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DOMINAÇÃO SEM HEGEMONIA E OS LIMITES DO PODER MUNDIAL DOS ESTADOS UNIDOS1 1 Gostaríamos de agradecer a Ricardo Jacobs, Sahan Karatasli, Kevin Young e aos participantes do Seminário Geral do Arrighi Center na Universidade Johns Hopkins por seus comentários úteis sobre uma versão anterior. Agradecemos a Richard Lachmann (1956-2021) por nos encorajar a escrever este trabalho, bem como pela inspiração que nos deu como intelectual, colega e ser humano.

DOMINATION WITHOUT HEGEMONY AND THE LIMITS OF UNITED STATES WORLD POWER

LA DOMINATION SANS HÉGÉMONIE ET LES LIMITES DU POUVOIR MONDIALE DES ÉTATS-UNIS

Resumos

Muitas análises apontam para o comportamento de Trump no cenário mundial – intimidação e extorsão que mais lembram a um mafioso que a um estadista – como falha de caráter pessoal. Embora esse comportamento tenha sido chocante na sua falta de polidez, Trump marca o culminar de uma tendência de décadas que transformou a política externa dos EUA de um regime de “proteção legítima” em meados do século XX num “esquema extorsivo de proteção” na virada do século XXI. Embora os temperamentos de sucessivos presidentes tenham sido importantes, os problemas enfrentados pelos EUA e seu papel no mundo não são atribuíveis a personalidades, mas são fundamentalmente estruturais, majoritariamente decorrentes das contradições de suas tentativas de se agarrar à sua preeminência diante das transformações na distribuição global de poder. A incapacidade de seus sucessivos governos – incluindo Trump e Biden – de romper com a mentalidade de primazia dos EUA resultou numa situação de “dominação sem hegemonia”, na qual desempenham papel cada vez mais disfuncional no mundo. Essa dinâmica mergulhou o mundo num período de caos sistêmico análogo à primeira metade do século XX.

Trump; Biden; Hegemonia; Guerra; Política Externa dos Estados Unidos


Many analyses point to Trump’s behavior on the world stage – bullying and racketeering more reminiscent of a mobster than a statesman – as a personal character flaw. But while this behavior was shocking in its crudeness, Trump marks the culmination of a decades-long trend that shifted US foreign policy from a regime of “legitimate protection” in the mid-20th century to a “protection racket” by the turn of the 21st century. Although the temperaments of successive presidents have mattered, the problems faced by the US and its international role are not attributable to personalities, but are rather fundamentally structural, in large part stemming from the contradictions of the country’s attempts to cling to preeminence before a changing global power distribution. The inability of successive US administrations – Trump and Biden included – to break with the mindset of US primacy has resulted in a “domination without hegemony,” in which the United States plays an increasingly dysfunctional role. This dynamic has plunged the world into a period of systemic chaos analogous to the first half of the 20th century.

Trump; Biden; Hegemony; War; US Foreign Policy; Crisis


De nombreuses analyses soulignent que le comportement de Trump sur la scène mondiale – intimidation et extorsion rappelant davantage un mafieux qu’un homme d’État – est un défaut de caractère personnel. Si ce comportement était choquant par son manque de politesse, Trump marque l’aboutissement d’une tendance de plusieurs décennies qui a transformé la politique étrangère américaine, passant d’un régime de “protection légitime” au milieu du XXe siècle à un “racket de protection extorqué” au début du XXIe siècle. Si les tempéraments des présidents successifs ont été important, les problèmes auxquels sont confrontés les États-Unis et leur rôle international ne sont pas imputables à des personnalités, mais sont fondamentalement structurels, découlant pour la plupart des contradictions de leurs tentatives de s’accrocher à leur prééminence face aux transformations de la répartition mondiale du pouvoir. L’incapacité des gouvernements nord-américains successifs – y compris Trump et Biden – à rompre avec la mentalité de primauté des États-Unis a abouti à une situation de “domination sans hégémonie” dans laquelle ils jouent un rôle de plus en plus dysfonctionnel. Cette dynamique a plongé le monde dans une période de chaos systémique analogue à celle de la première moitié du XXe siècle.

Trump; Biden; Hégémonie; La guerre; La Politique Etrangère Américaine; Crise


1 1 Gostaríamos de agradecer a Ricardo Jacobs, Sahan Karatasli, Kevin Young e aos participantes do Seminário Geral do Arrighi Center na Universidade Johns Hopkins por seus comentários úteis sobre uma versão anterior. Agradecemos a Richard Lachmann (1956-2021) por nos encorajar a escrever este trabalho, bem como pela inspiração que nos deu como intelectual, colega e ser humano. INTRODUÇÃO

Donald Trump é um intimidador. Ensinado por seu pai desde tenra idade que existem apenas dois tipos de pessoas – vencedores e perdedores –, ele estava determinado a fazer o que fosse necessário para ser um “vencedor” (Taddorino, 2020TADDORINO, P. Trump the “Bully”: how childhood & military school shaped the future president. Frontline PBS, [s. l.], 20 Sep. 2020.). Depois de estabelecer uma reputação de “impiedoso” na “terra sem lei” do setor imobiliário de Nova York (Brenner, 2017BRENNER, M. How Donald Trump and Roy Cohn’s ruthless symbiosis changed America. Vanity Fair, [s. l.], 28 Jun. 2017. Disponível em: https://www.vanityfair.com/news/2017/06/donald-trump-roy-cohn-relationship. Acesso em: 2 maio 2022.
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), Trump importou esse comportamento para a Casa Branca. De fato, como foi amplamente notado, Trump agiu mais como um mafioso do que como um estadista, com uma abordagem em relação aos aliados estrangeiros que tinha mais em comum com um esquema extorsivo de proteção do que com uma parceria (McFaul, 2016MCFAUL, M. Mr. Trump, NATO is an alliance, not a protection racket. Washington Post, Washington, DC, 25 Jul. 2016.). Um exemplo particularmente notório – seu telefonema no estilo mafioso para o presidente da Ucrânia em 2019 – precipitou seu primeiro processo de impeachment e a tentativa (fracassada) de removê-lo do cargo (Foer, 2019FOER, F. Trump’s classic bully move. The Atlantic, [s. l.], 25 Sep. 2019. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2019/09/donald-trump-bullied-ukrainian-president-zelensky/598798/. Acesso em: 2 maio 2022.
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).

A intimidação promovida por Trump, incluindo seu comportamento no cenário mundial como presidente dos EUA, geralmente foi entendida como falha de caráter pessoal – o que sem dúvida foi. No entanto, embora a intimidação vinda de Trump como presidente tenha sido sem precedentes em quão sem polidez foi, em vez de ser uma aberração completa, ele marca o culminar de um processo de décadas que transformou a política externa dos EUA de um regime de “proteção legítima” em meados do século XX, para um “esquema extorsivo de proteção” no início do século XXI.

Embora Biden tenha se inclinado para a ideia de que a personalidade tóxica de Trump era a raiz do problema, expressando esperança de que seu legado seria “restaurar a alma da nação”, trazer de volta “decência e honra ao cargo” de presidente e “reconstruir as alianças [internacionais]” (Vankil, 2022VANKIL, C. Biden says he hopes his legacy ‘is that I restored the soul of this country’. The Hill, [s. l.], 26 Feb. 2022.), o governo Biden tem encontrado dificuldade em evitar as contradições envolvidas na tentativa de manter a primazia global dos EUA em um mundo em que a distribuição de poder está se tornando mais uniformemente distribuída. Assim, embora Biden inicialmente tenha “acalmado os ânimos” nas relações dos EUA com aliados e inimigos em todo o mundo (como Obama em relação ao governo de George Bush Jr.), o governo Biden (como seus predecessores) foi incapaz de imaginar um mundo em que seu país não seja o “Número 1”. Como argumentaremos, a incapacidade de sucessivos governos de romper com essa mentalidade de primazia global resultou nos EUA desempenhando um papel cada vez mais disfuncional no mundo. Em outras palavras, na sua essência, as contradições e os limites do poder mundial dos EUA são estruturais, começando bem antes de Trump e continuando depois dele.

Nosso argumento prossegue da seguinte forma: na próxima seção, descrevemos a transformação do poder mundial dos EUA de um regime de “proteção legítima” nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial para um “esquema extorsivo de proteção” no final do século XX/início do século XXI. Em seguida, concentramo-nos no governo Trump. Trazendo para a Casa Branca sua vasta experiência como um “extorsor” sem escrúpulos na vida privada, Trump elevou o “esquema extorsivo de proteção” global dos EUA a um nível totalmente novo. Mas, em vez de “tornar a América grande novamente”, sua ousadia acelerou o declínio de longo prazo do poder e do prestígio do país no mundo. Na penúltima seção, voltamo-nos para as tentativas do governo Biden de restaurar a liderança dos EUA com a agenda pós-Trump “a América está de volta”. Finalmente, concluímos delineando o que seria necessário para estabelecer um novo regime global de proteção legítima – e apontamos para as consequências fatais de não fazê-lo.

DA PROTEÇÃO LEGÍTIMA AO ESQUEMA EXTORSIVO DE PROTEÇÃO

“A imagem que a palavra ‘proteção’ traz à mente”, explica Charles Tilly (1985TILLY, C. War making and state making as organized crime. In: EVANS, P. B.; RUESCHEMEYER, D.; SKOCPOL, T. (ed.). Bringing the state back in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 169-191., p. 170-171), “depende principalmente de nossa avaliação da realidade e da externalidade da ameaça. Alguém que produz tanto o perigo quanto, por um preço, o escudo contra ele é um bandido”. E segue: “Alguém que fornece um escudo necessário, mas tem pouco controle sobre o surgimento do perigo, qualifica-se como um protetor legítimo”. Neste último, “‘proteção’ evoca imagens de abrigo contra o perigo, proporcionado por um aliado poderoso, uma grande apólice de seguro ou um telhado robusto”, enquanto o anterior “evoca o esquema em que um homem forte local obriga os comerciantes a pagar tributo para evitar danos – danos que o próprio homem forte ameaça causar”. Giovanni Arrighi (2008)ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008. considerou a distinção de Tilly útil para dar sentido à trajetória dos EUA como potência mundial ao longo da segunda metade do século XX, descrevendo uma mudança de um regime de proteção legítimo nas décadas imediatamente após a Segunda Guerra Mundial para um esquema extorsivo de proteção disfuncional na virada do século XXI (Arrighi, 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.).

A provisão de “legítima proteção”, na formulação de Arrighi (2008)ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008., desempenhou papel fundamental no estabelecimento da hegemonia mundial dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Trabalhando com uma conceituação gramsciana de hegemonia (mas estendendo-a ao nível global), Arrighi argumentou que o poder mundial dos EUA era exercido por meio de uma combinação de dominação e consentimento. A “liderança intelectual e moral” foi exercida em relação a “grupos aliados” (e Estados), enquanto medidas coercitivas foram aplicadas a “grupos antagônicos” (e Estados). Parafraseando Gramsci (1971GRAMSCI, A. Selections from the prison notebooks of Antonio Gramsci. New York: International Publishers, 1971., p. 57), Arrighi (1996)ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto/Unesp: São Paulo, 1996. argumentou que hegemonias mundiais bem-sucedidas foram capazes de inflar seu poder além do que seria possível alcançar apenas pela força, respondendo a “todas as questões em torno das quais os conflitos ocorrem” com num plano “universal”; isto é, agindo de forma percebida como sendo do interesse do bloco hegemônico como um todo.2 2 Certamente, a pretensão do poder dominante de representar o interesse universal é sempre mais ou menos fraudulenta. Por um lado, os excluídos do bloco hegemônico (os “grupos antagônicos” de Gramsci) são governados pela força. No entanto a pretensão do poder dominante de representar o interesse universal deve ter um grau significativo de credibilidade aos olhos dos grupos aliados. A “hegemonia” (em oposição à dominação) pressupõe que “o grupo dirigente deve fazer sacrifícios de tipo econômico-corporativo”; isto é, não pode governar de forma sustentável apenas com base em seus próprios interesses estreitos (Gramsci 1971, p. 161). Karl Polanyi (1944) tomou um caminho diferente para chegar a uma conclusão semelhante, escrevendo que: “A menos que a alternativa a uma determinada configuração social seja um mergulho na destruição total, nenhuma classe grosseiramente egoísta pode manter-se na liderança” (p. 163, grifo nosso). A capacidade de fornecer “proteção legítima” para seus aliados, principalmente na Europa Ocidental, ampliou o poder mundial dos EUA nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Mas, na virada do século, com o regime de “legítima proteção” se transformando num “esquema extorsivo de proteção”, desencadeou-se um círculo vicioso de crise e declínio hegemônico estadunidense (Arrighi 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.).

Enquanto os grupos dominantes da Europa Ocidental formavam o núcleo do bloco hegemônico liderado pelos EUA no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, estes (com mais ou menos credibilidade) buscavam construir uma base consensual (geograficamente) mais ampla e (socialmente) mais profunda para seu poder mundial. Assim, os pilares socioeconômicos que sustentaram o estabelecimento da hegemonia mundial dos EUA foram tão importantes quanto os pilares militares. No período imediato do pós-guerra, os Estados da Europa Ocidental enfrentaram fortes movimentos trabalhistas e muitos encararam a ameaça de convulsões revolucionárias. A reconstrução da Europa Ocidental patrocinada pelos EUA (por exemplo, por meio do Plano Marshall), combinada com o estabelecimento de instituições econômicas internacionais que reconheceram o direito dos Estados de proteger os meios de subsistência de seus cidadãos dos piores excessos do capitalismo, não apenas relançou um círculo virtuoso de lucratividade para os capitalistas (a idade de ouro do Keynesianismo); também ofereceu uma solução reformista para os desafios revolucionários da época, pois o “Sonho Americano” de consumo de massa (estilos de vida da classe média) foi prometido à classe trabalhadora como um todo nos países centrais (Silver; Slater, 1999SILVER, B. J.; SLATER, E. The social origins of world hegemonies. In: ARRIGHI, G.; SILVER, B. J. (ed.). Chaos and governance in the modern world system. [S. l.]: [s. n.], 1999. p. 151-216.). E, enquanto a coerção desempenhou um papel muito mais importante nas estratégias de poder dos EUA no Terceiro Mundo desde o início, um apelo às elites do Terceiro Mundo baseado no consentimento foi incorporado ao “projeto de desenvolvimento” do pós-guerra (McMichael, 2012MCMICHAEL, P. Development and social change: a global perspective. 50. ed. Los Angeles: Sage, 2012.), especialmente a afirmação de que a industrialização resultaria em países mais pobres “alcançando” os padrões nacionais de riqueza dos ricos (Arrighi; Silver; Brewer, 2003ARRIGHI, G.; SILVER, B. J.; BREWER, B. D. Industrial convergence, globalization, and the persistence of the North-South divide. Studies in Comparative International Development, [s. l.], v. 38, n. 1, p. 3-31, 2003.).

Na esfera militar, os EUA puderam oferecer a seus aliados europeus um escudo contra um perigo real que não haviam criado. Na primeira metade do século XX, a violência em massa (incluindo duas guerras mundiais) originou-se na Europa e engoliu o mundo – guerras que os EUA tiveram pouco ou nenhum papel em desencadear. Além disso, as propostas de Roosevelt e Truman para financiar a provisão mundial de proteção militar com o capital excedente acumulado nos EUA durante os trinta anos anteriores de caos sistêmico global significava que os EUA podiam oferecer proteção a seus clientes a um preço imbativelmente baixo (Arrighi, 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.).

Mas essa situação começou a mudar no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. A derrota dos EUA no Vietnã demonstrou que a proteção que os militares estadunidenses ofereciam não era tão confiável quanto alegavam ou seus clientes esperavam. Além disso, enquanto os EUA estavam atolados no Vietnã, seus clientes europeus e do leste asiático cresciam em força econômica, tornando-se sérios concorrentes comerciais e provocando uma crise geral de lucratividade para os capitalistas. Ao mesmo tempo, as empresas multinacionais estadunidenses acumularam lucros em mercados financeiros estrangeiros, acabando por privar o governo estadunidense de receitas fiscais e contribuindo para uma corrida pelo dólar. Assim, nesse período, o poder militar dos EUA perdeu sua credibilidade, e seu domínio financeiro (que pagou pela extensão global do poder militar norte-americano) entrou em crise (Arrighi, 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.).

Na década de 1980, em resposta às crises combinadas do capitalismo dos EUA e de seu poder mundial, os amplos apelos hegemônicos às classes trabalhadoras no centro e às elites do Terceiro Mundo foram abandonados de cima para baixo. A mudança na esfera socioeconômica do “projeto de desenvolvimento” para o “projeto de globalização” neoliberal (McMichael, 2012MCMICHAEL, P. Development and social change: a global perspective. 50. ed. Los Angeles: Sage, 2012.) e do “estado de bem-estar” para o “mercado livre” foram aspectos-chave no desmoronamento do regime estadunidense de “proteção legítima”. Ao mesmo tempo, nas esferas militar e financeira, Reagan procurou restaurar a primazia global dos EUA lançando uma “Segunda Guerra Fria”, dessa vez com aliados pagando a conta. Ele forçou o Japão a decretar restrições “voluntárias” às exportações e a usar seus superávits comerciais para financiar os déficits dos EUA por meio da compra de títulos do Tesouro dos EUA. Além disso, num esforço para evitar o envolvimento direto de soldados estadunidenses em “guerras quentes”, os EUA financiaram ou apoiaram uma variedade de “valentões” (bullies) para lutar guerras por procuração, notadamente, Saddam Hussein (contra o Irã) e Osama Bin Laden (contra a União Soviética no Afeganistão).

Para Arrighi (2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008., p. 257), os “Estados Unidos passaram, assim, a cobrar dos aliados um preço por sua proteção, e ao mesmo tempo a produzir os perigos contra os quais mais tarde ofereceria proteção”. Nesse período, segundo Chalmers Johnson (2004JOHNSON, C. The sorrows of empire: militarism, secrecy, and the end of the republic. New York: Metropolitan Books, 2004., p. 307), “como gângsteres na década de 1930 que forçavam as pessoas e empresas sob seu domínio a pagar dinheiro de proteção, os Estados Unidos pressionavam governos estrangeiros a pagar por seus projetos imperiais”. O esquema estava em plena exibição na Guerra do Golfo de 1991. O governo Bush pai extraiu contribuições financeiras para cobrir o custo do conflito de “seus clientes mais ricos e militarmente mais dependentes” – notadamente Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Alemanha e Japão. Os Estados clientes contribuíram com o total de US$ 54,1 bilhões, em contraste com a contribuição dos próprios EUA de US$ 7 bilhões; além disso, com as contribuições aliadas excedendo os custos da guerra em 1991, o Departamento de Orçamento e Administração dos EUA registrou um “lucro” para o ano fiscal (Silk, 1991SILK, L. Economic scene: the broad impact of the Gulf War. The New York Times, New York, D2, 16 Aug. 1991.). O esquema extorsivo de proteção – no qual os EUA extraíam pagamento contra ameaças que eles mesmos haviam criado (por exemplo, por meio do seu apoio a Hussein na Guerra Irã-Iraque) estava em plena formação.

Sob o governo Clinton, o esquema extorsivo de proteção ganhou novos contornos. Os antigos países do Pacto de Varsóvia foram admitidos na aliança militar da Otan, apesar das promessas anteriores feitas a Gorbachev e Yeltsin, e contra o aconselhamento de adeptos da Guerra Fria, como George Kennan, Paul Nitze, Jack Matlock e John Armitage, que (corretamente) temiam que a expansão da Otan para o leste produzisse um eventual contragolpe na forma de tensões geopolíticas incontroláveis com a Rússia. Assim como com o retorno negativo do apoio a Hussein e a Bin Laden, a decisão de expandir a Otan significava (parafraseando Tilly) que os EUA eram responsáveis (pelo menos em parte) por produzir o perigo contra o qual mais tarde ofereceriam proteção.

Além disso, com a expansão da Otan para o leste, os fabricantes de armas estadunidenses – que haviam enfrentado perdas significativas com o fim da Guerra Fria – agora “ganhavam bilhões de dólares em vendas de armas, sistemas de comunicação e outros equipamentos militares”, desde que os novos membros da Europa Oriental foram obrigados a substituir seus sistemas de fabricação soviética por equipamentos militares compatíveis com a aliança ocidental. Os fabricantes de armas dos EUA “rapidamente se apegaram à ideia” da expansão da Otan e “ajudaram o governo [Clinton] a vendê-la”, incluindo gastar grandes somas em contribuições para campanhas e em lobby no Congresso (Seelye, 1998SEELYE, K.Q. Arms contractors spend to promote expanded NATO. The New York Times, New York, A1, 30 Mar. 1998.). O entusiasmo dos fabricantes de armas estadunidenses levou o senador Tom Harkin a se referir à expansão da Otan como “um Plano Marshall para prestadores de serviço de defesa que estão ansiosíssimos para vender armas e obter lucros” (Seelye, 1998SEELYE, K.Q. Arms contractors spend to promote expanded NATO. The New York Times, New York, A1, 30 Mar. 1998.).

No entanto havia limites para o esquema extorsivo de proteção, o que ficou claro durante a presidência de Bush Jr., quando os EUA enfrentaram dificuldades para extorquir o pagamento de tributos de seus aliados tradicionais. Em Madri, em 2003, a “conferência de doadores” organizada pelos EUA para apoiar a invasão do Iraque foi um fracasso impressionante. Os EUA levantaram menos de um oitavo de sua meta. Em contraste marcante com a arrecadação de fundos de 1991, Estados clientes como Alemanha e Arábia Saudita não deram praticamente nada. A maior promessa, do Japão, foi de apenas US$ 1,5 bilhão, uma ninharia em comparação com seu compromisso com a primeira Guerra do Golfo. Além disso, as dificuldades pantanosas (e as últimas derrotas militares) no Iraque e no Afeganistão contribuíram ainda mais para o declínio do status dos EUA no mundo. Não só a proteção militar estadunidense era vista como cada vez mais cara e não confiável, como o próprio comportamento do pretenso protetor estava começando a ser mais amplamente percebido como fonte importante (direta ou indireta) de perigo (Arrighi, 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.).

A administração Bush, incapaz de arrecadar fundos tanto internamente, por meio de impostos, quanto internacionalmente, por meio da busca de tributos, tentou extorquir o Iraque e o Afeganistão. No Iraque, funcionários do governo Bush argumentaram que a guerra se pagaria. Por exemplo, Paul Wolfowitz testemunhou ao Congresso em março de 2003: “Há muito dinheiro para pagar, por isso não precisa ser dinheiro do contribuinte dos EUA, e começa com os ativos do povo iraquiano”. Nesse mesmo dia, o secretário de Defesa Donald Rumsfeld observou que, “antes de nos voltarmos para o contribuinte americano, vamos nos voltar primeiro para os recursos do governo iraquiano e da comunidade internacional” (Navasky; Cerf, 2008NAVASKY, V.; CERF, C. Who said the war would pay for itself? They did! The Nation, [s. l.], 13 Mar. 2008.). Assim, planejava-se uma pilhagem neoliberal: as empresas estatais iraquianas seriam privatizadas, os benefícios sociais seriam cortados e o livre fluxo de capital financeiro seria assegurado, com empresas estadunidenses criadas para receber a fatia majoritária dos novos lucros. Mas, mais do que isso, os planejadores de guerra de Bush viram a invasão do Iraque – e sua planejada invasão do Irã – como forma de enriquecer diretamente os estadunidenses por meio da tomada de reservas de petróleo e outros ativos.

Mas, como Richard Lachmann (2020)LACHMANN, R. First-class passengers on a sinking ship: elite politics and the decline of great powers. London: Verso, 2020. apontou, a pilhagem neoliberal teve consequências não intencionais: a pilhagem estadunidense diminuiu as oportunidades de recrutar e reter colaboradores no Iraque e no Afeganistão, tirando das elites locais as oportunidades de enriquecimento – oportunidades que haviam sido disponibilizadas para os seus homólogos da Guerra Fria. À medida que as empresas locais foram substituídas por empresas estadunidenses, os bens e serviços que costumavam ser fornecidos por iraquianos e afegãos para iraquianos e afegãos passaram a ser fornecidos por empresas estadunidenses com força de trabalho estrangeira. Por sua vez, os EUA “poderiam contar com menos apoio [local] do que os ocupantes estadunidenses em guerras anteriores” e, portanto, “precisavam contar quase exclusivamente com a força militar” para pacificar os insurgentes. Na ausência de oportunidades de enriquecimento, as elites locais se saíram “melhor para si mesmas ao se aliar aos insurgentes, ou pelo menos recuar e permitir que os insurgentes expulsassem os Estados Unidos do Iraque e do Afeganistão” (Lachmann, 2020LACHMANN, R. First-class passengers on a sinking ship: elite politics and the decline of great powers. London: Verso, 2020., p. 348-349). Essa combinação de uma relativa escassez de parceiros consentidos e considerável resistência da elite local, observa Lachmann, contribuiu para uma espiral viciosa de doses cada vez maiores de poder militar (Schwartz, 2008SCHWARTZ, M. War without end: the Iraq war in context. Chicago: Haymarket, 2008.).

Embora essa pilhagem neoliberal tenha conseguido enriquecer os capitalistas estadunidenses, ela pouco fez para compensar os custos fiscais das guerras. Em vez disso, o governo Bush recorreu ao financiamento da dívida para pagar os conflitos. Durante os anos Bush, os EUA acumularam mais de US$ 800 bilhões em dívidas relacionadas à guerra – um número que subiu para US$ 2 trilhões em 2020 (somados a mais de US$ 900 bilhões em juros), à medida que as operações de guerra se expandiam e os gastos deficitários continuavam inabaláveis. Cerca de 40% das guerras foram financiadas por empréstimos estrangeiros, sendo a China e o Japão os principais detentores dessa dívida (Peltier, 2020PELTIER, H. The Cost of debt-financed War: public debt and rising interest for Post-9/11 War Spending. Providence: Brown University, 2020. Disponível em: https://watson.brown.edu/costsofwar/files/cow/imce/papers/2020/Peltier%202020%20-%20The%20Cost%20of%20Debt-financed%20War.pdf. Acesso em: 2 maio 2022.
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). Assim, enfrentando dívidas crescentes e insurgências obstinadas, ao final do mandato de Bush, os EUA enfrentavam desafios financeiros e militares notavelmente semelhantes aos da crise do início dos anos 1970.

Inaugurando seu mandato em meio a esse desastre, o governo Obama pretendia recuperar alguma legitimidade internacional que os EUA haviam perdido nos anos Bush, mas, diante do desafio assustador de colocar ordem no caos de seu antecessor, apenas aparou as arestas do projeto neoconservador por um “Novo Século Estadunidense” – criando um aparato institucional que permitisse uma guerra mais “sustentável” ao terror (Ackerman, 2021ACKERMAN, S. Reign of terror: how the 9/11 era destabilized America and produced Trump. New York: Viking, 2021.). Como Bush antes dele, a questão de como pagar pela Guerra ao Terror perseguiu o mandato de Obama. A extração de recursos dos países ocupados ainda era uma carta na mesa. Por exemplo, o Departamento de Defesa de Obama montou uma força-tarefa para tentar construir uma indústria de mineração no Afeganistão para extrair a riqueza mineral do país em benefício de empresas estadunidenses, um projeto que estava repleto de corrupção e nunca decolou, e os conselheiros do Departamento de Estado de Hillary Clinton discutiram a retirada do petróleo da Líbia após as intervenções patrocinadas pelos EUA e pela França (Landler; Risen, 2017LANDLER, M.; RISEN, J. Mineral wealth in Afghanistan tempts Trump. The New York Times, New York, A1, 26 Jul. 2017.; Norton, 2016NORTON, B. Donald Trump’s Libya policy is strikingly similar to one of Hillary’s top surrogates. Salon, [s. l.], 20 Jun. 2016.; Risen, 2010RISEN, J. U.S. identifies vast mineral riches in Afghanistan. The New York Times, New York, A1, 14 Jun. 2010.). Obama pode ter entrado no cargo com verdadeiras intenções de acabar com as guerras de Bush, mas as tentativas de acabar com a guerra no Iraque, reduzir as operações no Afeganistão e “redirecionar” as energias militares para o Leste Asiático falharam, visto que os reveses das guerras dos EUA na forma de Isis – Islamic State of Iraq and Syria – um Talibã ressurgente (no Afeganistão) mantiveram os EUA presos à Ásia Ocidental (Bacevich, 2016BACEVICH, A. J. America’s war for the greater Middle East: A military history. New York: Random House, 2016.).

À medida que o poder e o status dos EUA no mundo decaíam, os potenciais desafiantes à proeminência dos EUA prosperavam. Não obstante o anúncio da secretária de Estado Hillary Clinton (2011)CLINTON, H. America’s Pacific century. Foreign Policy, Washington, DC,p. 56-63, Nov. 2011. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2011/10/11/americas-pacific-century/. Acesso em: 2 maio 2022.
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de uma “rotação” militar em direção ao Leste Asiático, o extraordinário crescimento econômico da China prosseguiu sem obstáculos, pois os EUA permaneceram atolados na Ásia Ocidental – com guerras que aumentaram seu endividamento com a China. Além disso, a China se tornou o maior e mais rápido mercado de crescimento para um grande número de Estados em vários continentes. Entre os aliados dos EUA, preocupações ocasionais com a ascensão da China foram atenuadas por seu crescente alarme diante das desventuras militares estadunidenses em andamento e as consequências a elas associadas. Ao contrário das consequências imediatas da Segunda Guerra Mundial, os EUA não estavam apenas falhando em fornecer a “liderança intelectual e moral” necessária para resolver os crescentes desafios sociais, econômicos e geopolíticos que o mundo enfrentava no início do século XXI – também eram cada vez mais vistos como um dos principais contribuintes para o caos crescente. Enquanto isso, a China não apenas se tornou um dos maiores credores da explosão da dívida externa dos EUA como também estava dando passos em direção a um projeto hegemônico global (no sentido gramsciano do termo) por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota – um projeto que os líderes chineses promoveram como uma iniciativa “em que todos ganham” que era (com certeza) do interesse da China, mas também fomentava o “interesse universal” mais amplo pela paz e prosperidade (Xinhua Net, 2017XINHUA NET. President Xi says to build Belt and Road into road for peace, prosperity. Xinhua Net, Pequim, 14 May 2017. Disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2017-05/14/c_136281412.htm. Acesso em: 2 maio 2022.
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). Assim, quando Trump foi eleito em 2016, a afirmação de Arrighi (2008)ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008. de que a China era “a verdadeira vencedora da Guerra ao Terror” soava cada vez mais verdadeira.

TRUMP: UM EXTORSOR SEM ESCRÚPULOS ASSUME O CONTROLE DO ESQUEMA DE EXTORSÃO

Trump entrou em cena como um extorsor pronto para intensificar o esquema de extorsão. Ao assumir o cargo, aplicou no cenário mundial uma estratégia de intimidação que há muito empregava em seus negócios e em sua vida pessoal. Aprendendo táticas de combate político e extração no estilo gângster com Roy Cohn e seu pai (Brenner 2017BRENNER, M. How Donald Trump and Roy Cohn’s ruthless symbiosis changed America. Vanity Fair, [s. l.], 28 Jun. 2017. Disponível em: https://www.vanityfair.com/news/2017/06/donald-trump-roy-cohn-relationship. Acesso em: 2 maio 2022.
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), Trump trouxe a extorsão para a Casa Branca com uma nova roupagem. Embora o esquema extorsivo de proteção em si não fosse um desenvolvimento novo, a ousadia com que Trump o conduziu – e seu uso do Gabinete do Presidente para enriquecimento pessoal – era novo e ofensivo para a sensibilidade de muitos em Washington e além. A abertura de um hotel a poucos passos da Casa Branca permitiu que Trump literalmente lucrasse com sua presidência, já que bajuladores, dignitários estrangeiros e lobistas bajulavam o governo se hospedando lá. Suas viagens frequentes para suas outras propriedades – nas quais o governo pagou por acomodações para uma série de seguranças, funcionários e assessores – e as operações comerciais contínuas de seus filhos no exterior encheram ainda mais os cofres de Trump. Talvez mais notadamente em julho de 2019, Trump pressionou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a desenterrar a sujeira de seu rival político, Joe Biden. Ele observou num telefonema: “Eu diria que fazemos muito pela Ucrânia […] eu não diria que é necessariamente recíproco”. Então, depois de discutir as remessas emperradas de armas dos EUA, Trump continuou: “Eu gostaria que você nos fizesse um favor […]” – ou seja, abrir uma investigação sobre os Biden (Wolf; Merril, 2019WOLF, Z. B.; MERRIL, C. Trump’s Ukraine phone call, annotated. CNN, Atlanta, 25 Sep. 2019). Se a extorsão por “interesses dos EUA” se tornou um padrão de política externa em Washington, a extorsão para ganho pessoal estava além dos limites para democratas e figuras do establishment, levando como consequência ao primeiro impeachment de Trump. Essa linha tênue entre extração aceitável e inaceitável foi usada por Trump como uma bengala em sua defesa, referindo-se à discussão do quid pro quo como um telefonema “perfeitamente normal e rotineiro” (Itkowitz, 2019ITKOWITZ, C. Trump defends call with Ukrainian president, calling it “perfectly fine and routine”. Washington Post, Washington, DC, 21 Sep. 2019. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/politics/trump-defends-call-with-ukrainian-president-calling-it-perfectly-fine-and-routine/2019/09/21/837b906e-dc76-11e9-ac63-3016711543fe_story.html. Acesso em: 2 maio 2022.
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).

No cenário mundial, como observa Stephen Wertheim (2017WERTHEIM, S. Quit calling Donald Trump an isolationist. He’s worse than that. Washington Post, Washington, DC, 17 Feb. 2017., 2021WERTHEIM, S. What Trump got right: shaking the foreign policy consensus. Washington Post, Washington, DC, 30 Jul. 2021.), Trump “rejeitou o consenso estabelecido de que os EUA têm o direito e o dever de zelar pela ordem internacional através da força”. Ao fazê-lo, ele não rejeitou o direito de usar a força, mas, sim, a noção de que os Estados Unidos tinham o dever de usá-la para proteger a ordem internacional – ou, ainda mesmo, que valia a pena que a ordem internacional fosse protegida. Trump pode ter abandonado o “internacionalismo nobre”, porém o substituiu não por comedimento, mas por “militarismo de intimidação”. Em suma, “Trump desnudou o poder estadunidense, desfazendo-se de seu manto de piedade”. Em vez de apelar para “o direito e o dever” dos EUA de proteger a ordem internacional – e aceitar os custos decorrentes de tais deveres – Trump exigiu pagamento daqueles que foram abençoados ou amaldiçoados com a proteção dos EUA. Trump ameaçou se retirar da Otan, a menos que os países aliados aumentassem sua contribuição para a defesa, alegando que países como a Alemanha estariam “fazendo fortuna” com soldados dos americanos e que “delinquentes” como Itália e Bélgica deviam aos EUA “bilhões de dólares” (McFall, 2020MCFALL, C. Trump says Italy and Belgium are next “delinquents” to pony up defense spending for NATO. Fox News, 5 Aug. 2020. Disponível em: https://www.foxnews.com/politics/trump-italy-belgium-delinquents-nato. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.foxnews.com/politics/trump-i...
). Na península coreana, Trump exigiu um aumento de 400% na participação da Coreia do Sul nos custos de instalação de tropas estadunidenses no país, ameaçando a retirada das tropas em meio às negociações (Gordon; Lubold, 2020GORDON, M. R.; LUBOLD, G. Trump administration weighs troop cut in South Korea. Wall Street Journal, New York, 17 Jul. 2020. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/trump-administration-weighs-troop-cut-in-south-korea-11595005050. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.wsj.com/articles/trump-admin...
). Trump tinha planos semelhantes para o acordo bilateral de envio de tropas estadunidenses para o Japão, que ele chamou de “injusto”, mas deixou o cargo antes que as negociações sobre um novo acordo se materializassem (Gould, 2020GOULD, J. Trump repeats questionable NATO funding claims in GOP convention speech. Defense News, [s. l.], 28 Aug. 2020. Disponível em: https://www.defensenews.com/congress/2020/08/28/trump-boosts-questionable-nato-funding-claims-in-gop-convention-speech/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.defensenews.com/congress/202...
).

A afinidade de Trump por esquemas extorsivos de proteção diante de países aliados foi acompanhada por um desejo de tributação de países invadidos. Depois de coordenar com o presidente turco Erdogan, Trump redistribuiu tropas dos EUA para campos petrolíferos sírios, anunciando: “Estamos supervisionando o petróleo. O petróleo está conosco. O petróleo está seguro. Deixamos tropas para trás exclusivamente para o petróleo” (Borger, 2019BORGER, J. Trump contradicts aides and says troops in Syria “only for oil”. The Guardian, Washington, DC, 13 Nov. 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com/us-news/2019/nov/13/donald-trump-syria-oil-us-troops-isis-turkey. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.theguardian.com/us-news/2019...
; Borger; Sabbagh, 2019BORGER, J.; SABBAGH, D. US to send “mechanised forces” to Syrian oilfields. The Guardian, Washington, DC, 25 Oct. 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2019/oct/24/us-military-syria-tanks-oil-fields. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.theguardian.com/world/2019/o...
). A coordenação de Trump com Erdogan na Síria andou de mãos dadas com o abandono dos curdos sírios pelos EUA, apesar de as Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG/YPJ) terem sido essenciais na derrota do Isis. Deixados para enfrentar “terríveis atos de barbárie” pelas forças militares turcas (Denne; Gardiner, 2019DENNE, L.; GARDINER, C. Former U.S. officials criticize Trump’s decision to “abandon” Kurds. NBC News, [s. l.], 17 Nov. 2019. Disponível em: https://www.nbcnews.com/news/world/former-u-s-officials-criticize-trump-s-decision-abandon-kurds-n1084156. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.nbcnews.com/news/world/forme...
), o abandono dos curdos sírios provocou um clamor feroz em Washington e em toda a Europa; provou ser um lembrete gritante da falta de confiabilidade da proteção dos EUA.

