cardoso, 2019; Almeida e Machado, 2024; Ribeiro et al., 2022). No entanto, isso conta uma parte da história, não toda.

A despeito de uma configuração que se possa, ao inventariar, julgar como sendo predominante em um conjunto de análises, ao menos na sociologia política (Borba e Cardoso, 2019; Olson, 1999), essa não faz jus a variações importantes e que interessa aqui retomar para encontrar o lugar das paixões e dos sentimentos na ação política. Não se trata, contudo, de reivindicar novidade na inserção dessas variáveis na modelagem de análises que, de algum modo, miram no tema da política em sentido amplo, ou seja, que não mire exclusivamente em uma acepção de política em seu aspecto partidário-eleitoral para incorporar, como se quer argumentar, os usos rotineiros, cotidiano, da política nos âmbitos da família, do trabalho e da militância sindical, nomeadamente os de maior proeminência neste estudo. O que nos põe próximos ao sentido emprestado, por Thompson (1998).

Se é verdade que a política e os comportamentos políticos ganharam maior notoriedade nos últimos anos, sobretudo nos estudos do que se convencionou chamar de “Novos Movimentos Sociais”, a exemplo de pesquisas tais como (Sader, 1988; Touraine, 1989; Melucci, 1980), é possível reconhecer o lugar cativo que esse ocupa em textos de formação.

A natureza dos vínculos sociais modernos, a dar consequência ao entendimento clássico da emergência da ordem racional, leva a supor como sendo pré-político o domínio dos sentimentos e dos afetos, para não dizer “irracional”. Deliberar significa por à luz interesses manifestos e sopesá-los. Ainda nesse modo de arguir, a reivindicação moderna, em sua autoimagem, proscreveu o fundamento religioso dos vínculos sociais, a julgar a imagem de um mundo “desencantado”.

Neste artigo objetiva-se fecundar a análise sobre comportamento político com a inserção dessas duas variáveis: afetos e religião. Para fazê-lo, recorre-se a resultados obtidos em duas pesquisas concluídas que, conquanto desenvolvidas na região do ABC Paulista e com famílias de trabalhadores(as) metalúrgicos(as), miravam em questões ligeiramente distintas.

O primeiro estudo analisou como o tema do legado de militância de longa duração entre ex-metalúrgicos(as) aparecia nas memórias dos trabalhadores(as) entrevistados e, além disso, como o assunto emergia no diálogo com os filhos e filhas na família. Com isso, a pesquisa retomava questões desenvolvidas em projeto anterior (Leite Lopes & Heredia, 2019) e avançava em novo investimento analítico, agora dos filhos e filhas dos trabalhadores entrevistados para enfrentar o caráter dialógico da transmissão dessas memórias, o que permitiria analisar não meramente o registro dessas em entrevistas, mas flagrá-las em outro contexto de enunciação quando em diálogo no interior das famílias. Eram trabalhadores(as) que participaram do ciclo de greves históricas ocorridas entre fins da década de 1970 e início de 1980 na região do ABC Paulista.

O segundo aborda a questão da transmissão, herança geracional de princípios e valores políticos em famílias de trabalhadores metalúrgicos moradores de um bairro de tradição operário-metalúrgica, na cidade de São Bernardo do Campo. A pesquisa se desenvolveu entre 2013 e 2017, um momento político conturbado, marcado pelo avanço de pautas da extrema-direita no Brasil, a ampliação exponencial da informação (e desinformação) política pela internet e redes sociais, e o Golpe Parlamentar de 2016, que derrubou a presidente Dilma Roussef. Os efeitos do contexto macro se fizeram presentes nas narrativas dos entrevistados, de um lado, reverberando uma defesa de governos e políticas públicas petistas, principalmente, pela geração mais velha, e por outro, a incerteza e diferença de visões entre os mais jovens, que enfrentavam um momento de crise política e econômica resultando em perda de empregos e frustrações de planos de mobilidade social em relação aos seus pais, apesar dos avanços alcançados em termos de escolarização.

Muitos desses jovens se viam em meio a um processo de negociação entre a influência da herança afetiva familiar no seu entendimento e valoração acerca da política, marcada pelo engajamento político dos pais, mas que divergiam de suas realidades, relacionamentos e interesses atuais.

Em ambos os casos ocorre a relação entre famílias, como domínio do social, e política, como elemento de socialização, para compreender a constituição/manutenção de comportamentos políticos. Incide aí a presença da religião como uma proxy que permitirá ter uma medida da gestão das posições políticas. A compreensão de política que interessa se baseia em uma noção mais ampla e difusa do tema, associada aos valores e princípios de justiça e não apenas ao seu aspecto institucional e partidário, próximo da perspectiva thompsoniana (1998). Incluindo, assim, o espaço concedido à política na vida das pessoas, as transmissões, os acordos e desacordos entre pares, e ainda, os valores e visões do mundo (trans)formados ao longo da vida (Fillieule & Neveu, 2019; Mayer, 2010; Muxel 2011). Com isso se afirma que, se o espectro partidário é carburante nessa região, pela histórica vinculação com a classe operária que ali medrou, os “peões do ABC”, a esse não se estará restrito.

APROXIMAÇÕES ANALÍTICAS

Os dois estudos que baseiam este artigo constituem modos distintos de aproximação no esforço para compreender a dinâmica de produção/reprodução de posições políticas seja a partir do recorte geracional, seja pelo prisma das consequências biográficas da longa fase de ativismo sindical em trajetórias de ex-metalúrgicos(as). Utiliza-se a família enquanto unidade de análise que poderá fornecer pistas para a compreensão das transformações supracitadas em um contexto mais amplo das relações sociais, laborais e políticas no Brasil. Levando em conta a própria heterogeneidade das famílias de trabalhadores, adota-se uma perspectiva de família que não se restringe à consanguinidade, mas que considera, igualmente, a sua forma mais estendida e os vínculos de parentesco diversos que podem permear a composição dos agregados (Sarti, 2003). Para que o leitor tenha em mãos elementos para se somar ao argumento, tomam-se algumas evidências empíricas, colhidas por outros estudos, que servem como balizadores do contexto em que as duas pesquisas ocorreram. Veja-se.

Pode-se considerar que um conjunto amplo de análises sobre os Novos Movimentos Sociais colocaram em pauta o debate sobre as afetividades políticas. Malgrados as diferentes perspectivas, que fogem aos propósitos pelos limites a que se está restrito neste texto, fez-se um aceno considerável para compreender como os movimentos sociais mobilizavam um vocabulário de sentimentos e que este trabalho emocional é capaz, inclusive, de produzi-lo (Jasper, 2018; Melucci, 1989; Touraine, 1989).

Das expressões conhecidas, “mobilização”, “engajamento”, “adesão”, notadamente de cunho emocional, tal aspecto costuma ser ofuscado pela sobreposição do viés racionalista, que reclama a gestão consciente dos modos de mobilização/engajamento político. Fica-se sem saber, nesse compasso, como determinados sentimentos ganham destaque enquanto outros são preteridos.

Como propõem Goodwin et al. (2001), as abordagens culturalistas, ao promoverem conceitos tais como os de “quadro”, “identidades”, geraram maior receptividade ao acolhimento das emoções como variável interveniente no comportamento político. A ideia fulcral é a de que, como qualquer outro aspecto da cultura, as emoções podem tanto sofrer a influência de contextos sociais quanto serem vistas como expressão das individualidades. Aqui importa dizer que o sucesso ou insucesso da ação política não é resultado apenas da eficácia dos interesses em causa, mas igualmente da antessala que promove formas de adesão e luta em favor do que se quer sustentar. Isso vale em duas direções: na relação indivíduo-causa, quanto na relação indivíduo-movimentos sociais. Assim procedendo, preserva-se o interesse sociológico no tema que não se restringe ao traço carismático, de personalidade, dom que estaria desigualmente distribuído entre indivíduos.

