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NEOLIBERALISMO E GUERRA AO INIMIGO INTERNO: da Nova República à virada autoritária no Brasil

NEOLIBERALISM AND WAR ON THE INTERNAL ENEMY

NÉOLIBÉRALISME ET LA GUERRE CONTRE L’ENNEMI INTÉRIEUR

Resumos

O artigo analisa as relações entre neoliberalismo e lógica militar da guerra ao inimigo interno durante a Nova República e os deslocamentos ocorridos em sua crise recente. Baseando-se na concepção foucaultiana do Estado como “o efeito móvel de governamentalidades múltiplas”, recorre-se à revisão bibliográfica e notícias da imprensa para examinar as formas dinâmicas e variadas desse hibridismo no processo de neoliberalização brasileiro. Apresenta-se a constituição histórica da lógica da guerra na Doutrina de Segurança Nacional e como ela adentrou metamorfoseada na Nova República. Na sequência, observa-se como ela se compôs com o neoliberalismo, criando as condições para a virada autoritária consumada no e após o impeachment. No governo Bolsonaro, analisa-se como a combinação entre a radicalização neoliberal e a militarização da administração pública ganhou centralidade. Por fim, aponta-se o risco da configuração atual deixar de ser de governo para se tornar de Estado, definindo uma nova fase da política brasileira.

Neoliberalismo; Lógica Militar da Guerra ao Inimigo Interno; Crise da Nova República; Autoritarismo; Brasil


To understand the authoritarian turn in Brazil, the article analyzes the relations between neoliberalism and the military logic of war on the internal enemy during the New Republic and the displacements that occurred in its recent crisis. Drawing from the Foucauldian idea of the State as “the mobile effect of multiple governmentalities,” the paper uses literature review and news reports from the mainstream press to examine the this hybridism in the Brazilian neoliberalization process. The article presents the historical constitution of military logic in the National Security Doctrine and how it could enter metamorphosed in the New Republic. Then, it shows how it merged with neoliberalism, creating the conditions for the authoritarian turn consummated in the impeachment. The way the neoliberal radicalization was combined with the militarization of public administration, gaining new centrality in the Bolsonaro government, is analyzed. Finally, we point to the risk of this current configuration ceasing to be a government’s one and becoming a state’s one, defining a new phase of Brazilian politics.

Neoliberalism; Military Logic of War on the Internal Enemy; Crisis of the New Republic; Authoritarianism; Brazil


Pour comprendre le tournant autoritaire au Brésil, l’article analyse les relations entre le néolibéralisme et la logique militaire de la guerre contre l’ennemi intérieur pendant la Nouvelle République et les déplacements qui se sont produits dans sa récente crise. S’appuyant sur l’idée foucaldienne de l’’État comme “l’effet mobile de multiples gouvernementalités”, l’article utilise la littérature et les rapports de presse pour examiner cette hybridité dans le processus de néolibéralisation brésilien. L’article présente la constitution historique de la logique militaire dans la Doctrine de Sécurité Nationale et comment elle a pu entrer métamorphosée dans la Nouvelle République. Il montre ensuite comment elle a été composé de différentes manières avec le néolibéralisme, créant ainsi les conditions du tournant autoritaire consommé dans l’impeachment. Il analyse comment la radicalisation néolibérale a été combinée avec la militarisation de l’administration publique, gagnant une nouvelle centralité dans le gouvernement Bolsonaro. Finalement, nous soulignons le risque que cette configuration actuelle cesse d’être du gouvernement et devienne de l’État, définissant une nouvelle phase de la politique brésilienne.

Néolibéralisme; Logique Militaire de la Guerre Contre l’Ennemi Intérieur; Crise de la Nouvelle République; Autoritarisme; Brésil


INTRODUÇÃO

Analisar a virada autoritária do neoliberalismo brasileiro implica colocar no centro de observação as relações que neoliberalismo e militarismo estabeleceram durante toda a Nova República e quais deslocamentos ocorreram na sua crise recente. Nesse sentido, é preciso traçar a história da lógica militar da guerra ao inimigo interno desde a Ditadura Militar, observar suas metamorfoses com a redemocratização e seu retorno ao centro do palco político após o impeachment. Mais ainda, e de maneira fundamental, é preciso compreender como a lógica militar da soberania e a governamentalidade neoliberal puderam se compor de maneiras variadas e dinâmicas ao longo do tempo e entender qual projeto de reforma e ocupação do Estado definiram e tentaram implementar no governo de Jair Bolsonaro. Admitindo-se a heterogeneidade entre a lógica concorrencial de mercado e a lógica militar corporativista voltada a fazer a guerra contra uma parte da própria população, é preciso analisar as pontes que puderam construir para casar projetos tão diferentes quanto o desmonte do funcionalismo público em nome de políticas de austeridade, de um lado, e a militarização da administração pública, de outro. Ou, ainda, o governo da população para e pelo modelo do mercado e a introdução da hierarquia militar nas relações civis, como em políticas de educação e de saúde.

Por “virada autoritária” não se quer designar a mudança abrupta de uma situação em que o neoliberalismo se desenvolvia de maneira plenamente democrática para uma nova situação plenamente autoritária. Antes, ela designa o deslocamento da lógica autoritária que agia “lá longe, nas extremidades, […] nas pontas dos tentáculos dos aparelhos do Estado” (Pinheiro, 1991PINHEIRO, A. Autoritarismo e transição. Revista USP , São Paulo, n. 9, p. 45-56, 1991., p. 52), exercendo violência prioritariamente sobre as populações pobres não brancas, para o centro da cena política nacional. Passa-se, assim, de uma democracia que convivia com práticas autoritárias nas franjas da atuação estatal, práticas legadas pela ditadura e rearticuladas pelo neoliberalismo, para um regime em que os agentes do aparelho repressor assumiram diretamente o Executivo, os principais postos da administração pública federal e vários mandatos legislativos, viabilizando concomitantemente uma radicalização das reformas neoliberais. A virada denota o reverso da transição democrática brasileira, cuja abertura “lenta, gradual e segura” foi conduzida de maneira tutelada pelos próprios militares, já que agora foi pela via eleitoral que eles retornaram ao centro do poder e agem no sentido inverso de um fechamento igualmente “lento, gradual e seguro”, típico das recentes formas de corrosão das democracias (Levitsky; Ziblatt, 2018LEVITSKY, S; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem . São Paulo: Zahar, 2018.).

O artigo parte da definição de neoliberalismo já esmiuçada na apresentação deste dossiê, enfatizando a construção política e institucional de mercados blindados das demandas democráticas que colocam os Estados nacionais em concorrência entre si, definindo assim a racionalidade política que tanto molda a administração e as políticas públicas quanto governa a população para o mercado e pelo modelo de mercado, disseminando a dupla norma da concorrência e da forma-empresa por toda sociedade e constituindo os sujeitos como empreendedores de si mesmos (Andrade, 2019b, 2019c; Andrade; Côrtes; Almeida, 2021; Brown, 2015BROWN, W. Undoingthe demos: Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone Books, 2015.; Dardot; Laval, 2009DARDOT, P.; LAVAL, C. La nouvelle raisondu monde: essai sur la société néolibéral. Paris: La Découverte, 2009.; Davies, 2014DAVIES, W. The limits of neoliberalism: authority, sovereignty and thelogic of competition. Thousand Oaks: Sage, 2014.; Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica . São Paulo: Martins Fontes, 2008.; Slobodian, 2018SLOBODIAN, Q. Globalists. The endofempireandthebirthofneoliberalism . Cambridge/London: Harvard University Press, 2018.; Wacquant, 2012WACQUANT, L. Três etapas para uma antropologia histórica do neoliberalismo realmente existente. Caderno CRH , Salvador, v. 25, n. 66, p. 505-518, 2012.).

A abordagem teórica proposta é a das governamentalidades híbridas (Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica . São Paulo: Martins Fontes, 2008.; Ong, 2006ONG, A. Neoliberalism as exception: mutations in citizen ship and sovereignty. London: Duke University Press, 2006.). Mas é preciso fazer a importante ressalva de que a lógica militar da guerra ao inimigo interno, sendo expressão da soberania, não se constitui como forma de governamentalidade, já que se baseia no princípio de fazer morrer e deixar viver, e não no princípio biopolítico de fazer viver e deixar morrer (Foucault, 2002FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade . São Paulo: Martins Fontes, 2002.; Davies, 2021DAVIES, W. The Revenge of Sovereignty on Government? The Release of Neoliberal Politics from Economics Post-2008. Theory, Culture & Society , Thousand Oaks, p. 1-24, Apr. 2021.). A soberania, contudo, também define uma lógica que constrói e molda o Estado e define a relação deste com a população, podendo assim ser considerada uma das formas de racionalidade política que o compõem. Ela reside no potencial exercício excessivo e desmedido do poder de matar que seria a pré-condição da lei e da sociedade civil (Hobbes, 1996HOBBES, T. Leviathan: Revised studentE edition. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.), detendo a decisão sobre a “exceção” no uso da violência que transcende e, ao mesmo tempo, funda a distinção entre o legal e o ilegal (Schmitt, 2010SCHMITT, C. Political theology: four chapters on the concept of sovereignty. Illinois: University of Chicago Press, 2010.). Sua atuação está limitada pelas fronteiras de um território, procurando manter a ordem, evitar certas mudanças e restringir circulações tidas como perigosas, subjugando desobediências e resistências, impondo-se à vontade individual por meio de punições físicas, delimitando a liberdade ao que não é ilegal e fazendo demonstrações simbólicas do seu potencial de violência (Davies, 2021DAVIES, W. The Revenge of Sovereignty on Government? The Release of Neoliberal Politics from Economics Post-2008. Theory, Culture & Society , Thousand Oaks, p. 1-24, Apr. 2021.). Como forma de racionalidade política, a soberania pode interagir de maneiras variadas com as diferentes governamentalidades.

Nessa perspectiva teórica do hibridismo, O Estado é “o efeito móvel de governamentalidades [ou racionalidades políticas] múltiplas” (Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica . São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 106). Longe de ter uma essência que atravessa a história, o Estado seria o correlato de certas maneiras de governar e de exercer o poder e a violência, a questão estando em saber como elas se desenvolvem, quais suas histórias, como elas avançam ou recuam, como se estendem a determinados domínios e como inventam, formam e desenvolvem novas práticas. Cada racionalidade política, ao definir “o domínio da prática de governo [e de soberania], seus diferentes objetos, suas regras gerais, seus objetivos de conjunto” (Foucault, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica . São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 4), acaba simultaneamente por construir o Estado e definir sua relação normativa com os governados.

A ideia de uma “realidade compósita” remete à heterogeneidade das racionalidades políticas, com diferentes princípios de coerência e origens históricas, que podem se integrar, se ignorar ou se confrontar no interior de um mesmo Estado e de uma mesma política pública. A análise foucaultiana mantém essa heterogeneidade até o fim, o que não a impede de analisar a coexistência, a junção e a conexão entre as diferentes racionalidades, observando como se constitui “toda uma série de pontes, de passarelas, de junções” (Foucault, 2008, p. 45). Os agenciamentos que criam esses dispositivos são “matrizes de transformações” (Foucault, 1988, p. 94). Os efeitos de poder e resistências obrigam os dispositivos a um permanente “processo de sobredeterminação funcional”, já que “cada efeito, positivo ou negativo, desejado ou não, estabelece uma relação de ressonância ou de contradição com os outros, e exige uma rearticulação, um reajustamento dos elementos heterogêneos que surgem dispersamente” (Foucault, 1999FOUCAULT, M. Sobre a história da sexualidade. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder . Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999. p. 243-276., p. 245).

Por fim, como bem nota Aihwa Ong (2006)ONG, A. Neoliberalism as exception: mutations in citizen ship and sovereignty. London: Duke University Press, 2006., essas racionalidades políticas heterogêneas e suas combinações não se debruçam de maneira homogênea sobre todo o território nacional e seus habitantes, definindo antes recortes na população e no espaço de modo a aplicar diferentes estratégias e distribuir desigualmente a cidadania, segundo objetivos específicos.

O artigo foca na hibridização da lógica da soberania expressa na guerra militar contra o inimigo interno com a governamentalidade neoliberal no Brasil. A estrutura do texto é a seguinte. Na primeira parte, com base na bibliografia sobre a Ditadura Militar, é apresentada a constituição histórica da lógica militar da guerra ao inimigo interno, seu princípio de funcionamento e como, devido à sua plasticidade, pôde adentrar metamorfoseada na Nova República. Na segunda parte, são analisados alguns exemplos oferecidos pelas ciências sociais das variadas e dinâmicas formas de interação entre a lógica militar da guerra e o neoliberalismo, especialmente na segunda onda de neoliberalização brasileira, marcada pela ascensão da chamada “nova classe média”. Na terceira parte, busca-se compreender como essa hibridização contribuiu de duas maneiras diferentes para a virada autoritária, consumada com o golpe parlamentar do impeachment. Na quarta parte, com base em notícias da grande imprensa, busca-se compreender como a radicalização das reformas neoliberais se casou com a militarização da administração pública, dando origem a novas pontes e arranjos que permitem às duas racionalidades políticas operarem conjuntamente e de maneira complementar no governo Bolsonaro. Por fim, nas considerações finais, aponta-se para o risco dessa nova conformação sobreviver ao próprio mandato de Bolsonaro, deixando de ser uma coalisão de governo para se tornar uma configuração de Estado, definindo uma nova fase da política brasileira.

HISTÓRIA E PRINCÍPIO DA LÓGICA DA GUERRA AO INIMIGO INTERNO

Para compreender a racionalidade política que guia os militares, é possível traçar uma história de suas transformações desde a Ditadura Militar. Sua lógica é apresentada na Doutrina de Segurança Nacional e foi consolidada na Lei de Segurança Nacional de 1969 (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.; Rocha, J., 2021). Ainda que elementos da ideia de Segurança Nacional já existissem no Brasil desde o final do século XIX, foi com o advento da Guerra Fria e com a fundação da Escola Superior de Guerra em 1949, sob a consultoria de franceses e americanos, que a doutrina ganhou ênfase na “segurança interna” (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984., p. 28) diante da ameaça de “ação indireta” do comunismo (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984., p. 39).

A Doutrina apresenta a ideia de que a Guerra Fria é uma guerra total entre as duas superpotências, que se desdobra em vários níveis e afeta em diferentes dimensões e inevitavelmente todos os países. O primeiro nível era caracterizado pela guerra total e pela estratégia nuclear envolvendo diretamente os Estados Unidos e a União Soviética. O segundo definia-se pela guerra limitada, em que as duas superpotências mediam forças em um terceiro território. Mas era o terceiro nível que tocava diretamente no caso brasileiro e latino-americano, concebido sob a influência das guerras coloniais francesas no norte da África (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.; Harcourt, 2018HARCOURT, B. The conter revolution: how our government went to war against its own citizens. New York: Basic Books, 2018; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.; Rocha, J., 2021).

Nesse nível, o decisivo era a “guerra não declarada indireta”, que assume a forma de um conflito no interior de um país entre partes de sua população (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.). Nessa leitura militar, a sociedade nacional é vista como um sistema orgânico que tende para o bem comum, mas que pode ser ameaçada em sua existência por pressões antagônicas internas ou externas (Lentz, 2019LENTZ, R. “Nós vamos ver os militares na política brasileira por um bom tempo”, diz pesquisador. Sul 21 , [ s. l. ], 24 jun. 2019. Disponível em https://www.sul21.com.br/areazero/2019/06/nos-vamos-ver-os-militares-na-politica-brasileira-por-um-bom-tempo-diz-pesquisador/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.sul21.com.br/areazero/2019/0...
). Entre as pressões antagônicas internas, há justamente a possibilidade de uma guerra insurrecional ou revolucionária.

A guerra revolucionária não envolve necessariamente emprego da força armada, abrangendo toda iniciativa de oposição organizada com força suficiente para desafiar as políticas de Estado. Por isso, ela assume uma forma ideológica e psicológica, explorando os descontentamentos existentes em uma sociedade democrática de modo a conquistar as mentes do povo e a incitar a rebelião. Para evitá-la, é preciso combater os assim considerados “inimigos internos”, que, por agirem de modo oculto, podem potencialmente ser qualquer um da população, sendo necessário o desenvolvimento de serviços de vigilância, informação e repressão. O Aparato Repressivo do Estado de Segurança Nacional se constituiu no Brasil de três elementos distintos e integrados: uma vasta rede de informação política (Serviço Nacional de Informações – SNI –, Divisões de Segurança de Informações – DSIs –, Assessoria Especial de Segurança –ASIs –, os Centros de Informação de cada ramo das Forças Armadas, como o Centro de Informações do Exército – CIEx –, o Centro de Informações da Marinha – Cenimar –, o Centro de Informações da Aeronáutica – Cisa –, os Serviços Secretos com suas Segundas Sessões E-2, M-2, A-2); órgãos e organizações diretamente responsáveis pelas ações repressivas em nível local (Cenimar, Departamento de Ordem Política e Social – Dops –, Divisões Municipais de Polícia – DMs, Operação Bandeirante – Oban –, Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna – DOI-Codi –, Departamento de Polícia Federal – DPF); e os aparatos das Forças Armadas usados no controle político interno e na repressão cotidiana às manifestações de dissenso (os três ramos das Forças Armadas e as Polícias Militares estaduais, que, depois de 1969, passaram a ser subordinadas ao Exército e adquiriram a função de policiamento ostensivo e de manutenção da ordem pública) (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.).

