Resumos
O presente estudo investiga os mecanismos de financiamento das Universidades Federais Brasileiras (UFs), e tem o objetivo de demonstrar a forma como os mecanismos orçamentários têm sido utilizados para subtrair a autonomia destas instituições. Empregando fontes de dados oficiais, o estudo identifica o montante de recursos financeiros associados às Universidades Federais e, considerando os diversos mecanismos de financiamento, identifica quais estão efetivamente disponíveis para o exercício da autonomia universitária. As Universidades gozam de autonomia de gestão financeira estabelecida pela Constituição de 1988. O que se observa, entretanto, é a introdução de uma série de mecanismos que impedem a concretização desse marco legal. Os mecanismos são os mais diversos, desde a especificação de recursos insuficientes para a manutenção e desenvolvimento das suas atividades, até o direcionamento para a procura de fontes alternativas para o pagamento das despesas básicas para o seu funcionamento.
Palavras-chave:
Universidades Federais; Autonomia; Financiamento; Gestão financeira
This study investigates the financing mechanisms of Brazilian Federal Universities (UFs) and aims to demonstrate how budgetary mechanisms have been used to undermine the autonomy of these institutions. The study identifies, using official data sources, the amount of financial resources associated with Federal Universities and, considering the various financing mechanisms, identifies which ones are effectively available to exercise university autonomy. Universities enjoy financial management autonomy established by the 1988 Constitution. However, a series of mechanisms prevent the implementation of this legal framework. The mechanisms are the most diverse, from the specification of insufficient resources for the maintenance and development of their activities to the direction of the search for alternative sources to pay basic operating expenses.
Key words:
Federal Universities; Autonomy; Financing; Financial management
Este estudio investiga los mecanismos de financiamiento de las Universidades Federales (UF) brasileñas y pretende demostrar cómo los mecanismos presupuestarios se han utilizado para socavar la autonomía de estas instituciones. Utilizando fuentes de datos oficiales, el estudio identifica la cantidad de recursos financieros asociados a las Universidades Federales y, considerando los diversos mecanismos de financiamiento, identifica cuáles están efectivamente disponibles para el ejercicio de la autonomía universitaria. Las universidades gozan de autonomía en la gestión financiera establecida por la Constitución de 1988. Lo que se observa, sin embargo, es la introducción de una serie de mecanismos que impiden la implementación de este marco legal. Los mecanismos son muy diversos, desde la especificación de recursos insuficientes para el mantenimiento y desarrollo de sus actividades, hasta la orientación de buscar fuentes alternativas para pagar los gastos básicos para su funcionamiento.
Palabras clave:
Universidades Federales; autonomía; financiación; gestión financiera
INTRODUÇÃO
Não pode haver universidade autêntica sem autonomia. Com efeito, a autonomia universitária é um princípio inscrito na Constituição Federal de 1988 (CF-1988), em seu artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Brasil, 1988). Da mesma forma, garante-se na Constituição, no § 1º do artigo 211, que a União “financiará as instituições de ensino públicas federais”, o que, além disso, está claro e bem resguardado pelo artigo 55 da Lei N° 9394/1996, a LDB: “Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas” (Brasil, 1996, artigo 207, grifo nosso). A responsabilidade é clara, tanto em relação à autonomia, quanto aos recursos, de gestão financeira, cabendo, sim, à União financiar suficientemente as universidades, garantindo-lhes o cumprimento do que, afinal, lhes é essencial, a saber, a realização indissociável de ensino, pesquisa e extensão.
Essa é a lei; outra, a realidade. Ao longo dos 36 anos de vigência da CF-1988, verifica-se a introdução de uma série de mecanismos associados ao financiamento que impedem a realização desse marco legal estabelecido na CF-1988 e na LDB. Os mecanismos implementados são os mais diversos: a) a especificação de recursos de custeio e capital insuficientes para a manutenção e desenvolvimento das instituições, contrariamente ao que estabelece o artigo 55 da LDB; b) a implementação de mecanismos de austeridade fiscal que estabelecem travas ao volume das despesas primárias da União; c) a presença, cada vez mais importante, de emendas ao orçamento das UFs originadas no poder legislativo federal para o custeio das instituições; d) o incremento de Termos de Execução Descentralizadas (TEDs)1 para as UFs, oriundos do próprio Ministério da Educação ou de outros Ministérios; e) o aumento das despesas obrigatórias em relação às discricionárias; f) a terceirização de serviços e, também, do que concerne a técnicos administrativos; g) os seguidos contingenciamentos do orçamento das UFs; h) o bloqueio orçamentário impedindo que as UF acessem os orçamentos previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Nosso objetivo neste artigo é demonstrar a forma como os mecanismos orçamentários podem ser empregados para subtrair a autonomia universitária, para isso, foram percorridos os seguintes passos metodológicos. Primeiramente, foi identificado o montante de recursos financeiros associados às UFs e que estão efetivamente disponíveis para o exercício da autonomia universitária. Em seguida, buscou-se examinar os valores presentes nos diversos mecanismos que promovem uma subtração da autonomia universitária. Por fim, foi realizada uma simulação que evidencia o contraste com o que seria um possível mecanismo de financiamento permanente para as UFs, nos moldes propostos pela Andifes em 2013 (Aduferpe, 2013). Em específico, será examinada a evolução dos recursos financeiros das UFs no período 2000-2024, que incluem três últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), os oito anos dos dois primeiros governos Luiz Inácio Lula da Silva, cinco anos do governo Dilma Roussef,2 os três anos do governo Michel Temer, os quatro anos do governo Jair Messias Bolsonaro, e, finalmente, os dois primeiros anos do 3º governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A EVOLUÇÃO DOS RECURSOS DAS UFS (2000-2024) E OS MECANISMOS DE CONTINGENCIAMENTO E BLOQUEIO ORÇAMENTÁRIO
Os recursos financeiros totais das 69 Universidades Federais (UFs) englobam aqueles para o pagamento de pessoal e encargos sociais (PES); outras despesas correntes (ODC) incluindo água, energia elétrica, internet, material de consumo, vigilância, limpeza etc.; investimento (INV) incluindo construções, equipamentos, mobiliários etc.; e inversões financeiras (INV FINAN) contemplando aquisição de imóveis e bens de capital já em utilização.