De outra parte, aflorou mais recentemente uma vertente que reclama certa especificidade no que se apresenta como “sociologia das emoções”, mas como apelo para o ineditismo de uma variável que viria como correção em abordagens que a excluíram (Koury, 2014). Em que pese a importância do debate, não é com base nessas lentes que se olha para o fenômeno. Haja vista que se inicia este texto fazendo alusão à presença dos sentimentos na teoria política clássica. Nesse sentido, ao integrar as emoções na própria modelagem das formas de compreensão dos engajamentos políticos somos desafiados a adentrar no terreno pantanoso das formas de adesão que requerem/mobilizam investimentos afetivos, em meio a processos cognitivos. Pensando-os indistintamente, como sugere Calhoum (2001).

Incide, neste arranjo, outra variável interveniente na análise da gestão do comportamento político, a religião. O Brasil é um país de população bastante aderente à religião e, majoritariamente, cristã, com predominância de católicos.

Tabela 1
Religião dos brasileiros

Entretanto, essa predominância vem mudando ao longo do tempo. Há um decréscimo do percentual dos que se declaram católicos, os dados mais atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre o tema são de 2010, quando este percentual era de 65%. Paralelamente a isso, observavam-se dois fenômenos relevantes, por um lado, o crescimento do número de pessoas “sem religião”1 ou “sem declaração”, que embora relevante, ainda representa uma pequena parcela da população brasileira e, não altera o fato de o Brasil continuar sendo um país de população religiosa, marcadamente cristã.

E, por outro lado, observa-se o crescimento constante dos evangélicos/protestantes, que em 2010 somavam 22% da população (IBGE, 2010) e mais recentemente, segundo o Data Folha (2020), representam 31%. E isso é muito significativo em termos de mercado religioso. Além disso, a disposição de evangélicos e protestantes na geografia das grandes cidades indica como essas têm maior concentração em regiões periféricas (Almeida, 2004; Rivera, 2010). Isso terá consequências para o que se quer arguir não meramente pela constatação dessa disposição cartográfica, mas pela forma como essas religiões, amiúde as neopentecostais, em sua miríade de denominações, formas de congregar e de interagir com a esfera política atuam na criação de vínculos e promoção de valores.

No que tange ao mercado religioso, esse crescimento ocorreu ao passo em que outros movimentos, que atuavam nas periferias, a exemplo de pastorais católicas, movimentos sociais de moradores, trabalhadores, foram perdendo centralidade de presença (Silva, 2017). Seja pela dificuldade de manutenção da vida, do desemprego, das condições precárias de habitação, a presença de migrantes vindos de outras regiões, cria-se um cenário favorável àqueles que vão, de algum modo, incluir e gerar vínculos. Aqui, e essa é uma hipótese que se levanta, a oferta de bens religiosos pelas igrejas evangélicas mostrou-se efetiva.2

No entanto, a criação de vínculos supõe no mesmo compasso a dissolução de outros laços, tais como os étnicos, nacionais, de parentesco, atuando como solvente, para ficar com a hipótese de Pierucci (2006). Ao interpelar as pessoas como indivíduos, essas religiões de “conversão”, desfiliam as pessoas de outras comunidades de pertencimento.

Para a área em que foram feitas as pesquisas, a presença dessas religiões mostrou-se visível no registro etnográfico e nas entrevistas com as famílias de trabalhadores. No entanto, o aspecto que interessa é o condão que liga uma sorte de cosmovisão religiosa para posições políticas. Vale dizer, a gramática dos termos mobilizados no discurso político, seja por partidos, movimentos sociais e sindicatos, como “democracia”, “ética”, “justiça social”, “família”, “desigualdades sociais”, tem sido igualmente empregada nas igrejas. A hipótese é a de que tais valores e princípios, ao serem reinterpretados em linguagem religiosa ativam outros mecanismos de aderência, nem sempre congruentes com ideais “mundanos” atribuídos pela linguagem política. Como se pretende demonstrar com os exemplos extraídos das pesquisas, a tensão que se estabelece entre as distintas possibilidades de adesão política teria menos a ver com a racionalidade do processo de escolha frente ao espectro partidário disponível, ou mesmo com os candidatos, e mais com a permeabilidade dos discursos políticos aos signos valorados nessas configurações sociais periféricas, mas não somente nessas.

Um exemplo para ilustrar. Nas eleições de 2018, que confirmaram a vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro, uma parte das análises tomou como surpresa a emergência súbita de um comportamento conservador atribuído à sociedade brasileira (Lacerda, 2019), mesmo em regiões com tradição operária, como no caso do ABC Paulista. Distinto desse modo de arguir, o que se quer avançar na compreensão sugere que quando se olham os signos comoventes (Ansart, 2019) mobilizados por esse candidato em campanha, com fortes acenos a ideia de “família”, “pátria”, “Deus”, “meritocracia”, para se opor ao universo tido como corrompido da política, esses ecoam princípios e valores presentes nesse contexto, não exclusivamente promovidos pelas religiões, notadamente as evangélicas.

Isso faz retornar à Pierucci (1987) sobre a “constelação” de valores que legitima tomadas de posição do que se define como “direita” e “esquerda” no espectro partidário. Como bem aponta Almeida (2004), essa inversão de posições discursivas, principalmente, entre as camadas baixas e médias da população brasileira, não poderia ocorrer apenas por meio do discurso econômico, dito “neoliberal”, de pouca aderência nesse meio; mas pelo prisma dos costumes e da segurança.

Ainda, na esteira do seu argumento, é aqui que entra em cena o entendimento dos evangélicos como “conservadores”, promotores de um discurso público capaz de produzir modos de inteligibilidades que posicionam valores, costumes, com posições políticas à “direita”. Aqui, e ao contrário do que vai arguir Rivera (2010), em pesquisa sobre a presença da religião na periferia de São Bernardo do Campo, não se vê um processo de secularização no sentido de perda de importância da religião na esfera dos costumes.

No entanto, não convém tomar a discussão sobre conservadorismo como circunscrita ao campo religioso, uma vez que o tema atinge outros domínios do social e tem raízes mais profundas na sociedade brasileira. Segundo Martins (1992), o olhar atento para história do trabalho e do trabalhador na região do ABC Paulista aponta para o papel fundamental da religião (cristã, inicialmente católica) que sempre esteve presente na mentalidade, sociabilidade e associativismo dos trabalhadores que ali se estabeleceram. De modo que, tal religiosidade faz parte da própria gênese das primeiras formas de organização associativa do ABC Paulista.

Além disso, a região do ABC Paulista esteve no centro da inversão demográfica que mudou a face do Brasil na segunda metade do século XX por ter sido polo de concentração industrial do setor metalmecânico (Negro, 2004). Para lá acorreram milhões de nordestinos e também mineiros, de origem rural, premidos pela impossibilidade de manutenção da vida em suas regiões de origem e no desejo por disputar a sobrevivência no seletivo mercado urbano de trabalho. São essas populações que darão forma aos contornos periféricos de cidades como São Bernado do Campo, São Caetano do Sul, Santo André, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Além de braços para a moderna indústria automotiva, trouxeram igualmente na matula práticas e costumes do tradicionalismo rural, que misturava o catolicismo com elementos da cultura popular e deixava suas marcas nas relações sociais por meio do clientelismo, do mandonismo, do compadrio (Palmeira e Heredia, 2018).

Outro elemento, que convém mencionar, é o fato de que, até mesmo no aspecto considerado mais progressista, no bojo das greves do ABC Paulista, da emergência de movimentos sociais e na própria fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), a religião teve espaço, com forte presença de católicos e alguns setores evangélicos (Machado, 2016, Martins, 1994).

Esse é o quadro social em que emergiu a classe operária metalúrgica, cujos costumes e práticas deixavam entrever a visão de mundo própria do universo rural de origem. Disso não decorre uma suscetibilidade automática ao moralismo do discurso evangélico contemporâneo, mas este se vale do frame já disponível no imaginário social.

Os dois estudos, que baseiam empiricamente este artigo, foram desenvolvidos com famílias. Argumenta-se a relevância do microcosmo familiar como um espaço inicial de aprendizagem e formação política (Percheron, 1993). Do ponto de vista da socialização política, a família é o primeiro e principal agente socializador de crianças e jovens, apesar da crescente ampliação de outros agentes que se somam e sobrepõe neste processo tão plural na sociedade brasileira (Setton, 2005). Outro ponto que interessa é o fato de esta aprendizagem estar inserida em contexto íntimo e afetivo, em que as emoções são relevantes para as primeiras identificações com o Mundo (Muxel, 2008). Além disso, nas famílias se constroem as aspirações de mobilidade social e projetos de futuro para os filhos. É na família que se transmite ou omitem memórias, ideais e projetos para as novas gerações.

