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DESIGUALDADES GLOBAIS: filiações teóricas e críticas radicais1 1 Artigo publicado originalmente com o título “Desigualdades globais avant la lettre: Contribuição de Immanuel Wallerstein”, na revista Socio, v. 15, p. 71-91, 2021. Agradecemos a autora e a revista pela autorização para publicá-lo em português. Nesta versão, a autora modificou o subtítulo. Tradução: Raquel Coelho. Revisão da Tradução: Manuela Boatcă.

GLOBAL INEQUALITIES: theorical affiliations and radical critiques

LES INÉGALITÉS MONDIALES: affiliations théoriques et critiques radicales

Resumos

Este artigo argumenta que a abordagem do sistema-mundo de Immanuel Wallerstein foi fundamental para revelar pontos cegos teóricos e metodológicos da Sociologia e para formular um quadro abrangente para o estudo das desigualdades globais. Ao fazê-lo, antecipou tanto a crítica ao eurocentrismo como ao nacionalismo metodológico, apresentada pelas abordagens transnacionais e pós-coloniais, e os debates sobre o aumento das desigualdades globais em várias décadas. Este artigo liga essa primazia analítica a vários fatores: à mudança metodológica da análise dos sistemas-mundo do Estado-nação para toda a economia-mundo capitalista como uma Sociologia global inicial; e à relação entre a mudança metodológica para a crítica epistemológica e seu papel na abordagem inicial de Wallerstein às desigualdades globais. Finalmente, abordo a relação entre a autodefinição da análise dos sistemas-mundo como forma de protesto contra a ciência social dominante (e não como uma teoria) e as filiações teóricas e políticas com abordagens pós-coloniais e decoloniais, para mostrar como elas contribuíram em conjunto para identificar as desigualdades globais como tema.

Desigualdades Globais; Crítica ao Eurocentrismo; Unidade de Análise; Epistemologia; Sociologia Global


This article argues that Immanuel Wallerstein’s world-system approach was instrumental in revealing sociology’s theoretical and methodological blind spots and in formulating a comprehensive framework for the study of global inequalities. In doing so, he anticipated both the critique of Eurocentrism and the methodological nationalism put forth by transnational and postcolonial approaches, as well as the debates over the increasing global inequalities by several decades. This paper traces this analytical primacy to several factors: first, the methodological shift in world-systems analysis from the nation-state to the whole capitalist world-economy as an early global sociology; second, to the relationship between the methodological shift towards an epistemological critique and its role in Wallerstein’s early approach to global inequalities. Finally, the text addresses the relationship between the self-definition of world-systems analysis as a form of protest against mainstream social science (rather than as a theory) and the theoretical and political affiliations with postcolonial and decolonial approaches, to show how they contributed together to the prominence of global inequalities as a topic.

Global Inequalities; Critique of Eurocentrism; Unit of Analysis; Epistemology; Global Sociology


Cet article soutient que l’approche du système-monde d’Immanuel Wallerstein a contribué à révéler les angles morts théoriques et méthodologiques de la sociologie et à formuler un cadre global pour l’étude des inégalités mondiales. Ce faisant, il a anticipé de plusieurs décennies à la fois la critique de l’eurocentrisme et du nationalisme méthodologique avancée par les approches transnationales et postcoloniales, et les débats sur la montée des inégalités mondiales. Cet article relie cette primauté analytique à plusieurs facteurs : premièrement, au changement méthodologique de l’analyse des systèmes mondiaux de l’État-nation à l’ensemble de l’économie mondiale capitaliste, en tant que sociologie mondiale précoce ; deuxièmement, la relation entre l’évolution méthodologique vers la critique épistémologique et son rôle dans l’approche précoce de Wallerstein sur les inégalités mondiales. Enfin, le texte aborde la relation entre l’auto-définition de l’analyse des systèmes-monde comme une forme de protestation contre le courant dominant des sciences sociales (plutôt que comme une théorie) et les affiliations théoriques et politiques avec les approches postcoloniales et décoloniales, pour montrer comment elles ont contribué ensemble à la proéminence des inégalités mondiales en tant que sujet.

Inégalités Mondiales; Critique de l’Eurocentrisme; Unité d’analyse; Épistémologie; Sociologie globale


1 1 Artigo publicado originalmente com o título “Desigualdades globais avant la lettre: Contribuição de Immanuel Wallerstein”, na revista Socio, v. 15, p. 71-91, 2021. Agradecemos a autora e a revista pela autorização para publicá-lo em português. Nesta versão, a autora modificou o subtítulo. Tradução: Raquel Coelho. Revisão da Tradução: Manuela Boatcă. Como tema de pesquisa, as desigualdades globais só apareceram nos principais debates acadêmicos a partir do início do século XXI. No princípio, esses debates giravam basicamente em torno dos estudos do Banco Mundial que avaliavam a relação entre desigualdade e crescimento econômico nas décadas anteriores. Se concluíam que “o crescimento é bom para os pobres” (Dollar; Kraay, 2002DOLLAR, D.; KRAAY, A. Growth is good for the poor. Journal of Economic Growth, New York, v. 7, n. 3, p. 195-225, 2002.) ou que “a desigualdade é ruim para os pobres” (Ravallion, 2005RAVALLION, M. Inequality is bad for the poor. Washington, DC: The World Bank, 2005.), eles focalizavam primordialmente na pobreza como fator decisivo para os países pobres e aquela que precisava ser abordada primeiro. O Banco Mundial inicialmente argumentou que as rendas médias entre os países estavam convergindo e que as desigualdades globais estavam diminuindo. Logo, essas reivindicações foram ofuscadas pela crescente evidência de um aumento acentuado na proporção da renda entre os indivíduos mais ricos e os mais pobres do mundo, juntamente com mais dados sobre as crescentes desigualdades dentro das duas maiores economias de mais rápido crescimento, a China e a Índia. Quando Thomas Piketty publicou O capital no século XXI (2013) e a Oxfam (2015) relatou pela primeira vez que o 1% mais rico agora possuía mais riqueza do que o resto do planeta, as desigualdades globais tinham se estabelecido firmemente como tópico de pesquisa e foco de atenção da mídia. No entanto, àquela altura, as Análises dos sistemas-mundo já haviam tratado das desigualdades globais por mais de quarenta anos – usando uma terminologia mais complexa e diferenciada e uma perspectiva histórica mais abrangente, antecipando muitos dos argumentos recentes e até mesmo prevendo várias trajetórias dos países por um longo prazo.