Toda e qualquer oposição ao governo, independentemente de ser ou não comunista, passava a ser vista como uma atividade subversiva a ser combatida militarmente, suspendendo direitos e garantias dos cidadãos, vistos então como ameaças à ordem. Em um movimento de espiral ascendente, o que ocorreu durante o período foi que, quanto mais a repressão crescia, maior era a contestação ao governo, com o ingresso de novos grupos opositores, o que levava à ampliação cada vez maior dos serviços de informação, de controle e de repressão, que ameaçavam sair do controle do Executivo (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.).

O princípio fundamental da lógica militar da guerra ao inimigo interno é que ela constitui, antes de tudo, a relação de guerra, incrustada no treinamento e nas práticas das forças repressoras do Estado. Estabelecida tal relação fundante, ela define a categoria classificatória dicotômica baseada na oposição amigo/inimigo, que pode se desenvolver em múltiplas escalas: outro país, Força Armada estrangeira, ideologia, instituição ou indivíduo (Leirner, 2021LEIRNER, P. C. Da campanha à conquista do Estado: os militares no capítulo da guerra híbrida brasileira. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 107-124.). A posição do inimigo se constitui, portanto, de maneira derivativa, sendo caracterizada como lugar vazio e indeterminado demandante de preenchimento a posteriori . No caso do inimigo interno, essa indeterminação se reforça pelo fato dele ser considerado oculto, constituindo uma desconfiança permanente em relação à população. Foi com base nessa lógica que diversos grupos opositores à Ditadura foram lidos como e convertidos na prática em inimigos, em vez de serem vistos como cidadãos que participavam legitimamente da esfera pública e do debate democrático. Em última instância, o inimigo interno pode ser permanentemente deslocado, dependendo de construções discursivas do Estado, do surgimento de novos grupos que desafiam a ordem ou se opõem politicamente a ela ou de reações desencadeadas pela própria ofensiva militar. É o Estado de Segurança Nacional que determina e produz quem é seu inimigo, fazendo recortes na população e exercendo um poder praticamente ilimitado sobre ela.

Exatamente por essa plasticidade, tal racionalidade pôde ultrapassar o período da Ditadura Militar e adentrar a Nova República, criando estados de exceção mais ou menos permanentes que suspendem na prática (não necessariamente de maneira oficial, mas de maneira tácita) direitos e garantias constitucionais ao tratar grupos como ameaças à segurança nacional. Nesse combate militar que visa manter e reforçar determinada ordem, são admitidas práticas como a execução, a prisão sem processo e a tortura, mas também são mobilizadas estratégias securitárias de cálculo de risco, previsão, redução de perdas e danos e estratégias psicossociais de contrainformação e de contrapropaganda (Alves, 1984ALVES, M. Estado e oposição no Brasil (1964-1884). Petrópolis: Vozes, 1984.; Souza, 2015SOUZA, L. Dispositivo militarizado da segurança pública. Tendências recentes e problemas no Brasil. Sociedade e Estado , Brasília, DF, v. 30, n. 1, p. 207-223, 2015.).

Na transição tutelada para a redemocratização, as Forças Armadas (FFAAs), por meio de forte lobby , lograram manter na Constituição (artigo 142) a posição de guardiães dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, desde que acionados por um dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esse regramento deixou margem a certa ambiguidade, com alguns juristas e militares atribuindo às Forças Armadas um papel de poder moderador ao qual um dos demais poderes poderia recorrer para repor, naquele ponto, a lei e a ordem (Rocha, J., 2021). A ambiguidade foi dirimida pelo STF em 2020 (Teixeira, 2020TEIXEIRA, M. Em decisão judicial, Fux, do STF, diz que Forças Armadas não são poder moderador. Folha de S. Paulo , São Paulo, 12 jun. 2020.), mas é sempre novamente evocada em circunstâncias críticas. A dúvida central é se o poder soberano e constitucional de suspender a validade do ordenamento jurídico caberia ou não às FFAAs, conforme seus próprios julgamentos a respeito do que é a ordem, definindo assim os limites de até onde podem ir o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (Zaverucha, 2010ZAVERUCHA, J. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In TELLES, E. e SAFATLE, V. O que resta da Ditadura . São Paulo: Boitempo, p. 41-76, 2010.).

Além disso, manteve-se amplamente o modelo institucional de segurança pública herdado do período da Ditadura, com as Polícias Militares sendo definidas como forças auxiliares e de reserva do Exército. Não foi reconstituída a distinção cara às democracias entre segurança externa e segurança pública. Foi, inclusive, conferido às Forças Armadas, desde 1999 (com a lei sendo regulamentada por decreto em 2001), poder de polícia em ações ostensivas de segurança pública, por meio do mecanismo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sendo utilizado no combate ao narcotráfico e ao crime organizado. As Forças Armadas incorporaram assim prerrogativas até então exclusivas das polícias (Zaverucha, 2010ZAVERUCHA, J. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In TELLES, E. e SAFATLE, V. O que resta da Ditadura . São Paulo: Boitempo, p. 41-76, 2010.).

Mesmo com a redemocratização consolidada, as Forças Armadas e as Polícias Militares (PMs) jamais passaram por uma reforma estrutural profunda, apenas por uma infinidade de mudanças pontuais que buscavam eliminar gradualmente o entulho autoritário e inserir dispositivos da lógica democrática em seu seio (Souza; Battibugli, 2014SOUZA, L.; BATTIBUGLI, T. O difícil caminho da reforma: a polícia e os limites do processo de reforma pós-redemocratização. Dilemas , Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 293-319, 2014.). É possível, assim, encontrar enunciados e valores democráticos nas doutrinas, treinamentos, pronunciamentos oficiais e mesmo em uma série de atividades dessas instituições. Mas esses enxertos não foram capazes de desfazer o núcleo militar que seguia estruturalmente inalterado e, por suas próprias práticas, apontando em outra direção. Manteve-se assim na lógica prática e na cultura informal dos militares a concepção de que a população e os movimentos sociais, ao reivindicarem direitos, constituem-se como ameaças à ordem, sendo a tarefa principal das instituições de segurança a defesa do próprio Estado.

As PMs continuaram seguindo o modelo de batalhões de infantaria do Exército, estando submetidas à instrução, ao regulamento e à justiça militares. Por essa razão, seu treinamento, em vez de ser voltado para a ação comunitária, manteve-se predominantemente ligado a ações de guerrilha e luta urbana, que representam a minoria das ocorrências, mas que definem uma lógica de abordagem da população (Soares, 2015SOARES, L. Por que tem sido tão difícil mudar as polícias? Blog da Boitempo , São Paulo, 13 jul. 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/07/13/por-que-tem-sido-tao-dificil-mudar-as-policias/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://blogdaboitempo.com.br/2015/07/13...
; Zaverucha, 2010ZAVERUCHA, J. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In TELLES, E. e SAFATLE, V. O que resta da Ditadura . São Paulo: Boitempo, p. 41-76, 2010.). Quando criticadas por seus excessos, como na repressão desproporcional a manifestações, na alta letalidade e nos abusos de autoridade, é comum a instituição se defender atribuindo os recorrentes casos a desvios individuais. A crítica é desqualificada pela afirmação da presença na imprensa e nas universidades de “intelectuais orgânicos […] em consonância com as ideias revolucionárias do italiano Antônio Gramsci” (Manso, 2014MANSO, B. Em nota ao UOL, a PM chamou a sociedade para o debate. Eu, humildemente, aceito o desafio. Estadão , São Paulo, 10 abr. 2014. Disponível em https://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/sp-no-diva/em-nota-ao-uol-a-pm-chamou-a-sociedade-ao-debate-eu-humildemente-aceito-o-desafio/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/s...
). Tal defesa paradoxal acabava por dar, inadvertidamente, razão aos especialistas que veem nas PMs traços de continuidade da Doutrina de Segurança Nacional.

Por sua vez, as Forças Armadas, especialmente depois de 2010, foram cada vez mais convocadas a assumir funções de polícia e a atuar em intervenções em comunidades pobres e favelas para pacificar territórios ocupados por grupos criminosos, constituindo uma nova onda de militarização da segurança pública (Souza, 2015SOUZA, L. Dispositivo militarizado da segurança pública. Tendências recentes e problemas no Brasil. Sociedade e Estado , Brasília, DF, v. 30, n. 1, p. 207-223, 2015.). Apesar de terem resistido inicialmente a aderir à chamada norte-americana para uma guerra global contra as drogas, buscando restringir seu papel à defesa do país contra ameaças externas, as Forças Armadas se viram, no entanto, em posição delicada. Primeiro, principalmente após o governo Collor, perderam parte de sua influência dentro da administração pública, sendo substituídos por e subordinados aos civis, inclusive na titularidade do Ministério da Defesa, embora ainda mantendo uma série de prerrogativas importantes e considerável autonomia (Martins Filho, 2000; Mathias, 2004MATHIAS, K. A militarização da burocracia . São Paulo: Ed. Unesp, 2004.; Zaverucha, 2010ZAVERUCHA, J. Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988. In TELLES, E. e SAFATLE, V. O que resta da Ditadura . São Paulo: Boitempo, p. 41-76, 2010.). Segundo, com as políticas neoliberais de austeridade e com o esforço dos governos civis em reduzir a sombra militar na redemocratização, surgiu o risco de perda de verbas. Houve decréscimo da participação dos gastos militares no orçamento da União nos anos 1990, ainda que amenizado no final da década pela aprovação de uma generosa Lei de Remuneração dos Militares e de verbas para a compra de equipamentos (Hunter, 1997HUNTER, W. Eroding military influence in Brazil: politicians versus soldiers. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1997.; Martins Filho, 2000). Vendo o ganho de importância da Polícia Federal em razão de sua participação estratégica na guerra às drogas e temendo perder mais verbas e influência, especialmente na região da Amazônia, as Forças Armadas acabaram cedendo e incorporando entre suas funções o combate ao narcotráfico e ao crime organizado, assumindo novamente o trabalho de polícia em nome da segurança nacional em um período pós-Guerra Fria (Martins Filho, 2000).

De um lado, a polícia segue militarizada, de outro, as Forças Armadas assumem função de polícia. Em ambos os casos, mantém-se a lógica militar da guerra ao inimigo interno (Alves; Evanson, 2013ALVES, M.; EVANSON, P. Vivendo no fogo cruzado . São Paulo: Ed. Unesp, 2013.; Souza, 2015SOUZA, L. Dispositivo militarizado da segurança pública. Tendências recentes e problemas no Brasil. Sociedade e Estado , Brasília, DF, v. 30, n. 1, p. 207-223, 2015.; Zaverucha, 2005). A diferença é que o inimigo, após a redemocratização e principalmente a partir da década de 1990, foi deslocado. Não podendo mais ser associado a uma posição político-partidária de esquerda, vista então como democraticamente legítima, a lógica militar passou a eleger como novo inimigo a guerra às drogas e ao crime organizado, notando-se ainda a criminalização dos movimentos sociais mais combativos.

Como as favelas, as periferias e os bairros pobres são considerados o reduto dessas formas de criminalidade, promoveu-se uma gestão militarizada da pobreza, sem o pleno reconhecimento dos direitos civis e da cidadania dessa população, vista como potencialmente perigosa. Na história brasileira, é possível argumentar que, na verdade, a polícia e o judiciário, na sua prática cotidiana, nunca reconheceram plenamente essas garantias. Se as teorias eugênicas do início do século XX foram derrotadas pelos liberais do ponto de vista legal, elas foram, no entanto, vitoriosas do ponto de vista institucional (Schwarcz, 1993SCHWARCZ, L. O espetáculo das raças . São Paulo: Companhia das Letras, 1993.). Desse modo, ainda que desde a instauração da República se tenha reconhecido direitos iguais a todos, a racionalidade eugênica definiu uma prática institucional que manteve ativa uma gradação hierarquizada conforme critério de embranquecimento. A operacionalização prática dessa gradação levou a uma distribuição desigual de garantias, acessos e oportunidades e relegou a população não branca e pobre a uma condição de subcidadania que a colocava aquém dos direitos e a disponibilizava tacitamente como alvo de violência. Desde a década de 1990, essa condição levou também a condenações sumárias pelo judiciário e ao consequente encarceramento em massa, que desde então não parou de crescer (Souza, 2009SOUZA, J. A ralé brasileira . Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.; Wacquant, 2003WACQUANT, L. Punir os pobres . Rio de Janeiro: Revan, 2003.). Contribuíram para tanto o paradoxal endurecimento da legislação penal em nome dos direitos humanos da população, o foco desproporcional nos crimes contra o patrimônio e, mais tarde, a Lei Antidrogas (nº 11.343, de 2006), que conferiu à polícia e ao judiciário a discricionariedade relativa a qualificar como traficante ou como usuário aquele que porta drogas independentemente da quantidade, reafirmando na prática a lógica racializada e o punitivismo seletivo que atravessam as instituições do braço repressor do Estado brasileiro.

O episódio mais espetacular dessa renovada lógica militar da guerra ao inimigo interno se deu em 2010 na operação policial e militar realizada no Complexo de Favelas do Alemão, no Rio de Janeiro, em nome da política de guerra às drogas do então governador Sérgio Cabral (Alves; Evanson, 2013ALVES, M.; EVANSON, P. Vivendo no fogo cruzado . São Paulo: Ed. Unesp, 2013.). Nesse famoso episódio, aproveitou-se a experiência das tropas e o sucesso midiático da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti ( Minustah ) para se combater os criminosos segundo o modelo da “guerra assimétrica” das “forças de paz”. A figura legal dos “agentes perturbadores da ordem pública” (Apops) definida pelas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) foi concebida então como forças irregulares inimigas a serem combatidas em nome da segurança interna (Viana, 2021VIANA, N. Dano colateral: a intervenção dos militares na segurança pública . Rio de Janeiro: Objetiva, 2021.). A partir de então, intervenções militares e GLOs viriam a se repetir mais de uma centena de vezes nos vários estados da federação, em especial associadas aos megaeventos da Copa do Mundo, Copa das Confederações e Olimpíadas. Na intervenção federal convocada pelo ex-presidente Michel Temer em 2018, o então ministro da Justiça, Torquato Jardim, comentando a situação, explicitou sem pudor como ela era vista como uma guerra contra um inimigo interno invisível diluído na população das favelas cariocas, alvos da operação:

Na guerra assimétrica, você não tem território, qualquer um pode ser inimigo, não tem uniforme, não sabe qual é a arma. […] O Exército [inimigo] não tem sede, está esparramado em qualquer lugar, qualquer ponto do território nacional. E o pior, no caso do narcotráfico e crime organizado, nas fronteiras com outros países. […] Você está preparado contra tudo e contra todos, todo o tempo. Você não sabe nem quais são os recursos necessários […]. Quantos eu preciso para a Rocinha? Não sei. Como você vai prevenir aquela multidão entrando e saindo de todas as 700 favelas? Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola. É muito complicado (Dubeux; Rothenburg; Cavalcanti, 2018).

A constatação de que a guerra ao inimigo interno constituiu na prática a racionalidade dominante no que se refere à segurança pública não deve obliterar, contudo, a existência de resistências na sociedade civil, a constituição de outros discursos que disputam a lógica de controle do crime e da violência e mesmo a existência de heterogeneidade nas forças de segurança. Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer a intensa mobilização da sociedade civil contra a violência das polícias, as críticas à centralidade do militarismo e da guerra às drogas e as variadas propostas de reformas institucionais do sistema de justiça criminal. Ainda que com alcance e consequências limitadas, os movimentos sociais, fóruns, centros de pesquisa, universidades, mídia eletrônica e impressa foram atores importantes para incomodar e responsabilizar as autoridades, além de produzir discursos alternativos que disputam o sentido da segurança pública e as formas como o Estado administra a ordem e os conflitos sociais no contexto democrático após 1988 (Lima; Sinhoreto; Bueno, 2015).

Nesse campo de disputa entre organizações e suas práticas institucionais, é preciso reconhecer igualmente certa heterogeneidade entre as diferentes forças militares e policiais e no interior de cada uma delas (Carvalho, 2019CARVALHO, J. M. Forças Armadas e política no Brasil . São Paulo: Todavia, 2019.; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020a, 2020b, Lima, 2019LIMA, R. Eleições de policiais no Brasil e a força do “partido policial”. In: RUEDIGER, M.; LIMA, R. (org.). Segurança pública após 1988: história de uma construção inacabada. Rio de Janeiro: FGV, 2019. p. 137-153., 2021). Há diferenças importantes de perfis entre as polícias civis, militares e federal (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020b). Entre as Forças Armadas, nem mesmo o expurgo de militares legalistas, nacionalistas e/ou de esquerda após o golpe de 1964 foi capaz de acabar com as divisões políticas internas, com diferentes grupos de direita e de extrema-direita disputando o projeto hegemônico e se bifurcando entre um projeto de continuidade da linha dura e outro (vencedor) de transição tutelada para a democracia (Cunha, 2018CUNHA, P. Militares na Política ou Política entre os Militares: uma falsa questão? Anais do 10° Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa . São Paulo: FFLCH/USP, 2018, p. 1-37.). Após a redemocratização, mesmo com o retorno das forças aos quartéis e com seu silêncio público até 2015, grupos de extrema direita se mantiveram atuantes (mas não hegemônicos) na formação interna e nos Clubes Militares, conquistando maior influência na reação militar à Comissão Nacional da Verdade (Martins Filho, 2021).