A política, em sua forma institucional e difusa, está presente no cotidiano íntimo familiar e isso decorre por algumas vias, entre as quais se elege, para fins deste artigo, três principais. Em primeiro lugar, algo que não é novo, é pelo viés mediático tradicional (imprensa escrita, oral e visual-televisiva). Os veículos mediáticos tradicionais promovem fortíssima cobertura das eleições e do dia a dia de candidatos e partidos, além da espetacularização de casos de corrupção e coberturas recorrentes aos mais diversos tipos de crises (Muxel, 2008). Em segundo lugar, a internet, que está presente no cotidiano familiar, ainda que cingida por desigualdades latentes de acesso e de formas de utilização. O cenário atual tem como característica marcante o aumento (e a valoração) vertiginoso das informações online, nos smartphones, que bombardeiam não apenas conteúdos verdadeiros, mas também mentirosos e manipulados das mais diversas ordens, inclusive, políticos. Essas mudanças na propagação e no consumo de informações políticas contribuíram para uma maior presença da política no dia a dia de famílias que, antes, alegavam nem sequer discutir estes assuntos de maneira deliberada e consciente. Em terceiro lugar, ao cenário brasileiro e como se está a argumentar neste artigo, da região do ABC Paulista, de modo especial, soma-se a simbiose entre religião e política.

Como se sabe, este não é um relacionamento recente, mas vem ganhando novos contornos, ampliando-se desde meados dos anos 1980, com a expansão da presença de religiosos evangélicos neopentecostais não só nos espaços de vivência, mas também na política profissional e institucionalizada. Isto implica reafirmar, portanto, a presença da política na prática da religiosidade e vice-versa. Isto também significa dizer que, pela via da religião, há ainda mais política inserida na vida cotidiana de milhões de famílias brasileiras (Bohn, 2004; Mariano, 2011).

A seguir, expõe-se os achados de pesquisa para apresentar não apenas o modo como essas inquietações surgiram, como também, um horizonte de investimentos futuros que tem sido feito em outras frentes. Como um recurso de clareza, foram separadas as duas pesquisas para facilitar a compreensão do leitor, a despeito da interpretação neste texto se valer da fertilização dos achados. O que será retomado na parte final.

CASO UM: MILITÂNCIA E CONVERSÃO RELIGIOSA

O projeto do qual se origina o caso apresentado previa a análise comparativa de práticas sindicais e de greves de metalúrgicos do ABC e São Paulo e de trabalhadores canavieiros em Pernambuco que cingiram o horizonte de fins da década de 1970 e início de 1980 com intensos conflitos no amplo processo de redemocratização que o país passava naquela ocasião (Leite Lopes & Heredia, 2019). O recorte proposto com o caso dos metalúrgicos do ABC priorizou as histórias de mulheres metalúrgicas, com algum ativismo sindical, que pouco apareciam nas análises (Souza-Lobo, 2011; Humprey,1983). Não só por isso, mas pelo que parecia ser a persistência de uma clivagem sexuada das memórias desses trabalhadores passados quarenta anos das greves, quando acontecimentos e personagens estavam sendo disputados no mercado dos relatos.

A compreensão diferenciada dos engajamentos de homens e mulheres, bem como as consequências biográficas dos ativismos, desnudavam o lugar das afetividades tecidas no chão de fábrica, na relação com os companheiros, na construção e adesão a identidades coletivas como estratégias de representação de si, o que em termos de bens simbólicos era traduzido como pertencimento, luta por melhoria das condições de trabalho, denúncia das iniquidades vividas em casa e nas fábricas, indo muito além do simples registro de interesses manifestos pelo prisma da razão.

Sobre as memórias incide também um mecanismo biunívoco de apreensão do vivido e das maneiras de sentir. Em alguns casos, como se expôs em Santos Junior e Menezes (2019), o infortúnio vivido outrora pode ser objeto de esquecimento. Isso explica inclusive a dificuldade de acesso que houve para colher os relatos pela recusa de participação na pesquisa. Em igual compasso, mas em outra frente, as situações de entrevista ativam percepções a partir do contexto de enunciação do depoimento, isso pode fazer com que o infortúnio seja percebido, ou melhor, significado, a posteriori, passando a acreditar que experimentaram tais sentimentos durante as entrevistas. Um e outro, como sugere (Godwin et al. 2001; Fillieule e Neveu, 2019), desembocam, na linguagem das consequências biográficas, em termos de “ganhos sociais” das afetividades coletiva e individual, ou seja, da manutenção do reconhecimento e da legitimidade dos signos comoventes que os engajamentos produziram.

Se a perspectiva dos frames goffmanianos permite analisar a construção das legitimidades que estruturam as disputas no campo dos costumes e valores, para o caso da influência da religião no debate público, o estudo das consequências biográficas do engajamento militante, por meio das entrevistas em profundidade, reclama ir além da verbalização do sofrimento para colher as convenções sociais na expressão dos sentimentos.

Conquanto o tema da militância de longa duração pareça ainda timidamente abordado na literatura brasileira, esse movimenta intenso debate no mundo anglófono e francófono, a dar provas os estudos tais como os de McAdam (1989), Fillieule (2001), Le Quentrec (2014). Da geração de metalúrgicos entrevistados que se veem como classe enquanto comunidade, com uma noção de origem e destino, saltou a vista os custos afetivos diferenciais da militância, com isso, se o engajamento das mulheres no interior das instituições permitia politizar questões privadas, a permanência da clivagem de gênero nas memórias segue desafiando o reconhecimento das suas histórias, como se argue em (Santos Junior e Menezes, 2019).

Se o estudo não lançou mão da diversidade interna à categoria de metalúrgicos em termos geracionais, para flagrar as tensões em torno dos significados atribuídos à “classe”, opta-se por compreender o diálogo geracional de trajetórias de pais militantes no interior das suas famílias, com filhos e filhas.

Expectativas e desejos dos pais sobre a trajetória (de trabalho e educacional) dos filhos e filhas, em sentido mais amplo, em torno de valores e princípios de justiça que estiveram na base das greves históricas e da formação do Partido dos Trabalhadores, decantavam em um contexto radicalmente diverso não apenas pela perda de referencial simbólico associado à pretensão de “carreira metalúrgica”, na perspectiva dos filhos e filhas, como pelo confronto com a ascensão do que se convencionou chamar de “conservadorismo”. O que fez deslocar para o sintagma “esquerda” toda sorte de corrupção e deturpação no campo dos costumes. Corroendo, portanto, o legado das lutas em que pais e mães se engajaram e que foi vivido no interior das famílias o mais das vezes como drama, pelos custos afetivos impostos às esposas, filhos e filhas.

Cabe aqui recordar que as entrevistas com os filhos e filhas foram realizadas durante a pandemia da Covid-19, o que certamente exerceu efeitos no contexto de enunciação dos depoimentos colhidos pelo “momento crítico”. No entanto, os dados que se têm em mãos opõe resistência a hipótese da correlação direta entre a alteração do comportamento político em virtude do grande influxo político-religioso, e do imaginário evangélico moralizador, nas eleições de 2018, como sugerem pesquisas como a de Kalil (2018). Não se quer com isso meramente discordar, mas arguir sobre a hipótese de que ideias presentes no universo religioso evangélico, mas não somente, combinam elementos já cultivados em parcelas das camadas populares no Brasil e que se ligam a princípios de “honra”, “dignidade”, “moralidade” que, em acepção êmica, foram mais bem mobilizados pelo discurso religioso evangélico, notadamente o pentecostal e neopentecostal, algo também colhido por Feltran (2014).