Por que, então, as Ciências Sociais em geral e a Sociologia em particular precisaram reinventar a roda das desigualdades globais no século XXI? Este artigo aponta algumas das contribuições para o estudo das desigualdades globais em que a abordagem de Immanuel Wallerstein torna possível enfrentar esse aparente paradoxo. Argumentamos que a abordagem dos sistemas-mundo concebe as desigualdades globais não apenas em termos econômicos, mas também políticos, culturais e epistêmicos, enquanto critica 1) a própria separação destas esferas como artificiais e 2) a resultante divisão acadêmica do trabalho entre disciplinas especializadas em cada uma dessas esferas como reflexo das desigualdades globais de produção de conhecimento. Essa conceitualização foi fundamental para revelar os pontos cegos teóricos e metodológicos da Sociologia e formular uma estrutura abrangente para o estudo das desigualdades globais. No entanto a implementação da segunda – a estrutura analítica – exigiu um reconhecimento da primeira – os pontos cegos teóricos e metodológicos da Sociologia. Consequentemente, antes que as desigualdades globais pudessem se tornar um tópico proeminente das Ciências Sociais, duas condições tinham que ser cumpridas. Primeiro, as desigualdades globais tinham que afetar o centro do sistema-mundo, e não somente a periferia (“os pobres”) ou a estrutura centro-periferia como um todo; segundo, uma crítica mais radical do eurocentrismo característico da maioria das Ciências Sociais, a qual Wallerstein havia formulado tanto em seu apelo para Impensar a ciência social (Wallerstein, 1991bWALLERSTEIN, I. Introduction: Why unthink? In: WALLERSTEIN, I. (ed.). Unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991b. p. 1-4.) quanto coletivamente no relatório da Comissão Gulbenkian intitulado Para abrir as ciências sociais (1996), tinha que adquirir ampla legitimidade e visibilidade dentro da Sociologia. Ambas as condições começaram a ser cumpridas nos anos 1980, quando as desigualdades de renda nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha começaram a registrar um aumento sem precedentes e a crítica ao eurocentrismo assumiu papel central nas discussões pós-coloniais e decoloniais.

Com base nesses argumentos, o artigo analisa o impacto duradouro da divisão intelectual do trabalho do século XIX na análise sociológica das desigualdades e aponta para algumas de suas primeiras formulações. Ele se divide em quatro etapas: primeiro, discute a mudança metodológica da análise dos sistemas-mundo desde o Estado-nação à toda economia-mundo capitalista em termos de uma Sociologia global. Segundo, aborda a mudança de foco de membros típicos-ideais de classes capitalistas, como burgueses e proletários, para posições em processos de formação de classes globais, como a burguesização e o domicílio. Em seguida, relaciona essa mudança metodológica com a crítica epistemológica, a qual se tornou globalmente proeminente nos anos 1990 e destaca o papel desempenhado por ambas na abordagem inicial de Wallerstein às desigualdades globais. Finalmente, aborda a relação entre a autodefinição da análise dos sistemas-mundo como forma de protesto contra as Ciências Sociais convencionais (e não como uma teoria), e as filiações teóricas e políticas com abordagens pós-coloniais e decoloniais que contribuíram em grande medida para a proeminência das desigualdades globais enquanto tópico.

A MUDANÇA METODOLÓGICA: A UNIDADE DE ANÁLISE DE UMA SOCIOLOGIA GLOBAL

Ao contrário de como é retratada nos debates atuais – e contra a opinião de muitos de seus críticos – a análise dos sistemas-mundo nunca entendeu as desigualdades globais como de natureza meramente econômica. Em um ensaio biográfico publicado em 1988, Walter Goldfrank descreveu a análise de Immanuel Wallerstein sobre o moderno sistema-mundo como

juntando à uma sensibilidade informada pelo radicalismo do ‘Terceiro Mundo’, três grandes tradições da ciência social ocidental, todas elas manifestadas em oposição à variante dominante do liberalismo e positivismo anglo-americano. Estas tradições são a economia histórica alemã, a escola dos Annales francesa e o marxismo (Goldfrank, 1988GOLDFRANK, W. The intellectual background of Immanuel Wallerstein and his world system. Modern Praxis, [s. l.], p. 206-222, 1988., p. 216).

De fato, a discordância com o entendimento marxista de acumulação primitiva em escala mundial havia levado primeiramente tanto os teóricos da dependência quanto os analistas dos sistemas-mundo a uma reconceitualização do desenvolvimento desigual em nível global. Para os dependentistas, o capitalismo representava uma relação de poder assimétrica estruturada em torno do Ocidente desenvolvido e industrializado, que constituía o centro do sistema, e o Terceiro Mundo agrícola subdesenvolvido, explorado economicamente, pelo centro e constituindo a periferia do sistema (Cardoso; Faletto, 1969CARDOSO, F. H.; VERNE, E. F. Dependencia y desarrollo en América Latina: ensayo de interpretación sociológica. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1969.). O ponto de partida dos teóricos da dependência foi o fato de que a divisão internacional do trabalho estabelecida desde a expansão colonial européia no século XVI havia gradualmente reorganizado as economias das colônias de acordo com as necessidades dos centros coloniais europeus (por exemplo, a extração de matérias-primas em troca de bens industriais). Nesse sentido, André Gunder Frank descreveu o processo que ativa e sistematicamente provocou o atraso na periferia como o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Frank, 1966FRANK, A.G. The development of underdevelopment. Monthly Review, [s. l.], v. 18, n. 4, p. 17-31, 1966.). Em sua opinião, desenvolvimento e subdesenvolvimento não eram “estágios” diferentes em um continuum, mas, como centro e periferia, noções relacionais coexistindo no tempo e que se reforçam mutuamente. Consequentemente, o subdesenvolvimento da América Latina não era uma questão do caráter “semifeudal” ou “pré-capitalista” da região, mas um resultado de sua incorporação ao sistema capitalista como área produtora de matéria-prima desde a época colonial (Frank, 1967FRANK, A.G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. New York: [s. n.], 1967.). Os teóricos da dependência substituíram a noção predominante de que existem diferentes sistemas capitalistas (cujos limites correspondem a Estados-nação específicos) pela de um único sistema mundial capitalista caracterizado pela apropriação da mais-valia por meio de uma vasta gama de processos de produção, dos quais apenas um é o trabalho assalariado (Frank, 1967FRANK, A.G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. New York: [s. n.], 1967.).

Apesar do escopo global de suas análises, a maioria dos teóricos da dependência ainda favoreciam soluções nacionais. Argumentavam que o desenvolvimento autônomo em nível nacional era possível se o crescimento econômico fosse induzido externamente, por meio da atração de investimentos estrangeiros e da redução do consumo interno e do bem-estar social (Cardoso; Faletto, 1979CARDOSO, F. H.; VERNE, E. F. Dependency and Development in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1979.) ou se fosse precedido por uma revolução como a de Cuba (Frank, 1966FRANK, A.G. The development of underdevelopment. Monthly Review, [s. l.], v. 18, n. 4, p. 17-31, 1966.). Baseando-se em parte na teoria da dependência e em particular na noção de Frank sobre “desenvolvimento do subdesenvolvimento” ao analisar as estruturas econômicas dos Estados periféricos,2 2 “No debate sobre ‘feudalismo’, tomamos como ponto de partida o conceito de Frank de ‘desenvolvimento do subdesenvolvimento’, ou seja, a visão de que as estruturas econômicas dos países subdesenvolvidos contemporâneos não é a forma que uma sociedade ‘tradicional’ assume no contato com sociedades ‘desenvolvidas’, não é um estágio anterior na ‘transição’ para a industrialização. É, ao contrário, o resultado de estar envolvida nesta economia-mundo como uma área periférica, produtora de matéria prima, […] o produto necessário de quatro séculos do próprio capitalismo” (Wallerstein, 2000d, p. 79). Immanuel Wallerstein sustentou, por sua vez, que a transformação de uma economia-mundo capitalista com base no subdesenvolvimento das periferias (e semiperiferias) para o benefício do centro só poderia ocorrer em nível sistêmico – em outras palavras, como transformação global:

