Open-access COLONIZAÇÃO E LUTA POR REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL (1950-1970)1

COLONIZATION AND STRUGGLE FOR AGRARIAN REFORM IN BRAZIL (1950-1970)

COLONIZACIÓN Y LUCHA POR LA REFORMA AGRARIA EN BRASIL (1950-1970)

Resumos

Esse trabalho apresenta um estudo comparativo das formas de ação coletiva e demanda por reforma agrária no Rio de Janeiro e Pernambuco e as respostas estatais que implementaram políticas de colonização entre 1950 e início dos anos 1970. A partir de uma análise documental em acervos de órgãos públicos, entidades sindicais e eclesiais, aponta-se para o mosaico de atores e suas formas de organização, compreendendo diferentes estratégias de ação e expectativas de grupos camponeses e as concepções e formas de intervenção articuladas na política de colonização pelo complexo tecno-empresarial-militar. A investigação se concentra na política de colonização oficial enquanto mecanismo de controle de territórios e populações potencialmente insubmissas por meio do deslocamento e formação de subjetividades afeitas à racionalidade capitalista, e nas formas de ação coletiva e de identidade de camponeses/as que lutavam pela terra em que já se enraizavam.

Questão Agrária; Colonização; Luta pela terra; Cercamento


This paper presents a comparative study of the forms of collective action and demand for agrarian reform in Rio de Janeiro and Pernambuco and the state responses that implemented colonization policies between 1950 and the early 1970s. Based on a documentary analysis in archives of public agencies, unions, and ecclesiastical entities, it will be presented the mosaic of actors and their forms of articulation and organization, comprehending different strategies of action and expectations of peasant groups and the conceptions and forms of intervention articulated in the colonization policy by the techno-business-military complex. The investigation focuses on the official colonization policy as a mechanism for controlling territories and populations through displacement and the formation of subjectivities within capitalist rationality. It also focuses on the forms of collective action and identity of peasants who fought for the land they had already taken root in.

Agrarian Question; Colonization; Land Struggle; Enclosure


Este trabajo presenta un estudio comparativo de las formas de acción colectiva y demanda de reforma agraria en Río de Janeiro y Pernambuco y las respuestas estatales que implementaron políticas de colonización entre 1950 y principios de los años 1970. A partir de un análisis documental de organismos públicos, sindicatos y entidades eclesiásticas, señala el mosaico de actores y sus formas de articulación y organización, comprendiendo diferentes estrategias de acción y expectativas de los grupos campesinos y las concepciones y formas de intervención articuladas en la política de colonización por el complejo tecno-empresarial-militar. La investigación se centra en la política oficial de colonización como mecanismo de control de territorios y poblaciones a través del desplazamiento y formación de subjetividades vinculadas a la racionalidad capitalista, y en las formas de acción colectiva e identidad de los campesinos que lucharon por la tierra en la que ya vivían echaron raíces.

Cuestión Agraria; Colonización; Luchar por la tierra; Cercamiento


INTRODUÇÃO

A reforma agrária foi um tema central nas mobilizações políticas do pré-golpe e ao longo da ditadura (1964-1985), tensionada em seus significados por diferentes atores políticos. A articulação tecno-empresarial-militar, responsável por estabelecer um regime ditatorial orientado contra a presença e maior participação das organizações coletivas e representativas do conjunto das classes trabalhadoras (Dreifuss, 1981; Arantes, 2010), não tirou do seu léxico político a reforma agrária, tornando-a elemento central para o controle de áreas de conflito e garantia de desenvolvimento capitalista e segurança nacional, continuamente reduzida a formas de colonização e tributação progressiva (Bruno, 1997; Medeiros, 2014; Brito, 2025). Entre trabalhadores/as e suas lideranças políticas, sindicais, sociais e eclesiásticas, a reforma agrária continuou a ser mobilizada enquanto reivindicação que articulava as aspirações de autonomia produtiva, capacidade de reprodução social e condições dignas de trabalho e existência.

A partir da análise do mosaico de atores sociais presentes no campo e suas formas de organização e ação coletiva, esse artigo apresenta um panorama da questão agrária brasileira entre os anos 1950 e 1970, compreendendo diferentes estratégias de ação e expectativas de grupos camponeses e do complexo tecno-empresarial-militar. Nesse sentido, nos voltaremos para as transformações fundiárias e suas dinâmicas de dominação, exploração e expropriação, identificando as formas estatais de intervenção, particularmente a política de colonização oficial, e as formas de ação coletiva e de identidade de camponeses/as nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. Em ambos os casos identificamos um conjunto expressivo de mediadores políticos e formas de ação coletiva com as quais camponeses/as demandavam direitos trabalhistas, sindicalização e reforma agrária radical, fosse através de greves, ocupações de terra, passeatas, articulação política e denúncias públicas, tanto no pré-1964 quanto ao longo da ditadura e período de reabertura. Contudo, também é possível identificar nos estados processos nos quais agentes estatais, militares e empresariais traduziram as reivindicações por reforma agrária em políticas de colonização, observando-as no imediato pós-golpe em locais que estiveram politicamente organizados em torno da luta pela terra.

Por meio da investigação comparativa ao nível microhistórico (Tilly, 1984), a análise elabora explicações centradas em casos historicamente delimitados, selecionando e avaliando sistematicamente aspectos específicos de cada um e identificando a ligação entre experiências pessoal e coletiva e o fluxo da história. Para isso, foi realizada uma análise documental interpretativa (Ginzburg, 1989) em documentos de órgãos públicos, sindicais, eclesiais e de movimentos sociais, apreendendo suas lógicas internas a partir de quem os produziu, o contexto de produção e de circulação e sua linguagem em meio aos debates sobre a questão agrária.

Questão agrária aqui se define pela disputa de interpretações e modalidades de intervenção nas formas de uso, posse e propriedade da terra e os modos de realização, apropriação e exploração do trabalho a partir dos grupos sociais e seus mediadores. O modo de desenvolvimento das relações capitalistas no campo se realiza destituindo práticas de organização produtiva e de reprodução social, colocando no centro da questão agrária uma disputa por formas de interpretação e intervenção a partir dos grupos sociais que se organizam, delimitam, se contrapõem ou fazem avançar quais são os problemas sociais vividos, quem é capaz de falar sobre eles e quais são suas soluções técnicas e políticas. Colonização, modernização produtiva e reforma agrária são entendidas dentro da composição histórica e social na qual a nossa questão agrária se constrói, mobilizadas com diferentes significados, conteúdos e modos de realização por técnicos, burocratas, militares, assistentes sociais e religiosos, empresários, dirigentes sindicais e camponeses/as.

A comparação entre ambos os estados permite aprofundar a reflexão sobre as multiplicidades de agenciamentos, mediações e formas de ação coletiva presentes em diferentes expressões de organização do campesinato brasileiro e seus contextos, complexificando as concepções referentes às disputas pela questão agrária e os sentidos dados às suas principais reivindicações, tais como a reforma agrária radical, a organização sindical e os direitos trabalhistas. A comparação é significativa por identificar processos de desenraizamento social associados ao desenvolvimento da plantation nos estados em questão, observando também a presença de um movimento social camponês com ampla expressão pública e formas moleculares de constituição de grupo, sendo expressivos na disputa pelos significados e soluções dadas à questão agrária nacional. É digno de nota, portanto, que a política de colonização tenha sido mobilizada em ambos os casos, logo nos primeiros momentos da ditadura empresarial-militar, para desmobilizar, controlar e orientar formas de organização social, política e produtiva voltadas para a formação de uma classe média rural.

