Open-access O DEBATE ENTRE WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS E BOLÍVAR LAMOUNIER NO PENSAMENTO SOCIAL E POLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 1970: oposições, convergências e complementaridades

THE DEBATE BETWEEN WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS AND BOLÍVAR LAMOUNIER IN BRAZILIAN SOCIAL AND POLITICAL THOUGHT IN THE 1970S: oppositions, convergences and complementarities

Resumos

Wanderley Guilherme dos Santos e Bolívar Lamounier marcaram o pensamento social e político brasileiro, ao investigá-lo desde fins dos anos 1960.Em duas obras clássicas aqui analisadas e devidamente contextualizadas, Santos (1978) e Lamounier (1974) propuseram distintas interpretações sobre o Brasil e o pensamento social. Lamounier enfatiza a consistência intelectual em torno da performance estatal, denunciando a proeminência do Estado-Nação em detrimento do liberalismo brasileiro – processo que veio a pautá-lo intelectualmente. Santos desenha uma intelectualidade capaz de formular, estrategicamente, a superação do atraso histórico do país a partir da compreensão da particularidade nacional. Explica e justifica, assim, a tradição política estatal-nacional ao mesmo tempo que a reflete socialmente. As conhecidas diferenças em suas proposições analíticas são revisitadas, considerando a hipótese de complementaridade entre essas.

Pensamento social e político brasileiro; Sociologia dos intelectuais; História das ciências sociais no Brasil; Wanderley Guilherme dos Santos; Bolívar Lamounier


Wanderley Guilherme dos Santos and Bolívar Lamounier marked Brazilian political and social thought, investigating it since the late 1960s. In two classic works analized and properly contextualized here, Santos (1978) and Lamounier (1974) proposed different interpretations about Brazil and our thought. Lamounier emphasizes the intellectual consistency around state performance, denouncing the prominence of Nation-State to the detriment of Brazilian liberalism – a process that came to guide him intellectually. Santos designs an intellectuality capable of strategically formulating the overcoming of the country’s historical backwardness based on the understanding of the national particularity. It explains and justifies, thus, our state-national political tradition while reflecting it socially. The known differences in their analytical propositions are revisited considering the hypothesis of complementarity between them.

Brazilian social and political thought; Sociology of intellectuals; History of social sciences in Brazil; Wanderley Guilherme dos Santos; Bolívar Lamounier


Este artigo se insere nos campos temáticos do pensamento social e político, da história das Ciências Sociais no Brasil e da sociologia dos intelectuais. Neste escopo, a inspiração original é a noção de “imaginação político-social” lançada por Wanderley Guilherme dos Santos em uma de suas primeiras investigações a respeito (1967, p. 182). O termo similar “pensamento político-social” (Keinert e Silva, 2010, p. 88) é acionado no mesmo sentido. Maia (2021) considera, por sua vez, que simplesmente “pensamento social” expressa o mesmo significado, o qual inclui o pensamento político.

Do ponto de vista metodológico, o presente trabalho lança mão dos métodos tradicionais de pesquisa do pensamento social e político nacional, que se debruçam analiticamente sobre os textos dos autores em tela. Procura-se, concomitantemente, estabelecer uma contextualização destes escritos em função da história de Ciências Sociais e da sociologia dos intelectuais. A proximidade e sinergia costumeiras entre essas três áreas é tanta que, para além de inescapáveis contendas metodológicas a respeito, Maia (2021, p. 515) registra ter sido Miceli (1999), conhecido por suas investigações naquela história por meio daquela sociologia, um dos primeiros a efetuar um balanço da consolidação das pesquisas acadêmicas dedicadas ao pensamento social brasileiro após a redemocratização.

Estrutura-se da seguinte forma este artigo: após uma breve introdução sobre os autores ora visitados, primeiramente, retoma-se o contexto institucional e intelectual em que se inseriam no início de suas trajetórias acadêmicas; em um segundo momento, chama-se atenção para como ambos, Santos e Lamounier, estabelecem a dimensão autonômica do pensamento social e político; a seguir, compara-se, em linhas gerais, suas respectivas interpretações formuladas nos anos 1970, fortemente opositivas, acerca do Brasil e do pensamento brasileiro; por fim, conclui-se sugerindo uma complementaridade entre tais interpretações, sob um certo ângulo marxista, que tem sido explorado em artigos anteriores (Perruso, 2017; 2020).

Delimitando o objeto e o corte temporal deste artigo, as interpretações em questão são as contidas em Lamounier (1974) e Santos (1978), talvez os dois primeiros grandes trabalhos destes intelectuais que então se formavam e se especializavam como cientistas políticos. Santos doutorou-se, em 1969, em Stanford, Lamounier, em 1974, na UCLA, mas “ambos desenvolveram suas pesquisas praticamente ao mesmo tempo, tendo como pano de fundo o debate internacional relativo ao autoritarismo”. (Lynch e Cassimiro, 2018, p. 3).

Wanderley Guilherme dos Santos e Bolívar Lamounier são comumente considerados, junto a outros nomes, como fundadores da ciência política brasileira de feitio acadêmico (cf., p.ex., Lynch, 2016, p. 78 e 97). São dois intelectuais que estruturaram, de maneira inescapável, a ciência política e a história das Ciências Sociais nacionais. E que deixaram marcas no próprio pensamento social e político brasileiro: seja por terem investigado o pensamento, em termos pioneiros ao nível de pós-graduação, desde fins dos anos 1960 “clássicos fundadores da área” (Maia, 2021, p. 513); seja por passarem a ser tratados, por estudiosos posteriores, como objetos de pesquisa no interior do mesmo pensamento social e político nacional.

Segue-se aqui o entendimento de Brandão, ao asseverar, a respeito deles (e de Guerreiro Ramos), que suas obras são “marcos desse interesse acadêmico pela história intelectual brasileira” e, também, “momentos eles próprios de reconstrução das origens ideais de correntes ideológicas socialmente enraizadas” (Brandão, 2005, p. 239). Wanderley Guilherme dos Santos seria, então, sucessor da linhagem idealista orgânica do pensamento político-social, condizente com as práticas de líderes políticos do Brasil Império e com as preocupações sociais de ensaístas brasileiros da primeira metade do séc. XX.

Já Bolívar Lamounier atualizaria a linhagem idealista constitucional, também corporificada por lideranças políticas e por intelectuais dos séculos passados, homólogos sociais e rivais ideológicos dos anteriores (cf. Brandão, 2005, p. 238-239). Assim, este autor recapitulou o pensamento nacional sob viés marxista, de maneira a mapear Santos e Lamounier como representantes intelectuais das tradições nacionalista e liberal brasileiras, respectivamente (cf. Lynch, 2016, p. 102).

