Resumos
O artigo reflete sobre o papel da ciência frente à temática ambiental e mostra como esse saber vem sendo usado estrategicamente em vista a (i) garantir a implementação de regramentos globais e locais e (ii) impulsionar a apropriação dos recursos naturais. Como recurso, o texto fundamenta os discursos que firmam a governança das águas do Aquífero Guarani em dois níveis: o global e o local – especificamente, a região de Ribeirão Preto (SP). A partir de revisão bibliográfica, análise documental, entrevistas semiestruturas, bem como o acompanhamento de audiências públicas, os resultados apontam para a proeminência do discurso técnico-científico no debate ambiental, figurado na hierarquia do saber racionalizado que opera como um regime de verdade e para a mobilização estratégica do saber científico por agentes econômicos locais em vista a superar os regramentos globais e alçar a apropriação do recurso natural.
Governança das águas; Sociedade e Recursos Hídricos; Gestão Participativa; Meio ambiente e Saber perito; Aquífero Guarani
The article reflects on the role of science in addressing environmental issues and demonstrates how this knowledge has been strategically used to (i) ensure the implementation of global and local regulations and (ii) drive the appropriation of natural resources. As a resource, the text grounds the discourses shaping the governance of the Guarani Aquifer at two levels: global and local – specifically, the Ribeirão Preto region. Through a bibliographic review, document analysis, semi-structured interviews, and participation in public hearings, the results highlight the prominence of the technical-scientific discourse in the environmental debate, positioned within the hierarchy of rationalized knowledge that operates as a regime of truth. Furthermore, it reveals the strategic mobilization of scientific knowledge by local economic agents to circumvent global regulations and achieve the appropriation of natural resources.
Water governance; Society and water resources; Participatory Management; Environnemental and Expert know-how; Guarani Aquifer
INTRODUÇÃO
As águas subterrâneas são compreendidas, na moderna sociedade Ocidental, como um recurso hídrico que se encontra abaixo da superfície da Terra e que preenche os poros e as fraturas de rochas permeáveis capazes de armazená-las (Borghetti; Borghetti; Rosa Filho, 2004; Rebouças, 2006). Além do seu papel essencial, que concerne à manutenção da umidade do solo e do fluxo dos rios e lagos, cumprindo assim uma fase do ciclo hidrológico, essas são fundamentais à segurança hídrica, visto que abastecem milhões de pessoas no Brasil e ao redor do mundo (Borghetti; Borghetti; Rosa Filho, 2004; Villar; Hirata, 2022).
Efeito de sua relevância e em sinal de alerta à crescente degradação das reservas hídricas e às projeções dos níveis de escassez mundial, os recursos superficiais e subterrâneos ganharam destaque entre os atores internacionais, e nacionais, que passaram a refletir sobre políticas para sua preservação (Uitto; Duda, 2002). Paralelo à emergente preocupação internacional a esses recursos e ao amparo do conhecimento científico, capaz de apontar uma realidade ambiental e prescrever políticas, o Estado brasileiro passou a reconhecer a importância política e econômica em ser favorecido por potenciais hídricos subterrâneos, consolidando assim um discurso a respeito da soberania no acesso aos aquíferos transfronteiriços (Santos, 2008).
Nos meandros desse cenário, o Sistema Aquífero Guarani (SAG), aquífero transfronteiriço que ultrapassa as fronteiras da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, bem como o município de Ribeirão Preto (SP), logrou visibilidade mundial pela grande disponibilidade hídrica, ausência de instrumentos de gestão multilateral e local, e existência de zonas críticas, seja pelas formas de uso do solo ou pelo aproveitamento das águas do aquífero. Foi então que, na década de 2000, se desenvolveu o Projeto Proteção Ambiental e Gerenciamento Sustentável Integrado do Sistema Aquífero Guarani (também conhecido como Projeto Sistema Aquífero Guarani – PSAG), uma referência na gestão das águas subterrâneas na América Latina e no mundo, sendo Ribeirão Preto uma das áreas elencadas para análise aprofundada.