O que não deprime o argumento do efeito catalisador ocorrido em virtude da eleição de 2018. No campo dos costumes e valores atrelados com a influência da religião, uma vez que no interior de muitas famílias entrevistadas houve conversões religiosas para igrejas pentecostais, que produzem regimes de verdade, sendo possível observar o reposicionamento desse horizonte de expectativa do legado de militância dos pais. Toma-se um caso-família mais detidamente, embora esse não deva ser lido como ideal-típico porque foram encontradas variações nos modos como essas tensões se apresentaram no interior das famílias que compunham a amostra dos casos analisados. Vale ressaltar, ainda, que se considera válido o recurso metodológico de diferenciar os modos de ressentimento, para evitar que, ao igualar apenas pela defecção/distanciamentos, perdesse a sua variação em função, por exemplo, i) dos atributos dos agentes tais como sexo, geração, escolaridade; ou em razão ii) de formas de pertencimento coletivo: filiações religiosas, cultura institucional do tipo/local de trabalho.

Na família da Marisa se tem, Glauber, Giacomo e Giulia. Migrante nordestina de origem rural, Marisa se empregou nas indústrias da região do ABC Paulista, casando-se posteriormente com José, também trabalhador metalúrgico. Ambos vivenciaram o período de intensas mobilizações sindicais que culminaram nas greves de fins da década de 1970 e início de 1980. Suas trajetórias ocupacionais revelam as agruras da difícil conciliação entre ativismo e manutenção dos empregos, agravando-se na vida de Marisa pelas obrigações atribuídas às mulheres com o cuidado da casa e dos filhos. O posterior divórcio agrava ainda mais a precariedade da sua condição, momento em que relata a fragilidade dos vínculos tecidos na militância que desapareciam nos momentos em que estava desempregada.

Com a aposentadoria, José se afastou do sindicato e, por conseguinte, da vida sindical. Ao contrário de Marisa, que seguiu com as atividades relacionadas à sua vida na militância sindical, por meio de uma associação de trabalhadores perseguidos na ditadura militar, e manifesta claro posicionamento político em suas redes sociais, não se furtando a falar sobre a militância, José prefere se manter mais distante e já relatou à família o que ele chama de uma “certa desilusão” com a face política que o movimento dos trabalhadores tomou rumo, na forma do Partido dos Trabalhadores, quando assumiu o poder.

Dos filhos, hoje vive com ela apenas Glauber; Giacomo e Giulia estão casados e vivem com suas famílias. É sobre eles que se põe luz agora. Antes, porém, a Tabela 2 reúne algumas informações biográficas que se destacam.

Tabela 2
Perfil biográfico

Para esta ocasião não se utilizarão informações sobre as trajetórias de pais e filhos para os fins desta análise, pois o propósito é ater ao modo como a religião provocará efeitos em termos de posicionamento político em dois dos filhos de Maísa em termos de consequências biográficas.

Católicos de herança, Glauber e Giulia se converteram a religião evangélica tardiamente. Giulia conta que a mãe detesta “igreja”, embora nas redes sociais seja possível ver a presença dela em algumas ocasiões que parecem ser comemorativas. O assunto começa a criar cisões quando entra no campo dos costumes e da moral, é o momento mais evidente de como as interpretações advindas da liturgia proposta pelo pastor entram em conflito com a formação política de Maísa, feita em outras bases, sobretudo pela influência do catolicismo operário que medrou na região no período em que ela foi militante sindical (Martins, 1994).

uma vez ela foi [para um culto], ela escutou. Porque, assim, eu acho que tudo é a forma que a gente interpreta, é o que eu falo pra ela: “têm palavras na bíblia que são muito forte”. Submissa é uma coisa que é terrível pra algumas pessoas ter que ouvir que a mulher é submissa ao marido, só que não é mais... Quer dizer, não é, é a forma de interpretar. E uma vez ela foi num culto lá e ouviu o pastor falar. Meu Deus do céu... Ela saiu, eu não sei nem como é que ela não falou nada na hora, eu nem sei até hoje, eu nem ouvi ele falar, nem prestei atenção no que ele falou. Acho que era um contexto lá e falou a palavra. Pra ela foi o fim do mundo (Giulia, 32 anos).

Giulia conta, ainda, quando perguntado sobre o momento político que o Brasil viveu nos últimos anos, com polaridades assumidas entre quem se diz de “direita” e de “esquerda”, ou que apoiava Lula, ou Bolsonaro, sobre como isso afetou do mesmo modo as conversas em família sobre os mesmos assuntos. A participação em um “grupo político” que há na igreja sustenta uma forma de engajamento que, como disse, “eu quis entrar nesse grupo pra saber também quais eram os pensamentos que eu não acho também que a gente tem que defender só uma coisa a gente tem que entender o outro lado”.

Nas reuniões, passam informações sobre posicionamentos da bancada evangélica no parlamento. Insistiu-se um pouco mais no assunto para saber quando as divergências se manifestam, tendo em vista a formação política dos pais, na suposição de que o noticiário político igualmente atinge o conteúdo discursivo da religião em temas como família, sexualidade, justiça, como exemplos. De pronto ela reconhece a divergência que há entre as concepções da igreja a qual pertence e os posicionamentos dos pais, mas o relato é prudente, contido, para dizer que:

tanto que eu acho que a bancada evangélica é, como que eu posso dizer? É que é assim, o nosso grupo político defende a família. Só que a visão de família nossa, falo nossa porque eu faço parte, então é nossa, é totalmente diferente dessa base que a minha mãe veio me ensinando. É o oposto, o oposto (Giulia, 32 anos).

Esse é ponto que se une ao relato do seu irmão, Glauber, em que transparece ainda mais a maneira como se contaminam o sagrado e o mundano em termos de concepções políticas.

Antes, porém, cumpre destacar que a trajetória de Glauber perfaz, o que vale para o caso dos demais irmãos, aquilo que já havia sido descrito por outros estudos sobre estratificação educacional (Comin e Barbosa, 2011), ou seja, aumento da escolaridade quando comparado à geração anterior dos pais e ingresso no mercado de trabalho antes da entrada no Ensino Superior, inclusive como recurso para, se possível, financiá-lo.

Glauber começa a trabalhar aos 16 anos na área administrativa de uma empresa de manutenção de máquinas de soldagem, com sede em São Bernardo do Campo. Quando questionado sobre participação em qualquer forma de organização de trabalhadores, afirma nunca ter participado ou manifestado a intenção de fazê-lo. Sempre esquivando-se das perguntas sobre a sua trajetória, insistiu-se para saber se ele nunca teve a intenção de ser metalúrgico como os pais, mas as respostas que foram colhidas, sempre evasivas sobre esse assunto, indicavam que o percurso dele seria outro, mais na parte administrativa dos empregos que foi conseguindo.

Sobre a militância dos pais, Glauber se posiciona em concordância vaga, diga-se, para ressaltar o altruísmo dos pais, a dedicação à família, não se comprometendo a entrar em muitos detalhes sobre o custo desses engajamentos políticos. Vejam como aparece na narrativa:

[...] Se você acha que foi uma coisa boa pra ela. Você avalia como uma atividade interessante?

Eu vou imaginar, assim, uma situação. Se fosse hoje, vamos dizer assim, é, eu concordaria, só que eu acho que a minha mãe ela tem um potencial muito grande pra mudar a vida das pessoas, ela tem muito esse coração, eu acho que ela entraria e ela poderia mudar a vida de muitas pessoas com esperança com a força que ela tem como ela sempre foi.

E você sente que aprendeu um pouco desse lado dela? Pra você mesmo?

Ah! Sim, acho que isso a gente acabou adquirindo sim. Essa parte, assim, de dedicação, a gente via meus pais como essa questão de trabalho mesmo, então eram pessoas que a gente tinha referência como trabalhadores dedicados, que conquistavam e que muita honestidade também, é algo que eu sempre vi nos meus pais (Glauber, 30 anos).

Quando perguntado sobre se o debate político contemporâneo aparece nas conversas em família, Glauber afirma ter algumas divergências, embora procure respeitar as posições da mãe. Com isso, houve enfoque das questões político-partidárias e ele não hesita em manifestar seu distanciamento com relação, por exemplo, a opção política dos pais, quanto ao Partido dos Trabalhadores, e passa a direcionar o discurso rumo a uma noção de “governo de Deus”, da política que se orienta pelo prisma do sagrado.