O próprio Lamounier registrou tal fenômeno da conversão da produção intelectual/ideológica do presente em objeto de estudo, do passado, configurado como pensamento social e político, nas Ciências Sociais (do futuro):

Enquanto a primeira geração de cientistas sociais acadêmicos ou semi-acadêmicos, antes do final da Segunda Guerra Mundial, foi parte integrante do movimento de ideias que descrevi (...) a segunda aparece na vida pública sob um regime democrático (1946-1964). As ideias da geração de Oliveira Vianna subitamente tornaram-se objeto de estudo; e foi Guerreiro Ramos quem, num ensaio pioneiro, tentou pela primeira vez delineá-lo de forma metodológica consciente. (Lamounier, 1974, p. 321-322).1

Neste trecho, Lamounier se referia à motivação inicial que fizeram dele e de Santos os criadores, na nascente ciência política acadêmica nacional, da área de estudos dedicada ao pensamento brasileiro – cf. apontam, entre outros, Lynch (2016, p. 78 e 97) e Keinert e Silva (2010, p. 88-95): a investigação do passado intelectual autoritário, mas também do liberalismo nesse presente.

Pouco depois de 1964, surgiu um interesse renovado pela história das ideias políticas no Brasil, com especial referência às décadas de 1920 e 1930. (…) Com a ascensão de Vargas ao poder naquele ano, e com o importante movimento de ideias que o antecedeu, o padrão liberal de pensamento da “República Velha” (1889-1930) foi efetivamente submerso e colocado em posição defensiva. O ponto extremamente baixo a partir do qual os esforços recentes de organização da história das ideias foram obrigados a partir é bastante ilustrativo do extraordinário vácuo na vida política brasileira produzido pela ditadura de Vargas. (Lamounier, 1974, p. 15-16)2

Veja-se inicialmente, pois, o contexto do qual partem as trajetórias dos dois intelectuais em tela.

AS CIÊNCIAS POLÍTICAS MINEIRA E CARIOCA

Entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, em plena ditadura militar brasileira, e evitando-a, tanto Santos como Lamounier estavam no exterior, empreendendo seus estudos em pós-graduações em ciência política nos Estados Unidos, debruçados justamente sobre o autoritarismo e o liberalismo nacionais. Também por conta do golpe, buscavam-se “novos modelos explicativos que permitissem a compreensão das especificidades de um novo tempo histórico em que a política assumia tal relevância”. (Forjaz, 1997, p. 8).

A partir deste tipo de fluxo internacional promovido pela Fundação Ford com seu “imperialismo cultural ilustrado” (Forjaz, 1997, p. 5), a geração de ambos – conquanto haja nuances e diferenças individuais – ia estabelecendo o formato que a disciplina “assumiu a partir de fins da década de 1960”: “um cânone disciplinar era construído” combinando “as novidades trazidas dos Estados Unidos com referências ligadas aos ensaios de interpretação sobre a história política do Brasil”. (Keinert e Silva, 2010, p. 79; cf. também Forjaz, 1997, p. 5).3 Lamounier e outros cientistas sociais formados na FACE/UFMG (Faculdade de Ciências Econômicas e Administração, na qual a graduação em Sociologia Política remonta a 1953),4 receberam uma formação técnica objetivando a atuação na esfera burocrática/governamental: o diálogo não era apenas com a economia e a administração, mas também o direito, configurando um estilo bastante distinto do “modelo humanista clássico” (Keinert e Silva, 2010, p. 83), com sua “alentada formação filosófica” de matriz francesa (Forjaz, 1997, p. 2; ver tb p. 10), seguido pelas ciências sociais uspianas, mais antigas.

Daí, então, a formação de “um perfil disciplinar especializado que se ligaria a um gênero de pesquisas orientado pela proximidade à agenda política nacional”. (Keinert e Silva, 2010, p. 82).

A trajetória de Santos, iniciada no nacional-desenvolvimentismo isebiano, é muito diversa da de Lamounier.5 Contudo, há seu encontro com o processo mineiro de institucionalização acadêmica da ciência política por conta da criação da pós-graduação correspondente no IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) em 1969, “iniciativa mais emblemática da institucionalização do novo perfil disciplinar”, a qual “resultou da conformação de uma aliança entre cientistas políticos de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro”. (Keinert e Silva, 2010, p. 86).

Tal aliança, provavelmente, era uma entre várias movimentações e disputas inerentes ao campo acadêmico de ciências sociais: “um dos eixos principais da estratégia de legitimação do grupo [mineiro-carioca]”, envolvia “a recusa das referências acadêmicas da geração imediatamente anterior, representada, sobretudo, pela chamada ‘escola paulista de sociologia’” (Keinert e Silva, 2010, p. 80). Se esta última, anteriormente, “invocara para si padrões de análise científica para marcar sua diferença em relação ao estilo ensaísta, militante e ‘ideológico’ do Iseb, a partir de meados dos anos 60 são os mineiros e cariocas que invocam novos padrões científicos”. (Forjaz, 1997, p. 13).

Assim, Santos e Lamounier buscaram, na história anterior à institucionalização universitária da ciência social nacional por eles problematizada, elementos do pensamento político nacional autoritário e reformador. Este não deixava de estar relacionado, intelectualmente, ao nacional-desenvolvimentismo originalmente compartilhado por Santos (do qual se afastava por suas posições mais próximas à aliança entre Partido Trabalhista Brasileiro e Partido Comunista do Brasil). Como se sabe, as ciências sociais uspianas não observavam com atenção esse pensamento político de caráter ensaístico, mas “a ideia de inovação acadêmica não excluía a reivindicação de uma tradição, no âmbito da história das ideias, que vinculasse a novidade proposta às referências mais antigas de gerações da intelectualidade brasileira”. Forjava-se “uma nova periodização da história das ciências sociais que valorizasse justamente a contribuição dos ensaios do início do século”, relativizando-se “a ideia de que a estrutura universitária é a principal fonte de legitimidade intelectual” (Keinert e Silva, 2010, p. 80).

Entretanto, as razões que empurravam Santos e Lamounier na direção da pesquisa do pensamento brasileiro eram anteriores e se originavam de suas trajetórias no Brasil (cf. Lynch, 2016, p. 78). Eles indagavam-se sobre o passado autoritário nacional, diante da efetivação e manutenção do regime militar sob o qual então viviam.

Por outro lado, as reflexões de ambos não se circunscreviam ao cenário brasileiro. Lamounier, por exemplo, no final da década de 1970, tratava da seguinte forma a carreira e a disciplina que havia escolhido: “os elementos-chave do que chamamos ciência política são, de uma forma ou de outra, derivados das grandes ideologias históricas” (Lamounier, 1980, p. 35 apudLynch, 2016, p. 97). Também, em sua tese, defendida na Universidade da Califórnia (Ideology and authoritarian regimes: theoretical perspectives and a study of the Brazilian case), uma das duas fontes documentais principais deste artigo, ele manifestava seu incômodo com os preconceitos que o centro do capitalismo mundial exalava contra sua periferia latino-americana (cf. Lamounier, 1974, p. 33). Em outra passagem ele também era bastante duro com as teorias da modernização, aquilatadas como incapazes de lidar analiticamente com os fenômenos ideológicos das sociedades ditas subdesenvolvidas (cf. Lamounier, 1974, p. 50-51).

Segundo Lynch e Cassimiro (2018, p. 5), tal padrão crítico desenvolvido por Lamounier se voltou, inclusive, para sua referência teórica maior à época: “Inconformado, em Ideologia em regimes autoritários: uma crítica a Juan J. Linz (1974), o jovem doutor criticaria a perspectiva de seu mestre como abstrata e etnocêntrica”, por tender a julgar “o pensamento dos países ibéricos e ibero-americanos como desprovido de originalidade ou interesse intelectual.”

Esse ataque ao etnocentrismo intelectual se desdobrava em uma crítica ao que passou a se chamar eurocentrismo, tanto teórico como analítico, o qual acabava por restringir “o interesse da teoria política àquela produzida nos países cêntricos”; pelo contrário, Lamounier “destacou a importância do estudo da história intelectual” para a compreensão da “dinâmica específica das sociedades de industrialização tardia”. (Lynch e Cassimiro, 2018, p. 17).

A necessidade de não espelhar a vida intelectual, ideológica e política brasileira com a europeia e norte-americana é algo presente, tanto na obra de Lamounier como na de Santos, naqueles anos, ainda que não da mesma maneira. Nas reflexões de Lamounier, uma das dificuldades desta aplicação mecânica e vulgar de modelos modernizantes ao caso brasileiro (que, talvez, pudesse ser corrente tanto no marxismo ortodoxo como no liberalismo menos sofisticado) resultava na errônea caracterização do pensamento de Oliveira Vianna, Francisco Campos e outros intelectuais autoritários nacionais como vinculados à extrema-direita.

Na verdade, eram centristas e modernizadores, fora do esquadro típico da política de sociedades mais ricas e menos desiguais (cf. Lamounier, 1974, p. 296). Daí ter ele concebido sua consagrada “ideologia de Estado” para analisar tal fenômeno, na referida tese de doutorado, posteriormente, publicada parcialmente no Brasil, com o título Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República: uma interpretação (Lamounier, 1977) – capítulo do livro História geral da civilização brasileira – o Brasil republicano, organizado por Boris Fausto.

Com preocupação analítica aparentada, mas produzindo solução teórica diversa, Wanderley Guilherme dos Santos elaborou sua magistral explicação em torno do “autoritarismo instrumental” brasileiro, propondo criativa inter-relação político-ideológica entre autoritários e liberais nacionais (cf. Santos, 1978 – a outra grande fonte documental deste artigo). Afora as questões de espaço, opta-se aqui por concentrar em A Práxis Liberal no Brasil: propostas para reflexão e pesquisa, um dos capítulos do livro Ordem Burguesa e Liberalismo Político, dado seu caráter ensaístico, sintetizando argumentos e dados apresentados mais detalhadamente desde seus trabalhos iniciais A imaginação político-social brasileira (1967) e Raízes da imaginação política brasileira (1970), e consolidados, analiticamente, em outro capítulo do mesmo livro, Paradigma e História: a ordem burguesa na imaginação social brasileira.

Bolívar Lamounier leu os dois artigos clássicos de 1967 e 1970, dialogando criticamente com Santos em seu doutoramento. Este, por sua vez, prosseguiu com o debate, respondendo-o na segunda metade da década de 1970 – quando inclusive a interpretação de Lamounier já estava publicada em português, o que certamente ampliou a audiência dessa polêmica do pensamento brasileiro em meios acadêmicos.

Nessas duas obras, mais propriamente revisitadas no presente artigo, Santos e Lamounier propuseram, duplamente, distintas interpretações sobre o Brasil e distintos balanços da trajetória de pensamento social e político. Nessas, citaram-se mutuamente, especialmente Lamounier, que reage criticamente à interpretação de Santos.6 Tenho a impressão de que as diferenças nas proposições analíticas de um e outro são mais salientadas pelo público intelectual leitor de suas obras que as aproximações que possam ser feitas sobre essas, de modo que registro neste artigo não apenas as conhecidas oposições entre um e outro autor, mas também convergências e complementaridades em suas obras.

A AUTONOMIA DO POLÍTICO E A CRÍTICA AO DOGMATISMO MARXISTA

A delimitação da autonomia epistêmica e metodológica da política, da ideologia, do pensamento enfim, é comum a ambos os autores, bem como às emergentes ciências políticas acadêmicas mineira e carioca (cf. Forjaz, 1997, p. 3). Santos propôs não apenas tal autonomia, mas mesmo a potência conformadora do pensamento em sua relação com a prática política: “ação política, enquanto ideias traduzidas em comportamentos” e “ideias políticas como guias estratégicos para a ação política”. Ele perfaz esta operação teórica, porém, no quadro de sua análise privilegiada da “práxis do liberalismo no Brasil” (Santos, 1978, p. 67). Dessa forma, sua pesquisa sobre o pensamento político-social não isola as ideias do mundo material. Sua reflexão trata não apenas dos desdobramentos materiais do pensamento, mas das inter-relações entre as ideologias liberal e autoritária em suas ambivalentes encarnações sociais.7

Este postulado teórico em torno da autonomia coadunava com a falta de afinidade dos novos cientistas políticos mineiros e cariocas com a Escola Sociológica Paulista, então já marxista(cf. Forjaz, 1997, p. 7).Além disso, ajustava-se às preocupações políticas e institucionais da Fundação Ford, ao apoiar nos anos 1960 iniciativas científicas em outras áreas disciplinares que não economia e administração, “conforme os diagnósticos acerca do desenvolvimento foram concedendo maior ênfase aos fatores extraeconômicos”, como eram os casos de “aspectos institucionais e culturais” (Keinert e Silva, 2010, p. 82).

Decerto, que tal fato simplesmente acompanhava as mudanças no campo intelectual mais amplo das ciências humanas mundiais, no sentido do afastamento de determinismos marxistas e utilitaristas. Não deveria haver dúvidas “sobre a autonomia do político diante do socioeconômico” como afirma Lynch (2013, p. 41) a respeito dos posicionamentos teóricos de Santos (em Ordem Burguesa e Liberalismo Político) e de Lamounier (em Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República: uma interpretação).

Lamounier caminhava no mesmo sentido valorizador do poder das ideias, portanto de sua autonomia, na interface com a realidade: “Todas as ideologias significativas são uma combinação de preferências de valor com uma avaliação cognitiva de quais alternativas estruturais são realmente viáveis em certas conjunturas históricas cruciais” (Lamounier, 1974, p. 297)8.

No entanto, como esta afirmação parece deixar no ar, havia a necessidade também de cotejar ideologia com realidade histórico-social, como quando tratou de seu objeto de pesquisa, junto ao mesmo trecho antes citado: “Vejo a ideologia do Estado em grande parte como um espelho fiel da sociedade e dos conflitos pelos quais ela se transformou” (Lamounier, 1974, p. 297).9 Seguindo nesta premissa, ele chegou à seguinte formulação, que matizava a interação entre reflexão político-social e realidade concreta do mesmo âmbito:

Ideologias significativas aparecem com eventos históricos significativos. Suas correntes dominantes, expressando os interesses e as posições cambiantes de forças vitais na sociedade, atingem profundamente os dispositivos conceituais e linguísticos em termos dos quais a vida política e intelectual passa a ser organizada. (...) A estrutura argumentativa de uma ideologia pode, assim, permanecer determinante de desenvolvimentos intelectuais posteriores muito tempo após a exaustão dos dilemas originais dos quais ela emergiu. Em linhas gerais, pode-se sugerir que, quanto mais relevantes as concepções originais se mostraram, e quanto mais amplo o leque de interesses sociais que elas foram capazes de amalgamar, menos provável é que a estrutura fundamental seja percebida e submetida a reavaliação posteriormente (Lamounier, 1974, p. 293).10

Esta relativização da autonomia ideológica, especificamente, não foi ignorada por Santos, que anotou: “Lamounier parece às vezes concordar com a mais estrita concepção determinista, quando diz, por exemplo, que vê a ideologia de Estado, em larga medida, como o espelho fiel da sociedade e dos conflitos através dos quais ela é transformada” (Santos, 1978, p. 33).