Além dessa introdução, o artigo está dividido em mais cinco partes. A primeira seção faz uma reconstituição histórica da política de colonização desde o século XIX, identificando a sua centralidade na composição dos mercados de terra, trabalho livre e consumo a partir de processos de cercamento. A segunda parte apresenta os embates e interações entre as mobilizações camponesas por reforma agrária e as respostas estatais por colonização. A seguir é discutida a elaboração da reforma agrária radical em contraposição às propostas de colonização. A seção seguinte analisa a redução da política de reforma agrária e seu mecanismo de desapropriação às políticas de colonização, orientadas para a formação da classe média rural. Por fim, as considerações finais retomam o contexto conflitivo e de resistência, observando tanto a retomada de formas de ação coletiva em ambos os estados como a continuidade de situações de colonialismo interno.

INTERNALIZAÇÃO DOS SENTIDOS DA COLONIZAÇÃO

A colonização enquanto método de conquista e ocupação de territórios e controle, exploração e “civilização” de populações é um traço estrutural fundante do que se tornou o Brasil, seu Estado nacional e sua estrutura racial, patriarcal e de classes profundamente hierarquizada. A colonização é um ato de conquista material e simbólica orientado para a subjugação de populações e da natureza (Bosi, 1992), constituindo-se em elemento central no processo de surgimento e desenvolvimento da modernidade, incluindo a racialização de povos e sua transformação em recursos “naturais” a serem explorados. A hierarquização social a partir da categoria de raça fundamenta as bases epistemológica e ontológica da modernidade e atravessa em conjunto estruturas raciais, de classe e patriarcais. Diferenciações raciais se configuram relacionalmente de modo a constituir grupos e etnias objetificáveis e desenraizados da terra, hierarquizados em posições inferiores, desqualificados em suas culturas, saberes, práticas, identidades e relações com o território, estabelecendo a raça branca como superior às demais (Quijano, 2005). A colonização se materializa em estratégias e ações contínuas de desestruturação dos tecidos sociais e simbólicos por meio da desqualificação de modos tradicionais de organização social e expressão simbólica, alteração dos modos de produção, exploração do trabalho, expropriação da terra, guerra e endividamento, reiterando as condições de acumulação, dominação e exploração (González Casanova, 2007).

A formação do Brasil independente internalizou a colonização, tornando-a uma política e um mecanismo de controle de territórios e populações potencialmente insubmissas. Segundo González Casanova (2007) e Cusicanqui (2021), o colonialismo interno está na constituição dos Estados nacionais latino-americanos, consolidando saberes e práticas coloniais de controle e subjugação em instituições, valores, comportamentos e símbolos nacionais, reproduzindo a hierarquização, desqualificação, controle e extermínio de populações racializadas sistematicamente expropriadas. Conforme salientado, a repetição das situações de colonialismo interno observadas em Pernambuco e Rio de Janeiro está fundamentada em processos de cercamento de terras e desenraizamento de populações. Esses processos se repetem e modificam a partir de expulsões, expropriação, inviabilização de formas de socialização e produção, submissão a trabalhos forçados, desqualificação de saberes, imposição de quadros simbólicos dos grupos dominantes, violências físicas, torturas e extermínios.

Apontar para o desenraizamento permite identificar experiências de grupos que, ao perderem o controle de decisão e uso de seus meios de produção, organização e reprodução sociais, são inseridos nas dinâmicas de concorrência e valorização dentro de mercados excludentes e relações de exploração. O desenraizamento indica um processo de reconfiguração das relações sociais que recebe resistências, recuos e retomadas com a organização e proposição de outras formas de existência coletiva de pessoas e seus coletivos que buscaram se enraizar, demandando terra, participação nas tomadas de decisão política e melhores condições de trabalho e existência.

As primeiras experiências de formação de núcleos coloniais no início do século XIX, começando no Rio de Janeiro (Seyferth, 2009), internalizaram e difrataram o sentido externo da colonização (Brito, 2025), consolidando-o como elemento de nossa formação nacional. A orientação e realização da produção orientada pelos mercados internacionais e fundada na grande propriedade e grande produção agro e mineral exportadora e com trabalho escravo (Prado Jr., 2011; Novais, 1989) se constitui enquanto modelo hegemônico de produção. Esse modelo se moderniza ao longo do século XX e XXI e constitui a própria fundamentação do agronegócio hoje: tecnificação, modernização e financeirização da plantation em sua lógica de acumulação primitiva contínua e vinculação em caráter dependente aos mercados internacionais, marginalizando, expropriando e explorando populações racializadas. Por sua vez, a colonização interna passa a estimular a vinda de populações rurais oriundas de áreas de conflito, controlando seus fluxos migratórios e as estabelecendo em pequenas propriedades com regime de trabalho familiar e produção orientada para o mercado interno, mantendo inalterados o monopólio fundiário e a orientação agroexportadora das plantations.

A política de colonização oficial é reforçada com a promulgação da Lei de Terras de 1850 (Seyferth, 2009), legislação que estabeleceu parâmetros para consolidar os mercados de terra e trabalho (Martins, 2018). Na gênese de sua elaboração estava a discussão e a prática sobre a colonização sistemática elaborada por Edward Wakefield. Esse administrador colonial e economista político identificou que a colonização poderia ser racionalizada e tornada sistemática ao se fixar um preço para a terra, garantindo as condições de realização do capital e trabalho com o deslocamento contínuo de populações da metrópole para a colônia e migrações dentro desta (Wakefield, 1946). Na base da constituição do trabalhador livre, mercadoria sujeita às regras de flutuação e agente pretensamente livre para estabelecer contratos individuais, estão processos de expropriação das condições de produção e reprodução sociais que passam pela expropriação da terra, sendo essa a característica central para a sistematicidade da colonização (Marx, 2013; Brito, 2022). Com relação à Lei de Terras, a legislação estabeleceu a terra como equivalente de mercadoria, acessada apenas por meios monetários, ao mesmo tempo que estabeleceu condições para direcionar fluxos migratórios para colônias privadas e públicas com auxílio do Estado. Tais populações migrantes deveriam constituir um mercado de trabalho livre em um país ainda marcado pela escravidão, consolidando formas de bloqueio ao acesso à terra para o conjunto das populações pobres e despossuídas, sobretudo negra em um contexto de fim do cativeiro (Girardi, 2022). Fundamentando a conformação da propriedade privada da terra, a lógica colonial de atuação do Estado nacional brasileiro e das classes possuidoras tornará sistemática a expropriação e condição de migração do campesinato, sempre em busca de fixar-se em uma terra capaz de garantir o sustento e enraizamento familiar.

Apesar das formações sociais distintas, Pernambuco e Rio de Janeiro podem ser comparados enquanto territórios de colonização antiga e domínio contínuo da plantation, sobretudo canavieira e cafeeira, respectivamente, controlando e exterminando populações indígenas e negras. Gravitando em torno desse modo de organização da produção estão unidades produtivas menores que se orientam tanto para a subsistência quanto para os mercados internos, estando, em muitos casos, integradas à plantation. Essa integração acontece satisfazendo as necessidades da plantation por matérias-primas, alimentos e trabalho, ou mesmo por se realizar em porções de suas terras a partir de arrendamentos, relações de colonato e morada e progressivos graus de assalariamento (Neves, 2008; Palmeira, 2019).

Para Wolford (2021), a forma de organização da plantation e sua lógica de produção racional, em larga escala e extrativista define os modos de produção, consumo, trabalho e organização social, impulsionando novas fronteiras de commodities, padrões raciais de trabalho e exclusão. Enquanto sistema social de poder articulado por processos de despossessão, a plantation é uma forma durável de comunidade que consolida o ideal de produção em larga escala, com uso racional e produtivo do solo, seus nutrientes e trabalhadores. Esse ideal hierarquiza modos de ocupação e uso do território e aliena populações, indicando a continuidade de estruturas coloniais e relações de poder nas formas de modernização produtiva com controle político e econômico de populações camponesas, dando direcionamento às políticas agrícola e agrária, entre elas a própria reforma agrária.

Essa aproximação com o presente aponta para a transmutação do sentido externo da colonização em realização do modelo hegemônico de agronegócio, ao passo que a manutenção da estrutura fundiária e suas relações sociais de poder articulam formas de internalização da colonização para estruturar um campesinato livre subordinado às formas de produção hegemônicas (Brito, 2025).

ORGANIZAÇÃO DO CAMPESINATO E LUTA POR ENRAIZAMENTO

A política de colonização foi amplamente mobilizada a partir do governo ditatorial de Getúlio Vargas, dos anos 1930 aos 1950, a fim de constituir a integração política, social, cultural e econômica do país. Os objetivos principais eram conquistar, integrar e controlar territórios e estabelecer formas de fixação de populações, constituindo mercados de trabalho e de terra tanto em áreas longínquas quanto na proximidade dos grandes centros urbanos, ampliando também a malha burocrática e de controle administrativo do Estado (Brito, 2025). A tendência da política de colonização oficial é de deslocar e fixar baixo número de famílias camponesas em terras devolutas, não utilizando mecanismos de desapropriação de terras privadas. A formação de núcleos coloniais tende a ser realizada após obras públicas de saneamento e construção de rodovias e áreas de acesso, sendo, portanto, uma política que contribui para a valorização fundiária, aquecendo seu mercado e ativando práticas de grilagem realizadas por grandes proprietários.

Ao estabelecer populações pobres que se endividam para pagar seus lotes em áreas pressionadas pelo mercado de terra, a colonização também contribui para que esses pequenos produtores sejam reinseridos no mercado de trabalho em posições precárias. Essa dinâmica está na base dos conflitos fundiários dos anos 1950 e 1960, momento em que organizações políticas e sociais do campesinato começam a assumir expressividade em todo o país (Medeiros, 1995). O quadro geral da questão agrária nacional era de aprofundamento da expropriação e expulsão de terras de posseiros, parceiros, moradores, foreiros, pequenos produtores e proprietários e trabalhadores. Tais práticas são constitutivas da acumulação primitiva e da própria constituição do regime de propriedade privada, mas o que se observa na segunda metade do século XX é o fechamento do horizonte de alternativas para as populações expulsas. Há em ambos os estados analisados o avanço da grilagem e imposição de cultivo de produtos agroexportadores, criação de gado, especulação fundiária e avanço do capital imobiliário para criação de lotes urbanos e chácaras de turismo, atribuindo novo significado à terra e ao território (Andrade, 1980; Medeiros, 2018). O caráter sistemático da colonização, capaz de criar populações desenraizadas e que migram continuamente, esbarra no aspecto massivo das expulsões e expropriações, dificultando sua fixação, mesmo que temporária.

A década de 1950 pode ser vista tanto pelo aprofundamento da acumulação primitiva e cercamento de terras orientados para a consolidação da unidade produtiva hegemônica quanto pela atuação expressiva do campesinato. Respondendo às expulsões, o trabalho de capilarização da organização política realizado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) estabeleceu em ambos os estados a tarefa de organizar trabalhadores ligados à plantation em sindicatos e os não assalariados rurais em ligas e associações (Medeiros, 1995; Santos, 2022). Segundo Lyndolpho Silva (Silva; Costa, 1994), dirigente do PCB nos anos 1950 e 1960, o partido compreendia que as formas de organização política deveriam partir do conjunto de costumes e tradições locais do campesinato, de tal modo que o modelo das ligas nos anos 1940 se inspirou nas irmandades da Igreja Católica já existentes. Espalhando-se rapidamente em São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e Goiás e utilizando a assistência jurídica como estratégia de ação, as ligas do PCB tinham como principal reivindicação o acesso à terra, demanda que acompanhava denúncias de grilagem de terras públicas, expulsões e queimas de plantação e de casas praticadas por fazendeiros e grileiros com apoio de milícias privadas e policiais (Santos, 2022). Se o trabalho político das lideranças consistia em apreender as principais queixas e vivências locais, a recorrência espacial e temporal dessas reivindicações também indica novas dinâmicas de cercamento e desenraizamento. Articuladas as vivências mais ou menos isoladas, a organização política costurava uma experiência coletiva que transformaria o entendimento sobre a situação vivida, colocando a ação coletiva e organizada como meio de transformação.

No caso do Rio de Janeiro, as primeiras associações de lavradores surgem nos anos 1940 em regiões de conflito localizadas na Baixada (Medeiros, 2018), região próxima à então capital federal Rio de Janeiro e que entre 1932 e 1955 foi palco de obras públicas de retificação de rios, saneamento, construção de estradas e estabelecimento de núcleos coloniais criados para constituir um campesinato de base familiar orientado para a produção de alimentos para a capital em expansão (Brito, 2022). A crise da cafeicultura no final do século XIX modificou a estrutura social e espacial, com as antigas plantations dando lugar a pequenas posses de trabalhadores/as que também trabalhavam como colonos, moradores, arrendatários ou meeiros (Grynszpan, 1987). A partir da década de 1950, se identifica uma dinâmica conflitiva de expectativas contrastantes de uso da terra: por um lado, o cercamento de terras públicas e de posseiros como meio de realização e valorização do capital imobiliário e especulativo com formação de loteamentos urbanos ou criação extensiva de gado; por outro, a terra como local de realização de formas de produção e reprodução social de pequenos produtores e trabalhadores/as rurais, que veem nos núcleos coloniais oportunidades de se enraizar, longe das violências, humilhações e despejos, desejando maior autonomia.

A atuação do PCB se voltou para a organização de camponeses em casos de conflito e de ameaças de despejo por ações de grileiros, grandes proprietários e empresários. Em diversos casos de rompimento de relações de colonato, morada e parceria,2 com intensificação não consensual das formas de exploração do trabalho e redução do acesso às lavouras de subsistência, pequenas criações e bloqueio à constituição de patrimônio e poupança, os camponeses reagiram organizando-se. A criação de associações cresce com a formação da Associação de Lavradores Fluminenses em 1952, e em 1953, o PCB cria a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), entidade de atuação nacional que buscou ampliar a capilarização das organizações (Medeiros, 1995). Em diversos municípios foram criadas associações que atuavam contra os despejos e demandavam a permanência dos camponeses nas terras em que se encontravam: frente ao avanço da grilagem, dos loteamentos, da criação extensiva de gado e da urbanização e industrialização do estado, ou seja, de processos contínuos de cercamento das terras, os grupos camponeses organizados passam a demandar sua continuidade em terras onde já estavam produzindo, em que já haviam dedicado seu tempo para o cultivo de lavouras e criação de laços sociais comunitários (Medeiros, 2018; Brito, 2022).