[...] Olha, hoje, assim, pensando hoje, minha posição é segundo o que eu creio e segundo o que a Palavra ela me fala, assim, eu tenho uma... eu sei que as coisas daqui é querendo ou não elas passam, num dia você pode ser rico, no outro não, então, assim, não me baseio muito nas coisas daqui, me baseio e confio no que a Palavra diz, num outro governante. Sinceramente o meu coração se baseia em outro governante, não aqui. Se você me falar assim: “onde está o seu coração?” Posso te dizer: não está em partido.

Ele conta que foi levado à igreja por um amigo da infância e que o seu entendimento sobre o conhecimento de Deus foi alterando a percepção que tinha sobre o próprio trabalho, os desafios do cotidiano e a história dos pais. A longa insistência em sondar como ele se posicionava no espectro político do debate público – considerando ainda que se estava, à época da entrevista, na pandemia e nos agravos das medidas de restrição sanitária – não surtiu muitos efeitos para além de respostas vagas, sempre remetendo ao plano do sagrado, ao governo de Deus, quando se queria falar do governo dos homens.

A denotar, talvez, uma sorte de “encantamento do mundo”, ao contrário do que propõe Rivera (2010). Parecia claro que a influência do discurso religioso permeava as ações dos que se converteram, sendo capaz de ressignificar as trajetórias e, nessas, o conteúdo do vivido nos espaços de trabalho, na família, vale dizer, no que tange a órbita dos valores e costumes. Certamente, que a afirmação ainda carece de mais garimpo etnográfico, capaz de sondar a gramática desses novos tempos.

CASO DOIS: NEGAÇÃO DA POLÍTICA, MAS NEM TANTO

O segundo estudo aqui apresentado procurou compreender e analisar os diferentes modos de transmissão política entre as gerações de trabalhadores do ABC, sendo a primeira geração dos supracitados “peões do ABC” e a segunda os seus filhos. Tratava-se de perceber como a relação com a política e a maneira de reagir a assuntos dessa ordem se constrói em meio a outras relações no ambiente íntimo familiar, nas relações afetivas entre pais e filhos. Tal estudo foi levado a cabo tendo como ambientação um bairro (Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo) conhecido por sua tradição operária metalúrgica e, também, por seu afamado “potencial político”, relacionado às greves metalúrgicas e ao surgimento do Partido dos Trabalhadores .

Apesar disso, Ferrazópolis sofreu intensas transformações em sua configuração e perfil ao longo dos últimos 40 anos, passando a ser mais um bairro pobre, habitado por trabalhadores igualmente pobres e cada vez mais precarizados. Território este, que sofreu os efeitos das alterações do mercado de trabalho da região do ABC, e com a desindustrialização da economia (local e regional), que alavancou a alteração das condições e credenciais para continuar e /ou se tornar metalúrgico.

Outro elemento que distingue este estudo entre muitos já realizados sobre o ABC é o olhar que se volta também para uma parcela “esquecida” entre os trabalhadores e históricos “peões do ABC”, os ex-metalúrgicos, ou seja, trabalhadores pouco qualificados que foram expulsos do setor em meio as mudanças fundamentais nos modos de produção e nas exigências em termos de escolarização desencadeadas a partir de 1990. Os ex-metalúrgicos, embora ainda se identifiquem como metalúrgicos, compõe a massa de trabalhadores não qualificados atirados para o desemprego, ou obrigados a migrar para o setor de serviços, ou ainda, que se somaram aos milhares de brasileiros trabalhadores do mercado informal da época.

Esta reconversão reverberou geracionalmente, refletiu em certo momento em mobilidade, mas depois em estagnação e frustração de mobilidade social. Significou, também, ausência de recursos e, em certos casos, impossibilidade de manutenção da própria condição operária outrora ocupada pelos pais. E tudo isso, refletiu de modo mais ou menos intenso nas visões de mundo, inclusive, acerca da política e dos valores de dignidade e justiça entre pais e filhos.

A investigação realizada no bairro contou com diferentes etapas e metodologias, começando por observação direta e participante, passando pela aplicação de questionários domiciliares a uma amostra da população do bairro (n=311), seguido de mais observações de cariz etnográfico e, finalmente, realização de entrevistas biográficas com 27 indivíduos, aninhados em oito famílias. Foi possível distinguir tendências de comportamento e participação política entre os moradores que variavam entre engajamento total, parcial e nulo. Foram acompanhadas famílias que apresentavam essas diferentes vertentes de relacionamento com a política e que, em função disso, empregavam diferentes tipos de transmissão política em seu interior, que variavam entre transmissões políticas sólidas e porosas. Apresenta-se abaixo o caso de uma família, em que a política ocupava um espaço muito reduzido na rotina.

Os Souza4: “Apolitismo e Cristianismo”

A trajetória da família Souza, corresponde à de famílias e indivíduos que, apesar de terem vivenciado a onda grevista do ABC, não mantiveram engajamento militante e se percebem e se declaram como “apolíticos”, ou pouco interessados neste universo. Trata-se, portanto, de indivíduos que não têm histórico de engajamento ou participação em qualquer organização político-associativa e que afirmam não gostar ou não saber nada sobre o universo da política, resultando em processos de transmissões intergeracionais, especialmente sutis, porosas e difusas no que tange aos modos de lidar com a política entre as gerações familiares.

Importante lembrar que o chamado “apolitismo” não quer dizer desconhecimento em relação à política, pois diz respeito a uma maneira de lidar com a política e a um posicionamento bastante claro baseado na pretensão de afastamento em relação às questões dessa ordem (Percheron, 1993).

A família Souza é formada pelo casal Joel e Ione, ambos migrantes do sertão nordestino, além de três filhos, Adilson, Ismael e Pedro, nascidos no ABC.5

Toda a família foi acompanhada, mas apenas os maiores foram entrevistados e, para efeitos deste artigo, detêm-se aos relatos de vida dos pais e do filho mais velho, Adilson.

Ao contar suas vidas, tanto Ione quanto Joel marcaram a passagem do tempo de suas trajetórias usando como referência os acontecimentos da vida profissional, por exemplo, por meio dos anos em que foram admitidos ou demitidos nas fábricas em que trabalharam. Ione, compunha uma parcela reduzida de mulheres do bairro empregadas como trabalhadoras industriais, tendo atuado em fábricas desde muito jovem, inclusive, no setor metalúrgico. A política não aparece espontaneamente nas narrativas de vida dos pais Ione e Joel, apenas quando lhes era pedido que abordassem, entretanto, era comum referirem que se tratava de algo com pouca relevância em suas vidas.

Joel e Ione viviam no ABC Paulista desde os anos 1980, mas se mudaram para Ferrazópolis no ano de 1994, tardiamente, em relação à fundação do bairro (que remete aos anos 1970). Nessa época, a família era composta por Ione, Joel, Adilson (primeiro filho de Ione, então com 8 anos) e Ismael, filho do casal que estava para nascer. Para o casal, essa mudança representava declínio social, mas também uma estratégia para se reerguerem financeiramente e usufruírem da rede de apoio e cuidado proporcionada pela família que já vivia neste bairro.

O filho mais velho, tal qual a mãe e o padrasto, contou sua história de vida sem apresentar qualquer marcação de tempo em função da política - seu relato foi realizado em função dos períodos de sua escolarização, que é alta e que o coloca em um seleto grupo entre os moradores do bairro (Silva, 2017). Adilson possui diploma de dois cursos superiores, em Matemática e em Engenharia Civil, mas na altura da entrevista em 2016, um momento de crise política e econômica (e do setor de construção civil) no país, se encontrava desempregado.

As questões sobre política (gerais e específicas) foram respondidas à medida que Adilson era questionado, entretanto, os temas políticos começaram a aparecer de forma mais espontânea, quando entrelaçados com sua trajetória religiosa e de trabalho. Segundo o rapaz, em sua casa, política era um tema pouco abordado, restrito aos momentos de eleições, no mais, só era temas de conversas eventuais com seu pai biológico, com quem convivia apenas algumas vezes por mês.