No Iraque e no Afeganistão, Trump adotou uma abordagem semelhante. Ele lamentou que os EUA tenham gastado trilhões de dólares e milhares de vidas na guerra do Iraque, sem que tenham recebido “nada” em troca. Ele disse explicitamente que a guerra deveria ser conduzida pelo mantra “ao vencedor pertencem os espólios” (Beckwith, 2016BECKWITH, R. T. Read Hillary Clinton and Donald Trump’s remarks at a military forum. Time, New York, 7 Sep. 2016. Disponível em: https://time.com/4483355/commander-chief-forum-clinton-trump-intrepid/. Acesso em: 2 maio 2022.
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). Trump teria abordado o assunto duas vezes com o primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi, perguntando: “Então, o que vamos fazer com o petróleo?”, em referência ao reembolso aos EUA por suas guerras no país (Swan, 2018SWAN, J. Axios sneak peak. Axios, [s. l.], 25 Nov. 2018. Disponível em: https://www.axios.com/newsletters/axios-sneak-peek-3d9cd027-b3bb-4276-aaba-6e75c5c5aeee.html. Acesso em: 18 fev. 2022.
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). No Afeganistão, Trump foi inicialmente persuadido contra uma rápida retirada das forças dos EUA pelo fascínio de extrair ricos depósitos minerais no país (Landler; Risen, 2017LANDLER, M.; RISEN, J. Mineral wealth in Afghanistan tempts Trump. The New York Times, New York, A1, 26 Jul. 2017.). Os esquemas extorsivos de proteção e as exigências de tributos foram uma característica definidora da combinação particular da era Trump entre a necessidade de primazia e a sensação de vitimização. Como observa Christy Thornton (2021)THORNTON, C. Fences make bad hombres: Trump in Latin America. H-Diplo, ISSF Policy Series, [s. l.], 27 Jul. 2021. Disponível em: https://issforum.org/policy/ps2021-48. Acesso em: 2 maio 2022.
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, havia uma tensão na visão de mundo trumpista, “na qual os Estados Unidos eram ao mesmo tempo o país mais poderoso e importante do mundo e apesar disso também a vítima da predação por parte daqueles considerados inferiores e externos”.

Para muitos observadores, a derrota final de Trump nas eleições de 2020 e a transição para o governo Biden ofereceram esperança de que os EUA pudessem mais uma vez trazer ordem a um mundo cada vez mais caótico. No entanto, embora os temperamentos dos presidentes e as particularidades dos governos tenham sem dúvida sido importantes na formação do papel dos EUA no mundo no último meio século, também vimos que o problema é fundamentalmente estrutural. Parafraseando Richard Lachmann (2020)LACHMANN, R. First-class passengers on a sinking ship: elite politics and the decline of great powers. London: Verso, 2020.: à medida que o navio que são os EUA afunda, um novo capitão faz a diferença? No caso de Trump, em vez de “tornar a América grande novamente”, ele simplesmente conseguiu acelerar tanto o declínio do poder e do prestígio dos EUA no mundo quanto a sensação de aprofundamento do caos sistêmico global. Ficamos assim com a pergunta: pode o governo Biden mudar o rumo?

DEPOIS DE TRUMP, “AMÉRICA ESTÁ DE VOLTA”

Diante do caótico mandato de Trump, Joe Biden fez uma campanha para “Reconstruir Melhor”, para “restaurar a alma da nação”, para trabalhar pelo restabelecimento “da democracia, da decência, da honra, do respeito, do Estado de direito. […] Simplesmente decência simples” (Financial Times, 2021FINANCIAL TIMES. The editorial board: Joe Biden and the restoration of the American republic. Financial Times, [s. l.], 20 Jan. 2021. Disponível em: https://www.ft.com/content/7b7da65d-7452-461a-8dfb-480cd30f3f4b. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.ft.com/content/7b7da65d-7452...
; Graham, 2019GRAHAM, D. A. Joe Biden’s restoration campaign. The Atlantic, 1 May 2019. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2019/05/joe-bidens-restoration-campaign/588361/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.theatlantic.com/ideas/archiv...
; Tharoor, 2020THAROOR, I. Biden beat Trump. But can he bring about a restoration? Washington Post,Washington, DC, 9 Nov. 2020.; Weissert; Superville, 2021WEISSERT, W.; SUPERVILLE, D. Biden urges restoring decency after “assault” on democracy. Associated Press, New York, 6 Jan. 2021.). Sem perder tempo com essa “restauração”, a primeira viagem de Biden ao exterior como presidente trouxe uma mensagem simples ao mundo: “a América está de volta” (Madhani, 2021MADHANI, A. Biden declares “America is back” in welcome words to allies. Associated Press, New York, 19 Feb. 2021.). Muitos ao redor do mundo saudaram a nova presidência com um compreensível suspiro de alívio, enquanto Biden rapidamente reforçava alianças que Trump havia deixado de lado. Suas ousadas ações iniciais na frente da política externa, incluindo a aceitação tácita da derrota dos EUA no Afeganistão e uma redução significativa no uso de ataques de drones (Cooper, 2021COOPER, R. Biden nearly ended the drone war, and nobody noticed. The Week, [s. l.], 1 Dec. 2021. Disponível em: https://theweek.com/foreign-policy/1007579/biden-nearly-ended-the-drone-war-and-nobody-noticed. Acesso em: 2 maio 2022.
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), ofereceram vislumbres de esperança de que uma grande mudança de rumo estava em andamento.

A decisão de Biden de se retirar do Afeganistão – apesar da intensa pressão advinda da imprensa e de dentro de seu próprio partido – foi um sinal encorajador. Ele falou com uma clareza de propósito que fugiu à de seus antecessores, declarando que:

Coube a nós tomar uma decisão simples: ou seguir em frente… e deixar o Afeganistão, ou dizer que não partiríamos e enviar outras dezenas de milhares de soldados de volta à guerra. Essa foi a escolha – a escolha real – entre sair ou aprofundar. Eu não ia prolongar essa guerra eterna, e não ia prolongar uma saída para sempre (Biden, 2021BIDEN, J. R. Remarks by President Biden on the End of the War in Afghanistan. The White House, Washington, DC, 31 Aug. 2021. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/briefing-room/speeches-remarks/2021/08/31/remarks-by-president-biden-on-the-end-of-the-war-in-afghanistan/. Acesso em: 2 maio 2022.
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).

Essas ações – colocar um fim a uma ocupação militar de duas décadas e a redução dos ataques de drones – estariam sem dúvida no topo da lista de requisitos para acabar com o esquema extorsivo de proteção dos EUA, pois sozinhas já contribuiriam muito para a redução dos perigos (tanto diretos, no caso de mortes de civis por ataques militares estadunidenses, quanto indiretos, no caso de consequências negativas no Ocidente) produzidos pelos EUA.

No entanto, se o objetivo era restabelecer a hegemonia no sentido gramsciano – retornar a um regime de proteção legítima – o primeiro ano do governo Biden não ofereceu grandes esperanças. A retirada do Afeganistão, embora sem dúvida tenha sido o curso de ação correto, demonstrou mais uma vez a falta de confiabilidade da proteção dos EUA no momento atual. A derrota das forças armadas estadunidenses (tecnologicamente e fiscalmente muito superiores) para uma insurgência mal armada e a rápida queda de Cabul – mesmo antes de as forças dos EUA terem finalizado sua retirada – remontam à derrota estadunidense no Vietnã. A incapacidade dos militares dos EUA de vencer guerras estava mais uma vez em plena exibição, enquanto o abandono de milhares de aliados afegãos que ficaram indefesos contra o novo regime talibã corroeu ainda mais a confiança nos EUA como um parceiro confiável (Hudson; Ryan, 2021HUDSON, J.; RYAN, M. Withdrawal from Afghanistan forces allies and adversaries to reconsider America’s global role. Washington Post, Washington, DC, 17 Aug. 2021. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/national-security/withdrawal-from-afghanistan-forces-allies-and-adversaries-to-reconsider-americas-global-role/2021/08/17/2808ddbc-ff84-11eb-825d-01701f9ded64_story.html. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.washingtonpost.com/national-...
; Latifi; Stepansky, 2021LATIFI, A. M.; STEPANSKY, J. After US withdrawal, few answers for Afghans left behind. Al Jazeera, Doha, 31 Aug. 2021.).

Além disso, o governo Biden complementou a retirada das tropas com o anúncio de uma estratégia “acima do horizonte” no Afeganistão: no lugar de ocupação do território com forças dos EUA, seriam usados drones e outros sistemas de armas de longo alcance para continuar os ataques estadunidenses a alvos. Tal estratégia, se adotada, levaria a um grande número de baixas civis, pois os bombardeios continuam enquanto a inteligência militar piora – um anseio que foi reforçado pelos recentes escândalos de ataques de drones (Aikins, 2021AIKINS, M. et al. Evidence disputes U.S. claim of ISIS bomb in Kabul drone strike. New York Times, 10 Sep. 2021.; Swan; Basu, 2021SWAN, J.; BASU, Z. Red flags for Biden’s “over-the-horizon” strategy. Axios, [s. l.], 12 Sep. 2021.). Além disso, a apreensão pelo governo Biden dos ativos do Banco Central Afegão – com o plano de redistribuí-los para “famílias de vítimas do 11 de setembro” e para organizações de ajuda – (Ahlman, 2022AHLMAN, A. Biden’s Decision on Frozen Afghanistan Money is Tantamount to Mass Murder. The Intercept, [s. l.], 11 Feb. 2022. Disponível em: https://theintercept.com/2022/02/11/afghanistan-frozen-assets-economy/. Acesso em: 2 maio 2022.
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) e as sanções econômicas punitivas que impôs ao Afeganistão fizeram que afirmações de que os EUA estariam agindo no interesse (e para a proteção) do povo afegão soassem vazias. Embora o governo Biden afirme que tais ações são direcionadas ao governo talibã, seu efeito tem sido de dano generalizado. De fato, as mortes em curso de civis por ataques de drones e sanções econômicas reforçam a tendência de crescimento do sentimento antiamericano entre aqueles que os EUA alegam proteger (Cambanis, 2021CAMBANIS, T. Bombs couldn’t erase ISIS from Mosul. Better governance might. The Century Foundation, New York, 12 Oct. 2021. Disponível em: https://tcf.org/content/report/bombs-couldnt-erase-isis-mosul-better-governance-might/?session=1. Acesso em: 2 maio 2022.
https://tcf.org/content/report/bombs-cou...
; Hasan, 2018HASAN, M. Blowback: How U.S. drones, coups, and invasions just create more violence. The Intercept, New York, 22 Jan. 2018.).