NEOLIBERALISMO E LÓGICA DA GUERRA NA NOVA REPÚBLICA

O redirecionamento da lógica militar da guerra ao inimigo interno ocorreu em paralelo à dupla transição democrática e neoliberal na esteira do colapso do Estado Varguista na década de 1980 (Sallum Junior, 1999).

A lógica neoliberal se desenvolveu como resposta à crise da dívida externa e da hiperinflação, promovendo a abertura da economia nacional e sua integração aos mercados comerciais e financeiros globais. Para estabilizar a moeda, o Plano Real criou a necessidade de atrair fluxos de capital financeiro para obter reservas. Também valorizou o câmbio e promoveu a abertura comercial de modo a incentivar as importações e conter internamente a alta inercial de preços. O país passou, assim, por uma fase de financeirização de sua economia em detrimento dos investimentos produtivos, com a indústria sendo sufocada, de um lado, pelos altos juros que dificultavam os investimentos e, de outro, pela concorrência dos produtos importados. Ao mesmo tempo, o governo FHC abandonou o nacional-desenvolvimentismo, apontando para um novo modelo que, em vez de construir um parque industrial completo com ampla participação do Estado, procurava se especializar em áreas em que a produção nacional pudesse ser competitiva internacionalmente, com o Estado transferindo suas funções empresariais para a iniciativa privada (Sallum Junior, 1999).

Tanto o Estado quanto as empresas passaram por reformas administrativas de modo a atender aos interesses de investidores financeiros e a se adequar aos modelos de gestão flexível da nova realidade globalizada. Os gestores passaram assim por um corte geracional na década de 1990, com os jovens profissionais adotando o novo ethos empreendedor competitivo de condução da vida e estendendo a lógica da gestão pela concorrência para as mais diversas organizações públicas e privadas, conformando com suas práticas uma nova norma de vida e forma da existência (Dardot; Laval, 2009DARDOT, P.; LAVAL, C. La nouvelle raisondu monde: essai sur la société néolibéral. Paris: La Découverte, 2009.; Grun, 1998GRÜN, R. A classe média no mundo do neoliberalismo. Tempo Social , v. 10, n. 1, p. 143-163, 1998.).

A falta de competitividade da economia brasileira, exceção feita ao agronegócio e algumas áreas pontuais, juntamente com os efeitos destrutivos das políticas anti-inflacionárias sobre o sistema produtivo e com a dependência do sistema financeiro internacional levaram o país a uma especialização regressiva, a baixas taxas de crescimento e, a partir de 1997, a altas taxas de desemprego e informalidade, com crescimento da precarização do trabalho (Sallum Junior, 1999).

Na mesma década de 1990, depois de deixarem a administração pública no governo Collor, os militares ganharam novos objetivos no contexto da neoliberalização: lidar com as crises sociais, conter os movimentos mais combativos da redemocratização, adaptar-se à demanda norte-americana de guerra às drogas e combater o crime organizado que se estruturava desde a década de 1980. Foi assim que as Forças Armadas foram escaladas para lidar com a greve dos petroleiros em 1995, avaliada pelo governo como teste crucial da capacidade de resistência dos sindicatos ao programa de privatizações e com conflitos de terras envolvendo o MST, como no massacre de Eldorado dos Carajás em 1996 (Matins Filho, 2000). Permaneceu no Exército a visão de que as ações dos movimentos sociais ainda buscavam “formas não convencionais de tomada de poder” (Martins Filho, 2000, p. 7). As “ameaças à ordem interna [constituiriam] preocupação fundamental das Forças Armadas” (p. 7-8), incluindo questões de segurança nacional como “antagonismos históricos, religiosos, raciais e sócio-econômicos; violência urbana e atuação das Forças Policiais” (p. 7-8). A manutenção da paz também estava entre as suas funções, principalmente por meio “das informações (inteligência) como ‘advertência’ e insumo básico no processo de tomada de decisões e ações preventivas” (p. 7-8).

As Forças Armadas atuavam de maneira a abrir espaço para a neoliberalização ao conter o avanço das demandas democráticas, ao lidar com os problemas sociais pela via da gestão militarizada da pobreza e ao complementar punitivamente o estrangulamento dos gastos públicos e as políticas sociais focalizadas. O neoliberalismo, desse modo, rearticulava as práticas autoritárias legadas pela Ditadura, casando-se com o militarismo inclusive na redefinição dos inimigos internos.

Se os anos 1990 são o momento de transição, a década seguinte oferece um arranjo típico da fase do neoliberalismo progressista (Fraser, 2017FRASER, N. The end of progressive neoliberalism. Dissent , Denville, jan. 2, 2017. Disponível em: https://www.dissentmagazine.org/online_articles/progressive-neoliberalism-reactionary-populism-nancy-fraser . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Esse foi o momento em que o governo petista criou as condições para a ascensão da chamada “nova classe média” por meio do aumento do salário-mínimo, da expansão do crédito popular, da geração de empregos formais, das políticas sociais e de transferência de renda (Singer, 2012SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, Companhia das Letras, 2012.). Um período de crescimento econômico, superávit primário, redução da dívida externa e interna, maior folga orçamentária para ampliação de gastos sociais e, por alguns anos, pleno emprego. Trata-se da segunda rodada de neoliberalização brasileira com características socialmente inclusivas, em que chegou ao auge a combinação entre neoliberalismo e lógica democratizante (incluindo políticas sociais e novo-desenvolvimentistas). Essa rodada produziu como objeto privilegiado de saber e poder esse recorte populacional da classe trabalhadora ascendente de modo a moldar sua conduta econômica como consumidor de baixa renda, agente financeiro (bancarização, crédito popular e endividamento), trabalhador disciplinado e empreendedor popular. A questão fundamental aqui é entender como operou a lógica militar da guerra ao inimigo interno em meio a esse arranjo.

De saída, é interessante notar como a lógica militar da guerra ao inimigo interno substituiu na prática um projeto de segurança pública a princípio mais alinhado com a ampliação da cidadania e com o respeito aos direitos humanos, cujas bases foram formuladas no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Essa política da era Lula havia sido pensada como integrando União, estados e municípios de modo a promover uma polícia comunitária que trabalharia com a população em cada bairro e localidade, ao mesmo tempo combatendo os crimes e visando a integridade física segundo a ótica da própria comunidade, sem utilizar armas letais nem táticas militares. Ela abriria espaço para a entrada de outros serviços públicos sociais e culturais e para o desenvolvimento econômico local. Mas, em seu lugar, foi declarada a “guerra ao tráfico”, uma política de confronto em territórios específicos com alto grau de violência e com grande custo humano.

Fiquemos no exemplo do Rio de Janeiro, já que é o mais conhecido, mas reconhecendo que houve todo tipo de variação e combinação entre a lógica militar e outras racionalidades em âmbito local, definindo dinâmicas plurais. No governo de Sérgio Cabral, primeiro as favelas eram invadidas por forças policiais e militares (incluindo Batalhão de Operações Policiais Especiais – Bope –, PM, Força Nacional de Segurança Pública, Exército e Marinha). Segundo, eram ocupadas por tropas da PM e do Bope. Por fim, instalavam-se Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que substituíam o projeto inicial das polícias comunitárias, mas sem ser desmilitarizadas, sem fazer controle efetivo de armas e munições, sem abandonar as táticas militares e sem diminuir a letalidade de pessoas consideradas suspeitas. Com isso, as populações locais passavam a viver sob as forças de ocupação, sendo sujeitadas a abordagens e revistas constantes, a invasões forçadas de domicílios, ao uso de veículos de combate blindados e a todo tipo de abuso de autoridade, sem haver respeito pelos direitos e garantias constitucionais (Alves; Evanson, 2013ALVES, M.; EVANSON, P. Vivendo no fogo cruzado . São Paulo: Ed. Unesp, 2013.).

Depois da “pacificação” e da ocupação pelas forças de segurança, esses territórios despertaram o interesse mercadológico, já que o consumo de baixa renda havia sido ampliado. Com isso, empresários passaram a participar em parceria com o Estado da formulação das políticas de segurança, de responsabilidade social e de capacitação, de modo a valorizar sua imagem de marca e a se beneficiar da integração dessas áreas. As políticas sociais e de segurança se combinavam assim para viabilizar a construção neoliberal de novos mercados em recortes espaciais da cidade. Os territórios escolhidos eram, em geral, cobiçados pelo mercado imobiliário, especialmente na época dos megaeventos. Ocorreu então a entrada de grandes empresas, direcionando suas atividades para o mercado antes inacessível de forma direta. Entraram inclusive bancos, permitindo a abertura de contas (indispensável para o acesso a políticas de transferência de renda) e a tomada de empréstimos. O território igualmente se abriu para pessoas de fora, com oportunidade para novos empreendimentos, como, por exemplo, empresas de turismo na favela, sendo os guias moradores locais (Ost; Fleury, 2013OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013.).

Como mostram Ost e Fleury (2013)OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013. em seu estudo sobre a favela Santa Marta, a entrada do público externo com maior poder aquisitivo teve impactos importantes, dinamizando o comércio local, especialmente bares e restaurantes próximos a atividades culturais, alterando o perfil das mercadorias oferecidas. Houve a imposição da formalização dos negócios locais com apoio da Prefeitura em parceria com o Sebrae e com a Sescon, utilizando-se amplamente a figura jurídica do microempreendedor individual (MEI). Regularizou-se também o provimento de serviços até então obtidos de maneira clandestina, como água, luz e TV a cabo, ampliando o lucro das empresas fornecedoras e a arrecadação fiscal do Estado, o que foi visto como uma compensação em relação aos gastos públicos com as UPPs.

A nova dinâmica instaurada na favela a partir da operação militar de “pacificação” e do processo de expansão do mercado em suas diversas formas gerou efeitos “desestabilizadores da sociabilidade existente, mostrando que a inclusão pelo mercado produz, paradoxalmente, novas formas de estratificação e exclusão que se evidenciam na privatização dos espaços públicos e nas inseguranças em relação a uma remoção” (Ost; Fleury, 2013OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013., p. 655). Locais de socialização dos moradores, como quadras de escola de samba, antes exclusivos da comunidade, tornaram-se polos de atração de consumidores externos e turistas estrangeiros, e acabaram sendo colonizados pelos que lucravam com essa movimentação, segregando a população dentro da própria favela. A nova ordem imposta pela UPP também restringiu os eventos dos moradores ao serem submetidos à autorização prévia das autoridades policiais. O comércio local acabou passando por uma estratificação entre aqueles que vendiam para o público externo, encarecendo seus produtos e ampliando seus lucros, e aqueles que atendiam o público interno, que viam seus custos aumentarem devido à formalização e as vendas caírem pela redução do poder aquisitivo da clientela. De fato, a formalização e a regularização dos serviços afetaram os preços e, por extensão, os orçamentos familiares. A pressão do mercado recaiu sobre os moradores, com dificuldades crescentes de arcar com suas despesas.

Desse modo, ao invés de reduzir a pobreza, a política de pacificação e a expansão do mercado viabilizada pela presença militar do Estado acabou por agravar o problema. Se alguns dos moradores se beneficiaram com o aumento de oportunidades de empreendedorismo e de capacitação, para muitos outros a insegurança cresceu. A sociabilidade comunitária também foi corroída pela lógica individualizante do mercado e pela promessa do jovem empreendedor de sucesso (disputando as novas gerações com o imaginário do traficante poderoso), surgindo conflitos que opunham o interesse econômico pessoal ao bem coletivo (Ost; Fleury, 2013OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013.).

O caso carioca da política de pacificação via UPPs combinada com a ação do Estado e das empresas de modo a construir mercados formais nas comunidades é um importante exemplo de como a lógica militar da guerra ao inimigo interno (derivada em guerra ao tráfico e ao crime organizado) se hibridizou e compôs o cenário da segunda rodada de neoliberalização no Brasil. Conforme afirmam Birman e Leite (2018BIRMAN, P.; LEITE, M. Rio e São Paulo: categorias emaranhadas e relativização dos seus sentidos nos estudos sobre (as chamadas) periferias. In: BARROS, J.; COSTA, A. D.; RIZEK, C. (org.). Os limites da acumulação, movimentos e resistência nos territórios . São Carlos: IAU-USP, 2018. p. 27-40., p. 34),

um dos elementos centrais desse experimento, operando como um dispositivo de disciplinarização/“pacificação” dos moradores dessas favelas [cariocas], foram os agenciamentos estatais e do mercado para estimular que estes se convertessem em microempreendedores.

Houve, assim, um celebrado aumento do microempreendedorismo no Rio de Janeiro, embora em larga medida assentado na reconversão do trabalho por conta própria (Birman; Leite, 2018BIRMAN, P.; LEITE, M. Rio e São Paulo: categorias emaranhadas e relativização dos seus sentidos nos estudos sobre (as chamadas) periferias. In: BARROS, J.; COSTA, A. D.; RIZEK, C. (org.). Os limites da acumulação, movimentos e resistência nos territórios . São Carlos: IAU-USP, 2018. p. 27-40.). A ordem instaurada pela pacificação era, portanto, a ordem neoliberal do mercado e do empreendedorismo.

Além desse caso paradigmático, ainda é possível listar outras formas de hibridização entre lógica militar da guerra e a segunda onda de neoliberalização no país. O segundo importante exemplo se deu pela forma como a segurança operou a valorização dos circuitos e percursos das cidades, demarcando possibilidades de realizar empreendimentos e consumo. Nesse sentido, no âmbito dos megaeventos do Rio de Janeiro, momento que marca simbolicamente a entrada das cidades do país no circuito dos territórios globais, a ação combinada do Estado com empresários buscou abrir novos territórios e circuitos para o capital. A lógica da cidade-empresa, que compete para atrair investimentos, criar empregos e movimentar a economia local, se combinou com a política de segurança em duas linhas principais de ação de modo a reorganizar o espaço urbano. Primeira, a via gentrificadora mediada pela alta de preços. Com as ocupações militares permanentes e a chegada dos mercados formais, muitos moradores não conseguiram mais arcar com suas despesas, sendo obrigados a deixar a comunidade por razões econômicas e a se mudar para outras áreas afastadas e não pacificadas. Segunda, por via de remoções forçadas realizadas pelo poder público, mesmo em áreas legalizadas. A remoção de famílias pela prefeitura por estarem supostamente em áreas de risco favoreceu a entrada de investimentos privados em locais estratégicos, constituindo um planejamento urbano pelo, para e com a participação direta do mercado nas decisões públicas (Ost; Fleury, 2013OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013.). O objetivo era liberar terras bem localizadas para empreendimentos e grandes negócios e “limpar a imagem da cidade a ser vendida nos stands globais: sem assentamentos populares à vista” (Rolnik, 2012ROLNIK, R. Remoções forçadas em tempos de novo ciclo econômico. Carta Maior , [ s. l. ], 29 ago. 2012. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Remocoes-forcadas-em-tempos-de-novo-ciclo-economico/4/25808 . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Mesmo com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) disponíveis para a urbanização de favelas, o Estado esvaziou os processos e fóruns participativos em favor dos interesses empresariais, adotando uma geografia seletiva para os investimentos (Rolnik, 2012ROLNIK, R. Remoções forçadas em tempos de novo ciclo econômico. Carta Maior , [ s. l. ], 29 ago. 2012. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Remocoes-forcadas-em-tempos-de-novo-ciclo-economico/4/25808 . Acesso em: 19 out. 2021.
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; 2013). Com isso, operou a blindagem neoliberal desses novos mercados globais frente às demandas democráticas.

O terceiro exemplo de hibridização diz respeito à fomentação de mercados da guerra e da segurança, tanto legais como informais e/ou ilegais (Birman; Leite, 2018BIRMAN, P.; LEITE, M. Rio e São Paulo: categorias emaranhadas e relativização dos seus sentidos nos estudos sobre (as chamadas) periferias. In: BARROS, J.; COSTA, A. D.; RIZEK, C. (org.). Os limites da acumulação, movimentos e resistência nos territórios . São Carlos: IAU-USP, 2018. p. 27-40.). Diferentemente das políticas sociais, que são submetidas à restrição orçamentária, definição de objetivos, indicadores e avaliações permanentes para aferir sua eficiência, efetividade e eficácia, a política de guerra às drogas não foi escrutinada pela lógica neoliberal. Não há clareza em relação ao orçamento público total destinado e menos ainda sobre os resultados alcançados, sendo, portanto, uma verdadeira exceção ao neoliberalismo em termos de critérios contábeis, mas que se combina com ele para impulsionar o mercado da segurança e para fazer a gestão militarizada da pobreza.