Ah, quando eu ia pra casa do meu pai, eles sempre estavam lá conversando de política. Enchia minha paciência, pra ser sincero, achava chato quando começavam com essas conversas, eu era moleque, não estava nem aí pra isso. Mas, você imagina, aquele monte de metalúrgicos, reunidos de final de semana, faziam churrasco e iam falar sobre o quê? Falavam que precisava eleger o Lula, falavam mal do Fernando Henrique, pediam governo de trabalhador! Eu presenciei isso aí na minha infância, embora hoje eu pense coisas bem diferentes (Adilson, 30 anos de idade).

No que tange aos valores apreendidos com a família, Adilson destaca, tanto por parte da mãe quanto do pai, a honestidade, a obediência e a responsabilidade como valores fundamentais.

Nota-se que a socialização política, em sua família materna, que não discutia política nem julgava necessário abordar esse assunto no ambiente familiar, resultou em um tipo de transmissão mais fluida sobre valores dessa ordem para os filhos. Na trajetória de Adilson pesa ainda o fato de que ele passou a infância dividido entre a casa da mãe e a do pai biológico, e que, na casa de seu pai, a política era um assunto mais comum e algo que lhe incomodava. Em meio a esse cotidiano dividido entre a casa do pai e a da mãe e ao afastamento da família materna em relação à política, o intercâmbio político só existia na casa do pai, que, apesar de ter sido metalúrgico e simpatizante do Partido dos Trabalhadores, possuía um engajamento pontual.

Adilson passava a maior parte do tempo na casa da mãe, um ambiente em que a troca sobre política era quase inexistente. O jovem afirma ter consciência de certa influência do comportamento e do posicionamento político do pai sobre a sua maneira de se relacionar com a política, isto é para ele, uma memória caricata, que o faz lembrar do pai com carinho. É como se representasse seu falecido pai, feito parte do início de sua vida, influenciando os seus primeiros votos, em Lula, mas algo com o que ele já não concorda. Em que pese o contexto da entrevista, ocorrida em 2016, momento marcado por forte queda nos níveis de confiança no Partido dos Trabalhadores e na figura de Lula. Adilson se declarava fortemente decepcionado com os últimos acontecimentos políticos, nomeadamente, corrupção e dificuldade de dar respostas às crises, dizia não acreditar nos partidos políticos existentes no Brasil e guardava forte mágoa do Partido dos Trabalhadores. Em suas palavras: “o PT que meu pai sentia orgulho em defender já não existe mais e, por conta disso, não é um partido político digno de merecer o meu apoio” (Adilson, 30 anos de idade).

Além do maior desinteresse por política entre os Souza, um fato importante marca uma mudança no comportamento de parte deste núcleo familiar: em meados dos anos 2000, Ione e Joel passam por uma crise no casamento e a solução encontrada pelo casal foi ampliar a religiosidade. Ione se converteu em evangélica e pouco depois, Joel fez o mesmo, de forma particularmente intensa, passando a ser a religião neopentecostal o assunto onipresente na vida da família e, aquilo que possibilitou a sua continuidade enquanto tal, mantendo o casamento.

Antes desta conversão religiosa dos pais, toda a família era católica, porém pouco praticante. Embora nem toda a família tenha se convertido, o novo estilo de vida familiar foi fundamental para a continuidade da criação dos filhos. Adilson, o filho mais velho até se manteve católico, mas pertencia a um grupo conservador e mais alinhado aos valores da igreja evangélica que os pais frequentavam, com separação entre grupos de homens e mulheres no ambiente da igreja e vestimenta “virtuosa”, por exemplo. Assim, como no caso anterior, a religião passa a fornecer novos meios de interpretar o Mundo, e que em alguns momentos, se chocam com os antigos valores dos pais. Como o próprio Adilson afirma:

Uma coisa que eu tenho certeza é que de esquerda eu não quero ser, pois os valores da esquerda e do cristianismo se chocam. E vou te dizer, falo isso até porque conheço pessoas que deixaram de participar da igreja por ser esquerda. A pessoa saiu da igreja porque os ideais começaram a se chocar demais, aí teve que tomar uma decisão e deixou a igreja. Eu não quero isso pra mim; prefiro preservar minha visão cristã, essa é a minha decisão (Adilson, 30 anos de idade).

Além da religião, a crise política e econômica na qual o Brasil estava mergulhado desde então, atingiu Adilson de maneira concreta, com perda do emprego. Adilson foi demitido, no ano de 2014, em meio a uma forte crise do setor imobiliário e da construção civil em que trabalhava. Decepção com o governo do país, percepção de mudança em relação ao que acreditava seu pai biológico, ausência de intercâmbio político no ambiente familiar, mas muita presença deste intercâmbio entre os amigos e a prática religiosa. Esse contexto somado às consequências concretas de crises políticas e econômicas, em sua vida, parecem ter contribuído para a forma como Adilson interpretava e se relacionava com a política.

Enquanto isso, a mãe e o padrasto seguiam afirmando não se interessar por estas questões, entretanto, guiavam seus votos de acordo com os valores das benfeitorias para os trabalhadores, mas sempre recorrendo às menções acerca da família, da seriedade e costumes, principalmente, nos cargos legislativos, optando pelos “candidatos da Igreja”. A mãe e o padrasto permaneceram ativamente evangélicos e os valores cristãos passaram a ser cada vez mais relevantes em sua vida e em sua percepção da política.

Ao se perguntar a que ponto chegou a relação tão intensa entre religião e política, religião e percepção de eixos ideológicos, enquadramento nestes eixos e influência sobre o voto, é preciso olhar para a maneira como a religião se insere na vida das pessoas. O caso de Adilson e de sua família, que representa muitas outras famílias brasileiras, formada por trabalhadores de classe baixa e com pouco ou nenhum interesse político institucional, por não verem nela, condições de melhorarem suas vidas, mas que, por outro lado, demonstram, por diversos motivos legítimos, pouca disposição para engajamento em outros tipos de causas coletivas propriamente políticas. No entanto, com disposição religiosa, um espaço associativo, um ambiente de acolhida e, por vezes, a única atividade desenvolvida que não se relaciona com o trabalho.

Neste caso, mesmo se tratando de uma família que se define como “apolíticos” ou pouco ou nada interessados em política, o que também representa uma maneira de se posicionar politicamente, de algum modo, a política está presente em suas vidas, seja pela mediatização da política, seja pelas discussões intensas entre moradores do bairro, ou porque, segundo Muxel (2008, p. 102), de alguma maneira em meio ao convívio social “entendem-se meias palavras, produz-se diminuições, são fabricados atalhos para interpretar a realidade política do ambiente. Reage-se a uma frase introduzida por informações televisivas. Concorda-se, confronta-se, opina-se” sobre política. A concordância em relação à política, o nível de engajamento e a existência ou não de intercâmbio político no meio familiar contribuem para a existência de diferentes tipos de transmissão política. Tais transmissões, por sua vez, nem sempre são colocadas em prática de modo consciente, podem ser classificadas como mais sólidas ou porosas (e, por vezes, contraditórias) e dependem muito da maneira como os pais se relacionam com a política e, também, dos tipos de relações de proximidade e afetividade existentes no cotidiano familiar. E seus resultados (com manutenções e alterações) ao longo da vida deveriam ser mais presentes em radar de estudos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados aqui reunidos expõem um caminho. Como visto, o que se deseja é avançar na compreensão dos elos que unem a política como afetividade e a religião. Por um lado, ao fertilizar os modos como se constituem identidades e as formas de engajamento político, nos casos analisados, inclui-se a dimensão das imagens de si observando-as por meio de carreiras de ex-militantes sindicais de longa duração e de famílias com membros cujas trajetórias ocupacionais foram marcadas por uma cultura de ofício.

Aqui, a pretensão era reter variações de significados no vínculo assumido com o ativismo sindical, suas bandeiras, e os compromissos assumidos enquanto classe. Ao incluir o trânsito geracional de valores associados ao político no interior das famílias se queria flagrar as ambivalências presentes entre expectativas e comportamentos assumidos nessa dimensão, enquanto lugar de socialização desses valores, em que pese a existência de outros domínios do social igualmente relevantes.