Lynch e Cassimiro (2018, p. 18) também destacam ser “relativa” a “autonomia da política em relação à economia” na obra de Lamounier, mas concluem que o sentido geral de sua teorização “contribuiu para que o estudo do pensamento brasileiro se livrasse das peias economicistas e sociológicas que o travavam na academia”. O “reducionismo economicista no qual não havia espaço para a política” deveria ser evitado acima de tudo (Forjaz, 1997, p. 13)11 – este parecia ser o espírito geral da época para a ciência política brasileira, que então se fundava no meio acadêmico. Como apropriadamente afirma Lessa (2011, p. 26), em termos mais abstratos, “o segmento a ser autonomizado deve ser apresentado como dotado de qualidades ontológicas próprias, que justificam o destaque com relação a conjuntos que, até então, determinavam seu sentido e seu alcance”, razão pela qual, no caso em tela, não podiam ser admitidas “concessões ao ‘historicismo, ao ‘culturalismo’ e ao ‘sociologismo’.

Parece, todavia, que o “jovem” Lamounier evitava repudiar o “sociologismo” em geral, focalizando suas reservas analíticas no dogmatismo marxista. É nessa busca por um meio-termo possível entre autonomia e determinação social do pensamento que Lamounier quis se afastar tanto da “non-Marxist Political Science”, por esta supor ser absoluta a autonomia das ideologias, quanto do “vulgar Marxism” que ignora esta autonomia relativa. É este último – ao reduzir ou desconsiderar a força social da ideologia (Lamounier, 1974, p. 34) – que tanto Lamounier como Santos, a par de suas divergências a respeito, elegeram como sério obstáculo ao estabelecimento da área acadêmica de estudos sobre o pensamento social e político brasileiro.

Neste esquadro, argumentou Santos, no sentido da inadequação do uso de critérios classistas para analisar o pensamento nacional, enquanto ideologia típica, por uma razão ao mesmo tempo singela e contundente, da ordem do objeto científico: “não existia uma classe burguesa organizada como ator político, de 1850 a 1950” (Santos, 1978, p. 110). Lamounier nuançou a mesma alegação, em dois momentos de sua tese: “Os sistemas autoritários em geral, e o Brasil em particular, há muito são reconhecidos como situações em que os conceitos de classe ou grupo de interesse parecem insuficientes” (Lamounier, 1974, p. 11).12

Assim como a respeito dos períodos 1930-1945 e pós-1964: “caracterizam-se por uma concentração de poder nas mãos de burocracias militares e civis que muitas vezes não parecem muito dóceis aos interesses econômicos ou de “classe” em sentido estrito” (Lamounier, 1974, p. 10).13

Partindo deste tipo de diagnóstico, ele chegou a seu modo à ênfase necessária à criação do campo de estudos do pensamento social e político, por nós já vista: “regimes autoritários, incluindo o Brasil, envolvem em grande medida tal elemento de, como agora está na moda dizer, ‘autonomia da superestrutura’” (Lamounier, 1974, p. 11).14 A autonomia em questão, observe-se, é a ideológica, em sentido marxista, acrescenta-se. Como notam Lynch e Cassimiro (2018, p. 7-8): “não queria dizer que o método deveria ser completamente descartado, já que a compreensão dos conteúdos da produção ideológica se esclarecia à luz das suas relações com as classes sociais. Mas deveria evidentemente ser minorado.”

Santos, por seu turno, uma vez postulada a ausência da classe que costuma liderar a instauração da modernidade, a burguesia, referenciou o desenvolvimento histórico das ciências sociais (também do pensamento social e político nacional, certamente) a duas ordens distintas de fenômenos, ainda que imbricados na realidade: às relações entre Estados-Nação e ao desenvolvimento mais amplo das estruturas sociais. Veja-se:

As Ciências Sociais no Brasil surgiram e se têm desenvolvido sob a influência conjugada de dois processos: o da forma de absorção e difusão interna dos avanços metodológicos e substantivos gerados em centros culturais no exterior e o dos estímulos produzidos pelo desenrolar da história econômica, social e política do país. (…) indispensável esclarecer que a ênfase deve ser colocada sobretudo na forma da absorção e difusão da produção estrangeira e no tipo de interação existente entre os eventos sociais e a reflexão científica. (Santos, 1978, p. 17).

Seu nacionalismo metodológico, que desprivilegia a relação entre classes e ideologias, fica explícito, quando afirma que “a reflexão sobre processos sociais apenas revela uma dimensão do complexo processo através do qual um país e sua cultura”, paulatinamente, adquirem “individualidade nacional ao mesmo tempo em que se integram na história universal.” O mesmo pode ser visto em dois momentos seguintes da introdução de sua obra em questão: “O estilo da interação da comunidade brasileira com seu próprio passado e com o resto do mundo” era derivado “da circunstância de estar o país submetido à regulamentação imposta pelo Estado português”; e “Portugal era o elo intermediário através do qual se fazia a integração do Brasil ao processo histórico universal” (Santos, 1978, p. 17). Ao componente nacional de sua baliza teórico-metodológica, com que se debruça sobre o pensamento brasileiro, acrescentou o elemento estatal:

Até aqui o texto vem desenvolvendo a temática do controle do aparelho de Estado como se se pudesse falar em ação de uma classe enquanto tal, de acordo portanto com a mais ortodoxa concepção marxista de explicação dos sistemas sociais. Nada tão longe, entretanto, dos pressupostos metodológicos que assumo. O uso do conceito de classe, como ator político, se vem fazendo apenas como recurso de exposição mas, bem lido o que até aqui foi discutido, verificar-se-á que a ênfase principal está na consideração da existência ou não de grupos organizados, no caso, grupos burgueses. (Santos, 1978, p. 111 – itálico do autor).15

Prosseguindo em sua crítica ao preceito marxista da determinação de classe para analisar os fenômenos ideológicos, em sua interpretação da trajetória histórica da sociedade brasileira, Santos reiterou a necessidade de ser abandonado o conceito de classe como unidade analítica, de modo a não desvirtuar a compreensão das disputas políticas, território antes de grupos organizados política-ideologicamente do que de classes sociais (cf. Santos, 1978, p. 113). O que não o impediu de registrar que os anos 1930 trouxeram para cena política brasileira um “novo tipo de alianças onde as camadas operárias urbanas não podem ser desconsideradas” (Santos, 1978, p. 55).