O orçamento público destinado à guerra às drogas e ao crime organizado e os grandes investimentos em segurança no contexto de megaeventos alimentaram um enorme mercado nacional e internacional de armamentos, tecnologia e equipamentos de segurança, construção de infraestrutura (presídios, bases de operação, centros de comando etc.), contratação e subcontratação de pessoal de vários níveis etc. (Boyle, 2011BOYLE, P. Knowledge networks: mega-events and security expertise. In: BENNETT, C.; HAGGERTY, K. (Org.). Security games: surveillance and control at mega-events. Nova York: Routledge, 2011. p. 184-199.). Esse mercado é tão importante que envolve edições de feiras de negócios como a Rio International Defense Exhibition (Ridex), também chamada “Feira da Guerra”, e a Mostra BID Brasil, envolvendo empresas globais que compõem a cadeia produtiva do setor de indústria de defesa e segurança. O mercado da guerra se constituiu também pelo tráfico ilegal de armas impulsionado pelo conflito entre facções criminosas ou delas com o Estado (Birman; Leite, 2018BIRMAN, P.; LEITE, M. Rio e São Paulo: categorias emaranhadas e relativização dos seus sentidos nos estudos sobre (as chamadas) periferias. In: BARROS, J.; COSTA, A. D.; RIZEK, C. (org.). Os limites da acumulação, movimentos e resistência nos territórios . São Carlos: IAU-USP, 2018. p. 27-40.).

Outro mercado importante derivado da lógica da guerra é o de segurança privada, tanto o formal quanto o informal e/ou ilegal. O setor formal cresceu aceleradamente desde a década de 1990. Formado por empresas voltadas para a vigilância patrimonial, transporte de valores, escolta armada, segurança pessoal privada, monitoramento de sistemas de vigilância e formação de vigilantes, esse setor já conta com um efetivo que, em cidades como São Paulo, já é aproximadamente o dobro do da segurança pública (Lopes, 2013LOPES, C. S. O setor de segurança privada da região metropolitana de São Paulo: crescimento, dimensões. Caderno CRH , Salvador, v. 26, n. 69, p. 599-617, 2013.). No Rio de Janeiro, eram cerca de 125 mil pessoas em ocupações de segurança privada para cerca de 88 mil efetivos de segurança pública em 2017 e, no Brasil inteiro, cerca de 1,150 milhão no setor privado contra 963 mil no público, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua (Rodrigues; Ribeiro; Cano, 2019). Há também o mercado de segurança privada informal ou ilegal, caracterizado tanto por pequenos “bicos” feitos por policiais e por vigilantes profissionais, como forma de complementar seus orçamentos, como por grupos paramilitares organizados. Nesse último caso, podem-se mencionar os grupos de extermínio, formados por quadros repressivos desde a época da Ditadura ou, mais recentemente, as milícias, comandadas e constituídas por policiais, ex-policiais, bombeiros e egressos das Forças Armadas. As milícias expandiram sua dominação sobre territórios e populações, principalmente a partir de 2006, sob o discurso legitimador, posteriormente abandonado, de libertar essas regiões do domínio do tráfico. No entanto, criaram um novo “modelo de negócios” mais lucrativo, substituindo o tradicional “arrego” feito com traficantes pela coerção a comerciantes e moradores, buscando o lucro por meio de taxas de segurança e do ágio sobre a venda de produtos e serviços monopolizados, como transporte alternativo, água, gás, TV a cabo pirata, internet, transações imobiliárias, criando ainda uma reserva de mercado de modo a fomentar e lucrar em cima do “empreendedorismo local” (Cano; Duarte, 2014CANO, I.; DUARTE, T. Milícias. In: LIMA, R.; RATTON, J.; AZEVEDO, R. (org.). Crime, polícia e justiçano Brasil . São Paulo: Contexto, 2014. p. 325-333.; Manso, 2020MANSO, B. A república das milícias: do esquadrão da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.).

Eis como a lógica militar da guerra ao inimigo interno permitiu a construção do mercado da segurança, convertendo-a em um negócio e permitindo que fosse lida por uma perspectiva econômica-gerencial. Esse reencontro entre estratégia militar e de negócios fomentou mercados formais e informais, legais e ilegais, nacionais e globais, concorrenciais e monopolistas, mesclando agentes públicos e privados, e suscitando o grande e o pequeno empreendedorismo e novos modelos de negócios.

O quarto e último exemplo de hibridização foi a entrada da lógica neoliberal de gestão dentro da segurança pública. O caso paradigmático foi o do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), um esforço de coordenação das forças de segurança pública (incluindo as polícias Federal, Civil e Militares e as Forças Armadas, podendo contar ainda com a cooperação de polícias internacionais). Ele foi desenvolvido em função dos megaeventos e aprofundado durante a Intervenção Federal liderada pelo Exército no Rio de Janeiro em 2018 (Cardoso, 2019CARDOSO, B. A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas , Rio de Janeiro, n. 3, p. 53-74, 2019. Edição Especial.; Grillo, 2018GRILLO, C. Uma arquitetura de comando e conflito: a intervenção no Rio como um laboratório das disputas de poder. Blog Novos Estudos CEBRAP , São Paulo, 2018. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/uma-arquitetura-de-comando-e-conflito-a-intervencao-no-rio-como-um-laboratorio-das-disputas-de-poder/ . Acesso em: 19 out. 2021.
http://novosestudos.uol.com.br/uma-arqui...
). O CICC permitiu que o New Public Management , cuja lógica guiou a reforma neoliberal do Estado brasileiro com base em técnicas de gestão empresarial e de concorrência administrada, fosse aplicado à área de segurança. A integração e coordenação entre múltiplos órgãos públicos e empresas privadas de tecnologia se deu pelo modelo gerencial de uma rede centrada, aberta e flexível, que prometia reorganizar as sobreposições e tensões entre as forças de segurança por meio de uma estrutura bem definida (mas variável conforme a circunstância) de comando e pela ordenação via sistemas informatizados (Cardoso, 2019CARDOSO, B. A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas , Rio de Janeiro, n. 3, p. 53-74, 2019. Edição Especial.). O atendimento a chamadas e ocorrências policiais passou a ser realizado por meio de software que conecta os agentes nas regiões metropolitanas do estado. O software permitiu a medição e comparação dos tempos de atendimento e sua evolução, estabelecendo metas e competição entre os seus operadores. As atividades rotineiras foram submetidas à lógica do benchmarking e de aumento da eficiência baseada em indicadores quantitativos. O sistema operacional dos softwares introduzia assim uma normatividade empresarial que impactava nos programas de ação e nos parâmetros de atuação em segurança pública (Cardoso, 2018CARDOSO, B. Estado, tecnologias de segurança normatividade neoliberal. In: BRUNO, F.; CARDOSO, B.; KANASHIRO, M.; GUILHON, L.; MELGAÇO, L. (org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.). Mas a promessa de mudança de paradigma na maneira de pensar a segurança não se realizou, já que as situações de exceção (manifestações, invasões policiais, ocupações de favelas e segurança de megaeventos) continuaram sendo concebidas dentro de uma lógica militarizada de operação de guerra no meio urbano (Cardoso, 2019CARDOSO, B. A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas , Rio de Janeiro, n. 3, p. 53-74, 2019. Edição Especial.; Cardoso; Hirata, 2017CARDOSO, B.; HIRATA, D. Dispositivos de inscrição e redes de ordenamento público: uma aproximação entre a teoria do ator-rede (ANT) e Foucault. Sociologia & Antropologia , Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 77-103, 2017.). Com isso, surgiu um “modelo gerencial-militarizado, que combina a tradição autoritária, hierárquica e intervencionista das polícias e instituições de segurança e militares com um modelo de organização inspirado na literatura e em cursos de administração de empresas” (Cardoso, 2019CARDOSO, B. A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas , Rio de Janeiro, n. 3, p. 53-74, 2019. Edição Especial., p. 55). Constituiu-se assim uma espécie de New Militar Management , concepção exposta, por exemplo, no Modelo de Excelência na Gestão Pública do Exército Brasileiro (MEGP-EB) (Cardoso, 2019CARDOSO, B. A lógica gerencial-militarizada e a segurança pública no Rio de Janeiro: o CICC-RJ e as tecnologias de (re)construção do Estado. Dilemas , Rio de Janeiro, n. 3, p. 53-74, 2019. Edição Especial.). Modelo de gestão que foi estendido para situações cotidianas que pouco lembram cenários típicos de intervenção das forças de segurança, como eleições, dias de festas, eventos esportivos, deslizamentos, enchentes, acidentes, trânsito congestionado etc. (Cardoso, 2018CARDOSO, B. Estado, tecnologias de segurança normatividade neoliberal. In: BRUNO, F.; CARDOSO, B.; KANASHIRO, M.; GUILHON, L.; MELGAÇO, L. (org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.).

As hibridizações entre a lógica militar da guerra ao inimigo interno e o neoliberalismo, portanto, foram múltiplas e com dinâmicas variadas, especialmente na segunda rodada de neoliberalização. Nos exemplos apresentados, a lógica militar foi utilizada para abrir, formalizar, regular e impulsionar mercados, dando suporte para a produção de uma ordem neoliberal “pacificada” com base na figura normativa do empreendedor de si mesmo. Por outro lado, a racionalidade neoliberal penetrou na área de segurança, seja na porosidade da agenda política a agentes empresariais privados, na conformação de um “modelo gerencial-militar” público ou na formação do empreendedorismo de segurança de vários tamanhos e modalidades. Ocorreu assim uma combinação entre business strategy e militar strategy (Davies, 2014DAVIES, W. The limits of neoliberalism: authority, sovereignty and thelogic of competition. Thousand Oaks: Sage, 2014.), entre o ethos militar da guerra e o ethos empreendedor competitivo.

A grade econômica de leitura da realidade foi igualmente projetada, se não efetivamente adotada por aqueles considerados “inimigos”. Foi o General Augusto Heleno quem afirmou que as organizações criminosas brasileiras

foram as únicas empresas que nos últimos anos fizeram tudo o que está previsto no manual de gestão. Eles trabalham os recursos humanos, renovam os recursos humanos, têm um recrutamento excepcional, são extremamente rígidos com hierarquia e disciplina, têm uma logística perfeita, têm uma comunicação sensacional porque falam de dentro dos presídios e comandam o crime de dentro do presídio. Hoje eles têm um lucro assustador […]. E isso está transformando nossas organizações criminosas em empresas com tentáculos em toda América do Sul (Band Eleições…, 2018).

Na visão de Heleno, as organizações criminosas brasileiras se tornaram grandes multinacionais com a excelência de gestão e a atitude empreendedora típica das mais eficientes empresas privadas. Mas não se deve deduzir daí a necessidade de ampliar a inclusão para que o talento dessas pessoas pudesse ser aproveitado na economia formal. A nova diretriz foi a intensificação da guerra travada nos bairros pobres de modo a eliminar os inimigos.

A CRISE DA NOVA REPÚBLICA

Ao longo da Nova República, foram, portanto, variadas as confluências entre a segurança militarizada e o neoliberalismo. Mas, a partir de 2014, o reforço recíproco das lógicas da concorrência e da guerra não apenas limitou parcialmente o desenvolvimento da dimensão democrática e social como desencadeou movimentos políticos que abalaram esse pilar da Nova República. Foi precipitada, assim, a crise dessa curta fase inclusiva e progressista do neoliberalismo brasileiro, que não chegou sequer a reduzir substancialmente a desigualdade nem deixou de recorrer à violência estatal seletiva. A crise se deu em função da intensificação de confluências em um duplo sentido. Primeiro, partindo do principal portador da lógica neoliberal, a classe média gerencial, que radicalizou sua defesa do mercado contra as políticas sociais e derivou para a lógica da guerra contra um inimigo interno “de esquerda” e “corrupto”, não por acaso demonstrando apoio ao ativismo judicial e às forças militares em suas manifestações. Segundo, com os militares reagindo a medidas de controle democrático sobre as suas instituições e mobilizando novamente o “anticomunismo” como justificativa para a militarização do Estado e o aprofundamento das reformas neoliberais.

Classe média gerencial: do neoliberalismo à guerra contra o inimigo interno

Nas eleições de 2014, em um cenário de declínio da popularidade do governo petista e acirrada disputa eleitoral, somou-se a frustração da derrota da direita com o aprofundamento de reengenharias e com a crise econômica (Andrade, 2019a; Miguel, 2019MIGUEL, L. O colapso da democracia no Brasil . São Paulo: Expressão Popular, 2019.). O processo de horizontalização derivado dos métodos de gestão pela concorrência já vinha eliminando postos de gerência e supervisão ao menos desde 2007, mas acelerou entre 2015 e 2017, totalizando mais de um milhão de postos fechados em dez anos (Andrade, 2019a). As demissões agravaram ainda mais a situação da classe média gerencial brasileira, que já vinha sofrendo com uma dupla pressão de mercado. Na dimensão do trabalho, ela estava submetida à precarização dos vínculos, à perda de direitos, ao acirramento da concorrência, à intensificação do ritmo produtivo, à extensão das jornadas e à insegurança crescente. Na dimensão do consumo, ocorreu o aumento do custo de vida, com a inflação dos serviços (cujo acesso diferenciava a classe média da trabalhadora no Brasil) subindo mais do que a média geral da inflação no período dos governos petistas (2003-2016). Com isso, a classe média brasileira se via na situação de ter que trabalhar mais em profissões cada vez mais precarizadas para manter com dificuldade crescente o mesmo padrão de vida. A partir da crise de 2015, ainda se viu às voltas com demissões em massa e com o aumento do endividamento, das falências e dos pedidos de recuperação judicial de pequenas e médias empresas.

A classe média gerencial se encontrava assim na paradoxal situação de acreditar e promover sistematicamente o valor da concorrência, mas, mesmo possuindo o ethos empreendedor competitivo por excelência, acabou se vendo derrotada no interior do seu próprio jogo e em função do avanço de sua própria lógica. Essa contradição aprofundava uma confusão cognitiva que é historicamente constitutiva das classes gerenciais e que ganhou novos contornos com a renovação dos métodos de gestão no capitalismo flexível. Essa classe, ao menos quando na posição de assalariada, interioriza a contradição entre capital e trabalho, desenvolvendo

uma identificação forte com o “interesse da empresa”, uma interiorização da lógica do lucro, uma adesão às normas e aos valores do sistema capitalista; mas, de outro lado, uma condição assalariada submetida aos imprevistos da carreira, aos riscos de demissão, à pressão do trabalho e a uma competição feroz (Gaulejac, 2005GAULEJAC, V. La sociétémalade de lagestion: idéologie gestionnaire, pouvoir managérial et harcèlement social. Paris: Editions du Seuil, 2005., p. 41).

Em paralelo com as dificuldades crescentes experimentadas pelas camadas médias gerenciais, vinha ocorrendo, até 2014, a mobilidade social das classes trabalhadoras não qualificadas. A ascensão da “nova classe média”, ainda que modesta, alterou diversas dinâmicas da relação entre as classes, como a perda de exclusividade das classes médias tradicionais predominantemente brancas em espaços de consumo, serviços e lazer ou a recusa crescente dos membros das classes trabalhadoras braçais de realizar serviços de maneira informal em troca de baixos pagamentos em um contexto de políticas de transferência de renda e de pleno emprego. Com a redução da pobreza, as classes médias gerenciais viram ameaçados seus mecanismos pessoais de mando na esfera da reprodução da vida (Cavalcante, 2020a, 2020b). Testemunharam, igualmente, a entrada de representantes da classe trabalhadora e dos movimentos sociais em cargos eletivos e de livre provimento no Estado, o surgimento de cotas sociais e raciais em universidades e a ampliação de políticas de diversidade em empresas.

As classes médias gerenciais sentiram, desse modo, a melhora das classes trabalhadoras como perda de status, empobrecimento relativo e intensificação da concorrência. Mais do que isso, consideraram que a ascensão social estava se realizando às expensas dos seus ganhos e dos seus impostos, já que arcavam ao menos parcialmente com os custos das políticas sociais, da formalização dos empregos e do aumento do salário-mínimo (como contribuintes, pequenos empresários ou consumidores de serviços). Daí a percepção de que as políticas sociais e de ação afirmativa eram contrárias aos seus interesses, já que distorceriam a concorrência de mercado e a meritocracia capitalista. A preocupação com a deterioração das próprias condições de vida fazia a classe média ignorar as injustiças sociais históricas, já que as respostas políticas para corrigi-las agravariam ainda mais sua situação.

Na desorientação cognitiva da classe média gerencial, não era a lógica da gestão pela concorrência a responsável pelo seu fracasso e desestabilização, mas sim as políticas “socialistas” e a corrupção do governo petista. Tornaram-se assim permeáveis à crescente campanha financiada por think tanks internacionais que buscava canalizar a insatisfação com a crise contra a esquerda e o Estado de bem-estar, fazendo, ao mesmo tempo, a defesa radicalizada do livre mercado como solução (Amaral, 2015AMARAL, M. A nova roupa da direita. Agência Pública De Notícias , São Paulo, 2015. Disponível em: https://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/ . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Casimiro, 2018CASIMIRO, F. A nova direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2018.; Lee, 2017LEE, F. Esfera de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana. The Intercept Brasil , Rio de Janeiro, 11 ago. 2017. Disponível em: https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/ . Acesso em: 19 out. 2021.
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). A classe média gerencial reafirmou então sua adesão ao ethos empreendedor e à lógica concorrencial, duplicando sua aposta. Foi nesse sentido que não se produziu entre a classe média gerencial uma revolta contra a ordem de mercado, mas uma revolta dentro da ordem de mercado, ao mesmo tempo legitimando-a e colocando como culpados aqueles que impunham limites e distorciam seu funcionamento puro. Amparadas em uma suposta justiça de mercado, as classes médias se voltaram contra todos que reivindicassem a atuação do Estado de modo a corrigir injustiças históricas, promover inclusão social e zelar pela igualdade de oportunidades (Amable, 2011AMABLE, B. Morals and politics in the ideology of neoliberalism. Socio-Economic Review , Oxford, v. 9, n. 1, p. 3-30, 2011.; Davies, 2014DAVIES, W. The limits of neoliberalism: authority, sovereignty and thelogic of competition. Thousand Oaks: Sage, 2014.). Suas campanhas adquiriram forte tom de moralização com base em valores de mercado, como a iniciativa e a responsabilização individual, valores que se condensavam no mito renovado da meritocracia capitalista (Amable, 2011AMABLE, B. Morals and politics in the ideology of neoliberalism. Socio-Economic Review , Oxford, v. 9, n. 1, p. 3-30, 2011.; Cavalcante, 2020a, 2020b; López-Ruiz, 2007LÓPEZ-RUIZ, O. Os executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue, 2007.).