A religião, a despeito de não estar em foco surgiu como imposição do campo, no sentido de que havia bons indícios para crer que esta seria uma variável interveniente no processo de gestão do comportamento político, ao menos naquele contexto. Recuperando pistas deixadas por outros estudos (Almeida, 2004; Prandi e Santos, 2017; Rivera, 2010; Burity, 2021), o objetivo aqui era melhor compreender como o gradiente religioso, em seu aspecto de discurso sobre valores, oferece um campo de (re)significação das gramáticas morais de justificação que orbitam na esfera da política.

Nos casos analisados, esse elemento foi observado no interior de famílias com trajetórias laborais marcadas pelo pertencimento a uma classe operária que construiu para si uma imagem briosa. Certamente que mudanças estruturais, tais como alterações no mercado de trabalho do setor automotivo da região, aumento da escolaridade, conjuntura política diversa, interferem na estrutura de oportunidades disponíveis e nas formas de engajamento e participação política, entretanto, nota-se que um elemento substantivo de interpretação, percepção, dessas mudanças em termos de consequências biográficas é dado pelo receituário das religiões ali presentes.

Desse modo, a hipótese é de que o frame que reposiciona as formas de engajamento e adesão ao legado reivindicado pelos pais, ou ainda a percepção dos desafios colocados por um contexto radicalmente diverso ao vivido por eles, nos casos que foram analisados, sendo marcadamente influenciado pelo discurso religioso. No sentido de que esse incide sobre as práticas dando-lhes uma nova roupagem.

Seria necessário avançar ainda em sua diversidade interna, pois se sabe que há “evangélicos de direita”, “evangélicos de esquerda’, e o mesmo vale para católicos, por exemplo, uma parte desses (como o jovem Adilson, apresentado no caso dois) encontraram confluência na defesa, como propõe Burity (2023), dos “valores tradicionais”, das armas, do neoliberalismo ou ainda contra a “ideologia de gênero”. Nos casos analisados, não é propriamente a vinculação ao neopentecostalismo que os singulariza, visto que, ainda seguindo o argumento de Burity (2023), católicos e evangélicos podem reivindicar uma maioria cristã em torno dessas pautas, mesmo que essa dimensão cristã seja um “significante vazio”.

O terreno parece fértil para germinar mudanças na percepção de valores associados ao trabalho, ao dinheiro, as formas de associativismo, mais condizentes, diga-se, com o receituário individualista, do mérito, distantes do imaginário social em que os pais viveram. Caberia perguntar sobre o que está emergindo no lugar de antigas ideias associadas ao trabalho metalúrgico, ao orgulho de classe que ali medrou. Oferece-se aqui algumas pistas.