Para muitos formuladores de políticas dos EUA, o problema com a guerra no Afeganistão não era que ela fosse destrutiva (para afegãos e estadunidenses), mas que afundasse na lama o poder estadunidense e impedisse que os EUA confrontassem a China. O fim da guerra no Afeganistão ofereceu uma oportunidade para reorientar as energias militares para a China. Como os altos funcionários do governo observam regularmente:

O presidente acredita profundamente que, ao enfrentar as ameaças e os desafios de 2021 – em oposição aos de 2001 – precisamos concentrar nossa energia, nossos recursos, nosso pessoal, o tempo da nossa política externa e da nossa liderança em segurança nacional nas ameaças e desafios que são mais agudos para os Estados Unidos (Gearan, 2021GEARAN, A. With Afghan pullout, Biden aims to reset America’s global agenda. The Washington Post, Washington, DC, 13 Apr. 2021. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/politics/biden-afghanistan-pullout-reset/2021/04/13/efdb656e-9c7c-11eb-9d05-ae06f4529ece_story.html. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.washingtonpost.com/politics/...
).

Outro funcionário diz: “Nossos concorrentes estratégicos ao redor do mundo teriam gostado de nos ver no Afeganistão por mais 5, 10, 20 anos dedicando ainda mais recursos ao Afeganistão, enquanto ele permanecia no meio de uma guerra civil” (Martina; Brunnstrom; Ali, 2021MARTINA, M.; BRUNNSTROM, D.; ALI, I. Contrary to intent, Biden’s Afghan pullout could undermine Asia shift. Reuters, [s. l.], 19 Aug. 2021. Disponível em: https://www.reuters.com/world/asia-pacific/contrary-intent-bidens-afghan-pullout-could-undermine-asia-shift-2021-08-19/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.reuters.com/world/asia-pacif...
). A principal dessas “ameaças”, “desafios” e “concorrentes estratégicos” é a China.

O fim da guerra no Afeganistão foi visto como oportunidade para uma tentativa renovada de mudar o foco militar da Ásia Ocidental para a Ásia Oriental. Outros governos já tentaram isso antes: em troca de seu apoio à retirada do Iraque em 2010, Obama cedeu aos “falcões” belicistas em seu governo em troca de um “redirecionamento para a Ásia”. Aqueles que defendiam uma postura mais beligerante em relação a uma China em ascensão desde a virada do século se regozijaram. Como a secretária de Estado Hillary Clinton escreveu na época:

À medida que a guerra no Iraque termina e a América começa a retirar suas forças do Afeganistão, os Estados Unidos estão num ponto crucial. Nos últimos 10 anos, alocamos imensos recursos para esses dois teatros. Nos próximos 10 anos, precisamos ser inteligentes e sistemáticos sobre onde investir tempo e energia… Uma das tarefas mais importantes da política americana na próxima década será garantir um investimento substancialmente maior – diplomático, econômico, estratégico, e de outros tipos – na região da Ásia-Pacífico (Clinton, 2011CLINTON, H. America’s Pacific century. Foreign Policy, Washington, DC,p. 56-63, Nov. 2011. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2011/10/11/americas-pacific-century/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://foreignpolicy.com/2011/10/11/ame...
, p. 57).

Ainda assim, o redirecionamento da era Obama nunca saiu totalmente do papel. Antes que a reorientação pudesse entrar em vigor, os EUA se viram novamente enredados no Oriente Médio, enfrentando as consequências de suas desastrosas invasões na forma do Isis (no Iraque) e de um Talibã ressurgente (no Afeganistão). Enquanto anunciava um redirecionamento, Obama ordenou o aumento de tropas no Afeganistão em 2009 e, em 2014, renovou as operações de combate no Iraque. No final de seu mandato, essas guerras ainda estavam em pleno andamento, e o uso crescente de ataques de drones facilitou o aumento do envolvimento dos EUA em uma série de outros conflitos do Oriente Médio, da Síria ao Iêmen. Esse primeiro redirecionamento foi um fracasso.

Ainda não se sabe se o redirecionamento de Biden será mais bem-sucedido. Os anos intermediários de Trump aumentaram a hostilidade em relação a Pequim e ajudaram a expandir a base de apoio dentro dos EUA em relação à retórica e à ação antichinesa. Biden deu continuidade aos passos de Trump, principalmente na tomada de ações que aumentaram, em vez de diminuir, as tensões no Mar da China Meridional (Lendon, 2021LENDON, B. US destroyer backs up Biden’s tough words in South China Sea. CNN, Atlanta, 20 May 2021.) e no seu enquadramento de prioridades de política doméstica (da sua Lei de infraestrutura a um “projeto de competitividade com a China”) conforme necessário para manter uma vantagem na rivalidade (Lobosco, 2021LOBOSCO, K. What’s in the China competitiveness bill? CNN, Atlanta, 8 Jun. 2021.; Tankersley, 2021TANKERSLEY, J. President casts upgrades to public works as way to regain edge on China. The New York Times, New York, A18, 17 Nov. 2021.). Tamanho compromisso declarado com o confronto representa uma mudança radical em relação à tentativa de redirecionamento de Obama, na qual a retórica da rivalidade foi envolta numa linguagem de cooperação – por exemplo, ao delinear o redirecionamento, Hillary Clinton observou que “uma América próspera é boa para a China, e uma China próspera é boa para a América. Ambos temos muito mais a ganhar com a cooperação do que com o conflito” (Clinton, 2011, p. 59). A dramática mudança de perspectiva durante os governos Trump e Biden é um bom indício para os “belicistas contra a China” dos EUA, que desejam ver um redirecionamento bem-sucedido, ainda que seja um mau indício para aqueles que desejam ver um futuro de paz. Mas, apesar do aparente compromisso de enfrentar a China, os EUA ainda podem acabar “distraídos” de tal redirecionamento mais uma vez.3 3 Por exemplo, enquanto escrevemos, as tensões estão aumentando entre os EUA e a Rússia com relação à Ucrânia, levando alguns no Congresso a expressarem preocupação de que uma escalada nessa frente distrairia os EUA do redirecionamento para a China. O senador republicano Josh Hawley, por exemplo, pediu ao governo Biden que abandone o apoio dos EUA à eventual adesão da Ucrânia à Otan, argumentando que “um compromisso vinculante de defender o país prejudicaria os esforços para combater a China” (Basu, 2022, grifo nosso).

O fato de a política externa dos EUA ter caído em um “jogo da toupeira” aparentemente interminável – no qual uma sucessão de crises, desafiantes ou insubordinados exigem atenção militar – é em si um sinal da incapacidade dos EUA de interromper seu próprio declínio e dos limites de uma resposta coercitiva à erosão de sua hegemonia. Mas as autoridades estadunidenses estão tirando as lições erradas dessa série de crises e do fracasso do militarismo dos EUA em deter esse declínio: por exemplo, quando recentes jogos de guerra dos EUA simulando um conflito no Mar da China Meridional resultaram numa “perda brutal” para as forças estadunidenses, a resposta dos altos escalões do comando militar foi duplicar os sistemas de armas de alta tecnologia e aumentar a capacidade destrutiva estadunidense por meio de uma melhor coordenação (Copp, 2021COPP, T. “It failed miserably”: After wargaming loss, Joint Chiefs are overhauling how the US military will fight. Defense One, [s. l.], 26 Jul. 2021. Disponível em: https://www.defenseone.com/policy/2021/07/it-failed-miserably-after-wargaming-loss-joint-chiefs-are-overhauling-how-us-military-will-fight/184050/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.defenseone.com/policy/2021/0...
). Qualquer discussão sobre se os EUA poderiam vencer ou mesmo tentar vencer um confronto militar com a China não estava em questão – o fracasso militar dos EUA só parece levar a doses cada vez maiores de poder de fogo, nunca a introspecção.4 4 É por razões semelhantes que o “fim” da guerra mais longa dos EUA no Afeganistão foi comemorado em Washington com um aumento dramático no orçamento militar dos EUA por meio da aprovação de um projeto de lei “focado com precisão de laser em preparar nossos militares para prevalecer em um conflito com a China”, como foi orgulhosamente proclamado pelo principal republicano no Comitê de Serviços Armados da Câmara, Mike Rogers, do Alabama (O’Brien, 2021). O orçamento superou até mesmo as alturas solicitadas pelo governo Biden – mostrando como, mesmo se um presidente pedisse cortes, as forças bipartidárias e de grupos de interesse que impulsionam o complexo industrial-militar não seriam facilmente derrotadas (Lachmann, 2020).