A revolta da classe média desencadeou assim as manifestações conservadoras pelo impeachment, definindo dois alvos principais. De cima para baixo , a moralização dos pobres “preguiçosos” dos programas sociais, dos trabalhadores emergentes “insolentes”, dos jovens consumidores ostensivos que “não sabiam mais o seu lugar” e dos pobres não brancos tidos como potencialmente perigosos. Todos passaram a ser vistos como beneficiários ilegítimos da riqueza “expropriada” via impostos ou via criminalidade e como reivindicadores de “privilégios” como bolsas, auxílios, cotas e direitos humanos para criminosos. As classes populares que apoiavam o petismo eram tidas como “compradas” pelas políticas sociais e, portanto, como devendo ser disciplinadas pelos rigores da concorrência do mercado e/ou pela ação violenta das forças de segurança. Compreende-se assim o apoio e a admiração explicitados pelos manifestantes pró-impeachment em relação aos policiais militares que acompanhavam com serenidade incomum os protestos. De baixo para cima , os alvos eram os políticos tidos como duplamente corruptos, tanto por desviarem criminosamente o dinheiro público quanto por cobrarem altos impostos e fraudarem a competição com políticas protecionistas e sociais. O mecanismo de punição aqui era o ativismo judicial da Operação Lava Jato e, mais tarde, o potencial coercitivo dos militares. Essa característica de revolta das camadas médias com intuitos moralizadores nos dois sentidos da estratificação social (Hunt, 1999HUNT, A. Governing morals: a social history of moral regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.) foi uma marca central dos movimentos conservadores do período.

A classe média gerencial derivava, assim, da lógica da concorrência para a lógica da guerra contra o inimigo interno de esquerda, criminalizando partidos e militantes desse espectro ideológico e condenando moralmente os beneficiários das políticas sociais. A guerra era travada em defesa do mercado, mas, ao mesmo tempo, a guerra operava como extensão da estratégia de concorrência das camadas médias por outros meios, já que era uma maneira de bloquear as políticas que poderiam alçar progressivamente a “nova classe média” e as minorias à condição de competidores.

O casamento entre neoliberalismo e lógica da guerra suprimiu o sentimento de compaixão com os mais vulneráveis, deixando de reconhecer seus interesses como legítimos, voltando-se contra os valores de justiça e inclusão social e desfazendo em certa medida a mediação dos conflitos realizada pelos dispositivos democráticos. Houve uma regressão civilizacional proporcional à radicalização política dos estratos médios. Além disso, a esfera pública foi esvaziada tanto pela redução neoliberal do indivíduo à esfera econômica privada quanto pelo recurso autoritário a meios não democráticos. Os valores democráticos e socialmente inclusivos da Nova República foram assim corroídos no âmbito da sociabilidade cotidiana, e não apenas no das instituições políticas.

A mobilização da classe média gerencial criou a base de apoio para a terceira rodada de neoliberalização e para a intensificação de medidas autoritárias, a começar pelo próprio golpe parlamentar do impeachment. Às classes médias, viria ainda a se juntar parcela das classes trabalhadoras populares na ascensão posterior do bolsonarismo. Mas a explicação das razões próprias dessa adesão escapa a este artigo. 1 1 A esse respeito, cf. Pinheiro-Machado e Scalco (2018, 2020), Feltran (2020) e o artigo de Andrade, Côrtes e Almeida ([2021]).

Militares: da resistência à democratização ao anticomunismo de mercado

As Forças Armadas, por sua vez, além de comporem fração dessa classe média (ao menos no caso dos oficiais), tiveram motivos específicos para atualizarem o discurso da guerra contra o inimigo interno de modo a incluir novamente a esquerda. O que suscitou a reação foi a tentativa do governo petista de realizar uma revisão do passado autoritário e aprofundar a reforma democrática dessas instituições. Os militares, que sempre nutriram desconfiança das esquerdas e cultivaram ressentimento da Nova República, tiveram a semente da discórdia plantada ainda no governo Lula, quando o Ministério da Justiça e a Comissão de Anistia promoveram audiência pública discutindo a interpretação da Lei de Anistia de 1979 no que se refere à imprescritibilidade dos crimes de tortura. Mas foi no governo de Dilma Rousseff que a relação efetivamente piorou. Seguindo a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, Dilma deu início, em 2011, à Comissão Nacional da Verdade para averiguar os crimes cometidos por agentes públicos durante a Ditadura. Depois, em 2015, o então ministro da defesa, Jacques Wagner, retirou dos comandantes das tropas a decisão sobre promoções e transferências para a reserva, atribuindo à Secretaria Geral do Ministério o controle sobre a política de Recursos Humanos das Forças. O decreto foi logo cancelado em função das enérgicas reações. No mesmo ano, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) perdeu o status ministerial, resultando na completa ausência de militares no primeiro escalão do governo. Os militares eram assim excluídos da interlocução direta com a presidenta e da participação na principal mesa de decisões do país. Por fim, o último episódio ocorreu quando o diretório nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), em autocrítica, após um mês de abertura do processo de impeachment, publicou resolução afirmando que um dos grandes erros do partido teria sido deixar de modificar os currículos das academias militares e de promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista (Traumann, 2019TRAUMANN, T. O divórcio dos militares com o PT não tem volta. Poder360 , [ s. l. ], 10 dez. 2019. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/partidos-politicos/o-divorcio-dos-militares-com-o-pt-nao-tem-volta-sentencia-traumann/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.poder360.com.br/opiniao/part...
).

Tais medidas despertavam temores de um “revanchismo” civil e de esquerda que tocava em pontos sensíveis das Forças Armadas, como a memória, a imagem, a autonomia e os valores corporativos. Em primeiro lugar, a estratégia de Comissão Nacional da Verdade de disputar a memória e expor os perpetradores de crimes, já que era impotente para realizar condenações, atingia diretamente a reputação de uma instituição em que há marcada reprodução familiar e uma densa rede de relações e sociabilidades ao longo de gerações (Domingos Neto, 2021; Oliveira, 2021OLIVEIRA, R. Hereditariedade e família militar. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 189-208.). Em segundo lugar, a educação é vista como uma espécie de “reserva de domínio” por meio da qual os militares são doutrinados nos valores e na cultura castrense (Penido; Mathias, 2021PENIDO, A.; MATHIAS, S. Pensando a educação de militares na democracia. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 221-232.). A formação de soldados e a promoção de oficiais segundo perfis democráticos, valorizando assim o controle político dos civis, foram sentidas como uma grave intervenção na autonomia militar. Em vez de reconhecerem a tentativa de tornar as Forças Armadas mais alinhadas aos tempos democráticos, os oficiais viram nessas iniciativas a confirmação de anos de teorias da conspiração sobre a tentativa de cooptação e partidarização dos militares, tendo como pano de fundo o fantasma do chavismo na Venezuela.

A reação contra a esquerda governista permitiu às Forças Armadas retomar seu protagonismo político iniciado desde a Proclamação da República, mas que havia sido suspenso com a redemocratização (Carvalho, 2019CARVALHO, J. M. Forças Armadas e política no Brasil . São Paulo: Todavia, 2019.). Tal protagonismo foi acompanhado pela afirmação pública de sua racionalidade política. Foi o general Hamilton Mourão, vice-presidente de Bolsonaro, mas à época comandante Militar do Sul, quem rompeu o silêncio político das Forças Armadas ao declarar em 2015: “Ainda temos muitos inimigos internos, mas eles se enganam achando que os militares estão desprevenidos”, e concluiu conclamando o “despertar da luta patriótica” (Gaúcha Zero Hora, 2015GAÚCHA ZERO HORA. Comandante do Exército demite general que pediu “despertar de luta patriótica”. Porto Alegre, 29 out. 2015. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/10/comandante-do-exercito-demite-general-que-pediu-despertar-de-luta-patriotica-4890242.html . Acesso em: 19 out. 2021.
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). A partir de então, voltaram ao palco político apoiando discretamente o impeachment de Dilma Rousseff, pressionando o STF para manter a inviabilidade da candidatura de Lula, sabatinando os candidatos à presidência em 2018, fazendo campanha de maneira explícita e discreta para a eleição de Jair Bolsonaro, e constituindo um projeto de retorno ao poder colocado em prática desde o governo Temer e consolidado no governo Bolsonaro.

Na plasticidade típica da lógica militar da guerra, a construção dos inimigos internos retornou ao anticomunismo, mas em uma nova versão baseada no antipetismo em âmbito nacional e no antibolivarianismo em âmbito regional. Guiados por essa lógica, os militares buscaram disputar a memória relativa à própria instituição, dimensão central para legitimar o seu exercício do poder (Domingos Neto, 2021). Resgataram publicamente a afirmação do valor e dos valores da ditadura, apresentando inversamente o período de redemocratização como passível de desconfiança por sua corrupção e por sua suposta “conspiração gramsciana”. Na racionalidade política militar, ao menos na sua versão mais radical, não se tratava mais de remover o entulho autoritário, mas de reverter as conquistas democráticas, retornando ao passado idealizado e ao antigo projeto de uma “República Patriótica Militar” sob sua tutela permanente (Silva, 2021SILVA, F. Militares, “abertura” política e bolsonarismo: o passado como projeto. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 31-52.).

Constituiu-se assim uma reversão dos polos de inteligibilidade da Nova República, segundo a qual os militares teriam sido, paradoxalmente, os verdadeiros responsáveis pela preservação da “liberdade democrática”. Eis a razão de se voltar a comemorar oficialmente o “movimento de 1964” como um “marco para a democracia brasileira”. Segundo as “Ordens do dia alusivas ao 31 de março de 1964”, publicadas pelo Ministério da Defesa em 2020 e 2021,esse teria sido um período de exceção para derrotar as ameaças totalitárias de esquerda em sua luta ideológica e armada. Depois de concluída a tarefa, a “Lei da Anistia” teria consolidado “um amplo pacto de pacificação”, sendo as próprias Forças Armadas os atores principais dessa “transição sólida”.

A contrapartida dessa leitura é a visão conspiratória de que os movimentos de redemocratização seriam, na verdade, a continuidade da ameaça comunista por meio de uma nova estratégia de infiltração e aparelhamento das instituições, visando doutrinar a população com técnicas de agitação e propaganda (Nascimento; Maciel, 1988NASCIMENTO, J.; MACIEL, L. Orvil: tentativas de tomada do poder. [ S. l.: s. n .], 1988. Disponível em: https://www.averdadesufocada.com/images/orvil/orvil_completo.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Rocha, J., 2021). Por isso, todas as conquistas e heranças dos movimentos de redemocratização na Nova República passaram a ser vistas negativamente como uma nova estratégia de tomada do poder: os movimentos sociais e partidos políticos delas resultantes (o PT e, secundariamente, o Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), as conquistas sociais da Constituição de 1988, a construção de um incipiente Estado de bem-estar e de mecanismos de participação democrática da sociedade civil, os valores e a cultura democrática e igualitária, a crítica histórica da ditadura e do autoritarismo e as instituições educacionais e culturais que promovem essa visão “ideológica” de mundo (Rocha, J., 2021).

A grade de análise militar baseada na lógica da guerra, quando aplicada à Nova República, constituiu-se como matriz de discursos conspiracionistas, criando afinidades eletivas e abrindo-se para trocas e retroalimentação com outras teorias da conspiração da extrema-direita. A difusão de teorias conspiratórias não configura, portanto, apenas uma estratégia militar de operação psicológica, estando inscrita na perspectiva atualizada da lógica da guerra ao inimigo interno. É isso que explica que não seja incomum que se acredite no próprio conspiracionismo deliberadamente criado.

Com isso, em vez de oferecer o pretendido pedido oficial de desculpas, visto pelos militares como porta de entrada para o avanço do revanchismo e para a revogação da Lei da Anistia, o que ocorreu foi o revisionismo histórico indissociável de um novo projeto político castrense. Esse revisionismo permitiu que ganhasse espaço a narrativa da “linha dura”, constituída originalmente nos sistemas de informação e repressão da ditadura que jamais aceitaram a abertura política promovida por Golbery-Geisel (Silva, 2021SILVA, F. Militares, “abertura” política e bolsonarismo: o passado como projeto. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 31-52.).

A obra Orvil: tentativas de tomada do poder oferece um exemplo importante desse tipo de discurso revisionista (Nascimento; Maciel, 1988NASCIMENTO, J.; MACIEL, L. Orvil: tentativas de tomada do poder. [ S. l.: s. n .], 1988. Disponível em: https://www.averdadesufocada.com/images/orvil/orvil_completo.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Rocha, J., 2021). Composta entre 1985 e 1988, sob a demanda do ministro do Exército, de modo a dar uma resposta às denúncias de tortura, ele permaneceu confidencial até 2007. O documento de quase mil páginas expõe a narrativa segundo a qual a filial brasileira do Partido Comunista, subordinado à União Soviética e fundado em 1922, teria realizado quatro tentativas consecutivas e ininterruptas de tomada do poder no país, buscando a derrubada revolucionária das estruturas vigentes e renegando as regras de convivência da sociedade. Se nas três primeiras tentativas (1922-1954, 1955-1964 e 1964-1973) os revolucionários teriam recorrido à luta armada, na quarta ofensiva (1974 até o presente) eles teriam reconhecido o fracasso e mudado de estratégia, buscando o apoio da população por meio do “trabalho de massa” e da infiltração e aparelhamento de instituições de cultura, educação, entretenimento e imprensa (Rocha, J., 2021).

Essa narrativa jamais foi abandonada pela linha dura, sendo primeiro divulgada internamente com o objetivo de formação dos jovens militares e depois disseminada para o público externo por meio de publicações de grupos de oficiais da reserva (Inconfidência, Guararapes e Ternuma). Devido às suas afinidades eletivas em termos conspiratórios, a perspectiva do Orvil compôs-se precocemente com o discurso do “marxismo cultural” desenvolvido pelo neoconservadorismo americano (Chirio, 2021CHIRIO, M. Da linha dura ao marxismo cultural: o olhar imutável de um grupo de extrema direita da reserva sobre a vida política brasileira (Jornal Inconfidência, 1998-2014). In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 173-188.; Godoy, 2021GODOY, M. Soldados influenciadores: os guerreiros digitais do bolsonarismo e os tuítes de Villas Bôas. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 53-70.; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.). Assim se explica a recepção favorável às palestras de Olavo de Carvalho no Clube Militar em 1999 e, depois, em 2001/2002, no Clube Naval do Rio de Janeiro, no Comando Militar da Amazônia e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Leirner, 2020LEIRNER, P. C. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida: militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. Rio de Janeiro: Alameda, 2020.). Isso não quer dizer que haja uma completa adesão dos militares ao neoconservadorismo ou que ele tenha se tornado uma nova doutrina oficial, embora algumas de suas obras tenham sido incluídas na bibliografia dos cursos de formação de oficiais (Lentz, 2019LENTZ, R. “Nós vamos ver os militares na política brasileira por um bom tempo”, diz pesquisador. Sul 21 , [ s. l. ], 24 jun. 2019. Disponível em https://www.sul21.com.br/areazero/2019/06/nos-vamos-ver-os-militares-na-politica-brasileira-por-um-bom-tempo-diz-pesquisador/ . Acesso em: 19 out. 2021.
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). O que de fato ocorreu foi a construção de pontes conceituais que viabilizaram a aproximação estratégica dos militares com os novos movimentos de direita que se fortaleciam silenciosamente nas redes sociais (Chirio, 2021CHIRIO, M. Da linha dura ao marxismo cultural: o olhar imutável de um grupo de extrema direita da reserva sobre a vida política brasileira (Jornal Inconfidência, 1998-2014). In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 173-188.; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.).

A noção de “guerra cultural” foi uma dessas pontes que permitiram aos dois discursos operarem conjuntamente. Trata-se da teoria da conspiração segundo a qual os marxistas teriam migrado sua estratégia do campo econômico para o cultural, desenvolvendo o politicamente correto, o relativismo e o multiculturalismo com o objetivo oculto de destruir os valores e as tradições ocidentais. Esse “marxismo cultural” teria uma longa tradição que se iniciaria com Gramsci e chegaria aos “movimentos identitários pós-modernos contemporâneos” (Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246., p. 242), com suas pautas raciais, feministas, LGBTs, imigratórias e ambientalistas. Seria esse movimento que teria logrado conquistar a hegemonia da esquerda na mídia, no sistema educacional e no funcionalismo público do país (Chirio, 2021CHIRIO, M. Da linha dura ao marxismo cultural: o olhar imutável de um grupo de extrema direita da reserva sobre a vida política brasileira (Jornal Inconfidência, 1998-2014). In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 173-188.; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.; Rocha, J., 2021).