O Gráfico 1 mostra a evolução dos recursos totais das UFs no período 2000-2024,3 corrigidos pelo IPCA para janeiro de 2024, separando os valores em dotação atualizada do Orçamento Geral da União (OGU), os valores empenhados e os valores liquidados. A dotação atualizada representa o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional, considerando os ajustes realizados ao longo ano; o valor empenhado representa a parte do orçamento reservada para cobrir despesas assumidas pelas UFs durante os respectivos processos de aquisição; e o valor liquidado representa a importância devida ao credor da UF em virtude do fornecimento de bens ou serviços recebidos e julgados em conformidade com o respectivo contrato (Brasil, 2024).
– Valores totais da dotação atualizada, valores empenhados e liquidados das Universidades Federais (2000 a 2024)
Ao analisar a evolução dos recursos liquidados pelas UFs, atualizados pelo IPCA, é possível identificar cinco diferentes movimentos. Entre 2000 e 2005, há uma estabilidade, com valores flutuando em torno de R$ 30,0 bilhões por ano. Entre 2005 e 2015, há uma expansão de 93,9%, quando os valores liquidados superam os R$ 59,0 bilhões. Entre 2016 e 2020, há um novo período de estabilidade, quando os valores são elevados em 4,4%, atingindo R$ 62,0 bilhões. Entre 2020 e 2022, observa-se, pela primeira vez na série histórica, uma retração dos valores liquidados, fazendo com que estes fossem inferiores àqueles observados em 2013. Finalmente, em 2023, observa-se uma tímida recuperação.
É importante ressaltar que, entre 2000 e 2023, foram criadas 29 UFs – o que representou um crescimento de 137,9% na quantidade de instituições. No mesmo diapasão, de acordo com dados do Censo da Educação Superior produzido pelo INEP/MEC (Brasil, 2024), houve nesse período um crescimento de 121,6% na quantidade de matrículas presenciais em cursos de graduação das UFs. Dessa forma, mesmo havendo uma ampliação global do orçamento, observa-se uma redução orçamentária em termos de valores aplicados por matrícula – questão a ser retomada na avaliação dos valores liquidados apenas com outras despesas correntes.
Os dados sobre o orçamento geral apresentados no Gráfico 1 evidenciam o impacto de cada mudança na condução do poder executivo federal sobre o orçamento da UFs. Durante o governo FHC, observou-se uma estabilidade no orçamento. Entre 2003 e 2015, durante os governos Lula e Dilma, observa-se um forte crescimento, com estabilidade no último ano do governo Dilma. Durante o governo Temer, já impactado pela Emenda Constitucional nº 95/2016 (Brasil, 2020), observa-se uma estagnação no orçamento das UFs. A partir de 2019, durante o governo Bolsonaro, observa-se uma expressiva retração no orçamento das instituições. Em 2022, ano eleitoral, e, principalmente, a partir do início do atual governo Lula, em 2023, observa-se alguma retomada do crescimento do orçamento das UFs.
Os dados confirmam a efetiva execução do processo de desconstrução proposto por Bolsonaro, que primeiro afirmou em seu Programa de Governo: “Nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações com o gramscismo se uniu à oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira” (Programa de Governo Bolsonaro, 2018); e, partindo desse “diagnóstico”, afirmou em março de 2019: “Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa para depois começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz” (Lázaro, 2019). Não se tratava de uma mera bravata, mas sim de um projeto de destruição.
O Gráfico 2 apresenta a evolução das despesas de pessoal e encargos sociais (PES) das UFs, explicitando a dotação atualizada e os valores empenhados e liquidados. No pagamento de PES, por serem despesas obrigatórias, as diferenças entre a dotação atualizada, valores empenhados, e valores liquidados são inexpressivos. No período 2000 a 2005, os valores permaneceram praticamente constantes, aumentando continuamente de 2005 a 2019, na esteira da criação de novas UFs e do aumento do número de cursos e matrículas nas UFs existentes. Esta ampliação foi seguida, porém, de uma queda do orçamento entre 2019 e 2022 – uma redução que reflete a “corrosão” salarial advinda do processo inflacionário e a ausência de reajustes salariais.
– Valores referentes à Pessoal e Encargos Sociais (PES) das Universidades Federais (2000-2024): dotação atualizada, valores empenhados e liquidados
Importa salientar que a extinção de cargos efetivos também contribuiu com a redução do orçamento de PES. Alguns cargos efetivos que exigiam menor escolaridade foram extintos, o que impossibilita a contratação desses profissionais após a vacância de servidores efetivos que ocupavam tais cargos. Tal prática gera problemas para as administrações das UFs, que, considerando a necessidade de manter o funcionamento das instituições, se veem obrigadas a terceirizar essas atividades, empregando recursos de custeio que poderiam ser empregados em ações de ensino, pesquisa ou extensão.
O Gráfico 3 apresenta os valores do orçamento para Outras Despesas Correntes (ODC) para dotação atualizada, valores empenhados e valores liquidados. Na evolução dos valores associados às outras despesas correntes (ODC) já são visíveis as diferenças entre a dotação atualizada, valores empenhados e liquidados. Essa dinâmica sugere a ocorrência de contingenciamentos ou bloqueios no orçamento, que, a depender do momento da liberação, podem ter inviabilizado a efetivação de novos empenhos, com impactos sobre o planejamento estratégico das UFs. Os valores liquidados foram crescentes de 2003 até 2013, quando superaram R$ 10,0 bilhões. Entre 2013 e 2021, houve uma queda superior a 40%, e as UFs liquidaram menos de R$ 6,0 bilhões. Finalmente, em 2022 e 2023, observou-se uma leve recuperação; e, em 2023, foram liquidados R$ 7,8 bilhões, valor ligeiramente superior ao observado em 2011.
– Valores referentes a Outras Despesas Correntes (ODC) das Universidades Federais (2000-2024): dotação atualizada, valores empenhados e liquidados
Isso compeliu as UFs a realizarem diversos cortes na gestão de suas atividades, com severos impactos sobre a qualidade do serviço prestado. Dentre os vários cortes, destacam-se: redução da segurança institucional; reconfiguração dos serviços de limpeza e redução dos terceirizados; redução da manutenção predial, de veículos, de equipamentos diversos; redução do valor e da quantidade de bolsas de assistência aos estudantes etc. No auge da crise, em 2021, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) convocou uma entrevista coletiva com diversos órgãos de imprensa para expor a grave situação orçamentária das UFs. (ANDIFES, 2021).
Em virtude de sua destinação, os valores aplicados em ODC estão fortemente vinculados à quantidade de estudantes atendidos pelas UFs. Logo, o aumento da quantidade de matrículas demanda a ampliação dos recursos disponíveis para ODC. Entretanto, entre 2009 e 2022, segundo dados do Censo da Educação Superior (Brasil, 2024), as Universidades Federais brasileiras ampliaram o volume de matrículas em 51,0%, ao passo que o orçamento de ODC foi ampliado em apenas 19,3%, o que representa na prática uma perda 21,0% em termos de valor aplicado por matrícula.4
O Gráfico 4 evidencia a relevância da perda registrada no período, comparando os valores aplicados em ODC por matrícula em 2013 – pico da série histórica, representada pelo índice 100,0 em relação aos outros anos da série histórica. Os dados evidenciam que, apesar da ampliação dos valores registrados a partir de 2022, esse índice atingiu 56,9 em 2022 e 68,0 em 2023.
– Comparação entre os valores liquidados em ODC, por matrícula, em comparação ao pico da série histórica em 2013, representado pelo índice 100,0
Nota: não foram incluídos dados de 2024 uma vez que o Censo da Educação Superior 2024 somente é publicado em 2025. Ademais, ocorrem atualizações no orçamento liquidado das UFs até o último dia do calendário civil.
O Gráfico 5 apresenta os valores associados ao investimento (construções, compra de equipamentos, mobiliários etc.) no período em estudo, apresentando também a dotação atualizada, os valores empenhados, e os valores liquidados. As despesas liquidadas com investimento (INV) passaram a crescer a partir de 2008, no contexto do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) (Brasil, 2024), e atingem o pico da série histórica em 2014, quando ultrapassaram R$ 1,6 bilhões. Entre 2014 e 2021, os valores liquidados foram reduzidos em 91,6%, quando as UFs liquidaram valores correspondentes aos observados no início da série histórica (ano 2000), quando o Brasil possuía apenas 41 Universidades Federais.
Valores referentes a Investimento (INV) das Universidades Federais (2000-2024): dotação atualizada, valores empenhados e liquidados
Chama atenção as expressivas diferenças entre a dotação atualizada, e valores empenhados e liquidados, especialmente entre 2007 e 2017, assim como as diferenças entre os valores empenhados e liquidados entre 2007 e 2023. Afinal, dotações não empenhadas sugerem a existência de bloqueios e/ou contingenciamentos orçamentários. Por outro lado, empenhos não liquidados podem indicar problemas no processo licitatório e/ou bloqueios do orçamento. De todo modo, este descompasso entre dotação-liquidação-empenho prejudica o planejamento institucional, além de prejudicar a estrutura física das instituições e a manutenção de seu parque tecnológico – o que incide na deterioração das condições para as ações de ensino-pesquisa-extensão.
MECANISMOS DE FINANCIAMENTO QUE RESTRINGEM A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
As despesas de ODC obrigatórias e discricionárias
Ao examinarmos as outras despesas correntes das UFs (ODC), buscando classificá-las como obrigatórias ou discricionárias, observa-se um mecanismo de financiamento que constrange claramente a autonomia universitária, uma vez que a liberdade para planejar a aplicação dos recursos financeiros em ODC se restringe às despesas classificadas como discricionárias.
Categorizamos aqui como despesas obrigatórias aquelas classificadas pelo Manual Técnico do Orçamento (Brasil, 2022), considerando o descritivo da Ação Orçamentária e seu identificador de Resultado Primário. Entre 2000 e 2023, 12 diferentes ações orçamentárias foram classificadas como obrigatórias: Auxílio-Alimentação Servidores; Assistência Médica e Odontológica – Servidores; Auxílio-Transporte Servidores; Assistência Pré-Escolar Servidores; Auxílio-Funeral e Natalidade Servidores; Exame Periódicos de Servidores; Despesas com Benefícios e Pensões Indenizatórias; Sentenças Judiciais precatórios; Cumprimento de Sentença Judicial; Débitos judiciais; Benefícios obrigatórios.
O Gráfico 6 apresenta a evolução das despesas de ODC classificadas como obrigatórias. Houve no período em análise um crescimento das despesas obrigatórias de ODC nas UFs, passando de R$ 0,8 bilhão em 2000 para R$ 2,3 bilhões, em 2020, considerando os valores liquidados. É importante salientar que parte deste crescimento de despesas obrigatórias guarda relação com o aumento de unidades acadêmicas e servidores efetivos no período.
– Valores referentes às despesas de ODC classificadas como obrigatórias das Universidades Federais (2000-2024): dotação atualizada, valores empenhados e liquidados
Em outro giro, o Gráfico 7 apresenta a evolução das despesas de ODC classificadas como discricionárias.
Os dados apontam para um expressivo crescimento dos valores liquidados com as despesas discricionárias entre 2002 e 2013, quando saltaram de R$ 2,7 bilhões para R$ 8,0 bilhões. Após este período, observou-se uma forte queda, até atingir R$ 3,9 bilhões em 2021, voltando a crescer em 2022 e 2023.
O Gráfico 8, que apresenta a evolução dos valores de ODC associados às emendas parlamentares, complementa a informação apresentada no Gráfico 7, pois parte dos recursos de ODC classificados como discricionários estão vinculados a emendas parlamentares que não são de uso discricionário das UFs, mas devem dirigir-se para a execução das determinações presentes quando as emendas são aprovadas. Dessa forma, mais uma vez, parte da autonomia universitária garantida na execução das despesas discricionárias de ODC é “sequestrada” pelas Emendas Parlamentares.
– Valores referentes às emendas parlamentares de ODC, classificadas como discricionárias, das Universidades Federais (2014-2024): dotação atualizada, valores empenhados e liquidados
Para aquilatar o constrangimento provocado pela elevação das despesas obrigatórias e das despesas vinculadas às emendas parlamentares, com consequente redução das possibilidades discricionárias por parte das UFs no pagamento de ODC, o Gráfico 9 mostra a evolução destes três grupos de despesas entre 2014 e 2023, como percentuais do total de recursos de ODC.
– Evolução do percentual das despesas de ODC liquidadas, considerando 3 grupos: obrigatórias, discricionárias e emendas parlamentares no período 2014 a 2023
Os dados evidenciam que, mesmo no pagamento de ODC, os recursos discricionários sob gestão efetiva das UFs representavam 80,1% das liquidações em 2014, mas foram reduzidos a 66,1% em 2021, momento em que se observou um expressivo aumento da relevância dos recursos oriundos de emendas parlamentares.
Frente ao quadro de redução de recursos da magnitude que verificamos anteriormente, tanto para o pagamento de outras despesas correntes quanto para investimentos, as UFs procuraram fontes alternativas de recursos que permitissem a continuidade de funcionamento das instituições em relação ao pagamento de suas despesas básicas, como água, luz, internet, vigilância, limpeza etc.
Fontes alternativas ao Orçamento Geral da União
As Universidades Federais (UFs) sempre tiveram dificuldades para o pagamento de suas despesas básicas e procuraram ao longo do tempo maneiras de obtenção de recursos financeiros oriundos de fontes alternativas que completassem os recursos estabelecidos pelo Congresso Nacional e encaminhados pelo governo federal.
Tal busca, porém, conquanto legítima, por visar à continuidade do funcionamento das instituições, reforça a tendência de um progressivo e inconstitucional descompromisso do Estado com o financiamento público da educação superior; significa, ademais, o acréscimo deveras seletivo de recursos que, tanto não são voltados à manutenção da universidade como um todo, quanto podem subordinar a autonomia universitária a determinações externas e eventuais, com a concomitante quebra de uma distribuição de recursos no todo do sistema público federal, à luz de critérios e modelos definidos de forma clara e republicana. Além disso, aprofunda uma desigualdade prévia, como aquela que marca a capacidade de uma instituição lançar mão de recursos acadêmicos e políticos para obterem maiores aportes de recursos financeiros de fontes externas às instituições.