Com Lamounier, a referência significativa às classes no entendimento das disputas políticas, no contexto de uma intepretação da história brasileira, não é deixada de lado. Quando ele analisou a “política dos governadores” da República Velha, ressaltou que por trás de sua dinâmica residia a exclusão política das classes populares: “ratificando qualquer facção que conseguisse impor sua ordem sem recorrer à lógica expansiva da organização de base” (Lamounier, 1974, p. 307).16

Como já visto, tratando da dimensão intelectual da história nacional do autoritarismo e do liberalismo, Santos e Lamounier destacaram a centralidade desse período. Lamounier, com sua filiação teórica liberal (talvez, ainda não suficientemente nítida à época), caracterizou a Revolução de 1930 como um “ideology-producing event” (Lamounier, 1974, p. 294), ensejador de uma transformação intelectual decisiva no sentido da justificação da necessidade de um Estado centralizador e tutelar. Com isso, era inevitável a subversão das ideias liberais (cf. Lamounier, 1974, p. 294-295).

A esta apreciação fortemente opositiva, ou estanque, das relações entre autoritarismo e liberalismo no pensamento político-social brasileiro, se opôs a leitura de Santos, que identificou um ecletismo no liberalismo nacional (cf. Santos, 1978, p. 78-81 e 88-89), isto é, uma relação menos antinômica e até mais dialética entre estas vertentes ideológicas, a qual configurava “uma estratégia semiliberal” de elites em torno da independência política e da constituição do Estado nacional brasileiro (Santos, 1978, p. 75; veja-se também: Perruso, 1999, p. 57-118).

Em consonância com suas respectivas interpretações recapitulativas da história político-social nacional, são realizados os diferentes desenhos de Wanderley Guilherme dos Santos e Bolívar Lamounier a respeito dos grandes eixos e das principais tensões do pensamento político-social brasileiro.

INTERPRETAÇÕES SOBRE O BRASIL E INTERPRETAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO BRASILEIRO

A partir das duas obras em questão (Santos, 1978; Lamounier, 1974), bem como da versão em português de parte da tese de Lamounier (1977), é possível afirmar que ambos identificaram uma preferência majoritária de elites políticas e intelectuais nacionais, desde meados do séc. XIX (no caso de Santos) ou desde as décadas iniciais do séc. XX (para Lamounier), por valores e cálculos políticos referidos:

  • ao Estado;

  • ao conhecimento (tradicional – para Santos – e/ou científico – para ambos) das singularidades coletivas nacionais;

  • à crítica do individualismo, do universalismo e da democracia liberal moderna, pelas consequências anômicas que acarretam quando, importados do estrangeiro, são aplicados à sociedade brasileira.

Como é sabido, a diferença fundamental entre os enquadramentos interpretativos de Santos e Lamounier reside na caracterização – semi ou anti-liberal, respectivamente – do diagnóstico histórico e factual acima. Para Lamounier, tratava-se da resistência de elites autoritárias brasileiras a erigir uma sociedade burguesa e liberal, moderna e típica, promovendo como alternativa uma modernização induzida pelo Estado. Para Santos, elaborava-se uma estratégia modernizadora (sofisticada, inovadora e não clássica), operando instrumentalmente com o autoritarismo, mas também incorporando politicamente setores populares, para construir aquela mesma sociedade, por meio do Estado dada a incapacidade de o mercado assim o fazer (Perruso, 1999, p. 57-118).

Lamounier, com sua “ideologia de Estado”, mostrava que nas formações sociais da periferia do capitalismo, de industrialização tardia, o liberalismo clássico burguês não prevalecia: uma estatolatria desmobilizadora se sobrepunha às esferas do mercado e do indivíduo, como teriam evidenciado tanto o Estado Novo quanto a ditadura militar pós-1964. (cf. Lynche Cassimiro, 2018, p. 6-7). Já Santos formulava arrojadamente que o objetivo maior em jogo, a instalação de uma sociedade liberal, era comum a liberais e nacionalistas, afinal de contas (cf. Lynch 2013, p. 25). O meio para alcançá-lo, no plano da política (das classes dominantes, não se esqueça), é que era motivo de divergência.

Repare-se que a interpretação de Santos postula a consciência das elites brasileiras quanto ao atraso português e nacional diante de Europa e Estados Unidos, assim como, necessariamente, a perspicácia política dessas em traçar o futuro social (cf. Santos, 1978, p. 71 e 75-76). Coerente com a autonomia ideológica por ele defendida teoricamente, Santos empoderou analiticamente aquelas elites, ainda escravocratas e monárquicas, lembre-se, em seu desempenho no arquitetar de uma “ordem liberal burguesa” (Santos, 1978, p. 50).

O temor diante do “caos em que se enredaram todos os outros países latino-americanos, após romperem os grilhões coloniais”, por terem abolido a escravidão, adotado regimes republicanos e se fragmentarem (Santos, 1978, p. 70), fazia com que tais elites autoritárias – plenamente esclarecidas a essa altura da interpretação – percebessem que um Estado Nacional centralizado e coeso precedia a um Estado liberal.

Em contrapartida, Lamounier, em termos condizentes com sua afiliação a um liberalismo brasileiro (conceituado criticamente como doutrinário na interpretação de Santos), apontou que a responsabilidade de oligarquias regionais para com uma descentralização político-administrativa nociva ao país não era evidente (cf. Lamounier, 1974, p. 306-307). E, parece, respondeu indiretamente a Santos, a respeito da sinonímia entre descentralização e fragmentação reputada pelos anti-liberais: “um argumento estatista autoritário que exigia uma percepção seletiva e um exagero do grau em que a herança colonial estava a todo momento pronta para absorver o presente com seu abraço mortal” (Lamounier, 1974, p. 315 – sublinhado do autor).17

Lamounier, em boa medida, cuidou analiticamente da trajetória histórico-política nacional sob o eixo das dificuldades do desenvolvimento do liberalismo brasileiro face ao atraso nacional, ou seja, a inserção periférica no capitalismo mundial e nos circuitos culturais e intelectuais internacionais, momento que o aproximava da metodologia marxista.

No que tange às interpretações de Santos e Lamounier sobre o pensamento social e político nacional, pode-se dizer que essas convergem no estabelecimento da síntese liberal enquanto objeto de crítica de intelectuais autoritários (sejam instrumentais ou doutrinários): uma sociedade expressa, fundamentalmente, pela interação entre indivíduos em busca de seus interesses, tal como ocorre no mercado no plano econômico. A esse modelo é contraposto o princípio da precedência ou anterioridade da sociedade sobre o indivíduo, a qual demanda um comando estatal forte – de inspiração tradicional no séc. XIX (na leitura exclusiva de Santos), de vocação cientificista no séc. XX (em ambos os autores) – que regule seus segmentos componentes (Perruso, 1999, p. 57-118).

No entanto, a análise de Lamounier também pontua que o cientificismo positivista dos autoritários “ideólogos de Estado” das primeiras décadas do séc. XX avalia como superficial toda política realizada pelos liberais brasileiros. Na ótica estatólatra, como era conspurcada a democracia liberal pelo oligarquismo, o regime se tornava incapaz de representar devidamente os agrupamentos coletivos (não os indivíduos formalmente iguais) verdadeiramente constitutivos de uma sociedade. A pretensão objetivista da política é notória aqui, a qual intenta estabelecer com exatidão qual institucionalidade política corresponde à realidade social nacional (cf. Lamounier, 1977, p. 345-348 e 356-373; e Lamounier, 1974, p. 309). Neste momento, ele estava a responder a Santos e seu importante conceito de “reificação institucional”.