a obtenção de poder dentro de um Estado soberano que está restringido por um sistema interestatal baseado em uma divisão do trabalho ativa não significou […] a capacidade de abandonar a economia-mundo capitalista. Significou, ao contrário, a limitada realocação do excedente mundial […] sem necessariamente minar o sistema como tal (Wallerstein, 1991cWALLERSTEIN, I. Marx and underdevelopment, in unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991c., p. 166).

Tampouco devemos nos preocupar com os atuais Estados soberanos e seus “graus” de capitalismo, advertiu Wallerstein, porque “o capitalismo foi desde o início uma questão da economia-mundo e não dos Estados-nação. É uma leitura errada da situação afirmar que foi somente no século XX que o capitalismo se tornou ‘mundial’” (Wallerstein, 2000d, p. 87).

Assim, numa perspectiva de sistemas-mundo, as teorias de mudança social deveriam lidar com o “longo tempo histórico” ou a longue durée, um conceito que Wallerstein havia adotado de Fernand Braudel e da escola francesa dos Annales. Uma teoria do capitalismo que explicasse o desenvolvimento do subdesenvolvimento na periferia, bem como as estruturas de desigualdade global que ele gerou, teria, portanto, que incorporar não apenas o trabalho assalariado, mas também o trabalho escravo e a servidão, o trabalho doméstico e outros tipos de trabalho de subsistência em sua conceitualização, em vez de declará-los anomalias ao padrão ocidental de desenvolvimento industrial, por um lado, e proletarização, por outro. A grande variedade de fenômenos que a teoria marxista ortodoxa havia transformado em anomalias ou remanescentes “feudais” em um mundo industrializado, consequentemente, tornou-se ponto de acesso para a reconceitualização tanto do capitalismo global quanto da desigualdade global. Ao observar que o papel-chave que o marxismo atribuía aos proletários industriais urbanos significou minimizar a própria existência de camponeses, minorias, mulheres e toda a zona periférica como consequência, de tal forma que “[...] nove décimos do mundo se tornaram ‘problemas’, ‘anomalias’, ‘sobreviventes’” (Wallerstein, 1991cWALLERSTEIN, I. Marx and underdevelopment, in unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991c., p. 160). Immanuel Wallerstein foi um dos primeiros autores a apontar que as correções necessárias tinham que ser de natureza metodológica.

Consequentemente, ele defendeu a substituição do termo “sociedade” por “sistema histórico”, o qual carece tanto de conotações que o associem a Estados quanto indica a unidade da ciência social histórica, por ser tanto sistêmico quanto histórico. Dessa forma, a unidade de análise dos padrões de desenvolvimento capitalista e dos processos de formação de classes não é o Estado-nação ou qualquer outra unidade político-cultural, mas o sistema histórico correspondente à economia-mundo capitalista. Ao contrário de sistemas históricos com uma única divisão de trabalho ligando várias áreas por meio do intercâmbio econômico e com uma estrutura política comum, tal como os impérios-mundo, uma economia-mundo não está politicamente unificada. Assim, seu excedente acumulado só pode ser redistribuído de forma desigual por meio do mercado – principalmente em prol daqueles capazes de alcançar um monopólio temporário. O modo de produção de uma economia-mundo é, portanto, necessariamente capitalista, e as desigualdades estruturais são as características que a definem. Dessa forma, a economia-mundo capitalista que surgiu pela expansão colonial da Europa a partir do século XVI está

baseada numa divisão de trabalho entre seu centro, sua semiperiferia e sua periferia de tal forma em que há uma troca desigual entre os setores, bem como uma dependência de todos os setores, tanto econômica quanto politicamente, para a continuidade dessa troca desigual. Uma das muitas conseqüências deste sistema se encontra na estrutura do Estado, com os Estados periféricos sendo enfraquecidos e os Estados centrais fortalecidos por esse processo contínuo de intercâmbio. Uma segunda conseqüência é que cada setor desenvolve diferentes modos de controle do trabalho, condizentes com o princípio de que os salários relativos mais altos são pagos nos setores centrais e os salários relativos mais baixos na periferia (Wallerstein, 2000a, p. 56).

Em uma economia-mundo capitalista baseada em trocas desiguais e em uma divisão desigual do trabalho, o trabalho livre tenderá a se concentrar no centro e o trabalho coercivo, na periferia. Considerar o trabalho livre como a característica definidora de um modo de produção capitalista, Wallerstein advertiu, é uma generalização indevida da análise de Marx sobre o caso inglês e, portanto, um entrave metodológico:

A situação dos trabalhadores livres que trabalham por salários nas empresas de produtores livres é uma situação minoritária no mundo moderno. Isto é certamente verdade se nossa unidade de análise for a economia mundial. É provavelmente verdade, ou em grande parte verdade, mesmo que realizemos a análise no âmbito de Estados individuais altamente industrializados no século XX. Quando uma “norma” deduzida se revela não ser a norma estatística, ou seja, quando a situação abunda com exceções (anomalias, resíduos), então devemos nos perguntar se a definição da norma serve a alguma função útil (Wallerstein, 2000fWALLERSTEIN, I. World-systems analysis. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000f. p. 129-148., p. 142).

A mudança na unidade de análise de determinados Estados-nação para o nível de toda a economia-mundo tornou possível ver com precisão a mistura de formas livres e não livres de controle do trabalho, em vez de apenas trabalho livre, como o definidor de um sistema capitalista estruturalmente desigual: trabalho livre para trabalho especializado em áreas centrais, trabalho coercivo para trabalho menos especializado em áreas periféricas (Wallerstein, 1974WALLERSTEIN, I. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. New York: Academic Press, 1974. V. I., p. 127). Assim, surgiu na economia-mundo capitalista, com o estabelecimento das colônias ultramarinas da Europa no século XVI, a escravidão, o trabalho servil,3 3 O termo de Wallerstein para a variante moderna da servidão, que, pela própria razão de fazer parte do modo de produção capitalista, era essencialmente diferente de sua forma feudal européia, era “trabalho coersivo em produções mercantis” (Wallerstein, 1974, p. 110). a parceria agrícola e o arrendamento, os quais eram modos alternativos de controle do trabalho capitalista que empregavam a força de trabalho como uma mercadoria. Entendidas como expressões de várias relações de produção dentro de um sistema capitalista global, anomalias como proprietários de plantações capitalistas ou escravos tornaram-se “não exceções a serem explicadas, mas padrões a serem analisados” (Wallerstein, 2000fWALLERSTEIN, I. World-systems analysis. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000f. p. 129-148., p. 143).

DOS ATORES AOS PROCESSOS: A UNIDADE DE ANÁLISE DA FORMAÇÃO DE CLASSE GLOBAL

Ao mesmo tempo, entender o capitalismo como modo de produção de todo o sistema-mundo significava que seus principais atores não mais coincidiam com os membros típicos e ideais das classes capitalistas dos países industrializados centrais, os burgueses e os proletários; nem eram os processos correspondentes – da revolução burguesa à industrialização e à proletarização – uma descrição adequada da realidade.

Tanto nas teorias marxistas quanto nas teorias liberais da história, o papel de toda burguesia, independentemente de seu contexto geo-histórico de surgimento, correspondia ao papel que deveria ter desempenhado na Grã-Bretanha do século XIX, ou seja, derrubar a aristocracia, tomar o poder estatal e industrializar o país. Fenômenos supostamente atípicos como a “aristocratização da burguesia” na Europa do século XVI ao XVIII, “a traição da burguesia” em contextos não europeus no século XX, ou as “burguesias administrativas” na África pós-descolonização não haviam abalado as suposições desenvolvimentistas inerentes a esta conceituação, mas haviam sido tratadas como anomalias adicionais. A mudança de foco da noção reificada da burguesia como “essência não examinada” (Wallerstein, 2000cWALLERSTEIN, I. The Bourgeoisie as concept and reality. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press: 2000c. p. 324-343., p. 334) para o aburguesamento (bourgeoisification) como um processo histórico de todo o sistema-mundo revelou dois padrões globais de outro modo obscurecidos: por um lado, que houve mais casos históricos da ascensão econômica e política das “classes médias” que não se conformaram ao modelo britânico do que casos em que se conformaram; por outro, que, durante a história do sistema capitalista, também houve cada vez menos possibilidades de as burguesias se tornarem aristocráticas transformando o lucro capitalista em renda e, portanto, menos controle real sobre os meios de produção do que no caso da burguesia clássica. O aumento da burguesia foi “o fim da possibilidade de aristocratização” (Wallerstein, 2000cWALLERSTEIN, I. The Bourgeoisie as concept and reality. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press: 2000c. p. 324-343., p. 340), ou da oportunidade de transformar o lucro em monopólio. Nesse processo, a tendência geral tinha sido, portanto, o surgimento de burguesias cada vez mais administrativas ou assalariadas, elas próprias vivendo de salários. Na opinião de Wallerstein, isso havia sido o resultado da concentração do capital em cada vez menos mãos ao longo dos quinhentos anos de história do sistema – não o desenvolvimento súbito e sem precedentes que estimularia debates na mídia tradicional e na ciência social sobre as desigualdades globais décadas mais tarde.

Ao longo do tempo […] o capital tendeu a se concentrar. […] Estruturas empresariais tornaram-se gradualmente maiores e envolveram a separação de propriedade e controle e, portanto, o surgimento de novas classes médias. Onde as “empresas” são de fato estatais e não nominalmente privadas, como tende a ser o caso em Estados mais fracos em zonas periféricas e especialmente semiperiféricas, as novas classes médias tomam a forma, em grande parte, de uma “burguesia administrativa” (Wallerstein, 2000cWALLERSTEIN, I. The Bourgeoisie as concept and reality. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press: 2000c. p. 324-343., p. 340).

Vistos pela longue durée, a proletarização e o aburguesamento são, portanto, processos surpreendentemente análogos, ambos envolvendo a transformação de atores sociais como indivíduos que controlam os meios de produção e vivem dos recursos acumulados no passado – terra ou máquinas no caso dos camponeses e artesãos, rentismo no caso da aristocracia – por atores sociais que não controlam nem o capital nem os meios de produção e dependem de rendimentos atuais.

Ao destacar o fenômeno do aburguesamento, os analistas dos sistemas-mundo descartaram a proletarização como a tendência dominante e, consequentemente, como a principal instância de formação de classes no atual sistema capitalista. Isso, por sua vez, exigiu uma segunda mudança metodológica. A centralidade do trabalho livre na definição do capitalismo também tinha implicado uma diferenciação das atividades econômicas em termos do grau de sua produtividade. Assim, formas produtivas como o trabalho industrial haviam sido frequentemente vistas como mais compatíveis com um modo de produção capitalista do que formas de trabalho consideradas menos ou não produtivas. A “enorme e muito útil lacuna na definição do capitalismo” (Wallerstein, 2000fWALLERSTEIN, I. World-systems analysis. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000f. p. 129-148., p. 142) relegou, assim, o trabalho doméstico e outros tipos de atividades de subsistência a arranjos de trabalho pré ou não capitalista, respectivamente.

Essa questão envolveu tanto reconceitualização teórica quanto consequências metodológicas. Como alternativa para medir a posição do indivíduo na estrutura de desigualdade de uma sociedade, os teóricos britânicos haviam proposto, no início dos anos 1980, que os padrões de estratificação social da população total deveriam derivar da posição socioeconômica do provedor masculino, supostamente o recebedor de um salário familiar. O debate subsequente sobre gênero e classe centrou-se em torno de argumentos a favor e contra considerar a posição da mulher no mercado de trabalho ao medir a posição de classe de uma família tomando o domicílio como unidade de análise (Britten; Heath, 1983BRITTEN, N.; HEATH, A. Women, men and social class. Gender,Class and Work, [s. l.], v. 241, p. 46-60, 1983.; Goldthorpe, 1983GOLDTHORPE, J. H. Women and class analysis: in defense of the conventional view. Sociology, [s. l.], v. 17, p. 465-488, 1983.). Contra ambos os lados na discussão, Wallerstein e Smith argumentaram que, embora a unidade de análise da incorporação das pessoas na força de trabalho fosse de fato o domicílio, não o indivíduo, o conceito não deveria ser confundido com o da família nuclear, assalariada (Wallerstein; Smith, 1992WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. Households as an Institution of the World-Economy. In: WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. (ed.). Creating and transforming households: the constraints of the world-economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 3-23.). Este último não apenas reforçaria a falsa premissa de que o capitalismo implicava uma transição de famílias tradicionais de subsistência para as nucleares, assalariadas, como também promoveria uma visão trans-histórica da família como instituição. Para os teóricos dos sistemas-mundo, as famílias não eram estruturas primordiais e trans-históricas, mas instituições essenciais da economia-mundo capitalista, apoiando-se para tal em cinco fontes distintas de renda – em que apenas uma delas era o trabalho assalariado. As vendas no mercado de produtos caseiros (isto é, lucro pela produção de pequenas mercadorias), retornos de juros, dividendos e pagamentos de locação, transferência estatal ou privada de benefícios sociais e de seguros ou doações substanciais de parentes, bem como trabalho de subsistência (da produção de alimentos à fabricação e serviços de manutenção próprios) foram estratégias adicionais para derivar ou complementar sistematicamente a renda familiar anual, todas as quais complementam os ganhos salariais para a maioria das famílias na economia-mundo atual (Wallerstein; Smith, 1992WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. Households as an Institution of the World-Economy. In: WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. (ed.). Creating and transforming households: the constraints of the world-economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 3-23.).4 4 Em trabalhos anteriores sobre assalariados urbanos no Sudeste Asiático e nas favelas brasileiras, sociólogos alemães de desenvolvimento chegaram a conclusões semelhantes no que diz respeito às transferências pelo setor de subsistência, as quais complementavam regularmente os baixos salários (Elwertl et al., 1983; Evers, 1981). No entanto eles não tinham visto o trabalho de subsistência e as transferências privadas como duas fontes diferentes de renda, mas tinham agrupado ambos sob subsistência e os contraposto à renda monetária, sob a qual tanto o trabalho assalariado como a produção de pequenas mercadorias eram englobados. Sua tipologia resultante ilustrou, portanto, os diferentes graus nos quais as famílias combinavam as duas estratégias econômicas aparentemente contraditórias, em vez de observar a própria gama de estratégias como característica das famílias capitalistas em geral.