É um fato inegável: as UFs têm vivido em plena precariedade. Nessa circunstância, torna-se bastante difícil para professores e gestores resistirem à tentação de aceitar qualquer recurso, a qualquer preço. Afinal de contas, quando se enfrenta uma ‘fome’ persistente, desperta uma irresistível vontade de ‘comer’ qualquer coisa.
Podem ser elencadas algumas alternativas encontradas pelas instituições: a) os chamados recursos próprios obtidos pelas UFs, por meio de prestação de serviços, assinatura de convênios, contratos etc.; b) constituição de Fundações de Apoio que fazem a intermediação entre as UFs e setores da sociedade para o financiamento de atividades e projetos específicos; c) ida ao Congresso Nacional para obtenção de emendas parlamentares para completar o financiamento das atividades institucionais; e d) a procura por recursos a serem seletivamente descentralizados, sobretudo pelo MEC, mas também por outros órgãos e/ou unidades orçamentárias, por meio de Termos de Execução Descentralizadas, TEDs.
Essas possibilidades caracterizam, todavia, uma clara heteronomia institucional, uma vez que, ao procurarem captar recursos externos para a sobrevivência das atividades institucionais, as Universidades apresentam-se amiúde em uma situação de inferioridade perante o agente externo, porquanto não podem selecionar com a necessária altivez quais demandas e projetos de seu interlocutor externo devem ser atendidos.
Os recursos próprios orçamentários
As UFs realizam diversas atividades e ações que resultam em recursos que não são da arrecadação de tributos. Esses são chamados de recursos próprios diretamente arrecadados pelas instituições. Esses recursos se originam, principalmente, de prestação de serviços, assinatura de convênios, contratos etc. O Gráfico 10 mostra a evolução dos recursos próprios obtidos pelas UFs no período 2000-2023.
– Universidades Federais evolução dos recursos próprios obtidos no período 2000 a 2023, valores liquidados
Nota-se que, além de muito desiguais entre as instituições, o volume desses recursos é instável, tendo atingido um máximo superior a R$ 1,6 bilhões em 2013, sem, contudo, amenizar as abruptas flutuações nos recursos de ODC e INV, como analisados anteriormente. Além disso, o poder de obtenção de recursos próprios depende de cada instituição (sendo notável, e única, a situação da UnB, desde sua fundação, como proprietária de imóveis em Brasília). Ou seja, depende das atividades que desenvolvem, dos territórios em que estão instaladas e ainda da visão particular de autonomia de gestão financeira de cada uma delas. Enfim, são recursos que, adicionalmente às obrigações constitucionais do Estado, deveriam contribuir para a melhoria das instalações físicas, compra de equipamentos etc., e não para o pagamento de despesas básicas institucionais, como água, energia elétrica, internet, material de consumo, limpeza, vigilância etc.
O Gráfico 11 mostra, todavia, que foi isto que ocorreu com os recursos próprios das UFs, quando separamos os recursos próprios totais entre aqueles de ODC e INV. Nota-se, então, que, em todo o período analisado, os recursos aplicados em ODC foram sempre superiores aos de INV.
Universidades Federais evolução dos recursos próprios obtidos no período 2000 a 2023, valores liquidados, separados em ODC e INV
As UFs também efetivaram ao longo do tempo uma “corrida” para a constituição de Fundações de Apoio que permitissem intermediar sua interação com entes públicos ou privados dispostos a financiar projetos, nos quais participam docentes, discentes ou técnicos. Assim, fundações credenciadas pelo MEC e pelo MCTI para atuarem conjuntamente com as UFs atingiram, em 2024, um total de 113 Fundações de Apoio, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Educação.5 Registre-se, aliás, que não existe um banco de dados centralizado que forneça o volume de recursos financeiros gerenciado por esse conjunto de fundações, em atividades desenvolvidas no âmbito das UFs, o que dificulta uma análise mais refinada de sua importância e impacto.
Emendas aprovadas pelo Congresso Nacional
As emendas aprovadas pelo Congresso Nacional e direcionadas às UFs para outras despesas correntes (ODC) e investimento (INV) são classificadas em emendas individuais (apresentadas individualmente pelos deputados federais e senadores), emendas de bancadas (apresentadas pelos deputados e senadores de um estado ou do Distrito Federal), emendas de comissões (apresentadas por comissões estruturais na Câmara, no Senado ou Mistas) e emendas apresentadas pelo Relator Geral.
O Gráfico 12 apresenta a evolução dos valores totais empenhados em outras despesas correntes e investimento nas emendas individuais, de bancadas, de comissões e do relator geral, aprovadas no período de 2014-2024. O Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), fonte dos dados utilizados neste estudo, só permite a obtenção dos recursos aprovados nas emendas realizadas pelo Congresso Nacional a partir de 2014. Com tais dados, fica claro que as dotações atualizadas das emendas aos orçamentos das UFs foram crescentes a partir de 2014, atingindo o maior valor em 2019 – um total de mais de R$ 500,0 milhões –, caindo no ano de 2020 e voltando a crescer, até atingir mais de R$ 600,00 milhões em 2024. Verificam-se também no conjunto das emendas as quedas entre a dotação atualizada, valores empenhados e liquidados — o que frusta em muito as instituições, digamos assim, “quase contempladas”.