Obviamente, que Santos não comungava dessa crítica às pretensões realistas de intelectuais autoritários, uma vez que rigorosamente julgou serem eles, desde seus antepassados conservadores do Império, mais “atentos para o tecido de relações que garante a eficácia das instituições” (Santos, 1978, p. 50) se comparados aos liberais, sempre focados doutrinariamente no universalismo exportado pela Europa. Por outro lado, Lamounier reconheceu que os ideólogos de Estado do séc. XX estavam mais antenados, que seus contemporâneos liberais, com as novidades mundiais do capitalismo industrial empoderador da intervenção estatal (cf. Lamounier, 1977, p. 371). Tal diagnóstico converge com o de Santos ao registrar a ignorância do liberalismo doutrinário brasileiro quanto ao keynesianismo e aos Estados de Bem-Estar Social já na segunda metade do século passado (cf. Santos, 1978, p. 98-99).

As elites críticas do liberalismo, tantas vezes ocupantes de postos políticos ou burocráticos no aparelho de Estado, evidenciariam a afirmação de Lamounier (1974, p. 285), no sentido da dependência de sistemas autoritários para com suas burocracias. Em suas reflexões, a consciência destas elites e burocracias quanto às necessidades estratégicas do país, certamente, é menor que na leitura elaborada por Santos. Para Lamounier (1974, p. 302), a “ideologia de Estado” deve sua razão de ser a “condições especificamente políticas sob as quais o desenvolvimento capitalista ocorre na periferia” – uma contextualização (determinista?) que, facilmente, um marxista endossaria. Em seguida, ele forneceu uma explicação arguta para as relações entre agentes estatais e capitalismo periférico: “como o crescimento do Estado depende do crescimento econômico e vice-versa, a ideologia passa a se dirigir, principalmente, à legitimação do desenvolvimento capitalista aos olhos dos detentores do poder – os legitimadores efetivos – que em um sentido significativo não representam interesses capitalistas próprios, mas que, ao contrário, muitas vezes, desenvolvem tais interesses a partir das posições de poder que passam a ocupar por outras vias.” (Lamounier, 1974, p. 302).18

Trata-se, então, de um interesse de Estado (cf. Lamounier, 1974, p. 302) a embasar e inspirar o pensamento político-social brasileiro de cunho estatólatra. Mencionando as já referidas duas obras pioneiras de Wanderley Guilherme dos Santos (1967; 1970), Bolívar Lamounier ponderou que Santos privilegiava estabelecer a estrutura dicotômica do pensamento nacional – entre o Brasil “legal” dos liberais e o Brasil “real” de seus críticos – em detrimento da percepção do componente estatista dos autoritários anti-liberais (cf. Lamounier, 1974, p. 323-324). Ainda, no entendimento crítico de Lamounier, Santos acabaria por reproduzir academicamente uma autoimagem do próprio pensamento autoritário (enquanto “autoritarismo esclarecido” – Lynch, 2013, p. 24), que supostamente monopolizaria tanto o exercício do realismo político como a vocalização dos interesses nacionais (cf. Lynche Cassimiro, 2018, p. 8). Indo além: Santos teria ignorado o interesse de Estado – apresentado como “interesse nacional” – que impulsionava as reflexões políticas e sociais de intelectuais que eram, também, políticos ou burocratas.

Sabe-se que Santos respondeu diretamente a Lamounier, descrendo, ao que parece, de um interesse específico de Estado: “Partindo de uma confusa noção de ‘ideologia de Estado’, não esclarece jamais se quer dizer que existem ideologias políticas que não implicam uma noção de Estado” (Santos, 1978, p. 32). Ademais, Lamounier não enxergou a mais larga historicidade da força do Estado brasileiro, desde o séc. XIX, em pautar e engajar intelectuais preocupados com o futuro do Brasil – como indicou Santos, mas em outro parâmetro interpretativo. Sobre esse ponto, Lynch e Cassimiro (2018, p. 26) concluem que a interpretação de Lamounier pode ser acusada de padecer do mesmo mal que ele imputou à análise de Santos, “com a diferença do sinal trocado”.

Isto não é de se estranhar, pois as leituras liberal e nacionalista (ou estatal-nacional) costumam ser opostas – a sugestão do presente artigo é que, em chave marxista já proposta (Perruso, 2020), podem ser consideradas também complementares. Se estendido o tipo de exame crítico de Lamounier a ele mesmo, poderia-se encontrar uma “ideologia de mercado”, portanto (a par das influências marxistas encontradas em sua obra no período em questão).

De qualquer maneira, parece que Lamounier viu na dominante presença de interesses de Estado na política brasileira a razão para a dificuldade em delinear de modo consistente a formação e desenvolvimento do pensamento brasileiro (cf. Lamounier, 1974, p. 319). A solução proposta por ele para tal desafio foi justamente a “ideologia de Estado”. Essa deficiente historiografia do pensamento nacional, que ele ressaltou também ser registrada por Santos, teria então causas políticas, isto é, ideológicas, visto não ser do interesse das principais vertentes políticas do pós-1945 revelar o estatismo subjacente ao pensamento brasileiro (cf. Lamounier, 1974, p. 311-312). De forma que prolongou-se, durante o período democrático de 1945 a 1964, na produção intelectual nacional, “o impulso para o planejamento, o desenvolvimento e a reforma social na origem associada a uma doutrina autoritária do Estado” (Lamounier, 1974, p. 326).19

Enquanto Lamounier postulou esse substrato comum ao pensamento político-social então dominante no país, Santos observou o oposto, criticando, para tanto, em termos teórico-metodológicos, o diagnóstico de Lamounier, por carregar consigo “a característica de dissolver as nuances e as diferenças, onde elas existem, e afirmá-las onde elas são irrelevantes” (Santos, 1978, p. 32). E aqui já concluindo: as distintas perspectivas analíticas desses autores, traduzidas a esta altura por certas diferenças teóricas e ideológicas, envolvem pontos de vista opostos sobre o Brasil e o pensamento brasileiro, os quais, contudo, por suas próprias unilateralidades, podem ser tratados como complementares em um certo balanço da trajetória intelectual nacional.

Um enfatizou a consistência intelectual e argumentativa em torno da performance estatal (cf. Lamounier, 1974, p. 314), mas em chave crítica, na medida em que nessa se oculta um interesse de Estado em nome da garantia da ordem e do desenvolvimento nacional. Ao passo que Santos desenhou uma intelectualidade capaz de uma mirada estratégica, baseada em conhecimento solidamente realista da particularidade nacional que define, a orientar o país na superação de atraso histórico, tarefa impossível de ser realizada seguindo-se a cartilha do liberalismo clássico. A este não poderia deixar de se filiar a crítica à “ideologia de Estado” elaborada por Lamounier, fato não assumido por ele, apesar de sua “posição epistemológica” determinista por espelhar ideologias e conflitos sociais (Santos, 1978, p. 33).

Neste diapasão, restava irresolvida – como que ideia fora do lugar, acrescenta-se20 – a contradição brasileira de ter liberalismo político, mas não sociedade liberal (Santos, 1978, p. 93). E apesar de “autoritários instrumentais” ou “ideólogos de Estado” (com a licença de estender o uso do conceito de Lamounier ao séc. XIX, segundo a historicidade analítica de Santos) terem elaborado saída mais sofisticada para dilema tão complexo, eles padeciam junto com liberais – doutrinários ou não – de, ao menos, uma mesma fraqueza, até 1888: “A pedra de toque da ordem prevalecente – o trabalho escravo – permanecia na penumbra da retórica de ambos os grupos”. (Santos, 1978, p. 51-52).