Tabela 3
Composição e informações acerca da família Souza

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, A. de. Um encontro de origens diversas: a presença de migrantes e imigrantes na composição da classe trabalhadora do ABC Paulista. Tempos Históricos, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 57-66, 2012. DOI: 10.36449/rth.v1i1.6797. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/article/view/6797 Acesso em: 12 fev. 2025.
    » https://doi.org/10.36449/rth.v1i1.6797» https://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/article/view/6797
  • ALMEIDA, R. da S. R.; MACHADO, C. A. M. Sentidos do Partidarismo: Construindo uma Tipologia Multidimensional de Eleitores. Dados, 67 (3), 2024, p. 1-47. https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.328
    » https://doi.org/10.1590/dados.2024.67.3.328
  • ALMEIDA, R. de. Religião na metrópole paulista. RBCS, 19 (56), 2004, p.15-27. https://doi.org/10.1590/S0102-69092004000300002
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092004000300002
  • ALMEIDA, R. de. Evangélicos à direita. Horizontes Antropológicos, 26 (58), 2020, p. 419-436. https://doi.org/10.1590/S0104-71832020000300013
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832020000300013
  • ALMEIDA, R. & BARBOSA, R. Transição religiosa no Brasil. In. ARRETCHE, M. Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora da Unesp; CEM, 2015.
  • ANSART, P. A gestão das paixões políticas. Curitiba: Ed. UFPR, 2019.
  • BOHN, S. R. Evangélicos no Brasil: perfil socioeconômico, afinidades ideológicas e determinantes do comportamento eleitoral. Opinião pública, 10, 2004, p. 288-338. https://doi.org/10.1590/S0104-62762004000200006
    » https://doi.org/10.1590/S0104-62762004000200006
  • BORBA, J., e CARDOSO, G. R. Os estudos de comportamento político na ciência política brasileira: caracterização do campo, apontamentos sobre a literatura e trabalhos de referência. BIB - Revista Brasileira De Informação Bibliográfica Em Ciências Sociais, (89), 2019, p. 1-33. Disponível em: https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/479
    » https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/479
  • BURITY, J. The Brazilian Conservative Wave, the Bolsonaro Administration, and Religious Actors. Brazilian Political Science Review, 15 (3), 2021, p. 1-19. https://doi.org/10.1590/1981-3821202100030005
    » https://doi.org/10.1590/1981-3821202100030005
  • BURITY, J. Duas formas de religião pública e democracia nas eleições de 2022. Revista Intolerância Religiosa, v. 3, p. 1-14, 2023.
  • CALHOUN, C. Putting Emotions in Their Place. In. GOODWIN, J. et al. Passionate Politics. Emotions and Social Movements. Chicago: The University of Chicago Press, 2001. p. 45-57.
  • COMIN, A. A., e BARBOSA, R. J. Trabalhar para estudar: sobre a pertinência da noção de transição escola-trabalho no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, (91), 2011, p. 75-95. https://doi.org/10.1590/S0101-33002011000300004
    » https://doi.org/10.1590/S0101-33002011000300004
  • 50% DOS BRASILEIROS são católicos, 31%, evangélicos e 10% não têm religião, diz Datafolha. Globo.com, Rio de Janeiro, janeiro de 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13 >. Acesso em: 01 de agosto, 2023.
    » https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13
  • FELTRAN, G. de S. O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Caderno CRH, 27(72), 495-512, 2014. https://doi.org/10.1590/S0103-49792014000300004
    » https://doi.org/10.1590/S0103-49792014000300004
  • FILLIEULE, O. Propositions pour une analyse processuelle de l'engagement individual. Revue Française de Science Politique, v. 51, n.1-2, 2001, p. 199-215.
  • GOODWIN, J. et al. Introduction: Why Emotions Matter. In. GOODWIN, J. Passionate Politics. Emotions and Social Movements. Chicago: The University Of Chicago Press, 2001. p. 1-26.
  • HUMPHREY, J. Sindicato: um mundo masculino. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, 2(1), p. 47-52, 1983.
  • JASPER, J. M. The emotions of protest. Chicago: the university of Chicago press, 2018.
  • KALIL, I. O. Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro. São Paulo: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 2018.
  • KOURY, M. G. P. Pela consolidação da sociologia e da antropologia das emoções no Brasil. Sociedade e Estado, 29 (3), 2014, p. 841-866. https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000300009
    » https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000300009
  • LACERDA, M. B. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk, 2019.
  • LEITE LOPES, J. S.; HEREDIA, B. A. (Orgs.). Movimentos cruzados, histórias específicas: estudo comparativo das prá-ticas sindicais e de greves entre metalúrgicos e canavieiros Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2019.
  • LE QUENTREC, Y. Unhappiness and Happiness of Female Activists: Trade Union Work Faced with Domestic Work. Nouvelle Revue de Psychosociologie, 18, 2014, p. 147-161. https://doi.org/10.3917/nrp.018.0147
    » https://doi.org/10.3917/nrp.018.0147
  • GIUGNI, M. Biographical consequences of activism. In: The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Social and Political Movements. David A. Snow, Donatella della Porta, Bert Klandermans, and Doug McAdam (Ed.). Oxford: Wiley-Blackwell, 2013. p. 138-144. doi: 10.1002/9780470674871.wbespm013
    » https://doi.org/10.1002/9780470674871.wbespm013
  • MACHADO, A. H. Os evangélicos e a política no Brasil: posições, alinhamentos e tensões (1960-1976). 2016, 416 p. Tese (Doutorado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • MARIANO, R. Sociologia do crescimento pentecostal no Brasil: um balanço. Perspectiva Teológica, 43 (119), 2011, p. 11-36. DOI: 10.20911/21768757v43n119p11/2011
    » https://doi.org/10.20911/21768757v43n119p11/2011
  • MARTINS, H. H. T. de S. Igreja e movimento operário no ABC: 1954-1975. São Paulo: Hucitec; São Caetano do Sul: Prefeitura de São Caetano do Sul, 1994.
  • MARTINS, J. de S. Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo. São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. São Paulo: Hucitec; Prefeitura de São Caetano do Sul, 1992.
  • MAYER, N. Sociologie des comportements politiques. Paris, Armand Colin, 2010
  • MELUCCI, A. The new social movements: a theoretical approach. Social Science Information, 19(2), 1980.
  • MELUCCI, A. Um objetivo para os movimentos sociais. Lua Nova, n. 17, 1989. https://www.scielo.br/j/ln/i/1989.n17/
    » https://www.scielo.br/j/ln/i/1989.n17/
  • MUXEL, A. Moi, toi et la politique: amour et convictions. Paris, Seuil, 2008.
  • MUXEL, A. La politique au fil de l'âge. Paris, Presses de Sciences Po, 2011.
  • NEGRO, A. L. Linhas de Montagem: o Industrialismo Nacional-desenvolvimentista e a Sindicalização dos Trabalhadores. São Paulo: Boitempo, 2004.
  • OLSON, M. A lógica da ação coletiva. Os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999.
  • PALMEIRA, M. G. S. e HEREDIA, B. M. A. Os comícios e a política de facções. Anuário Antropológico, [S. l.], 19(1), p. 95-125, 2018. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6587 Acesso em: 13 fev. 2025.
    » https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6587
  • PERCHERON, A. La socializacion politique. Paris, Armand Colin, 1993.
  • PIERUCCI, A. F. Religião como solvente: uma aula. Novos Estudos CEBRAP, (75), 2006, p. 111-127. https://doi.org/10.1590/S0101-33002006000200008
    » https://doi.org/10.1590/S0101-33002006000200008
  • PIERUCCI, A. F. As bases da nova direita. Novos Estudos Cebrap. n. 19, p. 26-45, dez. 1987
  • PRANDI, R., e SANTOS, R. W. dos. Quem tem medo da bancada evangélica? Posições sobre moralidade e política no eleitorado brasileiro, no Congresso Nacional e na Frente Parlamentar Evangélica. Tempo Social, 29(2), 2017, p. 187-214. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.110052
    » https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.110052
  • PMSBC. Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Solenidade na Câmara homenageia a Igreja Ebenezer, 2018. Disponível em: <https://www.camarasbc.sp.gov.br/noticia/ >. Acesso em 22 de janeiro de 2025.
    » https://www.camarasbc.sp.gov.br/noticia/
  • RIBEIRO, E. et al. Tolerância política e ativismo de protesto no Brasil: efeitos comportamentais do apoio a direitos políticos. Revista Brasileira De Ciência Política, (38), 2022, p. 1-26 https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.38.255478
    » https://doi.org/10.1590/0103-3352.2022.38.255478
  • RIBEIRO, A. L. Uma Tipologia do Pentecostalismo Católico: a RCC em ondas. Revista Fragmentos de Cultura - Revista Interdisciplinar de Ciências Humanas, Goiânia, Brasil, 21(2), p. 171-188, 2012. DOI: 10.18224/frag.v21i2.1881.
    » https://doi.org/10.18224/frag.v21i2.1881
  • RIVERA, P. B. Pluralismo Religioso e Secularização: Pentecostais na periferia da cidade de São Bernardo do Campo no Brasil. Revista de Estudos da Religião, (1), 2010, p. 50-76. Disponível em: https://www.academia.edu/52698869/Pluralismo_Religioso_e_Seculariza%C3%A7%C3%A3o_Pentecostais_na_periferia_da_cidade_de_S%C3%A3o_Bernardo_do_Campo_no_Brasil
    » https://www.academia.edu/52698869/Pluralismo_Religioso_e_Seculariza%C3%A7%C3%A3o_Pentecostais_na_periferia_da_cidade_de_S%C3%A3o_Bernardo_do_Campo_no_Brasil
  • SADER, E. Quando novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • SAFATLE, V. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do Indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
  • SANTOS JUNIOR, J. e MENEZES, M. A. À margem da história? Mulheres metalúrgicas e a memória das greves do ABC (1978-1983). In: LEITE LOPES, J. S. e HEREDIA, B. A. (orgs.). Movimentos cruzados, histórias específicas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2019. p. 227-266.
  • SARTI, C. A. A família como espelho. São Paulo: Cortez, 2003.
  • SETTON, M. G. J. A particularidade do processo de socialização contemporâneo. Tempo Social, São Paulo, 17 (2), 2005, p. 335-350. https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000200015
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000200015
  • SILVA, M. G. V. Ferrazópolis: um bairro, duas gerações e a política. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • SOUZA-LOBO, E. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Perseu Abramo, 2011.
  • THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
  • TOURAINE, A. Os novos conflitos sociais. Para evitar mal-entendidos. Lua Nova, n. 17, 1989, p. 5-18. https://doi.org/10.1590/S0102-64451989000200002
    » https://doi.org/10.1590/S0102-64451989000200002
  • 1
    Aqui cabe uma ponderação sobre a disposição do universo religioso no Brasil. Primeiro, o argumento lançado por Pierucci (2004), sobre a necessidade de falar mais sobre um “catolicismo em declínio”. Segundo, parece salutar matizar a tradução de “sem religião” como “ateísmo”. Como afirmam Almeida & Barbosa (2015), a correlação com variáveis tais como escolarização, ocupação e renda não atestam a hipótese do avanço do ateísmo como resultado de uma maior urbanização e escolarização. A forma de coleta sobre isso importa e se liga ao terceiro ponto, o do trânsito religioso. É razoável supor que parte das declarações colhidas pelo Censo nesse quesito fale sobre os “religiosos sem religião” (Almeida & Barbosa, 2015). Entre os evangélicos, esse trânsito significa menor filiação a uma religião específica e maior circulação entre elas.
  • 2
    Além da manutenção de grupos altamente conservadores no seio da Igreja Católica, convém destacar que após os anos 1960, emergiu no catolicismo, o Movimento Renovação Carismática (RCC), com valores e práticas neopentecostais. Tal movimento logrou grande sucesso e foi considerado relevante na disputa por fiéis com as igrejas evangélicas (Ribeiro, 2011).
  • 3
    Carece-se de registros que documentam a história da Igreja CQL e acusa-se a fragilidade das fontes disponíveis, notadamente a sua página em uma rede social. Sabe-se, contudo, que essa foi fundada há mais de vinte anos pelos pastores Hairine e Carmen Marques em uma “garagem”, algo comum ao modo como se proliferam outras igrejas neopentecostais.
  • 4
    Todos os nomes e sobrenomes são fictícios.
  • 5
    Pedro, o filho mais novo do casal aparece apenas a título de conhecimento e informação sobre o núcleo familiar, por ser menor de idade. Para além dos critérios éticos de opção por não entrevistar crianças neste estudo, um dos critérios de definição dos sujeitos da pesquisa era geracional, de modo que Pedro fazia parte de nenhuma das duas gerações em análise para o estudo.
  • 6
    Denominação originária da Igreja Batista Ebenézer, nos anos 1980. Em 1990, a igreja instala a sua sede no bairro Ferrazópolis, com remanescentes da denominação Batista Ebenézer. Em 1998, o nome da Igreja foi alterado. É quando passa a se chamar Igreja Evangélica Apostólica Ebenezer. Ao longo dos anos, a Igreja se expandiu e tem sedes por todo o Brasil e fora desse, com presença no Continente Africano (PMSBC, 2018).
  • Editor Chefe:
    Renato Francisquini Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    1 Fev 2024
  • Aceito
    23 Jan 2025
location_on
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos Estrada de São Lázaro, 197 - Federação, 40.210-730, Tel.: (55 71) 3283-5857 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revcrh@ufba.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro