Resumos
O artigo discute a relação histórica entre neoliberalismo e democracia social na Nova República, com base na abordagem teórica das governamentalidades híbridas. O ensaio aborda inicialmente a emergência da lógica socialdemocrata na redemocratização, com seu arcabouço jurídico-institucional e seus dispositivos de democracia representativa, democracia participativa e políticas sociais. Depois, analisa como ela se chocou contra e se compôs com as três ondas de neoliberalização: primeira, integração aos mercados financeiros e comerciais globais e reforma gerencial do Estado, com inversão das prioridades constitucionais e imposição da disciplina de mercado à democracia; segunda, tomada da “nova classe média” como objeto de saber e poder pelo neoliberalismo, com avanço da economização da política e do social; e terceira, novas reformas de blindagem dos mercados, com ataque à democracia e desmonte das políticas sociais. Nesse percurso, conforme a ênfase nas diferentes estratégias do neoliberalismo, ele passou da desdemocratização à ofensiva antidemocrática, levando à crise da Nova República.
PALAVRAS-CHAVE
Neoliberalismo; Democracia social; Brasil; Governamentalidades híbridas; Economização
The article examines the historical relationship between neoliberalism and social democracy in Brazil’s New Republic through the theoretical lens of hybrid governmentalities. It first explores the emergence of the social-democratic logic during redemocratization, highlighting its legal and institutional framework, dispositifs of representative and participatory democracy, and social policies. It then analyzes how this political rationality clashed with and mixed with three waves of neoliberalization. The first wave involved integration into global financial and trade markets and a managerial reform of the state, reversing constitutional priorities and subjecting democracy to market discipline. The second wave saw neoliberalism targeting the “new middle class” as an object of knowledge and power, disseminating the economization of politics and social with a progressive bias. The third wave introduced new marketinsulating reforms, with attacks on democracy and the dismantling of social policies. Over this trajectory, as neoliberal strategies shifted, the process evolved from de-democratization to an anti-democratic offensive, culminating in the crisis of the New Republic.
KEYWORDS
Neoliberalism; Social democracy; Brazil; Hybrid governmentalities; Economization
El artículo discute la relación histórica entre neoliberalismo y democracia social en la Nueva República, a partir del enfoque teórico de las gobernamentalidades híbridas. El ensayo aborda inicialmente la emergencia de la lógica socialdemócrata en la redemocratización, con su marco jurídico e institucional y sus dispositivos de democracia representativa, democracia participativa y políticas sociales. Luego, analiza cómo esta se confrontó y se compuso con las tres olas de neoliberalización: la primera, integración a los mercados financieros y comerciales globales y reforma gerencial del Estado, con reformas que invierten las prioridades constitucionales e imponen una disciplina de mercado a la democracia; la segunda, toma de la “nueva clase media” como objeto de saber y poder por parte del neoliberalismo, con el avance de la economización de la política y lo social con un sesgo progresista; y la tercera, nuevas reformas de blindaje de los mercados, con ataque a la democracia y desmantelamiento de las políticas sociales. En este recorrido, conforme la énfasis en las diferentes estrategias neoliberales, se pasó de la desdemocratización a la ofensiva antidemocrática, llevando a la crisis de la Nueva República.
PALABRAS CLAVE
Neoliberalismo; Democracia social; Brasil; Gobernamentalidades híbridas; Economización
INTRODUÇÃO
No Brasil, uma importante característica do seu processo de neoliberalização é que ele ocorreu apenas alguns anos depois da redemocratização (Sallum Jr., 1999). Esse lapso temporal, ainda que pequeno, permitiu a formação de outra racionalidade política que compôs o seu modelo de governamentalidade.
A constituição de uma lógica socialdemocrata foi fruto da mobilização por democracia e justiça social durante a Ditadura Militar e da participação desses movimentos na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Com isso, embora a Constituição de 1988 tenha absorvido interesses heterogêneos, ela adotou a racionalidade socialdemocrata em amplas passagens. Desenhou-se assim uma Carta programática, que, além de estabelecer as liberdades fundamentais e as regras do jogo democrático, buscava transformar a realidade segundo determinados princípios e definir os instrumentos para agir sobre a dimensão do “social” (Rose, 1996). Por sua característica “dirigente” (Bercovicci, 1999) e “policy-oriented” (Arantes; Couto, 2019), a Constituição de 1988 operou como verdadeiro eixo de governamentalidade que, durante a Nova República, construiu instituições, definiu as políticas públicas como tecnologia de governo e apontou para uma norma de vida baseada em relações igualitárias e na cidadania ativa. Essa racionalidade política se constituiu de cima para baixo, pela ação do Estado, mas também de baixo para cima, pela organização dos movimentos sociais e pela participação popular na esfera pública. A “sociedade civil” e o “social” converteram-se, então, respectivamente, em sujeito e objeto do governo político, expandindo e modificando a estratégia social varguista da participação política limitada e da cidadania regulada (Santos, 1979).
Já na década de 1990, o neoliberalismo criou coerência estratégica em resposta à crise econômica e política brasileira (Andrade, 2022). Foi preciso que ele estabelecesse relações com a democracia social, fossem de tensão, bloqueio e desmonte ou de convivência, confluência e hibridização. Essas duas racionalidades políticas definem não apenas diferentes dispositivos gerais de governo como também diferentes “normas de vida” e “formas da existência” que se estendem a várias esferas, combinando-se ou disputando espaço entre si (Dardot; Laval, 2009, p. 5).
Foi assim que o neoliberalismo se desenvolveu não apenas contra, mas também por meio da democracia e das políticas sociais, constituindo um Frankenstein com o nosso tardio Estado de bem-estar. Inversamente, parte dos sujeitos democráticos e das políticas públicas passaram a buscar os seus objetivos por dentro da lógica neoliberal. Mudança estratégica que, embora contribuísse para a expansão do neoliberalismo, não necessariamente significava a capitulação completa da lógica democrática. Tratava-se antes da tentativa de traduzir e introduzir seus objetivos heterogêneos na linguagem econômica do poder, aumentando as chances de conquistas de curto prazo, mas igualmente renunciando ao discurso próprio.
O objetivo do artigo é entender, criticamente, como, logo após a redemocratização, o neoliberalismo emergiu e se compôs com a lógica da democracia social de maneira a primeiro inverter as suas prioridades e descaracterizar o seu funcionamento, em uma estratégia desdemocratizante, e, depois, a promover o ataque às suas instituições e o desmonte dos seus dispositivos, em uma estratégia antidemocrática, levando à crise da Nova República. Para tanto, o artigo analisa como o arcabouço jurídico-institucional da Constituição de 1988 e seus dispositivos de democracia representativa, de democracia participativa e de políticas sociais sofreram o ataque e se compuseram com as três ondas de neoliberalização ocorridas durante a Nova República: primeira, a integração aos mercados financeiros e comerciais globais e a reforma gerencial do Estado; segunda, a tomada da “nova classe média” como objeto de saber e poder pelo neoliberalismo; e terceira, o avanço de novas reformas neoliberais na esteira da crise econômica e política a partir de 2015 (Andrade, 2022). Cada onda não encerra necessariamente os seus efeitos com o começo da seguinte, podendo se sobrepor e se cruzar com os novos elementos que chegam. O artigo foca nos pontos de contato entre as duas racionalidades políticas, deixando para outro texto a exposição mais sistemática do processo histórico de neoliberalização brasileiro (Andrade, 2022).
A definição de neoliberalismo adotada enfatiza a construção política e normativa da sociedade segundo o modelo de mercado, desdobrada em duas estratégias diferentes: o insulamento jurídico-institucional dos mercados e a economização (Andrade, 2019a; 2019b; Andrade; Côrtes; Almeida, 2021). O mercado é visto como princípio normativo por, supostamente, promover um duplo efeito: o ganho de eficiência dos sistemas sociais e um conjunto de incentivos para virtudes morais como iniciativa empreendedora, esforço pessoal, gestão dos riscos, provisão de futuro, autoaperfeiçoamento e responsabilização individual (Amable, 2015; Dardot; Laval, 2009). A capacidade normativa do mercado está ligada principalmente às suas relações de concorrência, e não tanto às de troca, tendo como resultado necessário a desigualdade (Dardot; Laval, 2009; Davies, 2014). A desigualdade, portanto, é vista como positiva e desejável, algo que só seria evitado pelos perdedores que buscam fraudar a justiça de mercado e ganhar mais do que merecem. Por isso mesmo, a concorrência estaria sempre ameaçada. Ela não seria um dado da natureza, mas um mecanismo frágil que demanda a sua construção política (Dardot; Laval, 2009).
Eis então a primeira linha estratégica do neoliberalismo: o desenho do arcabouço jurídico-institucional dos mercados de modo a blindá-los das demandas por justiça social e igualdade redistributiva (Slobodian, 2018). A ameaça à concorrência é vista como advinda da democracia social, mas não necessariamente dos monopólios e oligopólios. Derivada da vertente ordoliberal do neoliberalismo (Foucault, 2008), inicialmente essa estratégia se preocupava em limitar a concentração de poder econômico por meio de um Estado forte que se colocaria acima dos interesses particulares. Mas, já na década de 1950, essa precaução foi dirimida pela argumentação pró-corporações da Escola de Chicago. Segundo a linha norte-americana, os mercados capitalistas não seriam uma via de mão única para o monopólio, que só se manteriam com a colaboração do Estado, sendo preferível, portanto, o monopólio privado ao estatal e mesmo à regulação pública do monopólio (Van Horn, 2009).
Esse insulamento dos mercados é construído tanto em nível global, pelo desenho de organismos e do direito internacional, quanto nacional, com os Estados estabelecendo sua constituição econômica e referendando a regulamentação internacional de modo a integrar os mercados internos aos globais (Slobodian, 2018). Com isso, os Estados ajudam a construir a concorrência à qual eles próprios se submetem, o que lhes impõe um novo papel: criar as condições de competitividade para atrair os fluxos internacionais de investimento e/ou para compor as cadeias produtivas na divisão internacional do trabalho (Dardot; Laval, 2009; Davies, 2014). Com base nessa nova racionalidade política, os Estados submetem suas intervenções a um “tribunal econômico permanente”, analisando cada uma das suas políticas segundo o critério contábil de investimento e retorno para a competitividade e o crescimento, reformando-se internamente em busca de eficiência e efetividade (Foucault, 2008, p. 253). A chamada “reforma gerencialista” copia os critérios e as técnicas de gestão típicas das empresas privadas, promove políticas contínuas de austeridade, introduz a competição administrada como um sistema de incentivos dentro da administração pública, emprega instrumentos microeconômicos de medição, quantificação, avaliação e ranqueamento no desenho das políticas públicas, adota práticas de benchmarking, reenquadra as políticas sociais como formação de capital humano, utiliza as condicionalidades no acesso aos direitos como forma de disciplinar para o mercado e governa penal bem como militarmente os grupos excedentes que ameaçam prejudicar a rentabilidade e a segurança da população (Dardot; Laval, 2009; Davies, 2014; Wacquant, 2014).
Esse novo “Estado empresarial” (Dardot; Laval, 2009, p.353) dissemina a grade de análise econômica no governo não apenas de fenômenos estritamente econômicos, mas também políticos e sociais, desfazendo a fronteira entre eles. Constitui-se, assim, a segunda linha estratégica fundamental do neoliberalismo: a “economização”, ou seja, a disseminação de “uma peculiar forma de razão que configura todos os aspectos da existência em termos econômicos” (Brown, 2015, p. 17), introduzindo a lógica do mercado (empresarial/concorrencial) em esferas da vida fora do próprio mercado (Dardot; Laval, 2009). Segundo Foucault (2008), essa segunda linha estratégica seria mais característica da Escola de Chicago.
Apesar de Foucault (2008) apontar a proveniência histórica diferente das duas estratégias (Ordoliberalismo e Escola de Chicago), autores pós-foucaultianos acabaram por reuni-las em um conjunto unificado de normas em sua definição do neoliberalismo, dado o fato de atuarem de maneira complementar no capitalismo contemporâneo, embora elas não necessariamente caminhem juntas (Brown, 2003; Dardot; Laval, 2009). Essa combinação buscou governar a sociedade para e pelo modelo de mercado, generalizando as situações de concorrência e fazendo com que os indivíduos incorporassem disposições empreendedoras e a racionalidade econômica de modo a gerenciar todos os aspectos da vida como se ela fosse um negócio (Brown, 2015; Foucault, 2008; Dardot; Laval, 2009).
A abordagem proposta no artigo para analisar as relações entre neoliberalismo e democracia social é a das governamentalidades híbridas (Andrade; Côrtes, 2021; Foucault, 2008; Ong, 2006). Nessa perspectiva analítica, O Estado é “o efeito móvel de governamentalidades múltiplas” (Foucault, 2008, p. 106). Longe de ter uma essência que atravessa a história, o Estado seria o correlato de certas maneiras de governar, a questão estando em saber como elas se desenvolvem, avançam ou recuam, como se estendem a determinados domínios e como inventam novas práticas. Cada racionalidade política, ao definir “o domínio da prática de governo, seus diferentes objetos, suas regras gerais, seus objetivos de conjunto”, acaba simultaneamente por construir o Estado e definir sua relação normativa com os governados (Foucault, 2008, p. 4). A ideia de uma “realidade compósita” remete à heterogeneidade das racionalidades políticas, com diferentes técnicas, princípios de coerência e origens históricas, que podem se integrar, se ignorar ou se confrontar no interior de um mesmo Estado ou política.
O hibridismo governamental não se restringe a esse governo de cima para baixo, podendo se dar também de baixo para cima, a partir da agência dos governados, que estabelecem formas de autogoverno e/ou são induzidos a se adequarem por conta própria a determinadas normas. Por isso, as racionalidades políticas igualmente podem se compor em subjetividades e modos de vida, definindo uma subjetivação com múltiplas determinações, com variações e ambivalências, constituindo-se não só como um processo homogêneo de assujeitamento, mas também como possibilidade de revolta e de insubordinação (Gago, 2018).
A abordagem foucaultiana analisa como essas racionalidades políticas coexistem e desenvolvem “toda uma série de pontes, de passarelas e de junções” para operar conjuntamente, mas mantendo sua heterogeneidade até o fim (Foucault, 2008, p. 58). As racionalidades políticas e a composição entre elas definem recortes na população e no território, distribuindo diferencialmente as formas de governo e de cidadania (Ong, 2006). Os agenciamentos constitutivos desses dispositivos são “matrizes de transformações”, com os efeitos de poder e as resistências obrigando-os a um permanente “processo de sobredeterminação funcional” e a “uma rearticulação dos elementos heterogêneos que surgem dispersamente” (Foucault, 1999, p. 245).
Este ensaio teórico está ancorado em ampla, porém não sistemática, revisão bibliográfica, tendo como foco a literatura das ciências sociais sobre neoliberalismo e/ou democracia social no Brasil. De maneira a operacionalizar a pesquisa em consonância com a chave analítica das governamentalidades híbridas, procurou-se notar como o princípio normativo que dá coerência a cada racionalidade política (lógica concorrencial de mercado, desdobrada nas estratégias da blindagem dos mercados e da economização da política e do social; e lógica democrática e social da participação, solidariedade e igualdade) e suas principais tecnologias de governo (concorrência administrada, empreendedorismo, austeridade, técnicas gerenciais, contábeis e microeconômicas; dispositivos de participação, de representação e políticas sociais) estabeleceram relações dinâmicas e variadas no âmbito dos arcabouços jurídico-institucionais e nos dispositivos presentes na administração e nas políticas públicas, e apenas secundariamente nas políticas econômicas.
O artigo se estrutura da seguinte forma. Na primeira parte, discute-se a emergência da racionalidade socialdemocrata durante a redemocratização, tendo a Constituição de 1988 como eixo e se constituindo como um dos pilares de construção governamental da Nova República. Na segunda, analisa-se como a primeira onda de neoliberalização na década de 1990 reformou parcialmente a Constituição e promoveu a inversão de suas prioridades socialdemocratas, impondo uma disciplina de mercado ao projeto da redemocratização. Na terceira, analisa-se como a segunda onda de neoliberalização (2002-2014) se compôs com a democracia e as políticas sociais, em um momento cuja tônica foi a da hibridização via economização, com efeitos desdemocratizantes. Na quarta e quinta parte, mostra-se como a combinação de efeitos neoliberalizantes sobre a classe média tradicional e sobre a “nova classe média” criou, em um momento de crise, as condições de possibilidade para a terceira onda de neoliberalização, em que a nova rodada de reformas promoveu o ataque à democracia e o desmonte das políticas sociais. Na conclusão, discute-se como a ênfase nas diferentes estratégias neoliberais em cada período acabou suscitando efeitos desdemocratizantes ou antidemocráticos, suscitando diferentes reações dos sujeitos políticos.
A RACIONALIDADE POLÍTICA SOCIALDEMOCRATA NA REDEMO-CRATIZAÇÃO BRASILEIRA
No final dos anos 1970 e ao longo dos 1980, os movimentos sociais intensificaram suas lutas e reivindicações contra o regime militar. Essa mobilização, se não obteve vitória na campanha das Diretas Já, permitiu a participação organizada da sociedade civil na constituinte de 1987-88. Diversos foram os movimentos que antecederam e acabaram se reunindo na ocasião: as greves dos metalúrgicos no final dos 1970 que se espalharam para vários segmentos da indústria e da classe média, como professores, médicos e funcionários públicos; a crítica ao regime vocalizada por Universidades, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Igreja Católica e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); a reabertura da União Nacional dos Estudantes (UNE) e o protagonismo do movimento estudantil; os encontros nacionais e regionais de sanitaristas para debater os rumos da saúde no país; os diagnósticos dos educadores e as reivindicações de democratização do quadro educacional brasileiro; o surgimento de movimentos de moradores e do movimento ecologista; a convergência de movimentos sociais, movimentos eclesiásticos de base, sindicalistas e intelectuais na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT); e a mobilização do empresariado insatisfeito com o fracasso das instituições econômicas da Ditadura defendendo a desestatização. Todos esses movimentos já mobilizados em nome da democracia e/ou da justiça social confluíram para a constituinte, cuja proposição vinha sendo defendida pelo (P)MDB desde os anos 1970 (Rocha, 2013).
A reivindicação da participação popular direta ganhou força com a pressão dos movimentos comunitários da Igreja Católica, dos sindicatos, da OAB e de juristas e acadêmicos cristãos, que promoveram a organização de associações populares exclusivas em torno da futura Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e a formulação de mecanismos de participação e de propostas legislativas (Brandão, 2011; Rocha, 2013). Tal pressão se consolidou na primeira fase da constituinte, em que “o arcabouço de funcionamento altamente descentralizado, consagrado pelo regimento interno, ensejou e trouxe para o interior do Congresso a participação de vasto rol de atores extraparlamentares” (Rocha, 2013, p. 70). As 24 subcomissões que atuaram como fóruns decisórios para o anteprojeto criaram dispositivos de participação na forma de: a) sugestões iniciais de qualquer associação e de câmaras municipais; b) audiências públicas obrigatórias, em que especialistas, autoridades e entidades associativas tinham o direito de se apresentar e opinar; c) presença nas galerias como forma de pressão sobre os constituintes, já que o direito de propor emendas era assegurado a cada um deles; e d) apresentação de emendas populares e da defesa de tais propostas ante a comissão de sistematização diretamente por um dos seus signatários.
As regras inclusivas de participação envoltas por um clima geral de ascensão dos movimentos sociais e de entusiasmo com a redemocratização permitiram que a “sociedade civil” emergisse como sujeito da Constituição. Essa participação configurou um experimento original, que contrasta com outras experiências de democracia social, como a americana e europeia. A presença da sociedade civil permitiu a introdução da lógica socialdemocrata em amplas passagens da Carta. Apesar da diversidade de interesses representados, os agrupamentos de direita formados por parlamentares, empresários e proprietários rurais tiveram dificuldades de se organizar, sendo viabilizada uma influência desproporcional dos setores progressistas em relação à sua bancada, o que foi reforçado pela relatoria de sistematização ter ficado a cargo de deputados igualmente progressistas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Com isso, uma ampla lista de direitos, políticas públicas e garantias jurídicas de efetivação compôs o anteprojeto, que acabou em grande medida aprovado (Brandão, 2011; Rocha, 2013).
A Constituição de 1988 configurou-se, desse modo, como uma “constituição dirigente”. Ou seja, além de definir as regras do jogo democrático institucional e de garantir as liberdades fundamentais, ela também é programática, buscando transformar a realidade a partir de princípios que definem objetivos para o Estado e para a sociedade (Bercovicci, 1999). Os princípios fundamentais da Constituição de 1988 foram estabelecidos nos artigos 1º e 3º:
Artigo 1º: A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamento: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Artigo 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nesses dois artigos e em diversas partes específicas, a Constituição de 1988 propunha a reconstrução do Estado e de sua relação com a sociedade com base na democracia e em políticas de bem-estar social (Bercovicci, 1999). A Constituição também desceu ao nível governamental, constitucionalizando as políticas públicas de modo a buscar garantir o seu cumprimento, o que levou mais tarde a um processo recorrente de reformas constitucionais (Arantes; Couto, 2019).
Essa característica policy-oriented em conformidade com os princípios fundamentais da Constituição constituíram a dimensão do “social” como macro-objeto privilegiado de intervenção governamental. Como explica Nikolas Rose (1996), seguindo a trilha de Foucault (2008) e Donzelot (1994), o social não remete a uma esfera existencial eterna da sociabilidade humana, mas à emergência histórica de um objeto de conhecimento e de um domínio ou nível de intervenção governamental, que permite agrupar fenômenos, formular problemas, construir instituições, recrutar um quadro de pessoal qualificado e governar a experiência coletiva em nome de determinados valores, como justiça, proteção, solidariedade e direitos sociais.
A lógica normativa socialdemocrata também propunha expandir a esfera pública, tornando o Estado permeável à sociedade civil, construindo-a como sujeito político ativo que compartilha o (auto) governo com os representantes eleitos e com a burocracia. Em tese, seria desfeito assim o antagonismo até então existente entre Estado autoritário e sociedade. Essa racionalidade política procurava governar a população segundo o modelo de uma cidadania política e social inspirada na própria participação popular durante a constituinte e na auto-organização dos movimentos sociais, constituindo uma importante inovação para a agenda democrática. A ideia de cidadania era ampliada para a construção de uma norma de vida no cotidiano, ultrapassando a relação com o Estado e a aquisição formal de direitos ao definir uma relação interior à sociedade (incluindo gênero, raça e classe). Buscava-se uma sociabilidade igualitária em todos os níveis, com o reconhecimento geral dos sujeitos como portadores de interesses válidos e legítimos, e a consequente chancela pública para a interlocução, o debate e a negociação de conflitos. Esses sujeitos políticos ativos e propositivos definiriam coletivamente os seus direitos e reivindicariam a inclusão em um sistema político que deveria ser construído pela própria participação nele. O compartilhamento igualitário e solidário da responsabilidade pública planejava transformar em profundidade as relações de poder autoritárias existentes no seio da sociedade brasileira (Dagnino, 2004).
Tratava-se, portanto, de uma racionalidade política que se constituiu não apenas de cima para baixo, por meio do Estado e de suas instituições, tendo os direitos como discurso e as políticas públicas como instrumentos. Igualmente, a lógica socialdemocrata foi forjada de baixo para cima, pela ação dos movimentos sociais e pela participação dos cidadãos na esfera pública. Com isso, a racionalidade socialdemocrata buscava dar “forma à nossa existência” (segundo a conhecida expressão de Dardot e Laval, publicação de 2009, a respeito da governamentalidade neoliberal) por meio de uma norma de vida que definia práticas institucionais, relações políticas igualitárias com os outros e uma subjetividade cidadã participativa.
Os dispositivos da racionalidade política socialdemocrata desenvolveram-se em duas dimensões complementares. Na dimensão democrática, além dos mecanismos representativos, com eleições diretas para cargos executivos e legislativos, foram introduzidos na lei diversos mecanismos de participação direta, de modo a procurar garantir a soberania popular. São exemplos o plebiscito, o referendo, os projetos de iniciativa popular e os conselhos regulares de participação no sistema único de saúde, no planejamento urbano, no meio ambiente e na formulação e controle das políticas de assistência social, totalizando mais de 25 mil conselhos no Brasil (Sallum Jr., 2015; Avritzer, 2016). A participação se estendeu, na década de 1990, para as experiências de Orçamento Participativo, chegando a atingir 201 cidades em 2008. Nos governos Lula, ocorreu a expansão dos conselhos e das conferências nacionais, com abertura para novos temas, como cultura, direitos humanos e políticas para mulheres (Avritzer, 2016).
A produção da subjetividade cidadã ativa, no entanto, acabou se restringindo a áreas de políticas sociais e a movimentos populares que desde a redemocratização se fizeram presentes nas políticas participativas. No nível local, ela se limitou às cidades governadas pelo PT e pelo PSB, e ainda assim somente até 2008, quando houve redução de recursos e perda de centralidade do Orçamento Participativo. Mesmo as conferências nacionais não atingiram mais do que 6, 5% da população adulta brasileira. Com isso, amplos setores populacionais e diversos temas passaram ao largo dos mecanismos de participação (Avritzer, 2016).
Na dimensão social, houve a criação de condições institucionais mais favoráveis às demandas das coletividades, à ampliação dos direitos sociais e às formas de financiamento públicas e solidárias, visando superar a desigualdade social histórica vigente no país. As coletividades foram reconhecidas como sujeitos de direito e os direitos e garantias foram afirmados no início da Constituição, ganhando em tese precedência em relação à organização política do Estado que os devia implementar. O reconhecimento de direitos iguais e ausência de discriminação de minorias, a retirada do direito do Estado de autorizar e intervir nas atividades sindicais, a extensão do direito de sindicalização aos funcionários públicos, a ampliação do direito de greve e a concessão a sindicatos, partidos políticos e associações voluntárias de recorrerem à justiça em nome de seus representados foram algumas das conquistas obtidas. Além disso, foram definidos diversos direitos sociais que apontavam para a construção de um Estado de bem-estar social tardio, inspirado no modelo do pós-guerra europeu, incluindo educação, saúde, assistência social, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e proteção ao meio-ambiente. Tornou-se possível que os cidadãos e as coletividades exigissem o cumprimento dessas garantias pelo poder público, com o Ministério Público sendo capacitado para demandar a efetivação dos direitos (adquirindo uma autonomia que, mais tarde, se revelaria uma armadilha para a democracia). Definiu-se como objetivo a universalização da cobertura e do atendimento relativos à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e a consequente extensão da cobertura independente da capacidade contributiva dos indivíduos, alargando a proteção do Estado para além dos trabalhadores urbanos contratados pela CLT, até então objetos preferenciais do social do Estado Varguista (Sallum Jr., 2015; Santos, 1979).
A característica dirigente e policy-oriented da Constituição de 1988, juntamente com a reconfiguração da militância em torno da implementação dos direitos humanos e sociais, acabaram por definir uma racionalidade política socialdemocrata. Ela foi um importante vetor de reconstrução do Estado e da forma de governo da população na Nova República. Mesmo que as diretrizes socialdemocratas não tenham sido plenamente realizadas, elas construíram instituições, definiram práticas de políticas públicas e desenharam um horizonte de ordem social. Não é possível ignorar avanços relativos à construção do Sistema Único de Saúde (SUS), à universalização do ensino básico e da seguridade social, às políticas sociais de combate à miséria e redução da pobreza, à participação em conselhos e à realização de eleições. A Constituição adquiriu assim posição de eixo central de uma racionalidade que colocava a “sociedade civil” como sujeito político ativo e o “social” como objeto de governo.
INVERSÃO DAS PRIORIDADES CONSTITUCIONAIS COM A EMERGÊNCIA DO NEOLIBERALISMO NA NOVA REPÚBLICA
Apesar de existirem formas de saber, políticas e elementos do arcabouço jurídico-institucional neoliberais presentes no Brasil desde os anos de 1950 e 1960, o dispositivo geral de governamentalidade só foi criar coerência estratégica de conjunto no início da década de 1990 (Andrade, 2022). Nesse sentido, a configuração da primeira rodada de neoliberalização só se deu alguns anos depois da Constituição de 1988, o que obrigou as duas racionalidades políticas a definir relações dinâmicas e variadas.
A lógica neoliberal disseminou-se em certos meios empresariais brasileiros sob influência da rede de think tanks e de organismos internacionais. O contexto que permitiu o seu avanço foi tanto a resposta ao dirigismo estatal da economia do governo Geisel, que havia colapsado com a mudança do cenário internacional e com a consequente explosão da dívida externa e da hiperinflação, quanto a tentativa de impor uma disciplina de mercado à saída democrática do modelo desenvolvimentista autoritário, freando o ímpeto dos movimentos sociais. Difundindo-se no meio empresarial, mas sem conseguir se tornar hegemônica, a lógica neoliberal fracassou no âmbito da constituinte, 1 mas se rearticulou nos anos seguintes de modo a desmontar parte do arcabouço legal e institucional do nacional-desenvolvimentismo e a limitar ou distorcer os objetivos da racionalidade socialdemocrata, ambos inscritos na Constituição de 1988 (Sallum Jr., 1999).
A primeira rodada de neoliberalização foi viabilizada por reformas constitucionais que, apesar de terem ocorrido em praticamente todos os anos desde 1992, tiveram elementos decisivos primeiro em 1994-1995 e depois em 1998, concentrando as principais medidas no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998). Em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência, que buscava diluir as vinculações orçamentárias destinadas pelo texto constitucional a financiar os direitos sociais. O Fundo reduziu as dotações orçamentárias dos programas sociais e as transferências para estados e municípios. Mais tarde, as formas de financiamento público foram desviadas para o pagamento da dívida interna, como no caso da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), que deveria ter provido o SUS, e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que deveriam ser destinadas a gastos sociais (Couto, 1998; Saad Filho; Morais, 2018).
Em 1995, a reforma constitucional dedicou-se à ordem econômica, desmontando parte do arcabouço legal nacional-desenvolvimentista inserido na Constituição de modo a facilitar o ingresso do capital externo no país, as privatizações e a desregulamentação estatal. Como resume Cláudio Couto (1998, p. 71), as reformas “suprimiram as distinções existentes entre os capitais nacional e estrangeiro, eliminaram monopólios estatais [nas áreas de telecomunicações, energia e minérios e flexibilizaram na área de petróleo] e removeram dispositivos constitucionais limitadores da ação capitalista em um contexto econômico de reformas orientadas para o mercado”.
Essa primeira leva de reformas constitucionais, juntamente com outras leis complementares, como a Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada em 2000, e com o foco da política econômica na estabilidade monetária, permitiu que o neoliberalismo avançasse na construção do seu próprio arcabouço jurídico-institucional, em consonância com a primeira linha estratégica do neoliberalismo. As obrigações financeiras do Estado para com os investidores foram alçadas a prioridades acima dos direitos sociais, restringindo o financiamento deles às sobras orçamentárias. Essa autonomização da constituição econômica em relação à ordem social produziu uma “constituição dirigente invertida”, que vinculava o ordenamento jurídico à garantia da renda financeira (Bercovici; Massonetto, 2006). Eis como o Estado brasileiro referendava o insulamento dos mercados em consonância com as diretrizes dos organismos e do direito internacional, blindando os investidores das demandas democráticas por igualdade redistributiva e justiça social (Slobodian, 2018). Com essa inversão decisiva, o Estado buscava criar a segurança jurídica e institucional para atrair fluxos de investimentos internacionais, adotando como novo objetivo a competitividade econômica e relegando os princípios socialdemocratas da Constituição a segundo plano. A “economia” separava-se assim do “social” como macro-objetos de governo, com o governo de tipo econômico abandonando o objetivo de provisão dos direitos e promoção da dignidade humana e da igualdade. Com a lógica econômica autonomizada frente à regulamentação social, o neoliberalismo inverteu a relação: a partir de então, os gastos sociais e púbicos passaram a ser justificados em larga medida em termos de investimento e retorno para o desenvolvimento e a competitividade do país, iniciando a segunda linha estratégica neoliberal, a da economização.
Mas, nesse momento inicial da “economização do social” (Laruffa, 2022), embora os gastos sociais não fossem abandonados, eles foram considerados prioritariamente como custos que distorciam o sistema de incentivos e diminuíam a eficiência dos mercados, atrapalhando o crescimento que, segundo os economistas fundamentalistas e os setores mais recentemente estabelecidos do mercado financeiro, acabaria beneficiando a todos e atingindo indiretamente os objetivos sociais (Grün, 2009). Tal concepção comprometia a própria essência da responsabilidade redistributiva do Estado, com as políticas sociais assumindo um caráter apenas compensatório (Cohn, 1999).
Sob essa lógica, as políticas de austeridade tornaram-se permanentes, com uma série de consequências. Seu efeito recessivo gerou desemprego e reduziu o impacto de programas governamentais de criação de oportunidades de emprego e renda durante o governo FHC. O orçamento fiscal reduzido afetou as políticas de atendimento universal, como saúde e educação, rebaixando-as aos patamares básicos de acesso e gerando seletividade nos níveis mais avançados e complexos, relegando-os parcialmente aos serviços oferecidos pelo mercado. A insuficiência de recursos levou a um debate sobre a amplitude da responsabilidade social do Estado e sobre novas formas de racionalização gerencial em termos de custo/efetividade dos gastos de políticas sociais, baseando-se em três parâmetros: focalização, descentralização e parcerias entre Estado-mercado-sociedade. As políticas focalizadas constituídas separadamente em cada setor se restringiram a lidar com grupos tidos como vulneráveis e/ou perigosos e a dar respostas pontuais a “problemas sociais” vistos de maneira isolada e desarticulada (Cohn, 1999).
Desse modo, o horizonte varguista de reduzir as desigualdades pelo desenvolvimento nacional e pela integração do conjunto da população às proteções do mercado formal se desfez e as políticas sociais se autonomizaram em relação ao mundo do trabalho, que abria as portas para novas formas de precarização. Substituíram-se as políticas de superação da pobreza, voltadas para a transformação de suas causas estruturais, pelas de combate à pobreza, que visavam aliviar a situação de grupos vulneráveis de maneira emergencial. A pobreza passava assim a ser vista como um fenômeno natural e inevitável a ser gerido, convertendo-a, sempre que possível, em algo lucrativo. A questão social deslocava-se da esfera política para a da gestão, com seus critérios de eficiência (produzir mais com menor custo) e principalmente da efetividade (produzir com menor custo gerando maior impacto).
Foi preciso então constituir uma lógica de organização do Estado voltada para os novos objetivos econômicos. Ocorreu assim a segunda leva de reformas constitucionais em 1997-98, com as emendas dedicando-se agora a viabilizar a reforma administrativa, introduzindo o princípio da eficiência, a lógica gerencialista e a possibilidade de transferência para a iniciativa privada da execução de serviços públicos. Essa reforma introduziu critérios e dispositivos típicos da empresa privada no âmbito do Estado, tornando-o permeável a agentes de mercado. O desenho e a análise das políticas públicas passaram então a ser realizados por meio de instrumentos microeconômicos de medição, avaliação e ranqueamento, proliferando indicadores quantitativos de performance e a produção de benchmarks. Os economistas substituíram muitas vezes os profissionais especializados de cada área do Estado de bem-estar no planejamento das políticas públicas, em função de seus conhecimentos econométricos exclusivos. Por outro lado, os profissionais incorporaram a nova lógica empresarial quando responsáveis pela gestão das suas unidades públicas, adotando políticas de recursos humanos com base na gestão por incentivos, típicas do New Public Management. Com tais medidas, a lógica mercadológica da concorrência/competitividade e o modelo de gestão da empresa privada adentraram a administração e as políticas públicas, espraiando-se a economização do Estado brasileiro.
O primeiro encontro com a lógica socialdemocrata, portanto, se deu no registro das reformas constitucionais que permitiram, em primeiro lugar, a inversão das prioridades dirigentes pelo arcabouço jurídico-institucional neoliberal, que blindava os interesses de mercado frente às demandas democráticas, e, em segundo lugar, a inauguração da estratégia de economização pela reforma gerencialista do Estado, em uma versão inicial que via os gastos sociais somente como custos que distorciam a eficiência dos mercados. A convergência dessas duas vias impunha uma disciplina de mercado à democracia social, relegando seus objetivos a segundo plano e contendo o avanço das políticas sociais por meio da austeridade.
HIBRIDISMO DA DEMOCRACIA SOCIAL COM A SEGUNDA ONDA DE NEOLIBERALIZAÇÃO: economização da política e do social
Por volta de 1998, com as reformas constitucionais já aprovadas e com o início da reforma gerencialista do Estado, pode-se definir um segundo momento, que se intensificou na segunda onda de neoliberalização, caracterizado pelas confluências e hibridizações das racionalidades políticas. Ele foi viabilizado tanto pela ampliação das “sobras orçamentárias” como pelo avanço da estratégia de economização da política e do social, com o deslocamento da apreensão do social no sentido de um “neoliberalismo progressista”, conforme a expressão de Nacy Fraser (2017). Essa hibridização se fez ver nos dispositivos de democracia representativa, de democracia participativa (transformando também os sujeitos políticos) e nas políticas sociais.
Na dimensão da democracia representativa, pode-se mencionar como exemplo de hibridização a disciplinarização da conduta dos governantes eleitos pelas agências de rating e pelos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A avaliação da boa governança do Estado gerencial ou o cumprimento de condicionalidades de ajuste estrutural para obter empréstimos e financiamentos de políticas impuseram de maneira privada e/ou supranacional critérios ligados aos interesses de investidores financeiros, com exigências fora do controle democrático (Dardot; Laval, 2009). Durante o governo FHC, foram fechados três acordos com o FMI visando reforçar as reservas internacionais preventivamente (novembro/1998, setembro/2001 e setembro/2002) e um adicional foi realizado no primeiro governo Lula (março/2003 até 2005) (Almeida, 2014).
A preocupação dos governantes com a classificação do risco-país pelas agências de rating foi constante desde a criação do Emerging Markets Bond Index pelo banco J.P. Morgan. Entre 2008 e 2015, o país obteve o “grau de investimento”, o que foi comemorado pelo então presidente Lula. O mesmo Lula que, já como ex-presidente no momento de perda da avaliação, afirmou que “isso não significava nada”, apenas que “a gente não pode fazer o que eles querem, a gente tem que fazer o que a gente quer” (UOL, 2015, não paginado). Como era então reconhecido, parte considerável da agenda do governo se vinculava aos interesses dos investidores estrangeiros visando atrair fluxos de capital no mercado financeiro globalizado, relegando a segundo plano a representação das demandas eleitorais. A política econômica se alinhava assim com a estratégia de blindagem dos mercados na busca por competitividade.
No final da década de 1990, consolidado o tripé de políticas macroeconômicas (metas de inflação, fluxos de capital liberalizados com câmbio flutuante e política fiscal contracionista) e com a reforma gerencial do Estado avançando, as eleições se reduziram a escolher entre o melhor gestor da máquina pública e das sobras orçamentárias, já que a diferença entre os projetos políticos havia se tornado residual. Com isso, mesmo no debate eleitoral, a gramática dos direitos da redemocratização foi sendo substituída pela da gestão, com a economização avançando sobre a política (Paoli, 2007). Somente a partir das eleições de 2014 essa situação de convergência se modificou, quando um projeto novo-desenvolvimentista passou a rivalizar com a proposta de aprofundamento neoliberal.
Já quanto à democracia participativa, o clássico artigo de Evelina Dagnino (2004) relata a “confluência perversa” que prevaleceu até o início da segunda rodada de neoliberalização. Segundo a autora, o que permitiu embaralhamento de fronteiras entre as duas racionalidades políticas foi o modelo de ativismo da sociedade civil que ambas pregavam, embora o entendessem de diferentes maneiras (na lógica democrática, a participação deliberativa na esfera pública, na neoliberal, o empreendedorismo privado e a assunção mercantil ou do terceiro setor da responsabilidade pelos serviços sociais). Três noções da lógica democrática operaram como “pontes”, sendo incorporadas e ressignificadas pela racionalidade neoliberal de modo a perverter os dispositivos de participação. Primeira, a ideia de “sociedade civil” foi deixando de ser identificada com os movimentos sociais para ser reduzida ao terceiro setor, substituindo a representação de interesses pela competência técnica e inserção social. A segunda noção foi a de “participação”, convertida em “participação solidária”, com ênfase no trabalho voluntário e na responsabilidade social das empresas, com contribuições fragmentárias e limitadas. Por fim, a noção de “cidadania” perdeu sua referência na definição coletiva de direitos e na sociabilidade igualitária para a integração no mercado (como consumidor, empreendedor ou trabalhador a ser qualificado) e para a solidariedade filantrópica, com a gestão da pobreza passando da esfera pública para a moral privada. A racionalidade neoliberal limitou assim a própria concepção de política e democracia presente na lógica socialdemocrata, excluindo sujeitos, temas e processos que colocavam o modelo de mercado em questão. Em vez disso, enquadrou e traduziu a participação na lógica de mercado, em outro desdobramento da economização da política.
Essa hibridização prosseguiu parcialmente nos governos petistas, embora as modalidades de participação tenham encontrado repertórios mais heterogêneos para além da institucionalizada. Houve protestos para abrir ou avançar negociações, contatos pessoais diretos entre atores do Estado e da sociedade civil e a ocupação de cargos por militantes na burocracia (Abers; Serafim; Tatagiba, 2014). Neste último caso, houve a assimilação da militância ao aparelho estatal reformado, com a consequente formação para a gestão governamental, especialmente das políticas sociais. Essas novas formas de interação entre Estado e movimentos sociais serviram tanto para conter críticas e moderar demandas como para promover novas formas de negociação e diálogo (Abers; Serafim; Tatagiba, 2014).
Além dos mecanismos de participação, parte dos sujeitos políticos da redemocratização se reconfiguraram ao se hibridizarem com a lógica neoliberal, assumindo uma nova racionalidade econômica, empresarial e financeira. Se até os anos 1980 o campo da organização popular se dividia entre um flanco de representação de interesses de classe e lógica do conflito e outro de clientelismo político e favorecimento pessoal, a partir da década de 1990 houve uma convergência em torno de organizações não governamentais (ONGs) e entidades sociais que concorriam por recursos escassos advindos de programas governamentais ou de responsabilidade social das empresas. Foi assim que se passou da lógica da reivindicação coletiva de direitos para a de captação de recursos, adotando os “imperativos empresariais de racionalização financeira e eficácia gerencial (para a proposição de projetos e inscrição em prêmios e concursos de ‘práticas de excelência)” (Magalhães, 2011, p. 258). O governo federal participou dessa conversão de duas maneiras. Primeira, substituindo o modelo da barganha e do clientelismo por procedimentos competitivos para a seleção de projetos e parceiros de programas assistenciais (Draibe, 2003). Segundo, criando leis que permitem às empresas destinarem parte de seu imposto de renda a programas sociais. Nesse novo arranjo das entidades sociais, o protagonismo político se mesclou ao empreendedorismo social, desfazendo as diferenças entre autonomia popular, privatização dos serviços e terceirização das responsabilidades públicas. O caráter limitado das intervenções juntamente com a crescente necessidade de respostas emergenciais fez com que as entidades se multiplicassem e intensificassem a concorrência no mercado do social (Magalhães, 2011).
Parte das organizações dos trabalhadores também aderiu ao “sindicalismo de resultados”, organizado pela Força Sindical. A central, que nasceu em 1991 ligada ao governo Collor, alinhou-se desde o início com as políticas econômicas e reformas neoliberais. Mesmo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), coluna vertebral do novo sindicalismo, trocou o sindicalismo de combate dos anos 1980 pelo propositivo do decênio seguinte. A CUT aceitou pragmaticamente as reformas neoliberais e dedicou-se a oferecer propostas socialdemocratas de abrangência nacional e a apoiar políticas industriais de “inserção competitiva” nos mercados globalizados (Boito Jr., 1999; Sallum Jr., 2011). Houve ainda dirigentes sindicais que se tornaram gestores de fundos de pensão de antigas empresas estatais. A partir do segundo governo FHC, a governança corporativa desses fundos disseminou o modelo de capitalização na previdência complementar e introduziu a aposentadoria dos trabalhadores-cotistas nos circuitos de valorização financeira. Esses sindicalistas-gestores, de um lado, defenderam a lógica financeira em nome da rentabilidade das aposentadorias dos trabalhadores; de outro, buscaram domesticar as tendências mais agressivas do capital financeiro, reordenar suas funções tradicionais e patrocinar programas de responsabilidade social e sustentabilidade. Alguns desses dirigentes tornaram-se quadros importantes dos governos Lula, fazendo a ponte com o sistema financeiro (Grün, 2005; 2009; Oliveira, 2003).