Finda, tardiamente, a modalidade de trabalho escravo (de maneira “não-clássica”, diferente do caso europeu: “a transição de uma economia não liberal para uma economia baseada na mão-de-obra livre” ocorreu por meio “da extensão da capacidade regulatória do Estado e não pelo abandono das regulações do Estado” – Santos, 1978, p. 85), ainda assim passa-se a ter um capitalismo sem burguesia autônoma, ou consistente politicamente por si mesma, de forma que o liberalismo brasileiro era antiestatista no discurso e estatólatra na prática (cf. Santos, 1978, p. 92-93).

Tanto para um como para outro dos autores aqui investigados, o nacionalismo afinado ao Estado perdura desde antes dos anos 1930, passando pela República dita populista (1945-1964) e adentrando a ditadura militar – quer como reaparecimento do “autoritarismo instrumental” após a experiência democrática (cf. Santos, 1978, p. 108 – também p. 55-56), quer como continuidade (mesmo que implícita) da “ideologia de Estado” no pós-64. (Lamounier, 1974, p. 295-297).

CONCLUSÃO

Keinert e Silva propõem, na ótica de uma sociologia dos intelectuais, que a institucionalização universitária da ciência política brasileira, protagonizada por Santos e Lamounier, entre outros, teve “caráter multidimensional”. Essa combinou a afirmação de novidade da cientificidade, comum a processos inaugurais desse tipo no campo acadêmico (“discurso de ruptura”), com o resgate de um “pensamento político-social” que fornecia “o lastro simbólico de uma linhagem intelectual” – “ideia de continuidade” (Keinert e Silva, 2010, p. 88 – itálicos dos autores).21 Tem-se então que à convergência institucional adicionou-se a intelectual, uma vez que ambos confluíram “na condução do processo de afirmação do campo disciplinar”; “a despeito das discordâncias entre eles”, foram construindo “uma tradição para a perspectiva de estudos políticos” do pensamento brasileiro(Keinert e Silva, 2010, p. 88), fundamentada na “valorização do pensamento político-social da Primeira República” (Keinert e Silva, 2010, p. 90) – no caso de Santos, também o do Brasil Império.

Ao que parece, é dessa forma peculiar que a área de estudos do pensamento se constrói: garantindo a relevância de seu objeto, antes tratado pejorativamente como pré-científico, mas também estabelecendo origens intelectuais para seus próprios pesquisadores, que investigam o passado para responder aos dilemas do presente – caso dos dois intelectuais aqui analisados, que viviam sob uma ditadura no período em tela: “Esse balanço sobre a produção do pensamento político-social fez-se paralelamente a uma avaliação da própria história brasileira, organizando uma versão sintonizada com as demandas postas pelo cenário político do presente” (Keinert e Silva, 2010, p. 88).

Certamente, esse foi um nexo fundamental sob o qual Santos e Lamounier produziram suas paradigmáticas duplas interpretações: sobre o Brasil e sobre o pensamento brasileiro.

Duplas interpretações opostas, por isso também potencialmente complementares. Conclui-se, pois, asseverando que a obra de Wanderley Guilherme dos Santos explica intelectualmente e justifica politicamente a expressividade da tradição político-ideológica estatal-nacional ao mesmo tempo que a reflete socialmente. De modo análogo, Bolívar Lamounier explica e denuncia a histórica proeminência estatal-nacional brasileira na medida do quão rarefeito é o liberalismo como efetiva ideologia de mercado – processo social que veio a pautá-lo intelectualmente. Não por acaso, a obra de Santos é mais aguda que a de Lamounier ao apontar a fraqueza da burguesia brasileira: integrada economicamente via mercado mundial e, por isso (e ao contrário dos casos europeus dados como exemplares), desinteressada da atuação política via Estado (cf, Santos, 1978, p. 110-111).

Em contrapartida, Santos tem dificuldade em observar a efetividade de interesses próprios, particulares, de camadas sociais vinculadas ao Estado, tão bem traduzidos no plano político e intelectual por Lamounier (1974, p. 303).

A complementaridade possível entre suas leituras ainda não foi devidamente explorada na bibliografia dedicada ao pensamento social e político nacional, o que se deve a dois fatores, em entendimento pessoal:

o predomínio histórico de ambas as correntes teóricas/políticas no Brasil, o nacionalismo e o liberalismo;

a insuficiência de trabalhos acadêmicos realizados na perspectiva de uma classificação marxista do pensamento brasileiro (uma exceção é Brandão – 2005).22

Em classificação marxista do pensamento brasileiro que foi proposto recentemente (Perruso, 2020), observa-se que as tradições analíticas nacionalista e liberal exploram, preferencialmente, as performances históricas, encaradas como positivas, do Estado-Nação e do mercado, respectivamente, de modo a levar à modernização. Tal teria se dado em função do enraizamento social de ambos, Estado e mercado, na trajetória do país, de maneira que potencializaram diferentes e opostas perspectivas intelectuais (Perruso, 2020). Como, porém, essas tradições não percebem, de forma privilegiada, a participação das classes populares na cena pública, produziriam diagnósticos necessariamente incompletos.

Registra-se, agora, que Santos e Lamounier expressaram com maestria científica a crítica que cada uma das duas facetas políticas e intelectuais dominantes na formação nacional sociocultural capitalista periférica endereça à outra, sua rival e homóloga: o primeiro, a esfera do Estado-Nação; o segundo, a ordem do mercado, na qual predomina o espírito do capitalismo.

A sugestão aqui oferecida é a seguinte: uma leitura revela a verdade que a outra esconde, e vice-versa, em face de prioridades analíticas antinômicas. A intelectualidade estatal-nacional tende a denunciar corretamente fraquezas e inconsistências da burguesia e do liberalismo brasileiro; os intelectuais liberais acabam por evidenciar agudamente – e, talvez, inadvertidamente – os interesses e o protagonismo das camadas burocráticas/tecnocráticas que operam, sob orientação nacionalista, a gestão estatal do capitalismo brasileiro. Sob este olhar marxista, ambas as facetas reproduzem e tornam inteligíveis, cada uma a seu modo, unilateral e dualisticamente, grandes eixos da dominação e da desigualdade de classe no Brasil.

Entende-se que uma ambição marxista deva ser conjugá-las em uma outra interpretação, dialética e depuradora de alguns equívocos dessas, que faça jus à trajetória histórica e à diversidade do pensamento social e político e das ciências sociais nacionais, levando em conta também o pensamento vinculado às classes populares. Se Santos reconheceu – como antes citado (1978, p. 51-52) – que a escravidão ficava obscurecida analiticamente nas obras liberais e antiliberais de então, é provável, segundo a baliza marxista, que a exploração do trabalho assalariado e os movimentos sociais correspondentes sigam, atualmente, pouco visibilizados pela mesma dicotomia reflexiva.