Essa mudança metodológica que passa do indivíduo para o conjunto da renda familiar como unidade de análise tanto para a participação no mercado de trabalho quanto para o pertenecimento de classe ajudou a conceituar como householding os múltiplos processos que asseguraram sua reprodução dentro dessas unidades (Wallerstein; Smith, 1992WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. Households as an Institution of the World-Economy. In: WALLERSTEIN, I.; SMITH, J. (ed.). Creating and transforming households: the constraints of the world-economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 3-23.). As implicações teóricas foram substanciais: por um lado, ao considerar o trabalho de subsistência como parte integrante dos processos de householding sob o capitalismo, os analistas de sistemas-mundo concordaram com teóricos alemães de subsistência, como Maria Mies, de que o trabalho doméstico como atividade econômica de gênero específico era um produto do desenvolvimento capitalista, não o vestígio de um passado pré-capitalista. Por outro lado, mostrando como as relações e processos aparentemente “não capitalistas”, como o trabalho de curto prazo e sazonal ou economias informais, tanto no centro quanto na periferia, eram responsáveis por uma oferta substancial da força de trabalho mundial, se desfez o elo aceito até então entre o trabalho assalariado e a brancura (racial e étnica). Wallerstein (2000f)WALLERSTEIN, I. World-systems analysis. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000f. p. 129-148. argumentou, assim, que certas combinações de fontes de renda familiar só se tornaram possíveis por meio da etnização da força de trabalho dentro dos limites de um determinado Estado (Wallerstein, 2000 [1987]). A dimensão da releitura do capitalismo mundial e das relações de desigualdade global possibilitada pela teoria por trás da noção de etnização da força de trabalho se tornaria mais clara no trabalho posterior sobre a colonialidade nas Américas, bem como sobre a desigualdade propriamente dita (Quijano; Wallerstein, 1992QUIJANO, A.; WALLERSTEIN, I. Americanity as a concept, or the Americas in the modern world-system. International Social Science Journal, [s. l.], v. 44, n. 4, p. 549-557, 1992.; Wallerstein, 1996WALLERSTEIN, I. Open the social sciences. Items – Social Science Research Council, New York, v. 50, n. 1, p. 1-7, 1996.).

Em resumo, a mudança analítica do Estado-nação para o sistema-mundo revelou que as tendências de polarização capitalista ocorreram entre o centro da economia-mundo e sua periferia, e não entre burguesias e proletários nacionais. A mudança correspondente no estudo das estruturas de desigualdade do indivíduo para a família significou que as combinações existentes de formas de renda entre as famílias da classe trabalhadora se correlacionaram com as estruturas do centro ou da periferia de forma a refletir a polarização no nível de toda a economia-mundo.5 5 Wallerstein e Smith explicam também como as mudanças nos padrões familiares se correlacionam com as fases de expansão/estagnação da economia-mundo capitalista (ondas de Kondratieff), tratadas em detalhe nos trabalhos anteriores de Wallerstein (Wallerstein, 1974, 1979). Embora seja pelo menos tão importante para o funcionamento familiar quanto a estrutura centro-semi-periferia-periferia do sistema, a questão vai além do surgimento de padrões de desigualdade aqui abordados e, portanto, não é explicitamente abordada. Assim, as desigualdades sob o capitalismo eram inexplicáveis sem uma perspectiva histórico-mundial, pois elas eram globais desde o surgimento do moderno sistema-mundo.

CRÍTICA EPISTEMOLÓGICA: DESIGUALDADES GLOBAIS DE (RE)PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

Nem a mudança metodológica para a economia-mundo como unidade de análise, nem a perspectiva global e histórica da polarização socioeconômica se tornaram prática sociológica comum décadas após a formulação inicial de Wallerstein (e, fora de um círculo relativamente pequeno de cientistas sociais, ainda não são prática comum). Já em 1989, quando a alegação do Banco Mundial de que a globalização reduz a desigualdade entre países era ainda dominante, Wallerstein (2000bWALLERSTEIN, I. 1968, Revolution in the world-system: theses and queries. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000b. p. 355-373., p. 281) observou que

a economia-mundo capitalista não tem apenas uma distribuição desigual de recompensa. É o local de uma crescente polarização da recompensa ao longo do tempo histórico. Aqui, porém, existe uma assimetria entre a situação no nível da economia-mundo como um todo e a situação no nível dos Estados soberanos separados que compõem o sistema interestatal. Enquanto que no nível do sistema-mundo, parece claro que a diferença de renda entre os Estados no topo e na base da hierarquia cresceu, e cresceu consideravelmente com o tempo, isto não se faz necessariamente verdade dentro de cada estrutura estatal

Contrariando o discurso dominante que afirmava que “as desigualdades de recompensa têm diminuído com o tempo” ou que elas “são fenômenos transitórios e temporários no caminho para um futuro mais próspero e mais igualitário” (Wallerstein, 2000bWALLERSTEIN, I. 1968, Revolution in the world-system: theses and queries. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000b. p. 355-373., p. 281), Wallerstein vinculou necessariamente a mudança metodológica a uma crítica epistemológica igualmente abrangente.

Seu ponto de partida foi a crítica da ideologia universalista e seu lado oculto particularista. Em contraste com a visão estática da sociedade que prevaleceu até o final do século XVIII, Wallerstein argumentou que a Revolução Francesa conseguiu impor a noção nova de que mudança política era normal. Ao fazer isso, ela se mostrou muito mais bem-sucedida do que a Revolução Inglesa ou a Reforma e Contra-Reforma antes dela, as quais, em termos globais, tiveram impacto local bastante limitado. A transformação cultural fundamental desencadeada pela Revolução Francesa reverberou em toda a economia-mundo capitalista, na revolução dos escravizados no Haiti, nos movimentos (fracassados) de independência da Irlanda e do Egito contra a Inglaterra e o Império Otomano, respectivamente, bem como na primeira onda de descolonização nas Américas (Wallerstein, 1991cWALLERSTEIN, I. Marx and underdevelopment, in unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991c., p. 13ss.). Dessa forma, colocar em prática a normalidade da mudança – como se supunha que fosse verdade para os países centrais – foi retratado como “a crescente homogeneização do mundo, na qual a harmonia emergeria do desaparecimento da diferença real” (Wallerstein, 1991cWALLERSTEIN, I. Marx and underdevelopment, in unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991c., p. 22). Assim, Wallerstein observou, a ideologia universalista que promoveu liberdade, igualdade e fraternidade para todos os cidadãos evoluiu no século XIX ao lado do racismo e sexismo responsáveis pela restrição dos mesmos direitos tanto para os não cidadãos quanto para aqueles considerados menos desenvolvidos, modernos ou civilizados do que a norma. Embora extrapolar a partir das realidades sociais dos países centrais seja o truque mais comum da ideologia universalista, argumentou Wallerstein, é o engajamento em medidas nacionais e não globais que produz o que ele chamou de “duplo engano”:

Antes de mais nada, em um sistema-mundo desigual e polarizador, há uma dispersão geográfica. Portanto, é perfeitamente possível que a renda real, medida pelo PNB per capita, aumente em alguns países enquanto abaixe em outros e no sistema como um todo. Mas como os países nos quais o crescimento ocorre são também os mais estudados, observados e medidos, é fácil entender como as generalizações, fáceis mas falsas, se estabelecem. Além disso […], elas não medem adequadamente o componente não-cidadão da população (muitas vezes residentes ilegais). E como este é o componente mais pobre, o viés é evidente (Wallerstein, 2000bWALLERSTEIN, I. 1968, Revolution in the world-system: theses and queries. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000b. p. 355-373., p. 282, grifo nosso).

O estudo científico social convencional das desigualdades de renda refletiu, portanto, clivagens epistemológicas mais profundas do sistema global de conhecimento. Assim como a ideologia universalista, argumentou Wallerstein, a ciência social do establishment foi um produto do pensamento liberal eurocêntrico e da correspondente ruptura entre ciência e filosofia que teve origem no final do século XVIII e repercutiu até hoje. Entre 1994 e 1995, Wallerstein presidiu a Comissão Gulbenkian sobre a Reestruturação das Ciências Sociais, que pesquisou a trajetória histórica e o estado atual das ciências sociais a fim de superar o que era considerado um obstáculo desmesurado ao desenvolvimento intelectual e indicar possibilidades para sua futura reestruturação.

O relatório de trabalho da comissão, publicado em 1996 e traduzido para 25 idiomas quase imediatamente, argumentava que a divisão intelectual do trabalho estabelecida entre as ciências sociais no século XIX refletia uma geopolítica correspondente de produção e reprodução do conhecimento com respeito a diferentes posições nas estruturas globais de poder econômico, político e militar. No resumo das conclusões da comissão, apresentado no Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais após a publicação do relatório, Wallerstein enfatizou a distribuição geopolítica de bolsas de estudo. Ele observou que, de 1850 a 1914 e, provavelmente, 1945, a maior parte das bolsas de estudo tinham origem em – e eram acerca de – cinco países:

a França, a Grã-Bretanha, as Alemanhas, as Itálias e os Estados Unidos. Há um punhado de outros países, mas basicamente não só a bolsa de estudos vem destes cinco países, como também a maior parte das bolsas para a maioria dos estudiosos diz respeito a seu próprio país. Portanto, a maior parte das bolsas de estudos é sobre estes cinco países. Isto é em parte pragmático, em parte pressão social e em parte ideológico: estes são os países importantes, isto é o que importa, isto é o que devemos estudar para aprender como o mundo funciona (Wallerstein, 1996WALLERSTEIN, I. Open the social sciences. Items – Social Science Research Council, New York, v. 50, n. 1, p. 1-7, 1996., p. 3).

Esse estreito núcleo ocidental tornou-se, lentamente, o domínio legítimo de sociólogos, cientistas políticos e economistas. Em termos de campos de estudo, o resto do mundo foi relegado à Antropologia ou a Estudos Orientais - as disciplinas destinadas a explicar por que os países não ocidentais não eram ou não podiam se tornar modernos. Após 1945, o “não ocidental” tornou-se objeto de estudo da nova disciplina de estudos de área (area studies), que por sua vez enfraqueceu as fronteiras disciplinares tradicionais ao ponto de produzir, nas palavras de Wallerstein, um “estado de anomia profissional” (Wallerstein, 1995, p. 180).

Críticas semelhantes à divisão intelectual do trabalho logo se seguiram, juntamente com críticas ao cânone sociológico, que estava sendo cada vez mais confrontado com acusações de eurocentrismo e apelos para a decolonização (Connell, 1997CONNELL, R. W. Why Is classical theory classical? American Journal of Sociology, Chicago, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997.; Gutierrez Rrodriguez; Boatcă; Costa, 2010; Randeria, 1999RANDERIA, S. Jenseits von Soziologie und soziokultureller Anthropologie: Zur Ortsbestimmung der nichtwestlichen Welt in einer zukünftigen Sozialtheorie. Soziale Welt, [s. l.], v. 50, p. 373-382, 1999.). Hoje, trabalhos que desafiam o suposto universalismo da teoria e métodos derivados de contextos ocidentais e, por sua vez, exploram colaborações de pesquisa Sul-Sul e contribuições do Sul estão firmemente estabelecidos na Sociologia crítica e na Antropologia (Connell, 2007CONNELL, R. W. Southern theory: the global dynamics of knowledge in the social science. Crows Nest: Allen and Unwin, 2007.; Keim et al., 2014KEIM, W. et al. (ed.). Global knowledge production in the social sciences: made in circulation. Farnham: Ashgate, 2014; Patel, 2010PATEL, S. The ISA handbook of diverse sociological traditions. London: Sage, 2010.). Ao mesmo tempo, historicizar nossa compreensão sociológica de como as desigualdades sob o capitalismo nasceram globais ainda é uma tarefa pendente. Para a Sociologia como disciplina da modernidade ocidental, reivindicar relevância universal exigia eliminar da elaboração de suas categorias de análise as circunstâncias históricas particulares da expansão colonial européia nas Américas, da conquista colonial e imperial do mundo não europeu, bem como do impacto do trabalho escravo nas plantações coloniais no desenvolvimento das sociedades ocidentais. A fundamentação dos campos centrais da teoria e da pesquisa nas premissas epistemológicas do contexto europeu ocidental produziu, sistematicamente, pontos cegos metodológicos e geopolíticos duradouros que a análise do sistema-mundo ainda ajuda a iluminar (Boatcă, 2015BOATCĂ, M. Global Inequalities Beyond Occidentalism. Farnham: Ashgate, 2015.).