Parte dos “novos movimentos sociais” igualmente passou por derivas em suas demandas democráticas por reconhecimento, inclusão e igualdade. A constituição de economias de nicho (pink money, black money etc.), que associam empreendedorismo de minorias com redes de economia solidária, foi uma estratégia de “emancipação” por dentro da lógica do mercado. A busca de reconhecimento por meio da norma neoliberal do empreendedorismo se desenvolveu com ao menos três problemas. Primeiro, é preciso notar que o empreendedorismo de minorias sempre vem adjetivado, já que a construção hegemônica da figura de sucesso está associada ao homem branco, cis-heterossexual e jovem, que justamente por isso não precisa ser nomeado (Tedmanson et al., 2012). Segundo, mesmo que se recorra a redes de economia solidária de maneira a dar um contorno político coletivo ao empreendimento, a sobrevivência do negócio recai inevitavelmente em estratégias empresariais de competitividade que podem desfazer os laços de cooperação e o sentido inicial. Por fim, a reivindicação de igualdade na lógica concorrencial já incorre em certo paradoxo. Mesmo que um dos polos da concorrência possa ser marcado pela busca de igualdade e equidade em relação às regras e condições de partida, é o outro polo dela que costuma ser enfatizado no neoliberalismo, ou seja, a legitimação da desigualdade como seu resultado, justificando formas de poder em nome da liberdade de mercado (Davies, 2014). Se os “novos movimentos sociais” buscaram questionar a construção de gênero, raça e sexualidade do empreendedorismo, é preciso admitir, por outro lado, o alcance limitado de estratégias que se desenvolvem por dentro da lógica de mercado, sem colocar em causa sua normatividade e os seus efeitos.
Nesses exemplos das entidades sociais, dos sindicatos e dos “novos movimentos sociais”, é importante notar como a gestão de oportunidades realizada pelo Estado, por grandes corporações e por fundações empresariais moldaram os ativismos ao facilitar certos caminhos em detrimento de outros, ao produzir legitimidade ou repressão e ao disponibilizar recursos materiais ou impossibilidades de sobrevivência. Em função desses dispositivos, os sujeitos procuraram encaminhar os seus objetivos definidos a partir da lógica socialdemocrata por dentro da racionalidade neoliberal, com a economização obliterando justamente a dimensão social na qual as formas de poder e discriminação se reproduzem. Tal hibridização fez com que parte dos movimentos sociais realizasse “de baixo para cima” o enquadramento na norma neoliberal, entrando em contradição com a própria concepção ideológica de mundo.
A hibridização se estendeu às políticas sociais, no cruzamento entre reivindicações coletivas (originadas tanto na redemocratização quanto nos anos 1990 em razão dos efeitos do neoliberalismo) e novas formas de gestão que buscavam governar as populações em proveito do mercado. Ganhou espaço a associação da obtenção dos benefícios com o engajamento e o cumprimento de condicionalidades, reforçando a lógica de responsabilização individual que legitima a distribuição desigual e insuficiente de renda (Georges; Rizeck; Ceballos, 2014). As políticas sociais entraram em uma zona turva entre, de um lado, a promoção do “social” e, de outro, a formação de capital humano e o lucro financeiro.
Emergiu assim uma segunda fase da economização do social, em que os gastos sociais passaram a ser vistos não somente como custos, mas também como investimentos, com retornos na forma de aumento da competitividade, de lucros privados diretos ou de se evitar custos maiores decorrentes da ausência de políticas públicas (Laruffa, 2022). A nova fase da economização do social beneficiou ainda mais os interesses privados do mercado, mas, por outro lado, permitiu aos setores progressistas fazerem a defesa das políticas sociais com base nos mesmos pressupostos econômicos neoliberais da competitividade/crescimento e participar ativamente da construção da eficiência do Estado empresarial.
No SUS, a convivência com o mercado privado de saúde (construído politicamente por subsídios desde a Ditadura Militar) abriu as portas tanto para a consolidação das relações do setor empresarial no interior do serviço público como para que o financiamento estatal e a rede pública funcionassem como condições de possibilidade para os lucros privados. No primeiro caso, o dispositivo das Organizações Sociais de Saúde (OSS) permitiu que entidades com experiência na área fossem contratadas para gerir (conforme os métodos da empresa privada) a prestação de serviços em unidades construídas pelo Estado, contornando trâmites legais como concursos e licitações. Já as Parcerias Público-Privadas (PPPs) previam a construção e o equipamento das unidades hospitalares pelo setor privado e a posterior contratação de seus serviços pelo governo, que definia metas de remuneração por produção e qualidade. Com isso, surgiram as condições para o segundo caso, já que aumentou sistematicamente o financiamento público a unidades privadas, em detrimento do financiamento da própria rede pública de saúde, que ficou defasada. Muitos planos de saúde populares também ofereceram coberturas limitadas, deixando a cargo do SUS as intervenções de maior complexidade. Foi assim que o SUS viabilizou a lucratividade privada, embora os interesses do mercado fossem apresentados como pragmatismo público (Fleury, 2012).
No ensino superior, depois da expansão privada e da regulação do mercado por rankings governamentais no período FHC, ocorreu amplo financiamento público ao setor privado por meio de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade Para Todos (ProUni) nos governos petistas (neste caso, ao lado da expansão das universidades públicas e do número de matrículas nelas). Em nome de aumentar o capital humano para a competitividade do país e de democratizar o acesso a populações historicamente não atendidas, focando em famílias de baixa renda que não dispunham de recursos para pagar mensalidades nem de formação para disputar os vestibulares públicos, os programas acabaram por atender também a demanda de empresários que se viam às voltas com vagas ociosas e grande inadimplência, aprofundando a mercantilização da educação (Aguiar, 2016; Chaves; Amaral, 2016). O FIES foi criado no governo FHC, mas ganhou considerável aporte de recursos a partir de 2011. Ele se destinou à concessão de financiamento a estudantes matriculados em cursos superiores pagos com avaliação positiva do Ministério da Educação. Os valores emprestados deviam ser devolvidos conforme contrato. As fontes de recursos financeiros foram diversas e incluíram a emissão de títulos da dívida pública que as instituições privadas podiam utilizar para o pagamento de tributos à Receita Federal e para resgate em dinheiro. O ProUni foi instituído por lei em 2005 e concedeu bolsas de estudos plenas ou parciais sem contrapartida dos estudantes. As Instituições de Ensino Superior (IES) pagas que aderiram ao programa ganharam isenção de vários tributos. Com tais medidas, o Estado financiou o aumento das matrículas no ensino superior privado, garantindo lucratividade para fundos de investimento estrangeiros que, a partir de 2007, passaram a comprar IES, abrindo capital na bolsa e oligopolizando o setor (Chaves; Amaral, 2016).
No caso do Bolsa-família, programa de transferência monetária condicionada que se tornou modelo mundial de combate à pobreza, sua aparição foi o resultado de diferentes racionalidades políticas e lutas de interesses (Georges; Ceballos, 2014; Draibe, 2003). Seus primórdios remetem ao Fundo Social de Emergência e às políticas focalizadas de combate à pobreza geridas de maneira descentralizada no primeiro governo FHC. No segundo mandato, a gestão foi federalizada e se constituiu um novo fundo, ampliando-se as políticas de ajuda monetária e estabelecendo-se uma reciprocidade funcional entre o Estado Federal e administrações locais. Desenvolveu-se ainda um complexo mercado do social ao externalizar para ONGs e organizações religiosas o controle das condicionalidades e do acesso dos beneficiários. Já no governo petista, o Bolsa Família surgiu em substituição ao Fome Zero, um programa de subsídios à oferta alimentar derrotado pelo lobby da indústria alimentícia. O Bolsa Família unificou e reorganizou os múltiplos e sobrepostos programas de transferência de renda, criando um megaprograma que massificou a assistência monetária no Brasil. O programa foi reputado como agindo no curto prazo, impactando diretamente sobre a pobreza mediante transferências focalizadas nos grupos familiares mais vulneráveis, e no médio e longo prazo, estimulando, mediante condicionalidades (pré-natal, vacinação, acompanhamento do estado nutricional e frequência escolar), a ‘acumulação de capital humano’ em benefício das crianças e adolescentes, tendendo a torná-las mais competitivas no mercado e a desfazer a transmissão intergeracional da pobreza. O programa continuou sendo implementado localmente, com transferência de recursos do governo federal para os municípios, que, por sua vez, acionavam o mercado local de assistência e trabalho social. Essas entidades do empreen-dedorismo social, com o objetivo de viabilizar no médio prazo a autonomia dos beneficiários, levaram a cabo uma moralização econômica despolitizadora dos pobres, não raro associada à religião neopentecostal, responsabilizando as mulheres pelas políticas familiares (Georges; Ceballos, 2014). O programa acabou assim por reunir as seguintes características:
foco nas famílias e nas mulheres, como instrumentos de ação pública, o uso das condicionalidades como ferramenta de controle social e intervenção nas práticas familiares, o mecanismo das transferências monetárias diretas como fórmula de eficiência administrativa e do gasto público social, a implementação de sistemas informatizados de classificação socioeconômica das famílias e de focalização eficaz de recursos, o baixíssimo exercício fiscal que comprometem, e sua capacidade articuladora de discursos híbridos entre Estado social (direitos e proteção social), Estado subsidiário (demonstração de necessidades, mérito e condicionalidades, focalização e intervenção familiar) e neoliberalismo (autonomia econômica, microempreendedorismo e empregabilidade) (Georges; Ceballos, 2014, p. 515).
Houve, também, a combinação de políticas de estímulo ao empreendedorismo com o acesso a direitos e benefícios previdenciários. A figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI) tinha por objetivo formalizar os trabalhadores e ampliar a contribuição para a previdência, aliviando o seu déficit. Acabou estimulando uma nova modalidade de contratação precária, com o número de MEIs crescendo ano após ano desde sua implementação em 2009. O MEI se constituiu como uma política híbrida com a lógica socialdemocrata porque vinculou a formalização do microempreendedor e do trabalhador autônomo a benefícios como aposentadoria, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, salário maternidade, pensão por morte e auxílio reclusão para os dependentes. Ele criou, portanto, um arranjo entre empreendedorismo neoliberal, precarização do vínculo de trabalho e formas de seguridade social (Alvarenga, 2019).
Essa constelação de políticas, juntamente com outros programas igualmente híbridos de microcrédito, política habitacional, incentivo à cultura, qualificação profissional, entre outros, acabou produzindo uma reunião de benefícios entrecruzados que melhorou de fato a condição de vida das populações mais pobres no Brasil (Rizek, 2018). Seu “reformismo fraco” (Singer, 2012) contribuiu para a ascensão das classes trabalhadoras, mas igualmente para a inclusão delas segundo o modelo neoliberal, conformando a segunda onda de neoliberalização brasileira marcada pela “nova classe média” (Andrade, 2022). A promoção de novos mercados de assistência por programas e políticas públicas converteu antigos atores políticos e religiosos ao empreendedorismo social. Os beneficiários foram deslocados da lógica universalista da cidadania socialdemocrata e submetidos à gestão diferencial focalizada, à concorrência e à internalização da responsabilidade individual do empreendedor de si mesmo, de modo a torná-los rentáveis ao invés de dependentes ou assistidos (Georges; Rizek; Ceballos, 2014). Por fim, as políticas sociais foram combinadas com interesses privados, convertendo a ajuda aos vulneráveis em lucros financeiros diretos.