Não é difícil imaginar que os militares, dada a sua forte cultura masculinista e a composição predominantemente branca no topo de sua hierarquia, fossem permeáveis a tais discursos. Em vez de reconhecer as profundas desigualdades sociais e formas de discriminação existentes, os militares optaram por uma idílica visão de país baseada no mito fundador da miscigenação e da integração harmônica das três raças. Com isso, os conflitos existentes e as reivindicações dos diferentes movimentos sociais deixariam de ter raízes na realidade brasileira e se deslocariam exclusivamente para a esfera da influência ideológica estrangeira sobre os grupos de esquerda e as minorias desavisadas, problema que teria se agravado na Nova República (Villas Bôas, 2020VILLAS BÔAS, E. Carecemos de um projeto nacional. Estadão Política , São Paulo, 10 jul. 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,carecemos-de-um-projeto-nacional,70003359516 . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Um contingente crescente de militares concebeu-se assim como “última trincheira” da ordem e da moral contra a ofensiva do marxismo, sendo as críticas que sofreram em nome da democratização nada além de uma tentativa revanchista de desmoralização visando paralisar as Forças diante da guerra cultural e do aparelhamento do Estado na transição para o socialismo (Chirio, 2021CHIRIO, M. Da linha dura ao marxismo cultural: o olhar imutável de um grupo de extrema direita da reserva sobre a vida política brasileira (Jornal Inconfidência, 1998-2014). In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 173-188.). Foi nesse registro que a Comissão Nacional da Verdade e as demais medidas dos governos petistas passaram a ser lidas.

A confluência entre lógica militar da guerra ao inimigo interno com o neoconservadorismo levou a um triplo deslocamento. Primeiro, o significante vazio do “marxismo cultural” permitiu a ampliação dos inimigos internos de modo a incluir os novos movimentos sociais, os ambientalistas, as ONGs, parcela da grande imprensa, universidades, escolas, artistas e todos os partidos políticos do status quo democrático que não compartilhassem do ideário da militarização e do livre mercado (Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.). Não faltaram estratégias de associação entre essas novas e as antigas figurações dos inimigos internos, associando forças políticas ao crime organizado, ao narcotráfico ou ao terrorismo. Foi assim que surgiram supostas denúncias de ligação entre o PT e o Primeiro Comando da Capital (PCC) ou entre o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o narcotráfico, acusações de que as universidades produziam drogas ou, ainda, a tentativa de caracterização de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como terroristas. Segundo, a estratégia de guerra migrou para as operações psicológicas (Opsys), tendo as redes sociais como palco principal (Leirner, 2020LEIRNER, P. C. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida: militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. Rio de Janeiro: Alameda, 2020., 2021LEIRNER, P. C. Da campanha à conquista do Estado: os militares no capítulo da guerra híbrida brasileira. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 107-124.; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.). Os militares retomaram assim as estratégias de contrapropaganda e contrainformação, mas agora em chave hipertecnológica, valendo-se das redes sociais para a construção e popularização da imagem do inimigo interno a ser combatido (Godoy, 2021GODOY, M. Soldados influenciadores: os guerreiros digitais do bolsonarismo e os tuítes de Villas Bôas. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 53-70.; Leirner, 2020LEIRNER, P. C. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida: militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. Rio de Janeiro: Alameda, 2020., 2021LEIRNER, P. C. Da campanha à conquista do Estado: os militares no capítulo da guerra híbrida brasileira. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 107-124.). Coincidência ou não, desde 2009 já havia sido montado no Exército um batalhão dedicado à comunicação e à guerra eletrônica (Lentz, 2019LENTZ, R. “Nós vamos ver os militares na política brasileira por um bom tempo”, diz pesquisador. Sul 21 , [ s. l. ], 24 jun. 2019. Disponível em https://www.sul21.com.br/areazero/2019/06/nos-vamos-ver-os-militares-na-politica-brasileira-por-um-bom-tempo-diz-pesquisador/ . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Por fim, terceiro deslocamento, constituiu-se um novo projeto militar e neoconservador que espelha de maneira invertida a acusação que faziam à esquerda e ao “marxismo cultural”: o objetivo passa a ser a ocupação e o aparelhamento do Estado e a construção de uma nova hegemonia cultural conservadora (Leirner, 2021LEIRNER, P. C. Da campanha à conquista do Estado: os militares no capítulo da guerra híbrida brasileira. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 107-124.; Rocha, J., 2021). Trata-se, portanto, de uma disputa do Estado, e não apenas do governo, de modo a refundá-lo em novas bases.

Esse projeto militar se casa e é inseparável das reformas neoliberais do Estado e da defesa ideológica da liberdade de mercado, vistas como medidas importantes para desmontar a hegemonia de esquerda no funcionalismo público e blindar o capitalismo da suposta ameaça marxista. A aproximação dos militares com o neoliberalismo não foi recente e se deu de diferentes modos, mas tampouco foi unânime.

Primeiro, pelo menos desde 1952, com as polêmicas envolvendo a campanha getulista do “Petróleo é nosso” e a criação da Petrobrás, houve entre militares que lutaram na Segunda Guerra uma posição favorável à entrega da exploração dos recursos nacionais a empresas estrangeiras. Essa direita militar considerava que a gestão privada, especialmente estadunidense, seria a única saída diante da corrupção e do patrimonialismo do Estado brasileiro. Com o golpe de 1964, os neoliberais se fizeram presentes no governo Castelo Branco, mas, mesmo com o expurgo de militares nacionalistas, legalistas e progressistas durante a ditadura, acabaram escanteados pelo desenvolvimentismo da Escola Superior de Guerra, com parte de seus adeptos alinhando-se posteriormente à linha dura do general Sylvio Frota. Não por acaso, hoje a ala militar neoliberal reivindica a herança de Castelo Branco, não a desenvolvimentista de Geisel, como vocalizado pelo próprio vice-presidente general Mourão (Victor, 2018VICTOR, F. O vice a cavalo. Hamilton Mourão e o lugar dos militares no governo Bolsonaro. Piauí , São Paulo, n. 147, dez. 2018. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-vice-cavalo/ . Acesso em: 19 out. 2021.
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). A inspiração atual nas narrativas da linha dura leva a certo posicionamento anti-Geisel, considerado um militar de centro-esquerda em função tanto da abertura política quanto da sua postura estatizante (Rocha, J., 2021). É assim que o novo projeto militar inverte de maneira espelhada o governo Geisel, promovendo um fechamento político “lento, gradual e seguro” acompanhado da abertura econômica de livre-mercado. Espelhamento invertido que se estende aos governos petistas, contrapondo-se à ampliação da democracia participativa e à Nova Matriz Econômica, caracterizando a política desenvolvimentista das campeãs nacionais como uma forma corrupta de favorecer “os amigos do rei”, nas palavras de Paulo Guedes.

Segundo, os militares tornaram-se o público-alvo de think tanks neoliberais, como o Instituto Liberal, desde a redemocratização, sendo considerados importantes formadores de opinião na questão do desenvolvimento econômico nacional (Gros, 2004GROS, D. Institutos liberais, neoliberalismo e políticas públicas na Nova República. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, v. 19, n 54, p. 143-159, 2004.). Essa relação se estreitou em função da derivação do anticomunismo dos intelectuais conservadores brasileiros defensores da Ditadura para a defesa do livre mercado, visando fazer frente às ideias sociais da Nova República (Rocha, C., 2021). Some-se ainda a permeabilidade dos militares ao neoconservadorismo americano e sua defesa da liberdade econômica e do Estado mínimo. Com a atuação intensificada da rede de think tanks neoliberais no Brasil a partir de 2014-2015, foi reforçada a aliança contra o inimigo comum de esquerda, taxando as políticas desenvolvimentistas e de bem-estar social como “socialistas” (Godoy, 2021GODOY, M. Soldados influenciadores: os guerreiros digitais do bolsonarismo e os tuítes de Villas Bôas. In: MARTINS FILHO, J. Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 53-70.; Pinto, 2021PINTO, E. Bolsonaro, quartéis e marxismo cultural: a loucura com método. In: MARTINS FILHO, J. (org.). Os militares e a crise brasileira . São Paulo: Alameda, 2021. p. 233-246.). A formação de militares em cursos de pós-graduação em administração pública e de empresas desde os anos 2000 também os aproximou da lógica de gestão neoliberal e da visão de mundo empreendedora das classes médias gerenciais (Cardoso, 2018CARDOSO, B. Estado, tecnologias de segurança normatividade neoliberal. In: BRUNO, F.; CARDOSO, B.; KANASHIRO, M.; GUILHON, L.; MELGAÇO, L. (org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.; Martins Filho, 2020). Por fim, nas missões de paz internacionais e nas de pacificação no Brasil, de cujos comandos saíram os principais militares do governo Bolsonaro, era colocado como objetivo central a reconstrução dos países segundo o modelo de democracias de livre mercado, alçando a norma neoliberal do empreendedorismo como forma disciplinar da pacificação (Birman; Leite, 2018BIRMAN, P.; LEITE, M. Rio e São Paulo: categorias emaranhadas e relativização dos seus sentidos nos estudos sobre (as chamadas) periferias. In: BARROS, J.; COSTA, A. D.; RIZEK, C. (org.). Os limites da acumulação, movimentos e resistência nos territórios . São Carlos: IAU-USP, 2018. p. 27-40.; Fontoura, 1999FONTOURA, P. O Brasil e as operações de manutenção da paz das Nações Unidas . Brasília, DF: Funag, 1999.; Gomes, 2014GOMES, M. A “pacificação” como prática de “política externa” de (re)produção do self estatal: rescrevendo o engajamento do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). 2014. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.; Ost; Fleury, 2013OST, S.; FLEURY, S. O mercado sobe o morro: a cidadania desce? Efeitos socioeconômicos da pacificação no morro Santa Marta. Dados , Rio de Janeiro, v. 56, n. 3, p. 635-671, 2013.).

As aproximações entre a lógica militar e a neoliberal se deram de múltiplas maneiras, mas tiveram na linha dura um espaço privilegiado de troca em função de sua interlocução com as novas direitas. Não se deve passar, portanto, a ideia de uma homogeneidade completa de todos os militares nem no que se refere à adesão ao neoliberalismo nem mesmo no que se refere à adesão a um projeto autoritário. Esses rachas podem ser notados no próprio governo Bolsonaro, como na resistência dos ex-comandantes das Forças em embarcar mais diretamente em aventuras golpistas ou na proposição de tímidos projetos desenvolvimentistas, como o natimorto Plano Pró-Brasil. Feita a ressalva sobre possíveis divisões internas entre os militares, é possível passar agora para os arranjos que permitiram conjugar a radicalização neoliberal com a militarização do Estado, consolidando a virada autoritária no pós-impeachment.

RADICALIZAÇÃO NEOLIBERAL E MILITARIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO GOVERNO BOLSONARO

A crise política desencadeada pelas denúncias de corrupção feitas pela Operação Lava Jato a partir de 2015 atingiu primeiro o PT e a centro-esquerda, então titulares do governo, mas depois se estendeu para a base de centro-direita do governo Temer, afetando, assim, todos os grandes partidos do espectro ideológico. Até mesmo juízes das altas cortes de justiça se viram na necessidade de proteger aliados e de aumentar o rigor punitivo contra os novos inimigos internos, ainda que as provas apresentadas e os procedimentos jurídico-processuais fossem discutíveis. Com isso, o sistema político democrático como um todo foi afetado, com denúncias de corrupção generalizada e crise institucional em todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Foi assim que os militares foram trazidos de volta à política: primeiro, por meio de uma idealização por parte de alguns grupos conservadores da ditadura militar como anos dourados supostamente sem corrupção, com crescimento econômico e ordem social; segundo, como uma instituição externa à política que possui força de coerção para impor uma reforma moralizadora a ela. Casando-se com o discurso do livre mercado, os defensores da militarização definiram uma posição à extrema direita, vista como técnica e antipolítica, passando a nomear todo o status quo democrático como sendo corrupto e de esquerda.

O retorno dos militares ocorreu ainda antes da eleição de Bolsonaro, já no governo de Michel Temer e em alguns governos estaduais e municipais. Buscando resgatar alguma legitimidade para o governo mais mal avaliado da Nova República e evitar sua deposição, Temer abriu espaço para os militares em postos sensíveis (Fundação Nacional do Índio – Funai –, Agência Brasileira de Inteligência – Abin – e recriação do Gabinete de Segurança Institucional – GSI –, gabinete da Casa Civil, Ministério da Defesa, Secretaria Nacional de Segurança Pública e outros cargos estratégicos no segundo escalão) e deu início de maneira abrupta a uma intervenção federal no Rio de Janeiro sob comando militar, além de decretar quatro operações de GLO. Consolidou-se nesse momento o projeto de retomada do controle militar sobre o GSI e de ampliação do sistema de inteligência brasileiro, com um triplo objetivo: dar assessoria de segurança nacional aos presidentes, criar uma estrutura de inteligência de Estado para subsidiar decisões governamentais e trazer de volta a voz dos militares para os fóruns e o debate público (Viana, 2021VIANA, N. Dano colateral: a intervenção dos militares na segurança pública . Rio de Janeiro: Objetiva, 2021.).

No governo Bolsonaro, a falta de organicidade de seu partido (Partido Social Liberal – PSL –, uma legenda de aluguel) e o gap geracional de quadros técnicos conservadores, que são ou velhos demais, da época da ditadura militar, ou muito jovens e despreparados, fez que o governo tivesse que recorrer a oficiais da ativa e da reserva. Por sua vez, havia o projeto militar de ocupar o Estado e consolidar uma nova hegemonia cultural, além do interesse corporativo em obter cargos e remuneração. É preciso notar que 88% dos militares se aposentam entre 45 e 54 anos (Corrêa, 2019CORRÊA, M. Saiba como funciona o sistema de aposentadoria dos militares. O Globo , Rio de Janeiro, 10 jan. 2019. Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/saiba-como-funciona-sistema-de-aposentadoria-dos-militares-23361022 . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Por isso, houve até manifestações de militares da reserva pedindo cargos para o presidente no início do mandato (Lindner; Frasão, 2019LINDNER, J.; FRASÃO, F. Grupo de militares da reserva faz manifestação para pedir emprego a Bolsonaro. Estadão , São Paulo, 14 jan. 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,grupo-de-militares-da-reserva-faz-manifestacao-para-pedir-emprego-a-bolsonaro,70002678967 . Acesso em: 19 out. 2021.
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).

Os militares se tornaram, assim, o principal grupo representado no governo, chegando a chefiar 10 dos 22 ministérios, comandando um terço das empresas estatais e ocupando 6.157cargos civis de chefia e assessoramento distribuídos em ministérios, bancos federais, autarquias, institutos e estatais, sendo que 3.029 são oficiais da ativa cedidos ao governo (Lis, 2020LIS, L. Governo Bolsonaro mais que dobra número de militares em cargos civis, aponta TCU. G1 , São Paulo, 17 jul. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/17/governo-bolsonaro-tem-6157-militares-em-cargos-civis-diz-tcu.ghtml . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Sassine, 2021a). Desse contingente, 43% estão alocados em cargos comissionados, sendo que a presença dos militares nos postos melhor remunerados dos primeiros escalões (coordenação, diretoria, secretaria ou ministro) saltou de 188 no início do mandato para 342 em setembro de 2020 (Presença, 2021). O Exército possui o maior contingente, com o triplo das demais forças, notando-se ainda a presença de policiais e ex-policiais militares. A ocupação de cargos é expressiva em outros ministérios além do da Defesa e do GSI, como na Presidência (15,1%), em Minas e Energia (10,8%), Ciência e Comunicações (10,1%), Meio Ambiente (8,3%), Saúde (7,3%), Educação (4,3%) e Justiça (3,7%) (Amaral; Vieira, 2021AMARAL, T.; VIEIRA, A. % de cargos comissionados ocupados por militares 2013-2020. Militares ativos e inativos em cargos de natureza especial e em funções DAS, FCPE e CGE de nível alto. [ S. l. ], 2021. Disponível em: https://preview.flourish.studio/5202872/T2tMbc_otm_ djTbBa5TjnxQZeGuOssq8WLnbmc8pYL764Sti6FBP6nHeyHEnDT6q/. Acesso em: 19 out. 2021.
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) – dados estes referentes a setembro de 2020.

Nessa militarização da administração pública, é preciso distinguir nuances (Mathias, 2004MATHIAS, K. A militarização da burocracia . São Paulo: Ed. Unesp, 2004.). Se há, de um lado, a simples necessidade de preencher funções burocráticas especializadas, há, por outro, a intenção de promover uma “regeneração” da máquina pública por meio da introdução de uma racionalidade política militar, havendo um centro de comando (em torno dos militares que chefiaram as missões de paz no Haiti e no Rio de Janeiro e que formam o núcleo duro de ministros do Planalto ao lado do vice-presidente general Mourão), um centro de coordenação na Casa Civil (primeiro com o ministro general Braga Netto e, depois, com o general Luis Eduardo Ramos) e um serviço de inteligência (Abin) com funcionários alocados em todos os ministérios.