– Universidades Federais: evolução dos valores totais da dotação atual e dos valores empenhados e liquidados das despesas de ODC + INV nas emendas individuais, de bancadas, comissões e do relator geral apresentadas no Congresso Nacional
Os valores das emendas a serem aplicadas em outras despesas correntes (ODC) e em investimento (INV) ao longo desse período variaram conforme mostrado no Gráfico 13. Os valores das emendas aplicadas em ODC cresceram persistentemente e superaram as de INV de 2022 para 2023. Isto reflete a necessidade de se atender ao pagamento das despesas básicas das UFs, como água, luz, internet, vigilância, limpeza, material de consumo, terceirizados etc., tendo em vista a flagrante insuficiência dos recursos para suas manutenções no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado pelo governo federal.
– Universidades Federais: Evolução dos valores das emendas a serem aplicadas em ODC e em INV no período 2014-2024
Termos de execução descentralizadas (TEDs) oriundas do MEC
Os Termos de Execução Descentralizadas (TEDs) normalmente são celebrados para que as UFs executem os interesses desses organismos descentralizadores, e não necessariamente os reais ou mais amplos interesses das UFs, nem suas prioridades. Os valores totais descentralizados pelo próprio MEC, corrigidos pelo IPCA, estão apresentados no Gráfico 14. Entre 2013 e 2015, esses recursos giravam em torno de R$ 420,0 milhões por ano. Entretanto, entre 2015 e 2018 observou-se um aumento de aproximadamente 195%, quando as descentralizações por meios de TEDs atingiram R$ 1,3 bilhões. Embora nos últimos anos tenha ocorrido alguma retração nas descentralizações por meio de TEDs, em 2023 foram descentralizados aproximadamente R$ 900,0 milhões para as UFs.
– Descentralização por meio de Termos de Execução Descentralizada (TEDs) do MEC para as Universidades Federais (2013 a 2023)
Nota-se a relevância orçamentária das TEDs para o orçamento das UFs. No ano de 2018, por exemplo, quando o orçamento presente na Lei Orçamentária Anual (LOA) para ODC e INV das UFs atingiu R$ 9,4 bilhões, elas receberam R$ 1,3 bilhões por meio de TEDs, representando 13,8% do valor total da LOA. Este dado mostra que essa parte do orçamento das UFs foi negociado “por fora” da LOA, a partir de acordos realizados diretamente entre os gestores do MEC e os representantes das UFs.
Merece atenção ainda o volume de recursos descentralizados por meio de TEDs para atender demandas relacionadas ao pagamento de ODC, normalmente relacionadas ao pagamento de despesas de manutenção das instituições. O Gráfico 15 apresenta os valores descentralizados considerando especificamente o pagamento de despesas de ODC e de INV.
– Valores totais descentralizados pelo MEC por meio de TEDs para as UFs e que foram liquidados em pagamento de ODC e INV
Os dados mostram, que entre 2013 e 2023, aproximadamente 70% dos valores descentralizados via TEDs acabaram sendo empregados para o pagamento de outras despesas correntes, visto que somente em 2018 os valores aplicados em INV foram superiores aos aplicados de ODC. Esses valores (ODC) deveriam estar absolutamente cobertos pelo orçamento das UFs, caso a Constituição Federal e a LDB fossem cumpridas.
A PROPOSTA DE 2013 DA ANDIFES PARA UM FINANCIAMENTO PERMANENTE PARA AS UFS
Nas discussões sobre como se efetivar a autonomia de “gestão financeira” estabelecida na CF-1988 e, sobretudo pelo Art. 55 da LDB, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes) elaborou em 2013 uma minuta de Lei Orgânica das Universidades Públicas Federais. Nessa minuta, é apresentada uma proposta de financiamento das Universidades Federais, com o objetivo de definir uma metodologia capaz de permitir a obtenção dos valores dos recursos a serem destinados a outras despesas correntes (ODC) e investimento (INV) a cada ano, a partir da estrutura orçamentária do ano anterior (ADUFERPE, 2024)
Trata-se, decerto, de uma iniciativa meritória, ainda passível de debate, sem que tenha sido implementada em qualquer momento. Ou seja, trata-se de uma tentativa, entre outras formulações possíveis, de estabelecer um padrão de financiamento compatível com as obrigações legais e constitucionais, servindo ao sistema de universidades federais em seu conjunto.
A proposta então apresentada baseia-se na constatação de que os salários e carreiras de docentes e servidores técnico-administrativos são estabelecidos para um determinado ano, sendo então possível obter o montante de recursos a serem associados ao pagamento de pessoal e encargos sociais (PES).