A segunda fase da relação entre democracia social e neoliberalismo permitiu, em um arranjo típico do neoliberalismo progressista (Fraser, 2017), o atendimento de reinvindicações democráticas, mas sob o preço do avanço da estratégia da economização da política e do social: a representação foi limitada e reduzida ao gerenciamento empresarial do Estado; a participação foi enquadrada e traduzida nos termos do mercado; os atores democráticos internalizaram a lógica econômica, empresarial e financeira; e a formulação e justificativa das políticas sociais se deram com base nos pressupostos do investimento e retorno para a competitividade e o crescimento do país. Com isso, se os objetivos social-democratas não foram recusados, o seu discurso político foi deslocado e descaracterizado pela racionalidade econômica e gerencial, com os seus princípios fundamentais sendo esvaziados pelo processo de desdemocratização (Brown, 2003; 2015).
DO HIBRIDISMO À CRISE DA LÓGICA SOCIALDEMOCRATA
O avanço da economização neoliberal enfraqueceu o projeto da redemocratização, criando as condições de possibilidade para a crise da lógica socialdemocrata no momento mesmo em que esta, por meio da hibridização, atingia o auge de suas conquistas inclusivas. Mas foi outra dinâmica, resultante da combinação dos efeitos neoliberalizantes sobre a classe média tradicional (gerencial/profissional/empresarial) com a ascensão da “nova classe média” (classe trabalhadora), que levou à passagem da desdemocratização para a estratégia antidemocrática. Ocorreu, assim, uma situação paradoxal, em que o maior sucesso da composição entre as duas racionalidades políticas, qual seja, a construção da “nova classe média”, acabou precipitando a decadência da lógica inclusiva, igualitária e solidária da redemocratização.
A classe média gerencial sofreu os efeitos da lógica neoliberal que ela mesma colocou em curso. Os métodos de gestão pela concorrência incutiram a autodisciplina e permitiram que os trabalhadores assumissem os riscos da tomada de decisão. Mas a crescente autonomia dos trabalhadores, associada à descentralização das formas de vigilância (avaliação 360 graus, satisfação dos clientes, dispositivos eletrônicos etc.), acabou por esvaziar a função clássica de comando e controle da gerência. Houve então a redução dos níveis hierárquicos das empresas, o que, juntamente com o impacto de fusões e aquisições, eliminou mais de um milhão de postos de gerência e supervisão entre 2007 e 2017 no Brasil (Prado, 2018; Andrade, 2019c). Se até 2014 muitos desses gestores conseguiram se recolocar como autônomos e pejotizados, o que inclusive aumentou o número de profissionais em ocupações administrativas, embora em condições mais precárias (Cardoso, 2017), depois da recessão a situação se agravou, com mais da metade dos postos sendo fechados a partir de 2015 (Prado, 2018).
Esse tipo de autossabotagem se estendeu a outras profissões qualificadas de classe média. De modo a contornar críticas à gestão pela concorrência, os gestores foram substituídos por profissionais de cada área de modo a conferir legitimidade aos métodos, mesmo que seus critérios continuassem estranhos ao exercício do métier. A classe média profissional assumiu assim o ethos neoliberal e implementou esta lógica sobre si própria, deteriorando os vínculos e as condições de trabalho. Além da dramática perda de sentido das atividades, ampliou-se a pejotização, a subcontratação, a terceirização, os empregos temporários, o freelance e a informalidade. A gestão pela concorrência também intensificou o ritmo, expandiu as jornadas e deteriorou o clima de trabalho. A instabilidade de emprego e renda e a diminuição de direitos jogaram muitas famílias na vulnerabilidade. A recessão de 2015-2016 e a crise pandêmica agravaram o quadro de desestabilização, contribuindo para que pequenos e médios empresários se endividassem, declarassem falência ou pedissem recuperação judicial.
Já pelo lado do custo de vida, a classe média tradicional sofreu com o aumento do preço dos serviços, cujo consumo distinguia-a historicamente das classes trabalhadoras populares. A inflação dos serviços ficou bem acima da média geral nos anos áureos do Lulismo. A formalização do emprego e o aumento real do salário-mínimo, que favoreceram justamente a chamada “nova classe média”, estão entre as causas da elevação dos custos. Além disso, as próprias classes trabalhadoras ascendentes se tornaram consumidoras de serviços e de lazer, de modo que, ainda que fosse um consumo desigual, aumentou a pressão inflacionária e reduziu a exclusividade de determinados espaços até então próprios da classe média tradicional. Some-se ainda que muitos trabalhadores que antes se dispunham a realizar trabalhos braçais em troca de baixos pagamentos, ao deixarem de ser premidos pela necessidade em função de políticas de transferência de renda e do pleno emprego, passaram a se recusar a fazê-los ou então a exigir melhor remuneração e condições, rompendo ao menos parcial e temporariamente com a lógica de dominação pessoalizada (Cavalcante, 2020). Esse fenômeno foi visível especialmente no caso das empregadas domésticas, com a aprovação da PEC que regularizou seus direitos (Emenda Constitucional nº.72/2013). Acirrou-se, assim, a tensão entre frações de classe pertencentes à posição intermediária da pirâmide social brasileira.
A classe média gerencial e profissional viu, portanto, seu custo de vida subir justamente quando suas profissões eram crescentemente precarizadas e desestabilizadas. Sendo a portadora por excelência da racionalidade neoliberal, ela não atribuiu suas mazelas à lógica de mercado, mas às políticas que permitiram a ascensão das classes trabalhadoras. Utilizando os serviços públicos apenas residualmente, parte da classe média passou a encarar os impostos como uma cobrança indevida, aproximando-se da ideologia propagandeada por think tanks neoliberais de que o imposto é roubo e do Estado mínimo. Ela reafirmou a crença meritocrática em detrimento do reconhecimento de injustiças históricas e da solidariedade social. As ações afirmativas e as políticas sociais foram então acusadas de ser uma fraude da concorrência, devendo dar lugar à lógica pura do mercado e aos valores conservadores, com sua defesa das hierarquias sociais. Difundia-se assim entre frações da classe média tradicional o ultraliberalismo conservador (ou até mesmo reacionário) da nova direita brasileira, que já se fazia presente nas redes sociais desde o início dos anos 2000 (Rocha, 2021).
Para parte da classe média gerencial, portanto, o problema era visto como derivado da democracia social, que introduzia elementos redistributivos estranhos à lógica do mercado, impedindo a realização das promessas neoliberais. Essa importante reconfiguração deu origem a uma nova sociedade civil, que passou a disputar espaços de representação e mesmo de participação política, mas com uma lógica paradoxalmente antidemocrática e tendo como objetivo o desmonte do social em proveito da radicalização do modelo de mercado (Ballestrin, 2022).
Houve assim o repúdio dos valores que embasavam a racionalidade socialdemocrata. A agressividade vivida pelas classes médias gerenciais e profissionais no seu cotidiano competitivo de trabalho se voltou para uma disputa de frações de classe, visando colocar novamente a população pobre no seu lugar subalterno. Os beneficiários das políticas de transferência de renda foram taxados como preguiçosos que viviam às custas dos verdadeiros produtores de riqueza (os empreendedores) e os trabalhadores ascendentes foram vistos como insolentes. O vínculo dos beneficiários com o PT foi lido na chave da compra de votos. E o PT passou a simbolizar a corrupção tanto por conta dos escândalos midiáticos do Mensalão e da Operação Lava-Jato quanto por interferir de maneira indevida na competição, rompendo com a “meritocracia” e ainda favorecendo certas corporações com sua política das campeãs nacionais. A consequente criminalização do partido foi estendida para as demais agremiações de esquerda e entidades de representação de classe, como sindicatos e movimentos sociais. Com isso, questionava-se o reconhecimento democrático de todos os sujeitos como portadores de interesses válidos e legítimos, e a consequente chancela para a interlocução e negociação de conflitos no âmbito político institucional. Por meio do antipetismo, a racionalidade socialdemocrata foi colocada em xeque, ameaçando um dos pilares da Nova República.
Por sua vez, as classes trabalhadoras ascendentes, que poderiam fazer o contraponto político, ficaram divididas em função de sua inclusão ter se dado no modelo e segundo a lógica neoliberal, com suas limitações e contradições. De saída, o ingresso na formalidade se deu em um mercado de trabalho já transformado por mais de uma década de neoliberalismo. O sonho de integração na sociedade salarial, com direitos e estabilidade, tornou-se assim a sombra de uma promessa do passado varguista. Na prática, a formalização ocorreu sob baixos salários (até dois salários-mínimos), contratos de trabalho precários e empreendedorismo popular regularizado pela figura jurídica do MEI. A precarização dificultou as formas de organização política e de representação da classe trabalhadora. A inclusão social, ainda que positiva, se fazia já com as limitações do mercado de trabalho neoliberal, com a cidadania chegando pelo e para o mercado, com o próprio Estado de bem-estar mobilizando as políticas sociais para transformar os pobres em sujeitos econômicos rentáveis, ao invés de garantir dignidade humana. O efeito despolitizador das políticas públicas condicionadas, que faziam os direitos serem “conquistados” e moralizavam os pobres, não raro colocando em concorrência tanto os prestadores de serviços quanto os beneficiários, acabou convertendo os movimentos sociais no empreendedorismo social e formando a classe trabalhadora ascendente em uma visão meritocrática. Por esse motivo, a melhora foi atribuída quase que exclusivamente à iniciativa individual e à providência divina. Além disso, as políticas sociais e habitacionais do lulismo desencadearam uma série de contradições no espaço das grandes cidades, gerando inadvertidamente especulação imobiliária, gentrificação, deslocamento das moradias para regiões distantes, superlotação do transporte público e congestionamentos, o que acabou resultando em revoltas urbanas.
Incluídos na ordem neoliberal, a “nova classe média” incorporou parte de sua visão de mundo, impulsionada igualmente por dispositivos neopentecostais (Côrtes, 2018). Quando na posição de empreendedor, de informal ou de autônomo, os trabalhadores encararam com maus olhos a formalização de seus negócios e os consequentes procedimentos burocráticos e encargos pagos ao Estado. A precariedade dos serviços públicos, a ação violenta e arbitrária das polícias e a corrupção acabaram por gerar a visão de que o Estado mais prejudicava do que ajudava. O fato de muitos dos benefícios estatais chegarem mediados pelo mercado do social, por meio de ONGs, fundações empresariais e entidades religiosas, acabou por invisibilizar como a racionalidade socialdemocrata do Estado contribuía para criar as condições de mobilidade.
Com a crise econômica de 2015, fechou-se a brecha da ascensão social, frustrando as expectativas de acesso crescente ao consumo. A insatisfação acabou sendo canalizada por setores conservadores do neopentecostalismo e por policiais/militares convertidos em novas lideranças políticas autoritárias (Feltran, 2018). Possíveis resistências foram reduzidas e parcela das classes populares acabou somando-se aos movimentos da classe média, engrossando as fileiras da nova sociedade civil de caráter antidemocrático. Abriu-se então o caminho para a crise política que inaugurou a terceira rodada de neoliberalização, aprofundando reformas em detrimento da lógica socialdemocrata.