REFERÊNCIAS

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  • SANTOS, W. G. Raízes da imaginação política brasileira. Dados - Revista de Ciências Sociais, n. 7, p. 137-161, 1970.
  • 1
    Tradução do autor deste artigo. No original: “While the first generation of academic or semi-academic social scientists, before the end of World War II, was part and parcel of the movement of ideas I have described (…) the second one appears in public life under a democratic regime (1946-1964). The ideas of Oliveira Vianna’s generation suddenly became an object of study; and it was Guerreiro Ramos who, in a pioneering essay, first attempted to delineate it in conscious methodogical fashion.”
  • 2
    Tradução do autor deste artigo. No original: “Shortly after 1964, there appeared a renewed interest in the history of political ideas in Brazil, with special reference to the 1920’s and 1930’s. (…) With Vargas’ rise to power in that year, and with the important movement of ideas that preceded it, the liberal-pattern of thought of the ‘Old Republic’ (1889-1930) was effectively submerged and placed in a defensive position. The extremely low point from which recent efforts to organize the history of ideas were compelled to start is quite illustrative of the extraordinary vacuum in Brazilian political life produced by the Vargas’ dictatorship.”
  • 3
    As universidades estadunidenses foram o “destino invariável desses cientistas políticos mineiros e cariocas”. (Keinerte Silva, 2010, p. 86).
  • 4
    A FACE, nascida entidade privada, já tinha sido incorporada à UFMG; posteriormente foi criado o Departamento de Ciência Política desta universidade.
  • 5
    Wanderley Guilherme dos Santos se graduou na Faculdade Nacional de Filosofia (no Rio de Janeiro). Depois, já dirigindo o setor de filosofia do Iseb, foi se convertendo à ciência política exatamente por meio do estudo do pensamento político brasileiro. (Lynch, 2013, p. 11).
  • 6
    Destaca-se que Lamounier (1974) menciona Santos nas p. 311-312 e 323-324; e Santos (1978) refere-se a Lamounier nas p. 32 e 33.
  • 7
    Tal autonomia empoderadora das ideologias não faz Santos deixar de lado uma sociologia institucional das ideias e dos intelectuais brasileiros: “a evolução do pensamento social e político ficará, como é claro, na dependência da evolução organizacional da atividade científica”. (Santos, 1978, p. 21)
  • 8
    Tradução do autordesteartigo. No original: “All significant ideologies are a combination of value preferences with a cognitive evaluation of which structural alternatives are actually feasible in certain crucial historical junctures.”
  • 9
    Tradução do autor deste artigo. No original: “I see the State ideology to a large extent as a faithful mirror of the society and of the conflicts through which it changed.”
  • 10
    Tradução do autor deste artigo. No original: “Significant ideologies appear with significant historical events. Their dominant streams, expressing the interests and changing positions of vital forces in the society, reach deeply into the conceptual and linguistic devices in terms of which political and intellectual life come to be organized. (…) The argumentative structure of an ideology may thus remain determinative of further intelllectual developments a long time after he exhaustion of the original dilemmas from which it emerged. In general terms, it may be suggested that, the more relevant the original conceptions proved themselves to be, and the wider the range of social interests they were capable of amalgamating, the less likely it is that the fundamental structure will be perceived and subjected to reevaluation at a later time.”
  • 11
    Veja-se, ainda, Lessa (2011, p. 44) sobre este momento: “A ênfase marxista na precedência do ‘econômico’ – e, por extensão, do social – aparece como índice de grave reducionismo e hiperdeterminismo.”
  • 12
    Tradução do autor deste artigo. No original: “Authoritarian systems in general, and Brazil in particular, have for a long time been recognized as situations in which class or interest group concepts seem insufficient.”
  • 13
    Tradução do autor deste artigo. No original: “are characterised by a concentration of power in the hands of military and civilian bureaucracies which often do not seem very docile to economic or ‘class’ interests in a strict sense”.
  • 14
    Tradução do autor deste artigo. No original: “authoritarian regimes, Brazil included, do involve to a very considerable extent such an element of, as it is now fashionable to say, ‘autonomy of the superstructure’”.
  • 15
    A respeito dos critérios analíticos de feição estatal-nacional privilegiadamente operados por Wanderley Guilherme dos Santos em suas obras dedicadas ao pensamento brasileiro, veja-se Perruso: (2017; 2020). A reflexão de Lamounier sobre o pensamento também é analisada nestes dois artigos.
  • 16
    Tradução do autor deste artigo. No original: “ratifying whichever faction succeeded in imposing its order without resorting to the expansive logic of grass roots organization”.
  • 17
    Tradução do autor deste artigo. No original: “an authoritariam statist argument which required a selective perception and exageration of the degree to which the colonial heritage was at every moment ready to absorb the present with its deadly embrace.”
  • 18
    Tradução do autor deste artigo. No original: “specifically political conditions under which capitalist development takes place in the periphery”; e “as the growth of the State depends on economic growth and vice-versa, the ideology becomes primarily addressed to legitimating capitalist development in the eyes of power holders – the effective legitimators – who in a significant sense do not represent capitalist interests of their own, but who, on the contrary, often develop such interests from the power positions they come to occupy through other routes.
  • 19
    Tradução do autor deste artigo. No original: “the impetus toward planning, development, and social reform at the origin associated with an authoritarian doctrine of the State”.
  • 20
    Para dissabor de muitos nacionalistas e liberais, que costumam repudiar este conceito marxista de Roberto Schwarz.
  • 21
    A trajetória intelectual de Santos, um representante da intelligentsia estatal-nacional (de origem isebiana) do pré-64 convertido em membro da intelectualidade acadêmica, tal como seus interlocutores e rivais uspianos (Perruso, 2017, p. 25), expressa aquele “caráter multidimensional” (ou mesmo híbrido). Apesar de Lynch (2020, p. 1) afirmar o contrário, Santos nunca deixou de “fazer escola” em sua atuação profissional no IUPERJ (depois IESP), formando importantes pesquisadores na trilha do nacionalismo metodológico brasileiro. Keinerte Silva (2010, p. 87) caracterizam tal conversão como abandono do marxismo em favor da ciência política estadunidense, mas Santos – que jamais deixou de ser um nacionalista no plano político-ideológico – focava sua crítica apenas a um certo marxismo praticado no Brasil, de maior zelo teórico e menor intenção de pesquisa empírica. (Santos, 1980, p. 24-25; Perruso, 2009, p. 35)
  • 22
    A ideia inicial de Bernardo Ricupero, ao sugerir-me o tema desse trabalho, era utilizar o conceito gramsciano de “Estado ampliado”. Ainda não pude fazê-lo, seguindo por ora a classificação materialista do pensamento brasileiro que proponho em artigos antes mencionados (Perruso: 2017; 2020), no escopo de uma agenda de pesquisas que abarque os estudos em pensamento político-social, a história das ciências sociais e uma sociologia dos intelectuais que não se reduza à análise da institucionalidade do campo intelectual (a respeito, Perruso, 2009, p. 240-246). Sobre a dualidade teórico-metodológica, que objetivo evitar, entre história das ideias e sociologia dos intelectuais em nossas ciências sociais, veja-se Keinerte Silva, 2010, p. 92.
  • Editor Chefe:
    Renato Francisquini Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2024
  • Aceito
    23 Jan 2025
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