A partir desse montante, a metodologia estabelece os seguintes passos para obter o volume total de recursos a serem especificados como de ODC, adicionados aos de INV, e que seriam distribuídos pelas próprias instituições em ODC ou INV, no exercício de sua autonomia:
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uma primeira parcela do volume total de recursos, equivalente a 25% dos recursos de PES, de livre distribuição no âmbito de cada uma das UFs;
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uma segunda parcela do volume de recursos, equivalente a 5% dos recursos de PES, destinada a projetos de pesquisa e extensão a serem elaborados de forma autônoma em cada UF;
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uma terceira parcela do volume de recursos, equivalente a 5% dos recursos de PES, destinada a ações de expansão e melhoria da qualidade, definidas de forma autônoma em cada UF;
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uma quarta parcela de volume de recursos, equivalente a 0,5% dos recursos de PES, destinada ao pagamento de gratificações dos dirigentes institucionais.
Dessa forma, o volume total de recursos associados a ODC adicionados a INV totalizariam um valor equivalente a 33,5% dos recursos totais de PES. Como as parcelas são calculadas a partir dos recursos de PES, estaria dada uma condição de estabilidade para o financiamento de manutenção e desenvolvimento das UFs, independentemente de ações políticas que não repercutem nos salários ou de expansão promovidas por programas governamentais, desde que estes também ampliem o tamanho do corpo docente e de técnicos administrativos das UFs.
A elaboração dessa modelagem no âmbito da Andifes considerou análises de diversas informações desses percentuais presentes em países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgados por meio dos documentos anuais “Education at a Glance” (OECD, 2023), em que se verifica uma estabilidade dos recursos de ODC e INV em relação aos recursos totais das instituições de educação superior.
Os Gráficos 16 e 17 mostram, porém, que não existe uma estabilidade quando analisamos a evolução dos percentuais para o pagamento de PES, ODC e INV das UFs no período 2000-2024, considerando as dotações atualizadas para essas despesas.
– Universidades Federais: evolução dos percentuais de PES, ODC e INV em relação ao orçamento total das UFs
– Universidades Federais: evolução das dotações atualizadas de ODC e INV em relação ao orçamento total das UFs (detalhamento do gráfico 16)
Nota-se, portanto, uma grande instabilidade nos percentuais de recursos que se dirigem à manutenção de desenvolvimento das UFS. Para que, então, tenhamos em conta a importância de contar com uma modelagem pactuada da distribuição de recursos necessários e suficientes para a garantia do funcionamento adequado das universidades federais, podemos comparar o que algum modelo nos proporcionaria com a dotação efetiva.
Uma simples simulação da proposta da Andifes para o período 2000-2024, tendo como base o ano 2000 para a aplicação da metodologia, nos conduz aos resultados apresentados no Gráfico 18 que compara os valores de ODC adicionados aos de INV, tal como calculados pela proposta da Andifes, e os valores presentes nas dotações atualizadas de cada ano. O contraste salienta o total desamparo das universidades, sinalizando um montante possível de sua desassistência.
– Simulação da metodologia Andifes para o financiamento permanente das despesas de ODC adicionada às de INV, UFs (a dotação atualizada e a simulação)
Com efeito, os valores da simulação da modelagem são acintosamente maiores do que os efetivamente implementados – o que mostra a necessidade cabal de se elaborar uma definição que estabeleça os recursos de ODC + INV para as UFs em um processo de definição da autonomia universitária em âmbito federal. Os únicos anos em que os valores implementados superaram as estabelecidas pela modelagem da ANDIFES são os de vigência do projeto Reuni, por meio do qual foram atingidos os maiores valores já aplicados em qualquer tempo na expansão do quadro de pessoal, do número de instituições e de matrículas.
O Gráfico 19, por sua feita, mostra a estabilidade proporcional entre recursos de PES, ODC e INV, num paralelo com o que já ocorre em diversos países membros da OCDE, como era esperado. Dessa forma os percentuais de PES e de ODC adicionados a INV teriam uma estabilidade ao longo do período 2001-2024 – o que mostra o grande potencial de uma metodologia com as características apresentadas pela ANDIFES em 2013 para a implementação da autonomia universitária definida pela Constituição Brasileira de 1988.
– Universidades Federais: evolução dos percentuais de PES e (ODC + INV) no período 2001-2024 aplicando-se a metodologia ANDIFES de 2013
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de financiamento permanente esboçado pela ANDIFES em 2013 não foi implementado, e, em alguns períodos, sequer foram aplicados os parâmetros da Matriz ANDIFES (ANDIFES, 2024), que simplesmente estabelece, não um modelo permanente de financiamento, mas parâmetros para a distribuição dos recursos de ODC e INV entre as instituições. A consequência imediata é que o volume de recursos destinados na LOA para cada uma das universidades tem sido inferior ao necessário quando se examinam diversos dos parâmetros de crescimento de cada instituição e do sistema como um todo. Em suma, o sistema das universidades federais não tem sido priorizado e, apesar de uma recente e pequena recuperação orçamentária, ele está claramente subfinanciado.