Essa profícua conjuntura de emergência do debate sobre os recursos hídricos subterrâneos em âmbito global e nacional ganha centralidade neste artigo. Desde um olhar sociológico, e fundamentado em métodos qualitativos de pesquisa social, o trabalho tem como objetivo refletir sobre o papel da ciência frente à temática ambiental e apontar como esse saber vem sendo usado estrategicamente por diferentes atores e agentes econômicos em vista a (i) garantir a implementação de regramentos globais e locais e (ii) impulsionar a apropriação dos recursos naturais. Em termos conceituais, o artigo toma como referência as investigações de Bourdieu (2008), acerca da formação de um mercado simbólico dos discursos, bem como sua aceitabilidade, além das contribuições de Foucault (2014; 2017), sobre a noção de discurso de verdade e de saber – poder. Ademais, a abordagem da construção social do meio ambiente, como elaborado por Hannigan (2009), desponta como importante referencial para refletir, a partir de um modelo cognitivo-relacional, como as questões ambientais são formuladas, estruturadas e articuladas por diferentes agentes sociais.
A fim de desenvolver tal problemática, o texto segue dividido em mais cinco tópicos, além desta introdução. De imediato, serão expostos os avanços na gestão dos recursos hídricos problematizando, desde a noção de alheio, a permanência de um hiato na política no tocante aos recursos subterrâneos. No terceiro tópico, pormenoriza-se o percurso metodológico que fundamenta a elaboração do trabalho, abrindo caminho para abordar, nos tópicos subsequentes, aspectos do emprego do saber técnico-científico na consolidação da agenda ambiental global sobre as águas subterrâneas e, em seguida, nos regramentos da gestão destes recursos. Por fim, no tópico seis serão realinhados os principais argumentos e conclusões do estudo.
O SISTEMA AQUÍFERO GUARANI: ENTRE O VISÍVEL E O ALHEIO
Todos os dias acontecem no mundo coisas que não são explicáveis pelas leis que conhecemos das coisas. Todos os dias, faladas nos momentos, esquecem, e o mesmo mistério que as trouxe as leva, convertendo-se o segredo em esquecimento. Tal é a lei do que tem que ser esquecido porque não pode ser explicado. A luz do sol continua a regular o mundo visível. O alheio espreita-nos da sombra (Pessoa, 1982, p. 288).
Para dar início à reflexão, empenha-se esforços para tecer um novo olhar sobre as águas subterrâneas, habitualmente compreendidas e categorizadas como recurso oculto justamente por se encontrar encoberto pela terra e protegido pelas rochas. No avesso a essas ponderações, os escritos de Fernando Pessoa ajudam a fundamentar a análise, dando elementos que retiram esse recurso natural do oculto e o situam no alheio.
Por que, afinal, encarar as águas subterrâneas sob uma nova perspectiva? A abordagem do alheio permite refletir sobre as estratégias de ocultamento dos recursos subterrâneos, ou melhor, sua mobilização estratégica a depender de interesses individuais, interesses coletivos e/ou estímulos interno e externo. Dito de outra maneira, por meio desta noção pondera-se sobre momentos em que as águas subterrâneas permaneceram alheias sob o prisma da ciência e dos instrumentos políticos de gestão, mas visíveis no cotidiano do mundo rural e urbano.1
Concretamente, no caso da gestão das águas, o modelo adotado no Brasil na década de 1990, diretamente influenciado por experiências internacionais (Martins, 2008), não conseguiu atingir as peculiaridades dos recursos hídricos subterrâneos, nem mesmo efetivar a gestão integrada entre águas superficiais e subterrâneas. Este aparato, beneficiado pelo contexto de emergência da temática ambiental, em âmbito global e de institucionalização da Constituição de 1988, que reforça os princípios participativos e questiona o papel do Estado como agente indutor de políticas sociais (Abers; Keck, 2008; Jacobi; Barbi, 2007), reproduz falhas e lacunas que impactam diretamente o processo de gestão destes recursos.
Tomando como exemplo o modelo francês de gestão da água, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída no ano de 1997, consolidou suas práticas firmadas nos princípios de gestão descentralizada, democrática e científica. Descentralizada e democrática por prever a participação coletiva de diferentes categorias de usuários, e científica por estabelecer o recorte fisiográfico (e, em tese, não político) do território nacional em bacias hidrográficas (Martins, 2012). Dessa forma, as águas nacionais seriam geridas pelos Comitês de Bacia, compostos por representantes do Governo e da sociedade civil local.