Em Pernambuco também se observa o rompimento das relações costumeiras estabelecidas em relações de morada, arrendamento e de formas de parceria como mecanismo de intensificação da exploração do trabalho e expropriação da terra. No Rio, foi observado na Baixada o crescimento dos despejos a partir de violências físicas, destruição de casas e plantações, aumento e cobrança arbitrária de taxas e arrendamento e proibição de plantios de subsistência (Medeiros, 2018; Brito, 2022). A região da Zona da Mata e seu limite fisiográfico com o Agreste, em Pernambuco, concentraram nos anos 1950 e 1960 as mobilizações e conflitos, identificando-se o rompimento das relações de morada e expulsão de trabalhadores/as dos locais onde se estabeleceram, em muitos casos por décadas, a fim de submetê-los a processos de expropriação, intensificação da exploração do trabalho e proletarização (Sigaud, 1979). O contexto foi de expansão da produção de cana, com a centralização produtiva das usinas avançando sobre as terras utilizadas para pequenas produções de subsistência e comercialização local dos moradores, pequenos proprietários e pequenos produtores arrendatários. Em ambos os estados comparados, a expulsão e o cercamento das áreas disponíveis dificultam a reprodução da condição camponesa. A violência do desenraizamento não está apenas na expulsão, mas também no fato do seu caráter sistemático impedir a constituição duradoura de laços significativos junto ao território e às relações de vizinhança e solidariedade.

No contexto de retomada das Ligas Camponesas, nos anos 1950, está a alteração das condições de vida, trabalho e produção de foreiros, moradores, pequenos proprietários e trabalhadores agrícolas (Bastos, 1984; Koury, 2012). Frente à dificuldade de sindicalização de trabalhadores rurais nos anos 1940 e 1950, as organizações optaram por criar associações de assistência e autodefesa a partir de modelos de organização afeitos às tradições camponesas locais. Apesar de Koury (2012) apontar o pouco peso da criação da Ultab em Pernambuco, a indicação das demandas por livre associação e reforma agrária no Congresso de Camponeses de Pernambuco de 1955 e a organização a partir de associações civis nos permitem relativizar sua afirmação e sinalizar a presença de um vocabulário e práticas de ação comuns constituídos com a ação do PCB. Além de reivindicações de caráter trabalhista como salário-mínimo e extensão e aplicação da legislação trabalhista aos trabalhadores/as rurais, a bandeira da reforma agrária foi a que mais se fortaleceu na criação da Ultab, apresentada como medida para o desenvolvimento do mercado interno, condição básica para o progresso da economia e medida de justiça social (Medeiros, 1995). A distribuição de terras de latifundiários a trabalhadores/as e lavradores/as sem-terra ou com terra insuficiente, entrega de títulos de propriedade, assistências técnicas e de crédito também se articulavam com a demanda pelo fim das formas de exploração arbitrária do trabalho.3

A reivindicação por direitos trabalhistas, distribuição e democratização do acesso à terra e direito à livre organização sinalizam a identificação das demandas e sofrimentos vividos e articulados pelo campesinato. As Ligas Camponesas cresceram nas zonas da Mata e do Agreste entre posseiros, parceiros, moradores, pequenos proprietários e arrendatários ameaçados pela expansão das plantations de cana e algodão, reivindicando o acesso à terra em que já se encontravam, inicialmente em um trabalho conjunto e complementar com a formação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) (Bastos, 1984; Koury, 2012). Enquanto a alteração da situação do posseiro foi significativa nas principais mobilizações no Rio de Janeiro, local onde as associações foram posteriormente transformadas em STRs, as mudanças abruptas na condição de morador foram centrais na organização e atuação política em Pernambuco. Nesse estado, a mecanização e incorporação de novas áreas para produção da cana, frente às novas demandas e valorização no mercado internacional, geraram expulsões de moradores e aumento do foro, constituindo uma força de trabalho ainda mais precária (Sigaud, 1979).

Em ambos os casos comparados, a condição de proprietário da terra estava articulada à concepção de autonomia do trabalho, impossibilitando a separação mecânica entre reivindicações trabalhistas e por reforma agrária. Partindo de situações localizadas de conflito, a organização política de determinados setores do campesinato articulou o desejo de enraizar-se em terras que já ocupavam, onde haviam dedicado tempo e trabalho e que desejavam ver livres da arbitrariedade e sujeição de grandes proprietários, grileiros e patrões. Se nos anos 1960 no Rio de Janeiro há a radicalização da luta pela terra através das ocupações, em Pernambuco a mobilização irá articular terra e extensão dos direitos trabalhistas ao campo, com maior expressão da pauta trabalhista, sobretudo pela realização de greves no setor canavieiro. Em ambos os estados, a luta política também avança em torno da pauta da sindicalização,4 disputada entre PCB e Igreja Católica e articulada a diferentes significados da reforma agrária.

COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA RADICAL

Em diferentes estados, como Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul, as demandas por reforma agrária foram respondidas pelo Estado com propostas de modernização das políticas de colonização, reproduzindo a sua lógica de deslocamento populacional, baixo número de beneficiados e não alteração da estrutura fundiária ao fixar os camponeses em terras públicas (Brito, 2022). Em Pernambuco, após a vitória da desapropriação do Engenho Galileia em 1959, o governo estadual criou a Companhia de Revenda e Colonização. No mesmo ano foi promulgado o Plano de Colonização e Aproveitamento de Terras Devolutas do estado do Rio de Janeiro. Ambas são respostas às ações coletivas e avanço na luta política e organizativa do campesinato, constituindo-se em formas de intervenção responsáveis por administrar as áreas desapropriadas e estabelecer formas de produção, socialização e critérios de seleção dos trabalhadores/as a serem assentados/as em áreas de colonização, sendo a maior parte em terras devolutas (Bastos, 1984; Medeiros, 2018).

A modernização da política de colonização passou a apresentar nos anos 1950 uma linguagem técnica preocupada em integrar povoamento e produtividade da terra, termos já sinalizados em Wakefield. A modernização da política apresenta novas preocupações, mas reproduz hierarquias raciais ao estabelecer como objetivo o controle estatal dos deslocamentos de “favelados” e “retirantes”, apontando-se para mecanismos de tutela que orientariam o desenvolvimento civilizacional dessas populações. Como indicado no tópico anterior, o contexto é marcado pela organização, resistência e demanda por reforma agrária pelas populações camponesas.

Em diferentes documentos técnicos, burocráticos e eclesiais, a colonização é apresentada como mecanismo para racionalizar a ocupação do espaço e a produção agrícola, aumentando a produtividade e a geração de renda e a possibilitando a superação da fome. Estes elementos estão claros em um balanço de 1957 dos núcleos coloniais fluminenses, cuja principal referência teórica é Wakefield, e onde se aponta o planejamento racional da colonização como meio para superar a especulação e valorização fundiárias.5 Com relação ao Nordeste, Celso Furtado (2013) correlacionou plantation e ausência de mercado interno, baixa produtividade, crescimento populacional, migração e falta de alimentos e matérias-primas para o processo de desenvolvimento e industrialização nacionais. Frente ao crescimento dos “retirantes”, o Estado deve estabelecer uma política de controle de seus movimentos e demandas, criando excedentes populacionais que serão absorvidos pela colonização das terras úmidas e pela constituição de uma economia de maior produtividade (Furtado, 2013). No relatório final do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN, 1959), assinado por Furtado, a falta de alimentos para consumo nas cidades e no campo também é apresentada como o principal problema, impossibilitando o desenvolvimento e a industrialização. A solução residiria no uso racional da terra e das águas e na colonização racional e planejada dos vales úmidos maranhenses.