OBSERVAÇÕES FINAIS: SOCIOLOGIA GLOBAL AVANT LA LETTRE

A formulação de Immanuel Wallerstein, em 1974, dos princípios da análise dos sistemas-mundo foi um passo radical. Sua posição era dissidente não só porque criticava e questionava suposições básicas da ciência social, mas principalmente porque não se limitava a sugerir que elas deveriam ser revisadas. Reinvidicava a necessidade de impensar essas suposições (Wallerstein, 1991bWALLERSTEIN, I. Introduction: Why unthink? In: WALLERSTEIN, I. (ed.). Unthinking social science: the limits of nineteenth-century paradigms. Cambridge: Polity Press, 1991b. p. 1-4.). Argumentou que as categorias que utilizávamos para conduzir pesquisas sociais foram historicamente formadas e ideologicamente tendenciosas, e que, ao invés de revisá-las, deveríamos descartar a maioria delas. Wallerstein, portanto, insistiu que a análise dos sistemas-mundo não era uma nova teoria, mas “um protesto contra as formas com as quais a investigação científica social foi estruturada para todos nós no seu início em meados do século XIX” (Wallerstein, 2000fWALLERSTEIN, I. World-systems analysis. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000f. p. 129-148., p. 129, p. 148), não era um novo paradigma da ciência social histórica, mas “uma chamada para um debate sobre o paradigma [existente]” (p. 148).

Não surpreende que os méritos desta abordagem tenham sido reconhecidos mais prontamente pelos estudiosos localizados na periferia do sistema-mundo do que pelos do centro (Goldfrank, 1988GOLDFRANK, W. The intellectual background of Immanuel Wallerstein and his world system. Modern Praxis, [s. l.], p. 206-222, 1988.). Dado o papel essencial desempenhado pela Teoria da Dependência – uma abordagem “periférica” – na emergência da Análise dos sistemas-mundo, esta última também pressupõe uma maior consciência do significado das posições estruturais dentro do sistema, de fato, ela é baseada nela. Isso também permitiu filiações e sinergias posteriores com os teóricos da tradição da dependência. Juntamente com o teórico da dependência Aníbal Quijano, Wallerstein explicaria como a incorporação das Américas ao sistema-mundo emergente implicaria na transformação de diferenças imperiais em diferenças coloniais, bem como a invenção da europeísmo, etnia e raça (Quijano; Wallerstein, 1992QUIJANO, A.; WALLERSTEIN, I. Americanity as a concept, or the Americas in the modern world-system. International Social Science Journal, [s. l.], v. 44, n. 4, p. 549-557, 1992.). Eles mostraram assim que o que seria logo depois rotulado por Walter Mignolo de “o sistema-mundo moderno/colonial” (Mignolo, 2000) – incorporando então o componente de colonialidade – tinha se aproveitado de formas anteriores de xenofobia e discriminação e as integrado como parte da lógica de acumulação ilimitada, da mesma forma como integrou regimes mais antigos de controle do trabalho, tais como escravidão, servidão e inquilinato.

Apesar das filiações teóricas e das sinergias políticas com a análise dos sistemas-mundo, os teóricos decoloniais acusaram o modelo de Wallerstein de ser uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo por ser formulado a partir do centro (Mignolo, 2000MIGNOLO, W.D. Local histories – global designs: coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton: Princeton University Press, 2000.), e também por explicar inadequadamente o papel desempenhado pela dimensão cultural na economia mundial capitalista (Grosfoguel, 2000GROSFOGUEL, R. Developmentalism, modernity and dependency theory in Latin America. Nepantla: Views from South, Durham, v. 1, n. 2, p. 347-372, 2000.). Em uma das primeiras formulações dessa crítica decolonial da análise dos sistemas-mundo, Walter Mignolo observou que a abordagem de Wallerstein não leva em conta o fato de que a “rearticulação planetária do século XVI” (Mignolo, 2000, p. 55), que estabeleceu em primeiro lugar a Europa Ocidental como o centro do moderno sistema-mundo, foi, ao mesmo tempo, uma poderosa máquina para subalternizar o conhecimento. Aquela ideologia universalista, portanto, não surgiu com a Revolução Francesa, mas teve antecedentes claros nas perspectivas ocidentalistas que sustentavam a colonização (Coronil, 1996CORONIL, F. Beyond occidentalism: toward nonimperial geohistorical categories. Cultural Anthropology, Hoboken, v. 11, n. 1, p. 51-87, 1996.; Mignolo, 2000MIGNOLO, W.D. Local histories – global designs: coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton: Princeton University Press, 2000.) e antecederam tanto a Revolução Francesa quanto a emergência do orientalismo por dois séculos e constituía a geocultura do sistema desde 1492.

O ocidentalismo, argumentaram os teóricos decoloniais, foi a perspectiva do conhecimento que surgiu devido ao estabelecimento da hegemonia ocidental como um modelo global de poder. Como o mundo estava dividido em continentes, a consolidação e expansão da economia-mundo capitalista não era a única operação em ação. Paralelamente a ela, a colonização em curso de novas áreas impôs uma classificação do planeta com relação ao seu grau de ocidentalidade, cujo objetivo era “transformar as diferenças em valores” (Mignolo, 2000MIGNOLO, W.D. Local histories – global designs: coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 13). Assim, na medida em que o sistema-mundo se tornou moderno, tornou-se também cada vez mais colonial, articulando “diferenças coloniais” como as hierarquias raciais, étnicas e de classe como parte de sua autodefinição. Epistemologicamente, o resultado dessa remodelação categorial refletiu a nova divisão internacional do trabalho entre centro e periferia: a primeira tornou-se o local da modernidade, de onde o mundo começou a ser classificado, descrito e estudado; enquanto a segunda gerou a colonialidade, na qual o poder epistemológico do mundo moderno poderia ser exercido.

A principal contribuição da crítica decolonial para uma ampliação do escopo da análise dos sistemas-mundo é a percepção de que a duradoura hegemonia global do ocidentalismo não pode ser explicada apenas pelo funcionamento do capitalismo, como é o caso das dimensões econômica e política do sistema-mundo moderno, e que uma experiência como a da colonialidade foi necessária para estabelecer e manter essa perspectiva de conhecimento.