Especificamente com relação às águas subterrâneas, houve um avanço importante quando a Constituição Federal as declarou como bens do Estado, ou seja, bens públicos de uso comum. Até então, como disposto no Código Civil (1916) e no Código de Águas (1934), os recursos hídricos subterrâneos pertenciam por acessão ao proprietário da terra. Esta nova configuração no tratamento das águas e, por conseguinte, das águas subterrâneas, que deixa de ser compreendida como propriedade privada ou mesmo “direito adquirido” do possessor da terra, apresentada, a partir de então, como “bem de domínio público” (Brasil, 1997), é reiterada na PNRH.
De modo complementar, a implementação de outorga, com o objetivo de assegurar o controle quantitativo e qualitativo do uso da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso ao recurso hídrico, consiste em outro avanço da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Este processo, que não implica na alienação parcial do recurso hídrico, uma vez que é inalienável, prevê o simples direito de uso das águas superficiais ou subterrâneas (Brasil, 1997). No entanto, até o presente momento este instrumento não conseguiu sanar problemas relacionados à superexploração por meio, a título de exemplo, de poços clandestinos (Hirata et al., 2019). Assim, a despeito dos avanços da Constituição Federal e da Lei nº 9.433/97, essa também por representar a politização e a cientifização da gestão ambiental, fundamentalmente, por envolver a sociedade civil em processos consultivos e decisórios para a resolução de problemas ambientais e por, em tese, se afastar de uma gestão política da água, visto que é orientado por um saber técnico-científico (Guivant; Jacobi, 2003; Martins, 2013, 2015; Rossi; Santos, 2018), há um hiato na política no tocante aos recursos hídricos subterrâneos.
Entre as lacunas vislumbradas se destaca que não obstante a Constituição Federal atribuir aos Estados e ao Distrito Federal a competência para a gestão das águas subterrâneas, tal prática se realiza, efetivamente, por meio de ações locais que adotam mecanismos políticos específicos de gestão, como a restrição de perfuração de poços, o zoneamento territorial e planos de irrigação para cultivo de culturas agrícolas (Molle; López-Gunn; Van Steenbergen, 2018). Ademais, ainda que a adoção das bacias hidrográficas como unidade de gerenciamento tenha sido um dos principais avanços para a gestão dos recursos hídricos, no caso das águas subterrâneas, a bacia hidrogeológica não corresponde à bacia hidrográfica, que pode provocar obstáculos na gestão se não existir cooperação entre os órgãos gestores (Fracalanza, 2009). Logo, o recorte fisiográfico das bacias hidrográficas é problemático à gestão das águas subterrâneas (Ribeiro, 2009).
Notadamente, os recursos hídricos subterrâneos, bem como seus instrumentos de gestão, estiveram assentados neste trânsito entre o visível, o oculto e o alheio (Cardoso, 2022). O Sistema Aquífero Guarani, de modo similar, também percorre por essas tramas enredadas em um jogo de evidência e ocultamento tangente à ciência e aos atores políticos. Com uma área de aproximadamente 1,2 milhões de km2, trata-se de um aquífero transfronteiriço confinado por cerca de 90% da sua área total e 10% aflorante.2 O Brasil é o principal usuário dos recursos hídricos do Guarani, com destaque ao estado de São Paulo por conter grande contingente populacional sobre essas áreas de recarga e deter elevadas taxas de demanda hídrica para abastecimento doméstico, industrial e rural (Borghetti; Borghetti; Rosa Filho, 2004).
Em paralelo, Ribeirão Preto alça visibilidade internacional, e nacional, fruto da complexa relação estabelecida com o Aquífero Guarani. Caracterizado como zona crítica pelo Projeto Sistema Aquífero Guarani (PSAG), o município se distingue pela intensa exploração da terra, por efeito das plantações de cana-de-açúcar e uso de agrotóxicos e da pressão para expansão urbana sobre áreas de recarga, e da água, pela elevada demanda hídrica responsável pelo rebaixamento do nível hídrico subterrâneo3 (Cardoso, 2022; OEA, 2009; Villar, 2008).