O controle territorial e populacional é um aspecto central da colonização, mobilizando diferentes hierarquias e desqualificações. A “livre” circulação de populações expropriadas e em condições de alienação e sujeição, mas também potencialmente insubmissas, torna-se um problema a ser solucionado. Os retirantes, populações pobres e racializadas do Nordeste, classificadas por sua pretensa irracionalidade produtiva, devem ser controlados em suas regiões e em seus deslocamentos para o Sudeste. A Cruzada São Sebastião, criada em 1955 por Dom Helder Câmara, estimulou a criação de núcleos coloniais nas vias de acesso e circulação de migrantes rurais, sobretudo nordestinos, a fim de redirecionar os fluxos migratórios para a Baixada e áreas rurais da cidade do Rio de Janeiro. A principal preocupação da Cruzada era resolver simultaneamente o problema das classes potencialmente insubmissas do campo e da cidade, citando a “situação aviltante das Favelas”, local de fermentação social, miséria, doenças e degradação e a “situação infra-humana do meio rural” que abrem caminho às manipulações de grupos comunistas.6 Essa argumentação se repete no Encontro dos Bispos do Nordeste, realizado em maio de 1956 em Campina Grande (PB) e organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entidade criada, entre outros, por Dom Helder. Os bispos sinalizaram a necessidade de implementar a reforma agrária e colonização no Nordeste, a fim de resolver tensões sociais, evitar as migrações e bloquear o crescimento das favelas no Rio de Janeiro, áreas de agitação social e infiltração e exploração comunistas.7

Em Pernambuco e Rio de Janeiro (Albuquerque; Cândido, 2013; Brito, 2022), a formação de núcleos coloniais apresentou semelhanças como o controle excessivo sobre a força de trabalho e possibilidades de organização da produção, resultando em ações autoritárias e coercitivas que bloqueavam a organização autônoma dos trabalhadores. Em sua base estava uma estrutura de cooperativa orientada para estimular a mentalidade empresarial. A imposição dessa forma associativa é uma expressão do caráter autocrático empreendido pelas instituições estatais e classes dominantes, expressão essa que tenta dar forma às classes despossuídas, impondo-lhes modos específicos de organização e desqualificando suas práticas e saberes prévios (Brito, 2023). Fundamentada na tutela, a colonização buscaria estabelecer o território, as instituições, as técnicas e as formas de ação e organização necessárias para tornar o colono um produtor autossuficiente, constituindo um grupo social organizado e com sentimento de pertencimento à propriedade, talvez mais do que ao território ou grupo. O fundamental na política de colonização seria fixar definitivamente o homem ao solo e na pequena propriedade, a fim de torná-lo uma força econômica e socialmente produtiva mediante assistência técnica e planejamento (Brito, 2025).

Os documentos apresentados apostam na racionalização da colonização como meio de integração dos despossuídos aos mercados de terra, trabalho e consumo: ao promover a produção de alimentos para o mercado interno, a população seria capaz de superar as suas condições de subsistência e ingressar no consumo de produtos industrializados, impulsionando a industrialização e o desenvolvimento regionais; ao nível nacional, a colonização garantiria também produção de alimentos e fixação de populações potencialmente insubmissas em áreas ainda pouco exploradas e valorizadas, controlando suas demandas políticas e formas de organização. Ainda que não possamos aprofundar, é significativo o empenho do complexo tecno-empresarial-militar em modernizar favelados, retirantes, agitadores e trabalhadores rurais considerados atrasados, levando-se em consideração não só o caráter racializado desses termos como também os associados à produção agrícola eficiente, produtiva e integrada desde a colonização (Seyferth, 2002; Penna, 2022).

Esse enquadramento permite entender a pauta da reforma agrária radical articulada em 1961 no I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (CNLTA). Em novembro de 1961, cerca de 1600 delegados se reuniram em Belo Horizonte (MG), representando posseiros, assalariados, parceiros, arrendatários e pequenos proprietários de 20 estados federativos e organizados em Ligas Camponesas, Associações da Ultab e Movimento de Agricultores Sem-Terra do Rio Grande do Sul.8 Conforme apontado por Lyndolpho Silva, o CNLTA ratificou o desejo dos camponeses pela reforma agrária radical e estabeleceu a orientação das formas de organização independente.9 O caráter “radical” deve ser entendido enquanto oposição às propostas graduais de reforma agrária: sua orientação era a de liquidar o latifúndio e os latifundiários como classe, dando a terra e a assistência necessárias aos camponeses que nela quisessem trabalhar. Como expresso na Declaração do CNLTA10, essa reforma se contrapõe aos “inúmeros projetos, indicações e preposições sobre pretensas ‘reformas’, revisões agrárias e outras manobras elaboradas e apresentadas pelos representantes daquelas forças [sociais que se beneficiam com a manutenção da estrutura agrária desigual]”. Segundo Lyndolpho, essas propostas defendidas pela burguesia nacional tinham como objetivo “vender as terras que são patrimônio público e as imprestáveis que os latifundiários têm interesse em vendê-las”.11

As propostas de colonização e revisão agrária12 se voltariam para o aquecimento do mercado de terras, ampliação do mercado interno e desenvolvimento das forças produtivas, sendo realizadas a fim de impedir o avanço e radicalização das massas camponesas. Em contraposição, o essencial da reforma agrária radical seria a desapropriação de latifúndios a partir de ações do governo federal, sinalizando os maiores que 500ha em caso de não aproveitamento e proximidade a regiões densamente povoadas, vias de comunicação e reservas de água. Identificando o monopólio fundiário como elemento estrutural que articula dominação política, baixa produtividade agrícola, alto custo de vida e exploração do trabalho no campo, a radicalidade da reforma abriria caminhos para superar o subdesenvolvimento, as instabilidades econômicas, políticas e sociais, a fome e a miséria. Contudo, conforme identificou Bastos (1984), o qualificativo “radical” não apaga a defesa de uma reforma agrária que mantém inalterados os princípios de exploração do trabalho assalariado, expresso na defesa e ampliação da legislação, e da propriedade privada capitalista.

Nesse quadro, os setores organizados do campesinato resistiam às ações de grileiros e grandes proprietários que expulsavam populações camponesas de áreas anteriormente destinadas às suas pequenas produções de subsistência e comercialização. A radicalização da reforma agrária se deu na intensidade das lutas vividas. Os movimentos camponeses observaram que a democratização do acesso à terra só se realizaria com o papel ativo dos sujeitos organizados, passando a demandar a permanência na terra com estratégias mais combativas. No Rio de Janeiro, as ocupações e formas de ação coletiva foram capazes de pressionar pela desapropriação de 24 áreas de conflito entre 1958 e 1964 (Medeiros, 2018). Em Pernambuco, o acúmulo de lutas políticas e de organização culminaram na realização de 44 greves de trabalhadores da cana em 1963, chegando a uma paralização que atingiu mais de 200 mil trabalhadores em novembro daquele ano (Koury, 2012).

Contra os processos de cercamento e desenraizamento, é possível observar a contínua radicalidade que marcou a construção da identidade de classe do campesinato, elaborando linguagem e formas de ação e organização capazes de articular os inúmeros sofrimentos e raivas vividos localmente. As principais reivindicações, como reforma agrária, sindicalização e extensão e garantia dos direitos trabalhistas receberam enquadramento institucional no governo de João Goulart. A proposta de reforma agrária de Goulart (Brasil, 1964), contudo, via na expansão da propriedade privada nacional e no aumento de sua produtividade a esperança de transformação e integração do campesinato no desenvolvimento nacional. No enquadramento hegemônico da questão agrária nacional, a propriedade privada da terra é um marco civilizacional. Retirada a participação do campesinato, é esse modelo de intervenção e planejamento colonial e empresarial para o campo que será militarmente buscado pela ditadura.