O compromisso contínuo demonstrado pelo governo Biden em manter a primazia estadunidense em um mundo transformado significa que é mais provável que os EUA destruam o mundo do que restabeleçam sua hegemonia. Em verdade, os EUA ignoram a mudança no equilíbrio do poder interpaíses por sua conta e risco. O presidente chinês Xi Jinping, por exemplo, tem apontado regularmente que os EUA não podem simplesmente intimidar o mundo. A China, diz ele, não aceitará “pregação hipócrita daqueles que sentem que têm o direito de nos repreender… nunca permitiremos que ninguém intimide, oprima ou subjugue [a China]. Quem tentar se encontrará em rota de colisão com uma parede de aço forjada por 1,4 bilhão de pessoas” (Davidson, 2021DAVIDSON, H. Xi Jinping warns China won’t be bullied in speech marking 100-year anniversary of CCP. The Guardian, Washington, DC, 1 Jul. 2021. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2021/jul/01/xi-jinping-warns-china-wont-be-bullied-100-year-anniversary-chinese-communist-party-. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.theguardian.com/world/2021/j...
). Em tom semelhante, o presidente russo, Vladimir Putin, comparou as políticas recentes dos EUA às ações destrutivas finais de potências em declínio do passado:

Ouvimos ameaças do Congresso [dos EUA], de outras fontes [dos EUA] […]. As pessoas que fazem isso, provavelmente assumem que os Estados Unidos têm tanto poder econômico, militar e político que podem se safar. Não é grande coisa, é o que eles pensam. O problema com os impérios é que eles pensam que são poderosos o suficiente para cometer alguns erros. Vamos comprar essas [pessoas], intimidá-las, fazer um acordo com elas, dar-lhes colares, ameaçá-las com navios de guerra. E isso resolverá todos os problemas. Mas os problemas se acumulam. Chega um momento em que eles não podem mais ser resolvidos (Auyezov, 2021AUYEZOV, O. Putin says US threats smack of Soviet Union’s fatal mistakes. Reuters, [s. l.], 5 Jun. 2021. Disponível em: https://www.reuters.com/world/europe/putin-says-us-threats-smack-soviet-unions-fatal-mistakes-2021-06-05/. Acesso em: 2 maio 2022.
https://www.reuters.com/world/europe/put...
).

Enquanto Putin está jogando pedras vivendo em casa de vidro, seu ponto de vista permanece: a falta de vontade dos EUA em se ajustar e se acomodar à realidade geopolítica em mudança é uma força desestabilizadora no mundo.

Como David Calleo (1987CALLEO, D. Beyond American hegemony: the future of the Western alliance. New York: Basic Books, 1987., p. 142) argumentou, as ordens internacionais quebram não apenas devido ao surgimento de novos desafiantes, “mas também porque potências em declínio, em vez de se ajustar e acomodar, tentam cimentar sua preeminência derrapante na forma de uma hegemonia exploradora”. Sob esse prisma, a trajetória que descrevemos – da proteção legítima ao esquema extorsivo de proteção – também pode ser entendida como o traçado de um processo pelo qual o poder em declínio (os EUA), ao buscar “cimentar sua preeminência derrapante”, acelerou o colapso da ordem internacional e tornou-se uma das principais causas do aprofundamento do caos sistêmico (Arrighi; Silver, 2001ARRIGHI, G.; SILVER, B. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.). Além disso, o que antes era impensável – guerra cataclísmica, análoga às guerras mundiais que caracterizaram as transições hegemônicas mundiais anteriores, mas dessa vez com armamento muito mais mortal – tornou-se uma possibilidade real.

A RELAÇÃO ENTRE CONFLITO SOCIAL E GEOPOLÍTICO

Para recapitular: em termos de definição, um protetor legítimo é aquele que fornece “um escudo necessário” contra o perigo enquanto tem “pouco controle sobre o surgimento do perigo” (Tilly, 1985TILLY, C. War making and state making as organized crime. In: EVANS, P. B.; RUESCHEMEYER, D.; SKOCPOL, T. (ed.). Bringing the state back in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 169-191., p. 170-171). A proteção legítima anda de mãos dadas com a hegemonia no sentido gramsciano da palavra. Como tal, a transformação que descrevemos de proteção legítima para esquema extorsivo de proteção é também uma transformação de uma situação de “hegemonia” para uma de “dominação pura e simples” (Arrighi, 2008ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. Trad. Beatriz Medina. São Paulo, Boitempo, 2008.). No entanto, como Max Weber (1978)WEBER, M. Economy and society. Berkeley: University of California Press, 1978. [ed. bras. Economia e sociedade. Trad. Regis Babrosa e Karen E. Barbosa. Brasília, DF: Editora UnB, 2004]. argumentou usando termos diferentes, o poder baseado na dominação sem legitimidade não pode se sustentar no longo prazo.

O regime de proteção legítima liderado pelos EUA se apoiava em dois pilares: um na esfera geopolítica militar e outro na esfera socioeconômica. Ambos os pilares desmoronaram no início do século XXI. Até agora, nos concentramos principalmente na esfera geopolítica e militar. No entanto, com a mudança na década de 1980 da promoção de estados de bem-estar social e pactos sociais desenvolvimentistas para a promoção de políticas neoliberais, incluindo austeridade e ajuste estrutural em escala global, o pilar socioeconômico da hegemonia dos EUA também desmoronou. Seguiu-se um círculo vicioso em que as inseguranças produzidas por um regime disfuncional de proteção militar estadunidense e as inseguranças produzidas por um regime disfuncional de proteção social se alimentaram mutuamente, resultando numa transição para o caos sistêmico em escala global (Silver, 2015SILVER, B. J. Labour, war and world politics: contemporary dynamics in world-historical perspective. In: VAN DER PIJL, K. (ed.). Handbook of international political economy of production. Cheltenham: Elgar, 2015. p. 19-38., 2019SILVER, B. J. “Plunges into utter destruction” and the limits of historical capitalism. In ATZMULLER, R. et al. (ed.). Capitalism in transformation: movements and countermovements in the 21st century. Cheltenham: Elgar, 2019. p. 35-45.; Silver; Payne, 2021SILVER, B. J.; PAYNE, C. R. Crises de hegemonia e aceleração da história social. Reoriente: estudos sobre marxismo, dependência e sistemas-mundo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 26-43, 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/reoriente/article/view/45891/24735. Acesso em: 18 fev. 2022.
https://revistas.ufrj.br/index.php/reori...
).

Reverter a transição para o caos sistêmico em curso requer uma reelaboração radical da proteção legítima para o século XXI – uma que forneça uma solução confiável para os profundos problemas sociais e ecológicos deixados para trás por seis séculos de capitalismo e dominação ocidental do sistema mundial. Esta é uma tarefa urgente e assustadora. Uma simples reconstrução dos pilares que sustentavam o regime de proteção legítima dos EUA não é uma opção viável nem na esfera geopolítica nem na esfera socioeconômica.

Na esfera geopolítica, um novo regime global de proteção legítima teria que refletir a mudança no equilíbrio de poder entre Oriente/Ocidente e Norte/Sul globais – isto é, o fato de que cinco séculos de dominação militar e financeira ocidental do sistema capitalista mundial chegaram ao fim (Karatasli et al., 2020KARATASLI, S. S. et al. Hegemonias mundiais e desigualdades globais. In: MENEZES, R. G.; BRUSSI, A.; DANTAS, J. (org.). Repensando o trabalho, as desigualdades e as hierarquias: o sistema-mundo no século XXI. Brasília, DF: Editora UnB, 2020. p. 103-119.). Uma nova hegemonia mundial (se houver) teria, portanto, que ir além de um projeto de – em poucas palavras – consentimento para o Ocidente, coerção para “o resto”. De fato, qualquer regime de proteção que não leve em conta essa histórica mudança no equilíbrio de poder mundial em seus fundamentos não será nem global nem legítima.

Na esfera socioeconômica, um simples retorno aos pactos keynesianos do Estado de bem-estar não é possível. Apesar de se apresentarem como uma efetiva solução reformista para os desafios revolucionários da primeira metade do século XX – e como alternativa ao caminho soviético – a vasta maioria da população mundial foi excluída desses pactos, incluindo um segmento significativo de trabalhadores nos países ricos. Como argumentou Immanuel Wallerstein, a universalização do consumo de massa foi, desde o início, uma promessa que não poderia ser cumprida no contexto do capitalismo histórico; não era possível acomodar “as demandas combinadas do Terceiro Mundo (para relativamente pouco por pessoa, mas para muitas pessoas) e da classe trabalhadora ocidental (para relativamente poucas pessoas, mas bastante por pessoa)” sem espremer os lucros (Wallerstein, 1995WALLERSTEIN, I. Response: declining states, declining rights? International Labor and Working-Class History, v. 47, p. 24-27, spring 1995., p. 25). Isso ficou patentemente claro com a onda global de agitação social nas décadas de 1960 e 1970, que pode, em parte, ser entendida como uma insistência no cumprimento mais rápido da promessa hegemônica dos EUA de desenvolvimento e consumo de massa universal. A crise de lucratividade que se seguiu na década de 1970 foi resolvida por meio da “contrarrevolução neoliberal” e uma redistribuição maciça (para cima) da riqueza. No final da década de 1990, a crise de lucratividade foi resolvida, mas logo depois foi substituída por uma profunda crise de legitimidade do capitalismo global (Silver, 2019SILVER, B. J. “Plunges into utter destruction” and the limits of historical capitalism. In ATZMULLER, R. et al. (ed.). Capitalism in transformation: movements and countermovements in the 21st century. Cheltenham: Elgar, 2019. p. 35-45.).

Além disso, o regime dos EUA era ecologicamente insustentável. A universalização do modelo ocidental de desenvolvimento com base no uso intensivo de recursos – como suposta pré-condição para a universalização do consumo de massa – se baseou no tratamento dos recursos naturais não renováveis como se fossem bens gratuitos – ou seja, na externalização dos custos de reprodução da natureza. Enquanto Gandhi, já na década de 1920, havia notado a não generalização do caminho de desenvolvimento ocidental, apontando como “um único reino insular minúsculo” (Inglaterra) exigia recursos de um vasto império colonial e estava “mantendo o mundo inteiro acorrentado” para se industrializar (Guha, 2000GUHA, R. Environmentalism: A global history. New York: Longman, 2000., p. 22), o modelo de desenvolvimento dos EUA elevou a intensidade de recursos a um nível totalmente novo. As consequências ecológicas da generalização desse modelo de desenvolvimento estão agora contra-atacando na forma da crise climática. Em outras palavras, é necessária uma reelaboração radical da proteção legítima. Enquanto isso, estamos vivendo em tempos perigosos.