Com esse cenário de restrição orçamentária, tem prosperado a mobilização das instituições por recursos extraorçamentários, seja por emendas parlamentares, seja por outros expedientes como os TEDs. Com isso, quebra-se a colaboração das instituições, passível de materialização em modelos debatidos em uma instituição como a ANDIFES, de modo que, ao contrário, elas passam a competir por recursos. A ameaça à autonomia torna-se bem mais grave, tomando a forma de uma ameaça ao próprio sistema das universidades federais que deveriam operar “em rede”.
Importa enfatizar que os gestores institucionais sempre lutaram por recursos adicionais, sobretudo quando voltados para empreendimentos singulares de suas respectivas instituições. Agora, porém, sem a garantia do essencial ao exercício indissociável de ensino, pesquisa e extensão, eles procuram ter acesso a recursos distribuídos seletivamente, sem a universalidade e o republicanismo desejáveis.
Efeitos deletérios de uma captação paralela de recursos é mais do que previsível, devendo ter, aliás, o devido combate no interior das universidades que dela se beneficiem, sendo salutar nesse “lusco-fusco” a adoção de medidas fortes de transparência, capazes de inibir as distorções mais graves, sem que possam, contudo, evitar a pressão ora existente por um progressivo descompromisso do Estado com o financiamento da universidade pública federal. E, infelizmente, nesse cenário de penúria a que se veem lançadas as universidades, também aparecem falsas soluções para o problema orçamentário, como as frequentes pressões para alienação de seu patrimônio, em prédios históricos ou em áreas verdes.
Com efeito, o futuro da educação superior pública brasileira em âmbito federal depende primordialmente do estabelecimento de uma estrutura de financiamento que permita às instituições desenvolverem com autonomia as suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, e tal condição foi determinada pela Constituição do Brasil de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 – marcos legais que, como mostram os números, não têm sido e continuam ainda não sendo respeitados.
O que os mecanismos de financiamento implementados têm feito é subtrair a autonomia das Universidades, seja pelo constrangimento dos recursos para o pagamento de suas despesas básicas, como água, energia elétrica, internet, limpeza, vigilância, seja pelas drásticas reduções dos recursos associados à infraestrutura e compra de equipamentos. Nesse sentido, têm sido implementados mecanismos de diversos tipos, desde o contingenciamento ou bloqueio orçamentário (medidas que impedem um adequado planejamento das atividades institucionais) até a imposição de uma heteronomia às suas atividades e ações, colocando as Universidades em uma posição de “subalternidade” perante o seu exterior e obrigando-as, por vezes, para sua mais elementar sobrevivência, a expedientes diversos de captação de recursos, inclusive para o pagamento de suas despesas mais básicas – o que comprovamos pela presença marcante dessas fontes para o pagamento de Outras Despesas Correntes.
Todos esses mecanismos de captação de novos recursos podem até ser legítimos, caso sirvam estrita e controladamente para desenvolver programas que, por meio das atividades de ensino, pesquisa e extensão, estabeleçam novas vertentes para o conhecimento, propiciem a elaboração de novos conhecimentos ou a abertura de caminhos originais para a solução de problemas teóricos ou práticos, como os que ora afligem a maioria de sua população. Um suplemento benfazejo, portanto, à medida que o essencial a cada universidade e ao inteiro sistema esteja garantido, sendo propiciada a estabilidade financeira necessária para que as instituições exerçam sua necessária e legalmente determinada autonomia – algo decerto urgente, tanto no imediato quanto na longa duração, e tão somente possível se a educação (básica e superior!) for alçada à condição de autêntica prioridade nacional.
REFERÊNCIAS
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1
O Termo de Execução Descentralizada é um “instrumento por meio do qual é ajustada a descentralização de crédito entre órgãos e/ou entidades integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, para execução de ações de interesse da unidade orçamentária descentralizadora e consecução do objeto previsto no programa de trabalho, respeitada fielmente a classificação funcional programática” (Brasil, 2020, não paginado)
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2
O processo de impedimento foi instaurado em 02.12.2015 e a presidente foi afastada em 12.05.2016, quando o Senado Federal aprovou a abertura do processo. Nesta data, assumiu a presidência da república o então vice-presidente Michel Temer, primeiro de forma interina e, em 31.08.2016, de forma definitiva.
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3
Foram incluídos na análise os dados completos (dotação, empenho e liquidação) referentes ao período entre os anos 2000 e 2023, e apenas os dados da dotação orçamentária atualizada do ano corrente (2024), uma vez que os valores empenhados e liquidados ainda serão complementados.
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4
Neste cálculo foram consideradas apenas as matrículas presenciais em cursos de graduação das UFs.
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Editor Chefe:
Renato Francisquini Teixeira
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
20 Dez 2024 -
Aceito
14 Fev 2025




















Fonte: Brasil (2024b).
Fonte: Brasil (2024b).
Fonte: Brasil (2024b).
Fonte: Brasil (2024a) e Brasil (2024b).
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Fonte: Brasil (2024b).
Fonte: Brasil (2024c).
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Fonte: Brasil (2024b).* No ano de 2024 os valores empenhados e liquidados ainda estão em andamento e o gráfico só apresenta a dotação atualizada.
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Fonte: Simulação realizada para este estudo com dados de Brasil (2024b).
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Fonte: Brasil (2024b).