TUTELA E PROPRIEDADE NA DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR

O golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu agiram de forma cirúrgica contra a capacidade de organização e intervenção dos despossuídos nos rumos políticos do país (Arantes, 2010). A perseguição, assassinato, prisão e tortura de trabalhadores/as, lideranças sindicais, partidárias e religiosas, o controle institucional sobre suas formas de organização e atuação e a elaboração de políticas públicas e projetos nacionais de valorização do grande capital buscaram conformar um padrão de organização e reivindicação atrelados ao Estado e subservientes ao capital, indicando o caráter empresarial-militar do regime (Dreifuss, 1981). Em ambos os estados, a repressão por agentes públicos e privados foi imediata à conflagração do golpe (Koury, 2012; Medeiros, 2018).

Ainda nos primeiros meses do regime ditatorial foi promulgado o Estatuto da Terra, legislação que estabeleceu normativas para as políticas agrária e agrícola, elaborou critérios para discriminação do minifúndio e dos latifúndios por exploração e tamanho e estabeleceu a empresa rural como modelo privilegiado de organização da produção e do trabalho rurais (Bruno, 1997). O órgão responsável pela realização da reforma agrária foi o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), presidido por Paulo de Assis Ribeiro, burocrata e técnico com larga participação no Estado desde os anos 1940. Ribeiro foi também diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes), entidade articuladora e financiadora do golpe, e manteve relações com a Escola Superior de Guerra. Ávido leitor de Wakefield,13 Ribeiro era um entusiasta da reforma agrária e participou da redação do Estatuto da Terra, mas em sua concepção, a reforma deveria ser aplicada em casos muito particulares.

A política agrária da ditadura se fundamentou em um conjunto de formas de intervenção orientadas para a formação da classe média rural, objetivo tanto das políticas de reforma agrária quanto de colonização (Brito, 2025). Em um esforço de elaborar uma política com critérios objetivos que negligenciavam as demandas de populações camponesas organizadas, o Ipes (1964, p. 100), sob coordenação de Ribeiro, elaborou um “plano de reforma agrária baseado na colonização” orientado para a formação de cooperativas, redução dos custos de alimentos, criação de consumidores de produtos industriais e atenuação de conflitos. Nesse plano, apenas 5% do território seria enquadrado como zona de reforma agrária com desapropriação por interesse social: Minas Gerais (Zona da Mata), Nordeste (Zona da Mata e Agreste), Vale do Paraíba e Rio de Janeiro (Litoral). O restante deveria ser alvo de políticas de revisão agrária e assistências técnicas (23%) e colonização (72%).

Posteriormente, Ribeiro apontou para a reforma agrária em regiões com “forte pressão demográfica” e “focos de insatisfação social”, tais como o Nordeste, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e o entorno de Brasília.14 Apesar do esforço de delimitar essas regiões como prioritárias para reforma agrária, foram implementadas nelas políticas de colonização voltadas para fixar populações em pequenas propriedades e estimular a mentalidade empresarial. A conformação empresarial se daria por meio de assistências técnica, educacional, creditícia, habitacional e sanitária, impulsionando técnicas de gerenciamento da propriedade e da produção orientadas para o lucro e integração aos mercados, promovendo a desqualificação das formas de organização política e de produção e reprodução social (Brito, 2025). Não à toa, entre os critérios “racionais” de seleção elaborados pelo Ibra para as áreas de colonização estavam: boa conduta, perfil de espírito empresarial disciplinado, ausência de deficiências físicas e mentais, capacidade física, qualidades higiênicas, ambiente familiar fundamentado na moral religiosa, grau de instrução, experiência em atividades agropecuárias, capacidade financeira e qualidades de “Disciplina, Assiduidade ao Trabalho, Estabilidade no Trabalho e vocação para as atividades agropecuárias”.15 Por meio desses critérios, a colonização agiria contra os latifúndios improdutivos, solucionaria a tensão social causada pelo não acesso à terra e elevaria a produção.16

A preocupação central do complexo tecno-empresarial-militar e seu modelo empresarial e colonial de intervenção é tornar os territórios e populações conquistados pela colonização em áreas e grupos produtivos. Esses territórios deveriam sofrer um processo de reconquista por parte do Estado, envolvendo presença de militares, encarceramento de lideranças, vigilância em fazendas, políticas de controle sindical e de orientação contínua das formas de organização e produção. Com exceção do Distrito de Colonização Alexandre de Gusmão em Brasília, onde a preocupação central era transformar um contingente de migrantes desempregados em empresários mecanizados e racionais,17 os dois outros projetos anunciados como ações piloto de reforma agrária atuaram em áreas com tradição de organização política e conflitos por terra: o Projeto Integrado de Colonização Papucaia (RJ) e o Distrito de Colonização Caxangá (PE).

A Usina Caxangá já havia sido área de conflito e de denúncia dos trabalhadores rurais por casos de tortura, prisões, maus tratos contra trabalhadores, presença de armas privativas das forças armadas, tortura e assassinato de dirigentes sindicais e atraso nos pagamentos de salários e 13º, motivo pelo qual houve uma greve de mais de 200 trabalhadores antes do golpe (Carneiro; Cioccari, 2011). A fim de intervir nessas formas de atuação e no conflito, em fevereiro de 196518 o Estado desapropriou a Usina Caxangá S. A. e a Companhia Agro-Pecuária do Amaragi S. A., abarcando 38 engenhos dos municípios de Ribeirão, Joaquim Nabuco, Cortês, Amaraji e Escada, áreas chaves na organização sindical e política dos trabalhadores. Além do conflito social, um documento do Ibra dirigido ao ditador Castelo Branco dias antes do decreto desapropriatório aponta para “a gravidade do problema” e a necessidade “de intervenção direta do Estado para pôr fim ao descalabro financeiro a que a administração levou a empresa”, identificando a região açucareira de Pernambuco como “o centro de tensão social que mais urgência e maior atenção reclama presentemente”.19

O Distrito de Colonização Caxangá foi elaborado como projeto pioneiro e exemplar para a região Nordeste. A partir dele o Ibra transformaria uma área com “estrutura arcaica”, predominância da monocultura, baixa produtividade, tensões sociais, crises e estagnação em ambiente capaz de transformar o lavrador em empresário rural. Dentre os objetivos transformadores, o projeto sinaliza o desejo de “transformar o assalariado rural em empresário rural”, consolidar a diversificação onde predominava a monocultura e “promover o Homem dando-lhe educação, assistência médica, moradia condigna e organização cooperativa”.20 A transformação tutelada em empresário implicava em manter a produtividade, e a atuação do Ibra se voltou para obrigar os parceleiros a dedicarem uma parte considerável de seu tempo e área de produção à cana, com metas a serem atingidas para a viabilidade econômica do projeto.

Passados dois anos, o diretor do Departamento de Assuntos Fundiários, General Jaul Pires de Castro,21 anunciou que nada havia sido feito em Caxangá que tivesse a ver com reforma agrária: “o que se passara nesse tempo, fora a recuperação da unidade agroindustrial”.22 A implantação do projeto significaria a posterior transformação da cooperativa e administração em sociedade de economia mista. Desqualificando os camponeses, Jaul acreditava que “para implantar uma cooperativa de Reforma Agrária, em Caxangá, seria necessário que se procurasse, fora da área, outros parceleiros, com maior nível intelectual e capacidade empresarial”, e informa que uma situação semelhante ia se configurando em Papucaia, onde “os parceleiros não querem ser cooperados”, mas que poderia ser debelada pela fase inicial da cooperativa. A imposição do planejamento e da cooperativa sob o controle do Ibra deveria avançar sobre camponeses/as reais, entendidos como incapazes, ignorantes e rebeldes.