A colonialidade como lado oculto da modernidade do sistema-mundo é um ponto crucial que trabalhos mais recentes dentro da abordagem de sistemas-mundo reconhecem e facilmente incorporam em uma lógica dos sistemas-mundo (Komlosy; Boatcă; Nolte, 2016KOMLOSY, A.; BOATCA, M.; NOLTE, H.-H. Special issue introduction: coloniality of power and hegemonic shifts in the world-system. Journal of World-Systems Research, [s. l.], v. 22, n. 2, p. 309-314, 2016.). Isso se deve principalmente ao fato de que as afinidades eletivas entre as abordagens pós e decoloniais e a análise dos sistemas-mundo, especialmente a crítica ao eurocentrismo, ao domínio colonial e à perspectiva global e histórica, são mais numerosas do que as diferenças. Ao mesmo tempo, os principais debates sobre desigualdade ainda não se tornaram globais e históricos. Em 2011, em um documento de política do Banco Mundial, intitulado “Desigualdade Global: da classe à localidade, dos proletários aos imigrantes”, Branko Milanovic sugeriu que vivemos agora em um mundo fundamentalmente diferente daquele que Marx e Engels haviam descrito no Manifesto comunista: que, ao contrário de meados do século XIX, quando a desigualdade podia ser em grande parte explicada pelas diferenças de renda entre trabalhadores e detentores de capital dentro de cada país, no século XXI, a maioria das diferenças globais de renda é devida a grandes disparidades na renda média entre países. Como resultado, Milanovic (2011)MILANOVIC, B. Global inequality: from class to location, from proletarians to migrants. Washington, DC: The World Bank, 2011. observou, a migração internacional se torna a ferramenta mais poderosa para reduzir a pobreza e a desigualdade global, e substitui a luta de classes como tema social e político. Um ano depois, ele observou que “a desigualdade global começa a ser importante” (Milanovic, 2012MILANOVIC, B. Global income inequality by the numbers: in history and now – an overview. Washington, DC: The World Bank, 2012., p. 2, grifo nosso).

Essa lenta mudança na percepção da novidade das desigualdades globais sob o capitalismo contrasta fortemente com o trabalho recente e contínuo que se inspira, mesmo revisando substancialmente, na perspectiva histórico-mundial de Wallerstein sobre as desigualdades globais, elaborada desde os anos 1970. Exemplos proeminentes incluem o trabalho de Korzeniewicz e Moran de 2009KORZENIEWICZ, R. P.; MORAN, T. P. Unveiling inequality: a world-historical perspective. New York: Russell Sage Foundation, 2009.Unveiling inequality: a world-historical perspective, que defendia que a institucionalização da cidadania assegurava historicamente a relativa inclusão social e política da população dos Estados-nação da Europa Ocidental, mas também era responsável pela exclusão seletiva de populações colonizadas ou não européias dos mesmos direitos sociais e políticos. A tese dos autores de que a cidadania nacional representa a variável mais importante para prever a posição de uma pessoa dentro da estratificação global, hoje, respaldada por extensas evidências empíricas, resulta na visão de que a migração internacional se torna o “meio mais imediato e eficaz de mobilidade social global para as populações da maioria dos países do mundo” (Korzeniewicz; Moran, 2009KORZENIEWICZ, R. P.; MORAN, T. P. Unveiling inequality: a world-historical perspective. New York: Russell Sage Foundation, 2009., p. 107). Assim, a migração não apenas representa uma estratégia de mobilidade ascendente para populações de ex-colônias que possuem cidadania metropolitana, mas também um meio de eludir a posição atribuída pela cidadania nacional de um Estado pobre para as populações capazes e dispostas a arriscar ter status ilegal, indocumentado ou ser não cidadão em um Estado rico.

De uma perspectiva global e histórica, a migração não substituiu, portanto, a luta de classes no século XXI, mas tem sido o meio de mobilidade social global para as populações periféricas, antes que a ciência social convencional se aproximasse da realidade das desigualdades globais. Conscientização do papel central que as desigualdades globais desempenharam no campo teórico e metodológico mudanças metodológicas operadas pela Análise de Sistemas-Mundo impedem cientistas sociais – que Wallerstein considerava pertencer para uma disciplina com uma busca acadêmica e política comum – de reiventando a(s) roda(s) que mantêm o capitalismo em movimento.

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  • 1
    Artigo publicado originalmente com o título “Desigualdades globais avant la lettre: Contribuição de Immanuel Wallerstein”, na revista Socio, v. 15, p. 71-91, 2021. Agradecemos a autora e a revista pela autorização para publicá-lo em português. Nesta versão, a autora modificou o subtítulo. Tradução: Raquel Coelho. Revisão da Tradução: Manuela Boatcă.
  • 2
    “No debate sobre ‘feudalismo’, tomamos como ponto de partida o conceito de Frank de ‘desenvolvimento do subdesenvolvimento’, ou seja, a visão de que as estruturas econômicas dos países subdesenvolvidos contemporâneos não é a forma que uma sociedade ‘tradicional’ assume no contato com sociedades ‘desenvolvidas’, não é um estágio anterior na ‘transição’ para a industrialização. É, ao contrário, o resultado de estar envolvida nesta economia-mundo como uma área periférica, produtora de matéria prima, […] o produto necessário de quatro séculos do próprio capitalismo” (Wallerstein, 2000dWALLERSTEIN, I. The rise and future demise of the world capitalist system. In: WALLERSTEIN, I. (ed.). The essential Wallerstein. New York: New Press, 2000d. p. 71-105., p. 79).
  • 3
    O termo de Wallerstein para a variante moderna da servidão, que, pela própria razão de fazer parte do modo de produção capitalista, era essencialmente diferente de sua forma feudal européia, era “trabalho coersivo em produções mercantis” (Wallerstein, 1974WALLERSTEIN, I. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. New York: Academic Press, 1974. V. I., p. 110).
  • 4
    Em trabalhos anteriores sobre assalariados urbanos no Sudeste Asiático e nas favelas brasileiras, sociólogos alemães de desenvolvimento chegaram a conclusões semelhantes no que diz respeito às transferências pelo setor de subsistência, as quais complementavam regularmente os baixos salários (Elwertl et al., 1983ELWERT, G.; EVERS, H.-D.; WILKENS, W. Die Suche nach sicherheit: kombinierte produktionsformen im sogenannten informellen sektor. Zeitschrift für Soziologie, [s. l.], v. 12, n. 4, p. 281-296, 1983.; Evers, 1981EVERS, H.-D. Urban and Rural subsistence production: a theoretical outline. Bielefeld: Fakultät für Soziologie an der Universität Bielefeld, 1981. (Working Paper 2).). No entanto eles não tinham visto o trabalho de subsistência e as transferências privadas como duas fontes diferentes de renda, mas tinham agrupado ambos sob subsistência e os contraposto à renda monetária, sob a qual tanto o trabalho assalariado como a produção de pequenas mercadorias eram englobados. Sua tipologia resultante ilustrou, portanto, os diferentes graus nos quais as famílias combinavam as duas estratégias econômicas aparentemente contraditórias, em vez de observar a própria gama de estratégias como característica das famílias capitalistas em geral.
  • 5
    Wallerstein e Smith explicam também como as mudanças nos padrões familiares se correlacionam com as fases de expansão/estagnação da economia-mundo capitalista (ondas de Kondratieff), tratadas em detalhe nos trabalhos anteriores de Wallerstein (Wallerstein, 1974WALLERSTEIN, I. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. New York: Academic Press, 1974. V. I., 1979). Embora seja pelo menos tão importante para o funcionamento familiar quanto a estrutura centro-semi-periferia-periferia do sistema, a questão vai além do surgimento de padrões de desigualdade aqui abordados e, portanto, não é explicitamente abordada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Aceito
    02 Maio 2022
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