Efeito desse cenário crítico de exploração dos recursos do aquífero, e reconhecendo a importância global e nacional em elaborar instrumentos de gestão capazes de preservar os recursos subterrâneos, o PSAG passou a ser desenvolvido, de 2003 e 2009, entre os países beneficiados por essas águas, definindo quatro áreas como lócus de análise: Concordia (Argentina) / Salto (Uruguai); Rivera (Uruguai) / Santana do Livramento (Brasil); Itapuá (Paraguai); e, Ribeirão Preto (Brasil).
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA REVELAR O ALHEIO
Não obstante à emergência das reflexões em torno das águas subterrâneas, no campo acadêmico, os estudos têm se dedicado a traços específicos de aspectos da governança dos recursos subterrâneos, como avanços e lacunas das normativas internacionais e nacionais (Caubet, 2009; Santos, 2020; Villar, 2012); da definição hidrogeológica e compartimentação do aquífero (Rosa Filho et al., 2003; Matos; Reginato; Athayde, 2018); da construção de indicadores jurídicos que ponderam sobre a gestão das águas (Villar; Hirata, 2022); e, ainda, do papel dos recursos subterrâneos em contexto de escassez hídrica (Carvalho et al., 2024). Em paralelo, no campo político, ganham relevo as tratativas e ratificação de Decretos que admitem acordos multilaterais de gestão dos aquíferos transfronteiriços, como o Decreto Legislativo nº 52, de 2017, que aprova o texto do Acordo Aquífero Guarani, firmado em 2010, na Argentina (Brasil, 2017).
Este texto, por sua vez, trata dos reflexos da tecnociência no ambiente político em torno dos recursos hídricos subterrâneos em âmbitos global e local. Para tanto, as tramas metodológicas tecidas foram organizadas com o objetivo de enraizar os discursos e as bases sociais que fundamentam a governança das águas subterrâneas, por meio de técnicas que revelam o alheio, nomeadamente o levantamento e análise documental, o acompanhamento de audiências públicas e técnicas promovidas pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e a realização de entrevistas qualitativas semiestruturadas.
O Programa Estratégico de Ação – PEA (OEA, 2009), relatório fruto do Projeto Sistema Aquífero Guarani (PSAG), foi um importante instrumento de análise por compilar, em um só documento, prescrições técnicas sobre um gerenciamento hídrico do aquífero nos quatro países; base de dados de poços existentes e um conjunto de mapas temáticos, a fim de dar suporte aos órgãos gestores de águas subterrâneas, sejam esses nacionais ou subnacionais. Também integra este relatório, de modo discriminado, o quadro de representantes nacionais e internacionais, bem como de organismos e instituições que cooperaram na condução e execução do PSAG e do PEA.
Em termos estruturais, o PSAG contou com o apoio econômico e político de instituições internacionais para sua implementação e execução – como o Global Environment Facility, o Banco Mundial e a Organização dos Estados Americanos –, dispôs de uma Secretaria Geral constituída por técnicos dos quatro países que conformam a região do SAG, além de ampla participação da comunidade epistêmica na sua construção. Foi, portanto, uma ação conjunta que resultou no primeiro instrumento multilateral em âmbito mundial para a gestão de um aquífero transfronteiriço.4
A contar desta primeira análise, opta-se por trabalhar, neste momento, com a equipe vinculada ao Banco Mundial, responsável pela elaboração de relatórios técnicos sobre o Aquífero Guarani e desenvolvimento de conceitos e ferramentas para gestão sustentável de águas subterrâneas. O enraizamento das bases sociais que fundamentam a governança dos recursos subterrâneos será exemplificado, no tópico subsequente, em termos da reconstrução da trajetória desses agentes sociais.