As tensões e o histórico do PIC Papucaia foram trabalhados em artigo anterior (Brito, 2023), de modo que aqui farei um relato breve. O PIC foi estabelecido como forma de ampliar o Núcleo Colonial de Papucaia, criado em 1952 no município de Cachoeiras de Macacu. Constituído enquanto forma de desenvolvimento da pequena produção local, com presença de lavradores europeus, japoneses e brasileiros, o Núcleo buscou elevar a produção de alimentos para abastecer a cidade do Rio de Janeiro e impôs a realização de cursos de preparação empresarial. Em pouco tempo a região recebeu a chegada de inúmeras famílias camponesas que almejavam se fixar nas terras públicas, ao mesmo tempo em que as obras de saneamento e de infraestrutura geraram a valorização das terras em seu entorno. Nesse processo, grileiros surgiram reivindicando propriedades onde posseiros se assentavam há décadas. Com a intensificação dos despejos e destruição de casas e plantações, alguns camponeses passaram a se organizar e formar uma Associação de Lavradores. O conflito chegou a ser marcado pelas ocupações de terra em 1961 e 1963 em uma região grilada por donos de uma fazenda limítrofe ao Núcleo. A fazenda foi desapropriada em janeiro de 1964 e posteriormente integrada ao PIC junto de outras fazendas próximas. Devido aos conflitos anteriores, a região foi militarizada desde os primeiros meses do pós-golpe, tornando-se lócus de ação repressiva e assistencial do Ibra no estado, congregando esforços de deslocar e fixar populações de áreas de conflito para se estabelecerem em uma área controlada pela burocracia estatal e Guarda Rural.

O tratamento militarizado e repressivo à questão agrária em diversos núcleos de colonização do estado do Rio de Janeiro gerou insatisfações e críticas por parte dos camponeses, que passaram a denunciar as violências vividas. Em Caxangá, também é possível observar um indício de resistência dos trabalhadores: segundo Lopes (2019), em 1967 a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape) vinha ganhando na justiça os processos abertos contra as demissões de 700 trabalhadores rurais efetuadas pelo Ibra em Caxangá. Esses são elementos que precisam ser aprofundados, mas é significativo que nos dois casos o Ibra tenha reproduzido formas de dominação associadas aos antigos proprietários, grileiros e usineiros, tais como despejos violentos, limitação das produções, vigilância às formas de organização, demissões massivas e acusações de subversão. A leitura conjunta da resistência cotidiana e militarização da questão agrária nos oferece uma chave de interpretação para a insatisfação do Ibra com parceleiros entendidos como difíceis de serem cooperados, de baixo nível intelectual e atrasados, sem capacidade empresarial para políticas centradas na formação da classe média rural empresarial. Essa avaliação também tem a marca das desqualificações raciais anteriormente indicadas. Em um contexto de repressão e imposição de formas de organização política e social, o complexo tecno-empresarial-militar se depara com um conjunto de atores que mostram sua agência ao não aceitarem as imposições e violências.

Apesar das elevadas somas de investimento público, sobretudo em Caxangá, onde o Estado assumiu o papel de modernizar a estrutura da usina e estabelecer metas de produção de açúcar aos parceleiros, os projetos pouco foram adiante. Ainda em 1968 e 1969 a proposta do Ibra de colonização em áreas de povoamento antiga vai perdendo espaço público, prestígio e verba para as políticas de modernização do aparato produtivo e expansão da agroexportação, sendo criticadas, inclusive internacionalmente, pelo excesso de planejamento e manutenção de formas de dominação e desqualificação dos parceleiros.23 O abandono das áreas de colonização estabeleceu novamente as características da colonização sistemática: endividamento, expulsões, valorização da terra, grilagem e empobrecimento. As terras desapropriadas e/ou as terras públicas utilizadas foram reinseridas no mercado de terra com grilagem e violência, ou mesmo devolução do Estado,24 após serem valorizadas pelas obras de saneamento, criação de estradas e pelo estabelecimento das pequenas produções. Controladas, as terras são utilizadas para criação extensiva de gado, expansão de monocultivos, especulação fundiária ou loteamentos urbanos. Endividados e expropriados, os pequenos produtores são reinseridos no mercado de trabalho em posições cada vez mais subalternizadas, trabalhando em condições de trabalho temporário no campo ou na cidade (Sigaud, 1979; Medeiros, 2018; Brito, 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS – SITUAÇÕES DE COLONIALISMO INTERNO

A maior fixação do capital na terra é garantida pelo caráter migratório do trabalho, por sua subordinação e sujeição a processos contínuos de expropriação. Essa dinâmica foi intensificada com a ampliação da política de colonização para a região da Amazônia Legal nos anos 1970 (Santos, 1993), mas, conforme apontamos, sua lógica de ação já se encontrava em áreas de ocupação antiga e de intenso conflito. Desse modo, a colonização é entendida como mecanismo de controle de territórios e populações potencialmente insubmissas, inserindo-se num conjunto de práticas e saberes coloniais de controle territorial e populacional mobilizados pelo Estado e pelo complexo tecno-empresarial-militar que o forma, sendo parte fundamental do processo de formação do Estado nacional brasileiro.

Colonização já não é um termo presente enquanto política pública, graças às entidades sindicais e sociais (Brito, 2022). Contudo, o colonizar persiste enquanto lógica de interpretação e intervenção da questão agrária nacional e seu modelo colonial e empresarial de controle de territórios e populações. Esse modelo é mobilizado pelo complexo tecno-empresarial-militar em seu compromisso histórico de não realizar a reforma agrária demandada pelos camponeses, reproduzindo práticas de militarização, redução da reforma agrária a ações pontuais e com baixo índice de desapropriações, titulações às pressas, aprofundamento do monopólio fundiário e valorização do modelo agroexportador e da mentalidade produtivista e empresarial.

Os casos comparados são situações reiteradas de colonialismo interno (Cusicanqui, 2021), nas quais as populações camponesas foram continuamente desenraizadas, submetidas a processos de deslocamento forçado, desqualificadas em seus saberes e formas de ação e inseridas no mercado de trabalho em posições subalternizadas, populações essas frequentemente étnica e racialmente hierarquizadas. A comparação realizada permite apreender tanto a reiteração das práticas e saberes de origem colonial mobilizados por setores do Estado e de grandes proprietários, observando a reatualização da plantation, como também analisar as formas de resistência e de organização de setores do campesinato fluminense e pernambucano que reivindicaram modos de enraizamento. A análise comparativa indica, portanto, a persistência das formas de colonialismo interno em diferentes estados e regiões do Brasil, apontando para processos similares de cercamento que perpassam a experiência coletiva do campesinato, mas que se expressam em suas singularidades locais. A resistência cotidiana que pode ser observada é impulsionada por uma luta por enraizamento, sintetizada nas demandas por reforma agrária.

O impacto direto do contexto repressivo e ditatorial e da lógica colonial e empresarial foi o crescimento de conflitos por terra em meio ao aprofundamento das tendências de ampliação e modernização da plantation e seus processos de cercamento e desenraizamento. Em documentos das Federações de Trabalhadores na Agricultura25 de ambos os estados identificamos o amplo processo de desenraizamento e cercamento de terras de posseiros, moradores, parceleiros, pequenos produtores e trabalhadores, realizados por ameaças, destruição de casas e plantações, torturas, assassinatos, presença constante de milícias privadas, proibição de plantio, alterações unilaterais nas cobranças de arrendamento ou de trabalho e ataque sistemático às suas organizações políticas. A violência e o terror são mecanismos de controle político e aspectos essenciais da governança da terra e controle de populações, espécie de infrapolítica dos saberes e práticas coloniais de dominação presentes na formação do Estado nacional e atuação do complexo tecno-empresarial-militar.