Esse “governo militarizado”, como afirma o próprio presidente da República, procurou reverter possíveis perdas sofridas pelas forças desde a década de 1990, como o contingenciamento dos gastos militares, o aumento insuficiente dos soldos e o fim de adicionais por tempo de serviço, de licenças especiais, de pensões a filhas solteiras de oficiais etc. Nesse sentido, os militares se colocaram como uma exceção (ao menos parcial) em relação à austeridade fiscal e às reformas neoliberais que cortaram gastos em todas as áreas e incidiram sobre o funcionalismo público e sobre os trabalhadores do setor privado. O Ministério da Defesa garantiu a ampliação de seu orçamento, o aumento de gastos com pessoal e o financiamento de projetos estratégicos das três armas (compra de caças, fragatas, submarinos, blindados, radares, sistemas de comunicação e veículos aéreos não tripulados) (Giambiagi, 2021GIAMBIAGI, F. Gasto do governo com militares teve um incremento real de 4% em 2020. Estadão , São Paulo, 7 maio 2021. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-do-governo-com-militares-teve-um-incremento-real-de4-em-2020,70003706910 . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Janot, 2020JANOT, M. Meu governo, meu orçamento: vantagens militares desde a reforma da previdência. Brasil de Fato , São Paulo, 27 ago. 2020. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2020/08/27/meu-governo-meu-orcamento-vantagens-militares-desde-a-reforma-da-previdencia . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.brasildefato.com.br/2020/08/...
; Schreiber, 2020SCHREIBER, M. Os gastos bilionários que Bolsonaro propõe para a Defesa e que levarão a cortes em outras áreas em 2021. BBC News Brasil , São Paulo, 31 ago. 2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53969636 . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Também obteve verbas para realizar atividades de outras pastas. Este foi o caso das Operações Verde Brasil 1 e 2, voltadas a combater o desmatamento na Amazônia, que obtiveram o dobro do orçamento anual dos órgãos de fiscalização ambiental e dedicaram parte dos gastos a reformas de quarteis (Salomon, 2020SALOMON, M. Puxadinho militar com dinheiro da Amazônia. Piauí , São Paulo, 5 ago. 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/388206-2/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://piaui.folha.uol.com.br/388206-2/...
). O mesmo deve ocorrer com parte da verba do programa de vacinação do Ministério da Saúde, que foi parcialmente militarizado por um período de até cinco anos. Com isso, cerca de R$ 95 milhões serão destinados ao Ministério da Defesa, que poderá usar o dinheiro com insumos, logística, comunicação e publicidade, desde que associados à vacinação, o que permitiria, por exemplo, a manutenção de carros, embarcações e equipamentos das forças (Sassine, 2021b).

Os militares garantiram também uma reforma da previdência exclusiva e menos danosa do que a dos civis, não sendo submetidos, por exemplo, ao critério de idade mínima para a aposentadoria. Na mesma Lei nº 13.954/2019, ainda obtiveram uma reestruturação das carreiras e uma considerável valorização salarial que concentrou seus benefícios no nível do oficialato, com o custo de R$ 80 bilhões aos cofres públicos. Como a reforma da previdência dos militares se estendeu a policiais militares e bombeiros, cuja remuneração depende dos estados, o governo federal apoiou as reivindicações de movimentos grevistas ilegais de modo a enfraquecer os governadores, especialmente os da oposição (Lima; Costa, 2020LIMA, R.; COSTA, A. Greve, motim e chantagem pelo poder. Piauí , São Paulo, 20 fev. 2020, disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/greve-motim-e-chantagem-pelo-poder/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://piaui.folha.uol.com.br/greve-mot...
). Por meio de tais medidas, os altos oficiais das Forças Armadas buscaram se equiparar a outras elites do funcionalismo público brasileiro, como as do poder Judiciário e Legislativo, e do Ministério Público, inclusive criando portaria para furar o teto salarial dos servidores (Lima, 2021).

Para além do óbvio corporativismo, os militares acreditaram que a ampliação do seu orçamento e a militarização da administração pública eram respostas ao revanchismo dos governos progressistas da Nova República. Mas a militarização da administração pública precisou buscar um arranjo mais sofisticado com o neoliberalismo do que a simples exceção orçamentária à sua lógica. Afinal, era preciso conciliar duas racionalidades políticas bastante distintas e aparentemente contraditórias: de um lado, as políticas de austeridade, o bloqueio dos concursos públicos, a reforma da previdência e a administrativa; de outro, a absorção de vasto contingente de militares ativos e inativos para funções públicas civis. A solução foi além do preenchimento dos cargos de livre provimento pelo governo. Ela se deu por meio da permissão legal de contratação temporária e sem concurso público de militares da reserva para a realização de serviços civis do Estado (artigo 18 da Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, e Decreto nº 10.210/2020).

Tal iniciativa se deu no contexto da reforma da previdência, que fez que muitos funcionários públicos que já tinham condições antecipassem suas aposentadorias. A suspensão de grande parte dos concursos pelo Ministério da Economia impediu a reposição dos quadros, prejudicando serviços que já estavam sendo afetados pela restrição orçamentária da PEC do Teto dos Gastos Públicos. Os efeitos se fizeram sentir imediatamente em serviços como os do INSS, criando enormes filas e atrasos na concessão de benefícios. O caos gerado pelos cortes ameaçou tornar setores da administração pública disfuncionais, desencadeando a insatisfação da população. A crise, no entanto, gerou a oportunidade de contratação emergencial e temporária para normalizar minimamente a prestação de serviços.

Foi então que o governo Bolsonaro agiu de modo a atender à sua base eleitoral. Ao priorizar a contratação de militares da reserva e, por vezes, no caso de falta de candidatos, de militares da ativa, incluindo as forças policiais estaduais (como no caso das escolas cívico-militares), o governo abriu a possibilidade de acúmulo de salários ou do ganho de 30% a mais sobre os valores das pensões, além de uma série de benefícios como adicional de férias, diárias, auxílio-transporte e auxílio-alimentação. A medida era flagrantemente inconstitucional, criando uma reserva de mercado injustificável para os militares em detrimento dos civis e violando as regras de contratação via concurso público para carreiras específicas. Contudo isso não impediu o governo de insistir na medida. Ela foi inicialmente incluída (o típico “jabuti”) na reforma da previdência dos civis, tendo sido derrubada em seu trâmite no Congresso. Depois foi incluída na proposta de reforma da previdência exclusiva dos militares enviada pelo Ministério da Defesa, tendo então sido aprovada no final de 2019. A crise do INSS em janeiro de 2020 criou a ocasião para que o então presidente em exercício, Hamilton Mourão, assinasse um decreto regulamentando a lei. O prazo de contratação ficou estipulado em quatro anos para o órgão empregador e em oito anos para o militar inativo. Para regularizar a lei, a possibilidade de contratação emergencial se estendeu também a ex-funcionários civis aposentados das carreiras públicas.

Esse engenhoso arranjo permitiu a criação, em um momento de crise econômica e uberização do trabalho, de uma enorme reserva de vagas para militares que se aposentam cedo. Mas, sobretudo, criou uma situação em que os militares inativos passam a substituir o funcionalismo público civil. Quanto mais a lógica neoliberal desmonta o Estado, corta gastos e impede concursos públicos, mais a administração pública é militarizada. Inversamente, a militarização da administração permite ao Ministério da Economia reduzir os quadros estáveis do funcionalismo, criando a flexibilidade de dispensar os temporários quando julgar necessário (segundo motivos econômicos ou políticos).

A militarização da administração pública também permitiu o mapeamento de oportunidades de intermediação e prestação de serviços para o Estado neoliberal que terceiriza suas funções e é poroso à participação de agentes empresariais privados (Dardot; Laval, 2009DARDOT, P.; LAVAL, C. La nouvelle raisondu monde: essai sur la société néolibéral. Paris: La Découverte, 2009.). Como apareceu, por exemplo, na CPI da Pandemia, militares da reserva com relações próximas ou recém-egressos dos ministérios e órgãos públicos constituíram empresas e institutos visando obter ganhos junto ao poder público e/ou prestando consultorias a empresas que contratam com o Estado. A militarização da administração pública, desse modo, além de garantir cargos e ganhos extras na administração (em geral em cargos DAS de nível mais alto), ainda favoreceu o empreendedorismo e oportunidades de emprego na iniciativa privada, criando um novo horizonte de ganhos financeiros. Esses “militares-empresários” não se detiveram em áreas conexas às militares e de segurança, estendendo-se a qualquer atividade demandada pelo serviço público, como, por exemplo, a comercialização de medicamentos e insumos para a área de saúde (Affonso; Valfré, 2021AFFONSO, J.; VALFRÉ, V. CPI expõe interesse de militares que atuaram na gestão Pazuello em faturar com a pandemia. Estadão Política , São Paulo, 18 ago. 2021. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-expoe-interesse-de-militares-que-atuaram-na-gestao-pazuello-em-faturar-com-a-pandemia,70003814304?utm_source=estadao:twitter&utm_medium=link . Acesso em: 19 out. 2021.
https://politica.estadao.com.br/noticias...
).

A PEC da Reforma Administrativa (32/2020), que não inclui, mas justamente por isso conta com o apoio dos militares, permite aprofundar esse arranjo de diferentes maneiras: ameaçando a estabilidade dos servidores, precarizando os vínculos contratuais dos novos ingressantes, facilitando a terceirização e ampliando os cargos de livre nomeação para além das atuais restrições de funções (direção, chefia e assessoramento) e de proporcionalidade. Essas medidas permitem a substituição progressiva do funcionalismo civil concursado por ainda mais militares e outros grupos conservadores ligados ao governo. Também permitem maior poder de pressão sobre o funcionalismo civil e a ampliação da prestação privada de serviços ao Estado.

Por meio de tais medidas, o Estado passou a ser disputado e ocupado, conjugando o desmonte neoliberal com a militarização da administração pública. Formou-se assim uma burocracia militarizada, partidarizada, sem estabilidade e dependente do atual governo. Essa situação fez que se somassem interesses materiais aos interesses ideais da guerra cultural. A disputa do passado e da memória permitiu aos militares legitimarem sua presença maciça na administração pública e se consolidarem como nova elite do Estado. Eis a razão dos manifestos estridentes e ameaçadores dos clubes militares e de oficiais da reserva todas as vezes que o governo se viu limitado por outros poderes ou ameaçado por denúncias e investigações.

A entrada dos militares introduziu em várias áreas do serviço público o modelo de gestão baseado na hierarquia e disciplina, com decisões centralizadas, sem transparência e controle social e com pouca ou nenhuma autonomia dos servidores nos níveis subordinados. Com isso, foi a lógica militar que fez seu retorno sobre o New Public Management , acarretando não poucos problemas. Em primeiro lugar, o modelo de gestão militar inviabilizou a adaptação das políticas públicas pelos burocratas de nível de rua no momento de sua implementação, quando entram em contato com a realidade e discutem as medidas com os cidadãos, aumentando assim o risco delas não fazerem sentido na prática. Segundo, impediu ou restringiu a participação da sociedade civil nos conselhos, substituindo a transparência, o controle social e a deliberação democrática pelo segredo estratégico e pela centralização hierárquica. Terceiro, definiu uma rígida cadeia de comando e mecanismos centralizadores que obrigam os servidores a solicitarem autorizações e que impõem o cumprimento acrítico de ordens, por vezes em detrimento da legalidade dos ritos administrativos (Andrade; Nogueira; Lotta, 2021; Dolce, 2021DOLCE, J. As cinzas da Verde Brasil. OpenDemocracy , [ S. l .], 30 jul. 2021. Disponível em: https://www.opendemocracy.net/pt/cinzas-da-verde-brasil/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.opendemocracy.net/pt/cinzas-...
).

Mas nenhum desses pontos gerou tantos problemas quanto a aplicação da lógica da guerra ao inimigo interno ao funcionalismo e à formulação de políticas públicas. No primeiro caso, os militares estenderam a categoria classificatória “amigo versus inimigo” aos servidores em função do suposto aparelhamento “comunista” da burocracia durante a Nova República. Os servidores foram convertidos assim em possíveis inimigos ocultos, sendo vistos com desconfiança por não compartilharem o mesmo ethos disciplinar da caserna, por serem simpatizantes da esquerda ou críticos do governo ou simplesmente por realizarem com zelo suas funções em áreas cujas agendas eram percebidas como ligadas a ideologias inimigas. Por isso, a primeira medida tomada pelo governo logo após a posse em janeiro de 2019 foi a “desPTização” da máquina pública, fazendo um levantamento ativo e expulsando dos cargos comissionados todos os simpatizantes e filiados a partidos de esquerda, a despeito de sua competência técnica. A centralização administrativa, a vigilância permanente e a retirada da autonomia dos funcionários foi igualmente uma maneira de estabelecer um controle estrito sobre os supostos “inimigos”, chegando a paralisar ou reduzir consideravelmente as atividades em órgãos de direitos humanos e de fiscalização ambiental. Nesse contexto, os casos de assédio institucional e perseguição política a funcionários públicos multiplicaram-se nos últimos anos (Dolce, 2021DOLCE, J. As cinzas da Verde Brasil. OpenDemocracy , [ S. l .], 30 jul. 2021. Disponível em: https://www.opendemocracy.net/pt/cinzas-da-verde-brasil/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.opendemocracy.net/pt/cinzas-...
; Saconi; Couto, 2021SACONI, J.; COUTO, M. Servidores públicos críticos a Bolsonaro viram alvo de perseguição ideológica no governo. O Globo , Rio de Janeiro, 11 abr. 2021. Disponível: em https://oglobo.globo.com/brasil/servidores-publicos-criticos-bolsonaro-viram-alvo-de-perseguicao-ideologica-no-governo-1-24965616 . Acesso em: 19 out. 2021.
https://oglobo.globo.com/brasil/servidor...
).

A desconfiança se estendeu à ideia de que as decisões políticas precisam ser debatidas e escrutinadas pela sociedade. Em outra medida do início do governo, Bolsonaro baixou um decreto fechando todos os conselhos e, depois de impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso, buscou alterar a composição de vários deles de modo a que o governo tivesse maioria, não raro incluindo militares entre seus membros.

A lógica da guerra se estendeu igualmente à formulação das políticas públicas, sob a inspiração da guerra cultural contra o comunismo. Como diversos conflitos são concebidos como derivando da influência internacional da ideologia de esquerda, e não como estando enraizados na realidade social, a formulação das políticas públicas se deu com base em teorias da conspiração, na afirmação de valores conservadores e na liberação dos interesses capitalistas. Exemplos importantes podem ser encontrados em políticas de educação (escolas cívico-militares, censura de livros didáticos e cortes orçamentários de universidades públicas), meio ambiente (ocupação da Amazônia, desmonte da fiscalização, regularização de terras ocupadas ilegalmente, incentivo direto ou indireto a queimadas e garimpos, redefinição dos critérios de demarcação de terras indígenas e quilombolas etc.) e direitos humanos (desmonte da fiscalização de tortura, pacote anticrime, excludente de ilicitude, lei antiterrorismo etc.).

As escolas cívico-militares são um importante exemplo de conjugação da guerra cultural com os interesses corporativos dos militares. Nelas, os militares assumiram a gestão e a disciplina, mas não diretamente as atividades pedagógicas. A verba de 54 milhões de reais por ano aferida ao projeto se destina majoritariamente a pagar os salários dos militares que trabalham nas instituições. A militarização das escolas gera assim renda extra para esses ativos e inativos, e, ao mesmo tempo, permite a vigilância ideológica sobre professores, a disseminação da disciplina e dos valores castrenses, o cerceamento do pensamento crítico, o treinamento na submissão automática e a criminalização dos alunos das escolas públicas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em zonas de vulnerabilidade social.

Mas nenhuma política pública ilustra melhor a combinação entre lógica militar da guerra e lógica neoliberal da concorrência do que a trágica gestão da pandemia. A Covid-19 foi lida como resultante de um “vírus chinês” ou de um “comunavírus”, uma arma de guerra psicológica e/ou “química, bacteriológica e radiológica” desenvolvida deliberadamente pela China visando obter vantagens competitivas nos mercados globais e estender os mecanismos de dominação comunista. A leitura foi copiada do ex-presidente americano Donald Trump, sendo depois repetida publicamente pelo ex-ministro das Relações Exteriores, pelo filho do presidente e ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, pelo Ministro da Economia e, finalmente, pelo próprio presidente, que ainda acrescentou que “os militares sabem que é guerra” (Coletta, 2021COLETTA, R. Em novo ataque, Bolsonaro sugere que China faz guerra biológica com Covid. Folha de S. Paulo , São Paulo, 5 maio 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/em-novo-ataque-bolsonaro-sugere-que-china-faz-guerra-quimica-com-covid.shtml . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021...
; Martins, 2021MARTINS, A. Primeiro tuíte de Trump sobre “vírus chinês” causou levante anti-asiático. Exame , Rio de Janeiro, 22 mar. 2021. Disponível em: https://exame.com/mundo/primeiro-tuite-de-trump-sobre-virus-chines-causou-levante-anti-asiatico/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://exame.com/mundo/primeiro-tuite-d...
).