AVANÇO NEOLIBERAL E DESMONTE DA DEMOCRACIA SOCIAL
A terceira rodada de neoliberalização emergiu na esteira das manifestações de parte da classe média pelo impeachment e do aprofundamento da crise econômica e institucional a partir de 2015. Em nome de respostas emergenciais à crise, mas igualmente em função da corrosão dos valores de igualdade, participação e solidariedade no seio da sociedade, a hibridização entre as racionalidades políticas cedeu a vez à ofensiva contra a democracia social, passando da via desdemocratizante para a antidemocrática. O neoliberalismo voltou a enfatizar a estratégia de reformas que blindavam jurídica e institucionalmente os mercados das demandas por justiça social e igualdade redistributiva. Para tanto, se compôs com outras racionalidades autoritárias, como o militarismo, que retomou centralidade no governo federal2. A combinação entre concorrência de mercado e hierarquia militar, entre austeridade e guerra ao inimigo interno, atacou atores da lógica socialdemocrata, reduziu os espaços de participação da “sociedade civil” e desmontou o “social” como objeto de governo (Andrade, 2021). As políticas públicas, instrumentos centrais da Nova República, foram desarticuladas e imiscuídas à guerra cultural, afetando inclusive a produção de indicadores que permitiam aferir a eficiência e a efetividade dos investimentos. A estratégia de economização do social do neoliberalismo progressista recuou para a primeira versão, que via os gastos sociais como custos indevidos que distorciam a eficiência dos mercados.
A derrota apertada da via de aprofundamento neoliberal nas eleições de 2014 marcou o início do questionamento da democracia representativa por parte de movimentos de direita e de ações institucionais (Miguel, 2019). Dilma Rousseff, que em seu primeiro mandato havia realizado um ensaio desenvolvimentista rompendo parcialmente com a blindagem dos interesses financeiros, viu-se enfraquecida pelas jornadas de junho de 2013, que revelaram uma fissura em sua base eleitoral, e, depois de 2015, pela sua capitulação à agenda econômica neoliberal, que minou seu apoio na sociedade (Miguel, 2019; Singer, 2015; 2018). A reação veio a partir do segundo mandato, com uma série de ações bem conhecidas que se desenvolveu contra os governos e lideranças petistas e, por extensão, contra a democracia. Além dos movimentos pró-impeachment (que iniciaram apenas seis dias após o resultado eleitoral), o ataque se materializou em estratégias de lawfare por parte da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, no não reconhecimento do resultado eleitoral pelo candidato derrotado no segundo turno, no pedido de cassação da chapa vencedora no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e finalmente no golpe parlamentar que destituiu a presidente eleita sob a alegação das “pedaladas fiscais”. Depois da derrubada do governo, seguiu-se a condenação judicial em segunda instância do principal candidato às eleições presidenciais de 2018 (Lula), feita por meio de uma articulação entre os procuradores e o juiz do caso, Sérgio Moro, cuja suspeição foi confirmada mais tarde pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em julgamento do mesmo STF sobre a possibilidade de Lula se registrar e concorrer mesmo preso, diversos militares, incluindo o chefe do Estado Maior, fizeram ameaças nas redes sociais à Suprema Corte, que cedeu à pressão e acabou não autorizando. Na eleição presidencial de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro afirmou não aceitar outro resultado que não a sua eleição, e levantou dúvidas sobre fraudes nas urnas eletrônicas em caso de sua derrota. Já no correr do mandato, o então presidente e representantes do governo e das Forças Armadas insistiram em colocar as urnas eletrônicas sob suspeita. Até mesmo um desfile de blindados da Marinha ocorreu em frente ao Congresso de modo a intimidar os deputados no dia de votação da obrigatoriedade do voto impresso. O governo também apoiou manifestações que pediram o fechamento do Congresso e do STF. Por fim, ameaças de (auto)golpe de Estado iniciaram ainda em 2019, quando um novo AI-5 foi aventado no caso dos protestos contra o neoliberalismo no Chile se estenderem para o Brasil, e foram repetidas em diversas ocasiões, acabando por se realizar, ainda que sem sucesso, com a invasão dos prédios dos três poderes por bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023.
A criminalização de lideranças do PT acabou por alijar os candidatos mais competitivos do campo democrático-popular do processo eleitoral. Com isso, afastou-se a “ameaça” sentida por grupos de empresários e economistas de que as eleições de 2018 pudessem colocar em risco as reformas neoliberais, em clara inversão da lógica democrática (Martins, 2017). Não se tratava mais da economização da política, com o desvirtuamento da representação pela sua redução à gestão do Estado empresarial, mas do ataque direto à representação e às instituições democráticas. Ninguém sintetizou melhor esse retrocesso do que o próprio Jair Bolsonaro, com a paradoxal afirmação: “Em nenhum momento eu feri ou ameacei a democracia, ou, como disse a Bachelet, mentirosamente, que eu estou diminuindo o espaço democrático do Brasil. Eu estou diminuindo o espaço democrático da esquerda, nisso não há a menor dúvida” (Ohana, 2019).
Após o impeachment, a política econômica neoliberal foi entronizada juridicamente por meio de emendas constitucionais e leis complementares, buscando impedir a sua alteração a despeito da alternância dos governantes eleitos. Essa blindagem da política econômica visava, segundo as palavras do ministro Paulo Guedes, passar do modelo da socialdemocracia, consagrado na Constituição de 1988 e incipientemente construído na Nova República, para o da “liberal-democracia”, completando “a transição para a economia de mercado” e limitando a intervenção estatal (Salomão, 2019; Andrade, 2020).
Exemplo importante dessa reestruturação do Estado foi a Lei da Liberdade Econômica, que criou restrições ao seu papel regulador. Nela, o modelo de livre mercado era afirmado como um pressuposto, cabendo ao governo que propuser medidas regulatórias o ônus de realizar análises prévias de impacto. A lei limitava e proibia diversas ações concernentes à missão constitucional do Estado de fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica, cedendo espaço a um suposto direito da pessoa humana de empreender, ficando o ente público impedido de adotar medidas desenvolvimentistas e de parceria com o capitalismo nacional (Andrade, 2022).
Outra lei que tirou parcialmente dos governantes eleitos o controle sobre as políticas econômicas foi a da autonomia do Banco Central. Ao criar uma decalagem entre o mandato do presidente da República e o do presidente e dos principais diretores do banco, a lei blindava a política monetária das decisões democráticas, ainda que os objetivos a serem atingidos continuassem sendo definidos pelo Conselho Monetário Nacional (Andrade, 2022).
Nas outras frentes da democracia representativa, o ataque se dirigiu aos representantes estaduais, municipais e legislativos. Entre outras estratégias de ataque ao pacto federativo, o governo fez a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.188/2019, buscando destruir o federalismo cooperativo e dar fim à garantia constitucional de provisão ao subordinar os direitos sociais ao suposto direito de “equilíbrio fiscal intergeracional”. A PEC permitia que cada ente da federação compensasse os mínimos constitucionais entre saúde e educação, afetando o (des)financiamento dessas áreas. Ela também proibia a União de socorrer governos subnacionais em dificuldades fiscais e financeiras e operações de crédito entre entes da federação (Dweck, 2021).
Com relação ao Legislativo, o governo recorreu ao “infralegalismo autoritário” (Vieira et al., 2022). Tratava-se da utilização de expedientes como edição de decretos, medidas administrativas, omissões, cortes orçamentários, paralizações de órgãos, a não execução do orçamento previsto, o não preenchimento de cargos por longos períodos, nomeações de pessoas contrárias às políticas que vão chefiar, exonerações e perseguição ao funcionalismo. Essas estratégias variadas buscaram desvirtuar leis e descaracterizar políticas públicas, mas sem revogá-las, contrariando as determinações constitucionais sem precisar passar pelas casas legislativas.
Quanto à democracia participativa, ela sofreu um ensaio de desmonte no governo Bolsonaro, com a tentativa (decreto 9.759/2019), depois limitada pelo STF e derrotada na Câmara dos Deputados, de suprimir todos os colegiados da Administração Pública Federal criados por decretos ou por normas infralegais. Sob a alegação neoliberal de racionalização da administração pública e de corte de gastos, o governo buscou desfazer os canais de participação da sociedade civil. A questão central, contudo, é que o governo via os conselhos como aparelhados politicamente pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil comprometidos com pautas socialdemocratas, de direitos humanos e de reconhecimento de minorias (Lavalle; Bezerra, 2021).
Tal medida havia sido precedida pela derrota legislativa do decreto que instituía a Política e o Sistema Nacional de Participação Social no governo Dilma 2. A alegação da oposição foi de uma tentativa “bolivariana” de usurpar o Poder Legislativo. A derrota do decreto mostrava que a pauta da participação social havia se reduzido aos partidos de esquerda, sendo abandonada por importantes partidos da redemocratização (PSDB e PMDB) (Lavalle; Bezerra, 2021). O ataque à participação também foi associado à “desPTização da máquina pública”. Medida inaugural do governo Bolsonaro, ela visava expurgar dos cargos de livre provimento, independentemente da qualificação técnica, todos os filiados e simpatizantes do PT e de partidos de esquerda, bem como os militantes de movimentos sociais, desfazendo outros repertórios de interação entre a sociedade civil e o Estado (Lindner, 2019). Tanto no decreto que extinguia os colegiados quanto na “desPTização”, a participação dos movimentos sociais era condenada sob a interpretação implícita (mas explicitada na proposta de alteração da Lei Antiterrorismo) de que eles seriam inimigos internos não portadores de interesses legítimos.
Diante da revogação parcial do decreto pelo STF, sob o entendimento de que colegiados previstos em lei não podiam ser encerrados pelo presidente, Bolsonaro mudou a estratégia do atacado para o varejo. Destinando inúmeros decretos voltados para conselhos específicos, procurou esvaziá-los, reduzir o tamanho e o peso da participação da sociedade civil, garantir a maioria do governo, dificultar ou inviabilizar sua ação, mantê-los inativos e retirar suas fontes de financiamento (Vieira et al., 2022).
Os ataques à democracia foram acompanhados de intenso desmonte de direitos sociais e trabalhistas (Andrade, 2022). A reforma trabalhista e a previdenciária se combinaram de modo a aprofundar a precarização do trabalho ao mesmo tempo em que o tempo de contribuição aumentava, tornando o acesso às aposentadorias consideravelmente mais difícil. Apesar da reforma trabalhista do governo Temer ser a mais ampla desde a promulgação da CLT, o governo Bolsonaro ainda propôs o seu avanço por meio da “carteira de trabalho verde e amarela”, com o objetivo explícito de aproximar o mercado formal do informal. A proposta de desregulamentação se deu em paralelo à ideia de consagrar a “liberdade de empreender” como um “direito do cidadão” na PEC da Liberdade Econômica, tomando o lado dos empresários no conflito redistributivo e erigindo o empreendedorismo de si em modelo universal no lugar da sociedade salarial.