O crescimento dos conflitos aprofunda as tendências de especulação fundiária no Rio de Janeiro e expansão da produção canavieira em Pernambuco. Contudo, ainda que não possamos aprofundar, a reiteração dessas situações não se dá pacificamente, e áreas em que se demandavam a reforma agrária, direitos sociais e participação política efetiva no pré-64 passam a ver ressurgir ações coletivas a partir de 1979, tais como o retorno das ocupações de terra no Rio de Janeiro e das greves de canavieiros em Pernambuco, além de outras ações. O período é identificado pela retomada de formas combativas de atuação dos STRs e sua bandeira de reforma agrária ampla, massiva, imediata e com participação das organizações do campesinato (Sigaud, 1980; Medeiros, 2018), bandeira que foi diretamente contraposta à política de colonização (Brito, 2022). Como apontou Palmeira (1985), essas ações coletivas mais espetaculares só podem ser entendidas pelo processo molecular de resistência cotidiana e de internalização da luta de classes. Em ambos os casos foi pelo sindicalismo que se articulou a organização do conjunto dos trabalhadores/as rurais responsáveis por manter vivas as memórias de luta e desejos de enraizamento e melhores condições de trabalho.

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  • 2
    Colonato e morada se referem a relações de trabalho e sujeição caracterizadas pela oferta de dias de trabalho gratuito em troca de acesso a um pedaço de terra para morar e produzir e, eventualmente, pagamento em dinheiro. A parceria é também uma modalidade de trabalho na qual se estabelece uma quantidade da produção a ser entregue ao dono da terra ou patrão em troca do uso da terra, sendo a mais comum a relação de meia. Em todos esses casos o acesso à terra é limitado pelas arbitrariedades do patrão ou proprietário, que estabelece quais culturas podem ou não ser plantadas, dias de trabalho gratuitos, mudanças no arrendamento ou quantidade de produção, consolidando formas violentas de sujeição e exploração. Apesar das violências, na memória de camponeses/as elas garantiam alguma forma de vinculação à terra e produção familiar de alimentos (Sigaud, 1979; Neves, 2008; Martins, 2018).
  • 3
    Conferência Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, Carta dos direitos e das reivindicações dos lavradores, 21/9/1954. Arquivo Lyndolpho Silva (ALS).
  • 4
    A constituição dos STRs foi central na luta política do campesinato, tornando-se o principal meio de organização e canalização de reivindicações entre 1960 e 1980. Dada a delimitação do objeto, não iremos aprofundar as disputas internas pela sindicalização, podendo-se consultar Koury (2012) e Medeiros (2018).
  • 5
    “Conceito de Colonização”, 1957. Trabalho de Fernando A. Genschow e Alarico J. da Cunha Jr. AN/PAR, Caixa 8, Pasta 3, p. 14-34.
  • 6
    “Esclarecimentos prestados por D. Helder Câmara à Exma. Câmara dos Deputados a propósito do Projeto 749/A”. AN/PAR, Caixa 13, Pasta 8, p. 63-70.
  • 7
    CNBB, “Encontro dos Bispos do Nordeste”, 1956. AN/PAR, Caixa 13, Pasta 8, p. 19-62.
  • 8
    I CNLTA, Composição do I Congresso dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, 12/1961. ALS.
  • 9
    Lyndolpho Silva, I CNLTA, Relatório sobre o I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, 2/1962, p. 3. ALS.
  • 10
    I CNLTA. Declaração do I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, 17/11/1961, p. 2. ALS.
  • 11
    Lyndolpho Silva, I CNLTA, Relatório sobre o I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, 2/1962, p. 1. ALS.
  • 12
    O termo evoca a política do governo Carvalho Pinto em São Paulo, em 1961, cujo grupo posteriormente integrou o Ibra (Brito, 2022). Os principais mecanismos para transformar o pequeno produtor atrasado em um agricultor empresarial moderno eram a colonização e a tributação. No discurso da Ultab de encerramento da Conferência, além de revisões, os planos pilotos também são citados como paliativos que asseguravam o monopólio da terra. No Rio de Janeiro, o Plano de Colonização era chamado de Plano Piloto de Ação Agrária (Grynszpan, 1987). Ver: I CNLTA, Discurso de encerramento do presidente da Ultab, 17/11/1961. ALS.
  • 13
    Em Brito (2025) sinalizamos as leituras e inspirações nos projetos técnicos elaborados por Ribeiro, indicando a importância assumida por ele em constituir um conceito moderno de colonização que partisse de Wakefield.
  • 14
    “Notas preparadas para entrevista do Dr. Paulo de Assis Ribeiro em 5/10/64”. AN/PAR, Caixa 57, Pasta 4, p. 6.
  • 15
    “Norma 531 – 3/1. Da seleção e classificação de candidatos a parceleiros nos projetos dos Núcleos Coloniais dos Distritos de Caxangá (NE), Alexandre Gusmão (BR) e Papucaia (RJ)”. AN/PAR, Caixa 350, Pasta 2, p. 264-273.
  • 16
    “Anotações ligeiras sobre um trabalho de política de colonização e recolonização para o Estado de Goiás”. AN/PAR, Caixa 27, Pasta 1.
  • 17
    Ibra. Relatório Distrito Alexandre Gusmão, Distrito Federal, Brasil, 1966. Brasil: 1967. AN/PAR, Caixa 283, Pasta 2, p. 44.
  • 18
    Decreto nº 55.761, de 16 de Fevereiro de 1965. Diário Oficial da União - Seção 1 - 17/2/1965, Página 1938.
  • 19
    Ibra. E.M. nº 9, 11 de fevereiro de 1965. AN/PAR, Caixa 72, Pasta 2, p. 157-158.
  • 20
    ETAS Ltda. GEOS S.R.L. Distrito de Colonização Caxangá (s.d.). AN/PAR, Caixa 344, Pasta 2.
  • 21
    Jaul foi membro do Grupo de Pesquisa do Ipes (Dreifuss, 1981, p. 186).
  • 22
    Ata da 132ª Reunião da Diretoria Plena do Ibra, 9 de maio de 1967. AN/PAR, Caixa 349, Pasta 2, p. 388-389.
  • 23
    Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. “Tercera Parte. Aspectos de la reforma agrária en Brasil”. Julho de 1968. AN/PAR, Caixa 168, Pasta 2. Ver Brito (2022).
  • 24
    Foi o caso de parte expressiva do PIC Papucaia, cujas terras, inclusive as que foram desapropriadas após as ocupações, foram devolvidas para os antigos proprietários acusados de grilagem (Brito, 2023).
  • 25
    Eraldo Lírio de Azeredo, Miguel Fernando de Sousa. “Conclusões tiradas pela Fetag/RJ do Levantamento dos Conflitos de Terra que realizou no estado”. IV Congresso Nacional sobre Mão-de-Obra Volante na Agricultura, 1979. Acervo NMSPP: TRAB 1174 V426q; Fetape. Açúcar com gosto de sangue. Violências na Zona Canavieira de Pernambuco. Recife, 1984. Acervo Memov: BR RJ UFRJ Memov Grev AcerCM AMORJ VioConf ERS 2 001.
  • 1
    Esse trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, e FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, processo SEI FAPERJ Nº SEI-260003/005791/2022 e SEI CNPq Nº 01300.008811/2022-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2025
  • Aceito
    06 Maio 2025
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