Mesmo baseada em uma teoria da conspiração sem comprovação nos fatos, tal grade de leitura tornou-se operacional estrategicamente. Além de fortalecer a adesão subordinada do governo brasileiro à estratégia neoconservadora americana de Trump em sua disputa geopolítica com a China, ela permitiu que três grupos do governo buscassem seus próprios objetivos e coordenassem seus esforços.

Primeiro, permitiu aos militantes virtuais ligados ao movimento neoconservador se colocar no centro da gestão da pandemia, tornando sua máquina de produção e difusão de fakenews ainda mais importante para o governo. Apresentaram assim o perigo comunista como uma ameaça maior do que as mortes pela doença, redefinindo a “comunidade de destino” nacional, que deixava de ser a luta de todos os cidadãos contra a pandemia para se associar à proteção militar do povo contra os inimigos internos aliados ao complô comunista internacional.

Segundo, o Ministério da Economia pôde insistir nas reformas neoliberais como melhor resposta à crise pandêmica, já que as estratégias de competitividade constituiriam o próprio núcleo da suposta guerra comercial global (Oliveira, 2020OLIVEIRA, K. Guedes diz que resposta à crise são as reformas. Agência Brasil , Brasília, DF, 9 mar. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/guedes-diz-que-resposta-crise-sao-reformas . Acesso em: 19 out. 2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economi...
). Na ansiedade de uma recuperação rápida de modo a avançar sobre os mercados internacionais, a equipe do ministério respaldou a retomada prematura das atividades, fomentando uma falsa oposição entre saúde versus economia de modo a atender a interesses imediatos de empresários e investidores. Não hesitaram assim em oferecer estudos baseados em modelos econométricos preconizando o fim da pandemia para o final de 2020, descartando uma segunda onda e estimulando o relaxamento das medidas restritivas, o que viria a se mostrar desastroso (Pupo, 2020PUPO, F. Chance de nova onda de Covid é baixíssima, diz secretário de Guedes. Folha de S. Paulo , São Paulo, 17 nov. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/11/chance-de-nova-onda-de-covid-e-baixissima-diz-secretario-de-guedes.shtml . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/20...
).

Terceiro, os militares lograram centralizar o poder governamental e ampliar sua ocupação do Estado, estendendo sua lógica da guerra à gestão da pandemia. A centralização do poder foi obtida por meio da criação do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, que ficou subordinado à Casa Civil, então chefiada pelo general Braga Netto. Com isso, os militares assumiram a coordenação e aprovação das medidas dos demais ministérios. Já a ocupação do Estado se estendeu ao Ministério da Saúde, substituindo ex-ministros médicos e funcionários especializados, vistos como ligados historicamente ao movimento sanitarista de esquerda. Os militares impuseram um termo de sigilo e confidencialidade aos servidores da pasta, sob a ameaça de enquadramento na Lei de Segurança Nacional (Amado, 2020AMADO, G. Saúde ameaça usar Lei de Segurança Nacional contra quem passar informação sobre ministro. Época , Rio de Janeiro, 17 jun. 2020. Disponível em: https://epoca.globo.com/guilherme-amado/saude-ameaca-usar-lei-de-seguranca-nacional-contra-quem-passar-informacao-sobre-ministro-24484000 . Acesso em: 19 out. 2021.
https://epoca.globo.com/guilherme-amado/...
). O general da ativa Eduardo Pazuello assumiu primeiro a posição de secretário executivo e, depois, a de ministro, chegando acompanhado de vários secretários militares que haviam sido selecionados pelo Exército. Pazuello afirmou estar atendendo a uma missão militar, indo como instituição, não como indivíduo, e reconhecendo o comando e a coordenação militar da Casa Civil (Mattos, 2020MATTOS, M. “Não haverá traição”, diz próximo número 2 do Ministério da Saúde. Veja , São Paulo, 22 abr. 2020. Disponível em https://veja.abril.com.br/politica/nao-havera-traicao-diz-proximo-numero-2-do-ministerio-da-saude/ . Acesso em: 19 out. 2021.
https://veja.abril.com.br/politica/nao-h...
). Na sua gestão à frente do Ministério da Saúde, as medidas de saúde pública e distanciamento social foram contrariadas, a gravidade da pandemia foi minimizada, a compra de vacinas postergada, a exposição da população ao contágio se deu de modo a buscar a imunização de rebanho e medicamentos sem efeito comprovado para prevenção e tratamento foram fabricados pelo Exército e fomentados de modo a encorajar a população a retomar as atividades (Conectas; Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário, 2021).

A gestão militar da pandemia subordinava-se, assim, à lógica da guerra concorrencial, conferindo prioridade à economia. A liberdade econômica neoliberal era vista pelo presidente como “um bem muito maior até do que a própria vida”, sendo mobilizada na guerra cultural contra a suposta ameaça comunista (Mendonça, 2021a, 2021b). As medidas restritivas eram vistas como uma arbitrariedade autoritária e os governadores e prefeitos que aderiam a elas eram taxados de inimigos internos aliados do comunismo internacional. A população foi instada pelo presidente a ter coragem na retomada das atividades, do mesmo modo que se cobra de um soldado que vai para o combate, sendo as vidas perdidas aceitas como danos colaterais. Entreviram-se ainda os óbitos de idosos e do grupo de risco como uma oportunidade para reduzir o déficit previdenciário, favorecendo o desempenho econômico, já que, segundo o ministro da economia, o país estaria quebrado e não teria capacidade de investimento para gastar com pessoas que “querem viver 100, 120, 130 anos” (Lindner; Vargas, 2020LINDNER, J.; VARGAS, M. Morte de idosos por covid-19 melhora contas da Previdência, teria dito chefe da Susep. Estadão , São Paulo, 28 maio 2020. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,morte-de-idosos-por-covid-19-melhora-contas-da-previdencia-teria-dito-chefe-da-susep,70003317874 . Acesso em: 19 out. 2021.
https://economia.estadao.com.br/noticias...
). Na leitura da pandemia pelas lentes da guerra concorrencial global, o importante era salvar grandes CNPJs, não apenas CPFs (Martello; Gomes, 2021MARTELLO, A.; GOMES, P. Guedes diz que Estado “quebrou” e que vai ser “impossível” atender demanda crescente na saúde. G1 , São Paulo, 27 abr. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/04/27/guedes-diz-que-estado-quebrou-e-que-vai-ser-impossivel-atender-demanda-crescente-na-saude.ghtml . Acesso em: 19 out. 2021.
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
).

Por fim, um último exemplo de política do governo Bolsonaro que conciliou o neoliberalismo com a lógica da guerra ao inimigo interno foi a gestão militarizada da pobreza. Os problemas sociais se agravaram após 2014 em função da crise econômica e pandêmica, das políticas de austeridade, de precarização do trabalho e de redução de direitos sociais. Apenas para ter uma ideia, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na taxa média de desemprego foi de 13,9% em 2020; a taxa média de informalidade foi de 41,1% em 2019; o número de desalentados bateu o recorde da série histórica, chegando a 5,5 milhões de pessoas em 2020; a insegurança alimentar chegou a 59% dos domicílios brasileiros; o número de extrema pobreza aumentou em 4,5 milhões de pessoas em relação a 2014, sendo 6,5% da população em 2019.

Em paralelo ao agravamento dos problemas sociais, abandonou-se o discurso de segurança pública baseada na ideia de polícia comunitária e, logo após o fim dos megaeventos, desmontou-se parcialmente no Rio de Janeiro a política de “pacificação” via UPPs. A alegação era sua incapacidade de conter os confrontos com as facções criminosas e de estender o policiamento a toda comunidade. A partir da intervenção federal de 2018, migrou-se, sem qualquer disfarce, para o confronto militar aberto com o narcotráfico e para uma política de extermínio que bateu recordes históricos de letalidade policial em 2019, seguindo no mesmo rumo em 2020 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020a; Magalhães, 2021MAGALHÃES, A. A guerra como modo de governo em favelas do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, v. 36, n. 106, p. 2-20, 2021.). A crise da segurança pública permitiu que fosse realizada, em nome da urgência, uma série de operações policiais de violência desproporcional que naturalizou a morte e abriu caminho para o controle ampliado de territórios, populações e mercados por milícias, que superaram em 2020 as zonas sob o jugo de facções do tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro (Magalhães, 2021MAGALHÃES, A. A guerra como modo de governo em favelas do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, v. 36, n. 106, p. 2-20, 2021.; Observatório das Metrópoles; Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, 2020). Em 6 de maio de 2021, houve a operação policial mais letal da história, com 27 pessoas mortas no bairro do Jacarezinho. Nessa ocasião, o vice-presidente general Mourão afirmou que o enfrentamento nos territórios ocupados pelas “narcoguerrilhas” seria “a mesma coisa que se a gente estivesse combatendo no país inimigo” (Gullino, 2021GULLINO, D. “Tudo bandido”, diz Mourão sobre mortos em operação no Jacarezinho. O Globo , Rio de Janeiro, 7 maio 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/tudo-bandido-diz-mourao-sobre-mortos-em-operacao-no-jacarezinho-25007550 . Acesso em: 19 out. 2021.
https://oglobo.globo.com/rio/tudo-bandid...
).

O refugo dos valores democráticos no seio população e a renovação do orgulho autoritário das forças de segurança contribuíram para a adesão a uma política de guerra aberta. Constituiu-se, então, uma espécie de utopia da lógica da guerra (e distopia democrática) de suspender qualquer limite legal à violência, consolidando a exceção soberana como direito permanente das forças de repressão. É nesse contexto que se pode entender a reivindicação de “excludente de ilicitude” pelas polícias e pelas Forças Armadas, formalizada no “projeto anticrime” do então ministro da justiça Sérgio Moro e, depois, reapresentada como projeto de lei do próprio presidente da República. Na mesma linha, em 2019, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, secundado pelo ministro da economia, Paulo Guedes, e pelo ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno, sugeriu a decretação de um novo AI-5 no caso das manifestações de massa no Chile se estenderem para o Brasil, opondo-se ao governo e às reformas neoliberais. Em abril de 2020, o deputado bolsonarista major Vitor Hugo ainda tentou votar às pressas um projeto de alteração da lei antiterrorismo de modo a torná-la suficientemente ampla e vaga para incluir os movimentos sociais (Projeto de Lei nº 1.595/2019).

Ainda que parte dessas medidas não tenha logrado seguir adiante até o momento, os dispositivos militares de guerra ao inimigo interno seguem se compondo com o neoliberalismo em detrimento da democracia e de direitos e políticas sociais. O próprio Estado brasileiro encontra-se em disputa, com a construção institucional e legal derivada da Constituição de 1988 e dos governos da Nova República sendo atacada pela radicalização das reformas neoliberais conjugada com a militarização da administração pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na crise recente da Nova República, a combinação entre neoliberalismo e militarismo ganhou nova centralidade. As práticas autoritárias dos aparelhos repressores passaram das franjas para o núcleo do poder Executivo e da administração pública federal, viabilizando uma radicalização das reformas de mercado. O fortalecimento dessas duas racionalidades acarretou uma acentuada regressão da lógica democrática e social tanto no âmbito das relações cotidianas quanto no das instituições políticas.

É bem verdade que, desde a década de 1990, essa combinação já operava de maneira a conter a ação dos movimentos sociais mais combativos da redemocratização, a abrir caminho para as reformas neoliberais, a fazer uma gestão militarizada da pobreza elegendo o narcotráfico e o crime organizado como novos inimigos internos e a tornar acessível o território do ascendente mercado de baixa renda. As operações de garantia da lei e da ordem, as ações policiais e as políticas de pacificação definiram circuitos comerciais e de valorização do capital na época dos megaeventos ao mesmo tempo em que criavam estados de exceção em bairros pobres de população não branca. As políticas de pacificação promoviam como novo modelo de ordem a formalização dos mercados e a figura normativa do empreendedor de si mesmo, ainda que em geral baseada na reconfiguração do trabalho por conta própria. A lógica da guerra também fomentou mercados de armamento e de segurança privada legais e ilegais, fazendo coincidir de diferentes modos o empreendedor competitivo com o sujeito da guerra, o que se deu também pela penetração da lógica gerencial neoliberal na área de segurança pública, constituindo um modelo gerencial militarizado.

Mas, após o impeachment, algumas novidades vieram a se adicionar a este quadro. Em primeiro lugar, houve o abandono de uma política de segurança baseada no modelo distorcido e militarizado de polícia comunitária para uma política de confronto aberto com recorde de taxa de letalidade policial, tomando como alvo principalmente os jovens negros e pobres.

Segundo, houve uma ampliação da figura do inimigo interno de maneira a incluir novamente a esquerda e a figura vaga do “marxismo cultural”, seja da parte da classe média gerencial seja da parte dos setores conservadores e das forças de segurança.

Em terceiro lugar, em vez de as instituições militares passarem por uma reforma democratizante, foram elas que impuseram uma reforma ao Estado brasileiro, militarizando a administração pública. O militarismo se compôs com as reformas neoliberais não para criar um Estado mínimo, mas para desestabilizar o funcionalismo civil e abrir espaço para a entrada de oficiais ativos e inativos, criando um Estado forte em defesa dos interesses do mercado.

Em quarto lugar, se os militares haviam se aberto ao New Public Management , depois de assumirem o Estado eles introduziram o modelo de gestão militar na administração e nas políticas públicas. Com isso, aplicaram a categoria classificatória “amigo versus inimigo” ao funcionalismo, com uma política de desconfiança, controle centralizado e mesmo assédio sobre aqueles que consideravam ser possíveis inimigos ocultos. A burocracia tornou-se assim progressivamente militarizada, politizada, precarizada e dependente do atual governo.

Em quinto lugar, a lógica da soberania na sua versão da guerra cultural adentrou a formulação das políticas públicas, desconsiderando a realidade social por considerar os problemas como simples derivação da hegemonia cultural da esquerda. Essa mentalidade conspiratória “alimenta um paradoxo que prenuncia a ruína do governo”, já que “a negação de dados objetivos e a necessidade intrínseca de inventar inimigos em série não permitem um governo com um mínimo de coerência e continuidade” (Rocha, J., 2021, p. 24-25). Mais do que isso, a introdução da lógica da soberania no âmbito de formas de governamentalidade coloca o objetivo primeiro da guerra no âmbito de políticas públicas que até então se baseavam no governo calculado e econômico de fomento da vida (Davies, 2021DAVIES, W. The Revenge of Sovereignty on Government? The Release of Neoliberal Politics from Economics Post-2008. Theory, Culture & Society , Thousand Oaks, p. 1-24, Apr. 2021.). Com isso, o próprio modelo das políticas públicas, instrumento de governo da população que caracterizou todos os governos da Nova República, é colocado em xeque.

A combinação entre racionalidade econômica concorrencial e a lógica militar hierarquizada da guerra voltou-se contra os mecanismos de participação democrática da sociedade civil, contra o controle social das políticas, contra a transparência das decisões, contra os direitos e garantias e contra as políticas sociais, assaltando a igualdade política, econômica e social. Neoliberalismo e militarismo opõem-se assim aos valores, ao modo de vida e às instituições da democracia social erigida pela Constituição de 1988 e pelos governos da Nova República.

A tutela sobre a democracia se impôs tanto pelo “tribunal econômico permanente” que incide sobre as políticas públicas quanto pela politização das Forças Armadas e pela sua presença nos altos postos do governo e da máquina estatal. A combinação atual entre reformas neoliberais e militarização da administração pública cria um risco real de generalização do estado de exceção que já se aplicava a parcela considerável da população, agravando a condição de todos, inclusive dos que já eram alvo da violência estatal. Esse risco inclui a dúvida que a simples existência de um “governo militarizado” coloca sobre a aceitação da alternância do poder em caso de derrota eleitoral. Guiando-se pela lógica da guerra, os adversários políticos são concebidos como inimigos e a violência é tida como substituta da negociação na esfera pública como método de resolução de conflitos.

Igualmente preocupante é a possibilidade de essa coalizão sobreviver a Bolsonaro, perpetuando-se na máquina pública e moldando os dispositivos de governo independentemente dos próximos mandatários eleitos. Se a combinação neoliberal-militar deixar de ser um arranjo de governo para se tornar a configuração permanente do Estado e da administração pública, desmontando o pilar da democracia social que caracterizou a Nova República, uma nova fase autoritária da política brasileira se consolidará.

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  • 1
    A esse respeito, cf. Pinheiro-Machado e Scalco (2018PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. Da esperança ao ódio: Juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo. Revista IHU On-Line , São Leopoldo, 4 out. 2018. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/583354-da-esperanca-ao-odio-juventude-politica-e-pobreza-do-lulismo-ao-bolsonarismo . Acesso em: 19 out. 2021.
    http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/5...
    , 2020PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. From hope to hate: the rise of conservative subjectivity in Brazil. HAU: Journal of Ethnographic Theory , Illinois, v. 10, n. 1, p. 21-31, 2020.), Feltran (2020)FELTRAN, G. Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil (2013-). Blog Novos Estudos CEBRAP , São Paulo, 14 jun. 2020. Disponível em: http://novosestudos.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/ . Acesso em: 19 out. 2021.
    http://novosestudos.com.br/formas-elemen...
    e o artigo de Andrade, Côrtes e Almeida ([2021]).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2021
  • Aceito
    26 Set 2021
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