Historicamente, em períodos de crise, os grupos dominantes têm sido tentados a desviar a atenção de suas próprias falhas, buscando bodes expiatórios (internos e externos) em torno dos quais construir alianças nacional-chauvinistas entre classes. Essa tendência ficou evidente durante o período anterior de caos sistêmico associado à crise da hegemonia mundial britânica. Os governantes aprenderam que, pelo menos a curto prazo, pequenas guerras vitoriosas poderiam produzir um efeito de “reunião em torno da bandeira” e fortalecer os governos. A Guerra Hispano-Americana (para os EUA) e a Guerra Sul-Africana (para o Reino Unido) foram dois desses exemplos. Da mesma forma, pouco antes da Guerra Russo-Japonesa de 1904, o ministro do Interior russo observou que “este país precisa […] de uma curta guerra vitoriosa para conter a maré da revolução” (Levy, 1989LEVY, J. The diversionary theory of war: a critique. In: MIDLARSKY, M. I. (ed.). Handbook of war studies. London: Allen and Unwin, 1989. p. 258-288., p. 264). Exemplos de tais “guerras de distração” abundam no registro histórico, de tal forma que “a relação presumida entre conflito civil e conflito internacional” tornou-se, como Stohl (1980STOHL, M. The nexus of civil and international conflict. In: GURR, T. R. (ed.). Handbook of political conflict: theory and research. New York: Free Press, 1980. p 297-330., p. 297) aponta, “uma das hipóteses mais veneráveis na literatura das ciências sociais”.

Embora os governantes sem dúvida esperassem estar do lado vencedor das guerras curtas e populares, o registro histórico está cheio de erros de cálculo. Para a Rússia, em 1905, em vez de conter “a maré da revolução”, a derrota na guerra com o Japão levou a convulsões revolucionárias que abalaram o Império. E, enquanto a Primeira Guerra Mundial inicialmente produziu um efeito de “reunião em torno da bandeira” nos trabalhadores (incluindo o colapso do internacionalismo trabalhista quando os trabalhadores ficaram do lado de seus Estados-nação e se juntaram ao esforço de guerra), em vez de ser uma curta guerra popular, a Primeira Guerra Mundial se transformou num atoleiro mortal e horripilante. A guerra inesperadamente longa e brutal produziu uma onda de crises revolucionárias (incluindo a Revolução Russa de 1917) mesmo antes de ter se encerrado. Assim, embora o conflito social doméstico tenha sido por vezes contido pela guerra, a brutalidade da guerra tinha a mesma probabilidade de desencadear uma escalada no conflito social doméstico e nas crises revolucionárias. Como resultado, um círculo vicioso de conflito doméstico e internacional, e aprofundamento do caos sistêmico e do sofrimento humano, foi desencadeado na primeira metade do século XX (Arrighi; Silver, 2001ARRIGHI, G.; SILVER, B. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.; Silver, 2015SILVER, B. J. Labour, war and world politics: contemporary dynamics in world-historical perspective. In: VAN DER PIJL, K. (ed.). Handbook of international political economy of production. Cheltenham: Elgar, 2015. p. 19-38.).

Da mesma forma, hoje, diante da crescente agitação social em todo o mundo e de uma crise cada vez mais profunda de hegemonia mundial, cresce a tentação dos grupos dominantes de encontrar bodes expiatórios – internos e externos – assim como a tentação de se envolver em “guerras curtas e vitoriosas” para desviar a atenção das falhas da elite. Em períodos em que há um equilíbrio geopolítico estável de poder, os danos produzidos por pequenas “guerras de distração” (por exemplo, Reagan em Granada, Clinton em Kosovo) podem limitar seus efeitos negativos àqueles sobre quem as bombas caem. Mas em períodos de colapso hegemônico mundial (como hoje) – com grandes mudanças em andamento no equilíbrio global de poder – pequenas guerras de distração podem facilmente sair do controle, com risco aumentado de desencadear outro círculo vicioso de guerra e conflito social de décadas, e aprofundando o caos sistêmico – desta vez em um mundo com armas muito mais mortais.

Grupos dominantes, dentro e fora dos EUA, que estão ocupados tocando os tambores da guerra estão essencialmente brincando com fósforos enquanto sentados num barril de pólvora. Retirar o barril de pólvora – ou seja, realizar transformações estruturais que abordem as raízes da crise – é uma pré-condição essencial para pôr fim ao caos sistêmico. Como sugerimos anteriormente, isso exigirá uma reelaboração radical da hegemonia e de como a proteção legítima pode ser no século XXI. Enquanto isso, para que a humanidade sobreviva o suficiente para ver essas transformações, é necessário “tirar os fósforos” dos grupos dominantes que parecem estar dispostos a arriscar explodir o mundo num esforço para manter sua própria riqueza e poder. Isso significa resistir às tentativas das elites de desviar os antagonismos sociais para pactos interclasses pró-guerra e rejeitar os crescentes apelos belicistas. Também significa uma reorientação generalizada nos EUA para longe da mentalidade de manter a primazia global a qualquer custo e na direção do ajuste e da acomodação às transformações no equilíbrio de poder no mundo.

Parafraseando E. H. Carr (1945CARR, E. H. Nationalism and after. London: Macmillan, 1945., p. 204): às vésperas da Primeira Guerra Mundial, as classes dominantes convenceram a massa de trabalhadores de que “seu pão estava amanteigado” ao lado da beligerância nacional, e não ao lado da unidade internacionalista. Hoje, os custos de cometer o mesmo erro são imensuráveis.

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    » http://www.xinhuanet.com/english/2017-05/14/c_136281412.htm
  • Tradução: Elayne Cardoso de Morais.
  • 1
    Gostaríamos de agradecer a Ricardo Jacobs, Sahan Karatasli, Kevin Young e aos participantes do Seminário Geral do Arrighi Center na Universidade Johns Hopkins por seus comentários úteis sobre uma versão anterior. Agradecemos a Richard Lachmann (1956-2021) por nos encorajar a escrever este trabalho, bem como pela inspiração que nos deu como intelectual, colega e ser humano.
  • 2
    Certamente, a pretensão do poder dominante de representar o interesse universal é sempre mais ou menos fraudulenta. Por um lado, os excluídos do bloco hegemônico (os “grupos antagônicos” de Gramsci) são governados pela força. No entanto a pretensão do poder dominante de representar o interesse universal deve ter um grau significativo de credibilidade aos olhos dos grupos aliados. A “hegemonia” (em oposição à dominação) pressupõe que “o grupo dirigente deve fazer sacrifícios de tipo econômico-corporativo”; isto é, não pode governar de forma sustentável apenas com base em seus próprios interesses estreitos (Gramsci 1971GRAMSCI, A. Selections from the prison notebooks of Antonio Gramsci. New York: International Publishers, 1971., p. 161). Karl Polanyi (1944)POLANYI, K. The great transformation: the political and economic origins of our time. Boston: Beacon Press, 1944. [ed. bras. A grande transformação: as origens políticas e econômicas de nossa época. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2021]. tomou um caminho diferente para chegar a uma conclusão semelhante, escrevendo que: “A menos que a alternativa a uma determinada configuração social seja um mergulho na destruição total, nenhuma classe grosseiramente egoísta pode manter-se na liderança” (p. 163, grifo nosso).
  • 3
    Por exemplo, enquanto escrevemos, as tensões estão aumentando entre os EUA e a Rússia com relação à Ucrânia, levando alguns no Congresso a expressarem preocupação de que uma escalada nessa frente distrairia os EUA do redirecionamento para a China. O senador republicano Josh Hawley, por exemplo, pediu ao governo Biden que abandone o apoio dos EUA à eventual adesão da Ucrânia à Otan, argumentando que “um compromisso vinculante de defender o país prejudicaria os esforços para combater a China” (Basu, 2022BASU, Z. Exclusive: Hawley calls on Biden to drop support for Ukraine membership in NATO. Axios, [s. l.], 2 Feb. 2022. Disponível em: https://www.axios.com/josh-hawley-biden-ukraine-nato-membership-8ea2f9e0-f892-4e6b-8050-0b5e9fba3d95.html. Acesso em: 2 maio 2022.
    https://www.axios.com/josh-hawley-biden-...
    , grifo nosso).
  • 4
    É por razões semelhantes que o “fim” da guerra mais longa dos EUA no Afeganistão foi comemorado em Washington com um aumento dramático no orçamento militar dos EUA por meio da aprovação de um projeto de lei “focado com precisão de laser em preparar nossos militares para prevalecer em um conflito com a China”, como foi orgulhosamente proclamado pelo principal republicano no Comitê de Serviços Armados da Câmara, Mike Rogers, do Alabama (O’Brien, 2021O’BRIEN, C. Biden signs $768B defense policy bill that supersized his original Pentagon request. Politico, [s. l.], 23 Sep. 2021.). O orçamento superou até mesmo as alturas solicitadas pelo governo Biden – mostrando como, mesmo se um presidente pedisse cortes, as forças bipartidárias e de grupos de interesse que impulsionam o complexo industrial-militar não seriam facilmente derrotadas (Lachmann, 2020LACHMANN, R. First-class passengers on a sinking ship: elite politics and the decline of great powers. London: Verso, 2020.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Aceito
    10 Maio 2022
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