A aprovação da PEC do teto dos gastos consolidou a inversão dirigente na Constituição ao colocar as obrigações financeiras do Estado acima dos direitos sociais. Justificando-se como resposta emergencial à crise econômica, a austeridade foi o princípio central que guiou as políticas sociais, promovendo a redução da participação do Estado em áreas sensíveis. O governo federal também delegou aos governos subnacionais, ao mesmo tempo em que sabotou e cortou o orçamento deles, o planejamento e execução de ações (Abrúcio et al., 2020; Oliveira; Fernandez, 2021). Procurava-se com isso levar a cabo a promessa de campanha de diminuir a interferência do governo na economia e na vida dos cidadãos, recusando o papel de planejador do Estado federal e relegando diversas áreas ao espontaneísmo do mercado, das famílias e dos indivíduos, com a racionalidade neoliberal se aproximando da ultraliberal.
A chegada da pandemia inaugurou um capítulo trágico à parte, com o governo propalando a oposição saúde versus economia de modo a defender a aprovação emergencial de novas reformas neoliberais (tributária e administrativa), impedir ou mitigar a adoção de medidas sanitárias restritivas, manter as empresas e o comércio funcionando e instar os trabalhadores, inclusive os informais, a retomarem suas atividades a despeito dos riscos. Em nome da defesa da liberdade de mercado e/ou individual e da não intervenção do Estado, o governo federal negligenciou seu papel de planejador, legislador e articulador das medidas de combate à pandemia, delegando em larga medida a responsabilidade para entes subnacionais e agentes privados (médicos, empresas, famílias e indivíduos). Isso permitiu a emergência de um empreendedorismo baseado em medicações sem eficácia comprovada. O resultado foi uma tragédia humanitária de largas proporções, só contida parcialmente pelas denúncias da CPI e pela atuação do Congresso, que impôs o Auxílio Emergencial à relutante equipe econômica (Andrade, 2021b; Oliveira; Fernandes, 2021).
Na área social, houve a produção de dificuldades em acessar direitos e benefícios devido a fatores como: o aumento de exigências burocráticas sob a alegação de “evitar fraudes”, como no Bolsa-Família, na Aposentadoria Rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC); o congelamento da inclusão de novos beneficiários, como no Bolsa Família; a diminuição do repasse para estados e municípios de verbas de assistência social; e a redução do quadro de funcionários, como consequência da combinação de aposentadorias incentivadas pela reforma da previdência com a interdição de novos concursos públicos, o que afetou a concessão de benefícios pelo INSS. Programas de hibridização entre a lógica neoliberal e a socialdemocrata também foram renomeados e modificados. Foi assim que o programa habitacional Minha Casa Minha Vida virou Casa Verde e Amarela, passando por uma drástica redução de recursos, e o Bolsa Família converteu-se no Auxílio Brasil, com benefícios turbinados no período eleitoral, mas com o desmonte da estrutura operacional, como o Cadastro Único.
A agenda de direitos de minorias sofreu importante inflexão. Na pauta de gênero, por exemplo, a austeridade limitou o alcance das políticas sociais e de cuidados e incentivou o recurso a serviços privados. O avanço neoliberal não se restringiu à crescente mercantilização, promovendo igualmente o “moralismo compensatório” (Biroli; Quintela, 2021). Nesse caso, o conservadorismo moral, além de produzir preferências eleitorais em meio a políticas antipopulares, também fortaleceu a família e a pauta de gênero de modo a “responsabilizar novamente as mulheres por tarefas de que o Estado se esquivava” (Biroli, 2017, p. 25). A família como âmbito privilegiado de proteção e controle, concepção central do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro, sucedeu o período de inércia e descaso do Governo Temer e reverteu o enfrentamento ao sexismo do ciclo democrático, com as conquistas em termos de participação e de direitos cedendo lugar à naturalização da desigualdade e da violência.
A lista aqui apresentada de ataques à democracia representativa, à democracia participativa e aos direitos e políticas sociais está longe de ser exaustiva. Seria possível citar uma infinidade de ações contrárias à educação, à proteção do meio-ambiente, aos direitos dos povos indígenas e quilombolas, aos direitos humanos, à questão racial e LGBTQIA+, ao combate à desigualdade e muitas outras (Avritzer; Kerche; Marona, 2021). O importante é ilustrar como a ofensiva neoliberal contra a lógica socialdemocrata incluiu desde o não cumprimento das regras da competição eleitoral, passando pelo ataque às instituições democráticas, pelo fechamento ou distorção dos canais institucionais de participação, pelo infralegalismo autoritário e chegando ao desmonte dos direitos trabalhistas e sociais e de diversas políticas públicas para efetivá-los.
O arcabouço jurídico e institucional da Constituição de 1988 e os dispositivos socialdemocratas foram consideravelmente afetados pela nova rodada de reformas que deixou o neoliberalismo ainda mais insulado das demandas populares e vinculado a lógicas autoritárias (Andrade, 2021a; Andrade; Côrtes; Almeida, 2021). O retorno da ênfase na estratégia neoliberal de blindar os mercados se fez em detrimento da economização da política, passando da desdemocratização para o ataque antidemocrático, e em detrimento da versão progressista da economização do social, tomando novamente os gastos sociais como custos ineficientes. Ao associar a máquina estatal exclusivamente à corrupção e à burocracia que prejudica os empreendedores, buscou-se colocar fim em toda e qualquer expectativa social da população em relação ao Estado (Cardoso, 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação entre neoliberalismo e democracia social passou por diferentes etapas em que a tônica foi se alterando: primeira, reforma constitucional e inversão das prioridades dirigentes; segunda, hibridização via economização da política e do social, com efeitos desdemocratizantes; e terceira, nova rodada de reformas, com ofensiva antidemocrática e desmonte das políticas sociais. Para tanto, foi importante a ênfase que cada período deu nas duas diferentes estratégias neoliberais para a construção da sociedade segundo o modelo do mercado (ou no tipo de combinação entre elas).
Na década de 1990, foi preciso introduzir o arcabouço legal e institucional do neoliberalismo na Constituição de modo a integrar o país aos mercados globais e inverter as prioridades socialdemocratas em nome da blindagem dos investidores internacionais. Com o Estado privilegiando as suas obrigações financeiras, os gastos sociais foram relegados às sobras orçamentárias. O novo objetivo da competitividade econômica abriu as portas para a segunda estratégia neoliberal, com a reforma gerencialista fomentando a economização da política e do social – esta última ainda em uma primeira versão que via os gastos sociais como custos que distorciam a eficiência dos mercados. Não se tratava, nesse momento, de um ataque antidemocrático, mas da imposição de uma disciplina de mercado à democracia social, com a política de austeridade implicada nas duas estratégias limitando e retardando o avanço das políticas sociais. A consequente frustração das promessas da redemocratização acabou suscitando considerável resistência política por parte de movimentos sociais e da oposição partidária ao governo FHC.
Na segunda etapa, o neoliberalismo se difundiu parasitando a democracia e as políticas sociais, em um arranjo típico do neoliberalismo progressista (Fraser, 2017). A ênfase recaiu na estratégia de economização da política, com o enquadramento da representação e da participação democráticas pela lógica da gestão do Estado empresarial, havendo a conversão de parte dos sujeitos políticos da redemocratização à racionalidade econômica, financeira e gerencial. A economização se estendeu também para o social, mas em uma nova versão que via os gastos nessa área não apenas como custos, mas também como investimentos (Laruffa, 2022). Os setores progressistas assumiram assim os pressupostos neoliberais de modo a fazer a defesa das políticas sociais, participando ativamente da construção do Estado empresarial. Na medida em que esse modelo assimilava a militância à gestão governamental, substituía o discurso político pela lógica gerencial/econômica e ampliava as políticas sociais, ele desencadeou menor resistência. Com isso, o auge das conquistas inclusivas da lógica socialdemocrata se confundiu com o avanço do processo de desdemocratização, que esvaziou paulatinamente o projeto da redemocratização e enfraqueceu os seus princípios fundantes.
Por fim, no terceiro período, a ênfase voltou para uma estratégia neoliberal de blindagem jurídico-institucional dos mercados frente às demandas democráticas. A nova rodada de reformas se deu em detrimento da estratégia prévia do neoliberalismo progressista (Fraser, 2017). Ela fez a economização do social recuar para a versão dos gastos sociais como custos ineficientes e substituiu a economização desdemocratizante da política pela estratégia antidemocrática de ataque às instituições e aos dispositivos de representação e participação. Essa opção estratégica fazia o neoliberalismo migrar para uma fase autoritária, o que acabou suscitando novamente a reação de sujeitos democráticos em várias dimensões: de manifestações de rua à burocracia do Estado, de movimentos sociais a atuação de parlamentares e da cúpula do poder judiciário. A resistência democrática foi fundamental para a formação de uma frente ampla nas eleições de 2022, que acabou derrotando a via do neoliberalismo autoritário e sua posterior tentativa de golpe de Estado.
A partir dessa síntese, três pontos são essenciais para o debate sobre neoliberalismo e democracia social no Brasil. Primeiro, é fundamental reconhecer a diversidade e a combinação de estratégias neoliberais, que vão além da economização da política e do social. A análise também deve incluir a estratégia de blindagem jurídico-institucional dos mercados. Além disso, a economização do social não tem uma única versão, podendo assumir uma feição mais progressista que considera os gastos sociais não somente como custos, mas também como investimentos (Laruffa, 2022). A relação entre essas estratégias é dinâmica, podendo ser complementar, funcionar como pré-condição uma da outra ou avançar em direções opostas. Segundo, enquanto a economização tende à desdemocratização ao modificar discursos, práticas institucionais e a racionalidade de atores políticos democráticos (Brown 2003; 2015), a blindagem dos mercados está mais associada à ofensiva antidemocrática, ao atacar o arcabouço jurídico-institucional social-democrata e desmontar seus mecanismos de representação, participação e políticas sociais. Assim, a economização se hibridiza mais facilmente com a democracia social, parasitando-a e distorcendo-a por dentro – descaracterizando o “social” como nível de intervenção governamental e a “sociedade civil” como sujeito de governo –, enquanto a blindagem dos mercados tende ao confronto direto, aproximando-se de racionalidades autoritárias, como o militarismo. Por fim, a estratégia desdemocratizante da economização suscita menor resistência, tanto porque pode assumir uma versão mais progressista do social, permitindo o atendimento de demandas democráticas, quanto porque altera a racionalidade dos sujeitos, que passam da lógica da política para a da gestão. Já a estratégia de insulamento dos mercados, particularmente quando associada à austeridade, suscita maior resistência, o que acaba por, paradoxalmente, fazer os sujeitos retornarem à lógica política em nome da defesa da democracia.
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O projeto de constituição apresentado pelo empresário Henry Macksoud, inspirado nas ideias de Hayek, apesar de bem recebido por constituintes como Roberto Campos e Michel Temer, não chegou a emplacar nenhum de seus pontos na Constituição de 1988 (Pereira, 2025).
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O presente artigo não desenvolve de maneira mais consequente a relação do neoliberalismo com o autoritarismo que sobreviveu nas forças armadas e policiais após a redemocratização e que retornou ao centro do palco político após o impeachment e sobretudo com o governo Bolsonaro em razão de já ter sido objeto de outra publicação (Andrade, 2021).
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Editor Chefe:
Renato Francisquini Teixeira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
14 Maio 2024 -
Aceito
18 Mar 2025