Em âmbito local se apresenta o posicionamento adotado por agentes específicos durante as audiências públicas e técnicas promovidas pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, entre 2017 e 2018. Essas audiências foram organizadas com o propósito de elaborar o novo plano diretor e suas leis complementares, e tinha como uma das principais frentes de debate a temática do parcelamento, uso e ocupação do solo. Definiu-se, para este texto, duas audiências em que o debate sobre uso do solo, e, por conseguinte, gestão da água subterrânea foram prevalentes. É importante frisar que não houve participação ativa dos pesquisadores nesses encontros, limitando-se a observar e compreender as disputas discursivas realizadas neste espaço. Ademais, enquanto a audiência pública está disponível no canal TV Câmara, a audiência técnica não, demandando anotações do caderno de campo para as reflexões.
Finalmente, fruto da periodicidade das audiências, houve o mapeamento dos agentes que disputam a ocupação do solo e gestão das águas no município. A rigor, destaca-se a assiduidade do setor da construção civil, figurado em um representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon)5.
AGENDA AMBIENTAL SOBRE AS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E A HOMOGENEIDADE DE SABERES
Em linhas gerais, o Projeto Sistema Aquífero Guarani (PSAG) tinha como propósito apoiar os países a elaborar e implementar, conjuntamente, um marco comum institucional, legal e técnico, a fim de gerenciar e preservar o Sistema Aquífero Guarani (SAG) para gerações futuras (OEA, 2009). O projeto representou uma transição histórica no tratamento das águas subterrâneas ao elaborar novos enunciados e transformar todo um regime político de gestão do meio ambiente firmado em um conjunto de experts, capaz de descrever a realidade do aquífero e prescrever políticas. Nos meandros de sua elaboração, o PSAG articulou premissas fundamentais da Constituição Federal, da Lei nº 9.433/97, como também da Declaração de Dublin, ao estimular uma participação diversa, que confluísse diferentes saberes, mas que, por sua vez, tivesse respaldo na técnica e na ciência para ampliar o conhecimento sobre o aquífero e elaborar estratégias para sua gestão. Estas foram premissas basilares da “grande experiência” PSAG, compondo, inclusive, os componentes de atuação do projeto.
Além dos técnicos de cada país e um conjunto de Universidades, que envolve a região do SAG (Cardoso, 2020), o projeto contou ainda com peritos da Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio do Departamento de Desenvolvimento Sustentável e do Internationally Shared Aquifers Resources Management Américas (ISARM – Américas), e da equipe vinculada ao Banco Mundial intitulada Groundwater Management Advisory Team (GW-Mate). Somado à qualidade técnica, que os grupos carregam no íntimo de sua formação, são ainda globalmente conhecidos por seu caráter dinâmico, isto é, enquanto equipes que se encontram em constante circulação internacional em espaços que investigam questões hídrica e ambiental. Efetivamente, coube a esses criarem as bases discursivas que envolvem o Sistema Aquífero Guarani e a gestão das águas subterrâneas na América Latina e no mundo.
Nesses termos, as trajetórias profissional e acadêmica dos agentes ocupantes de postos-chave nesse debate conduzem à construção de um repertório aceitável sobre os aquíferos, capaz de consolidar a temática das águas subterrâneas na agenda socioambiental contemporânea.
Por esse ângulo, remontar os trânsitos dos agentes que compõem essas equipes revela formas de discursos de saber-poder, que influi na significação geral de um conjunto de práticas acerca dos aquíferos, ou ainda, nos termos de Hannigan (2009), evidencia a atuação eficiente dos agentes habilitados a construir um discurso legítimo sobre o meio ambiente e a validar sua realidade ambiental. Consiste em considerar, portanto, um grupo cuja especificidade expressa as funções gerais do dispositivo de verdade na sociedade (Foucault, 2017).
A despeito de reconhecer a importância do amplo conjunto de agentes, que ocupam essas instituições, limita-se esta análise à composição e ao discurso elaborado pelo GW-Mate, grupo técnico especializado em gestão de águas subterrâneas, constituído após a realização do 2º Fórum Mundial da Água (Haia, Holanda), no ano 2000.
Formado “por um grupo multidisciplinar e plural de especialistas internacionais amplamente experientes” (GW-Mate, 2010, p. 02), desde sua formação, o GW-Mate, que encerrou seus trabalhos em 2010, foi contratado pelo Banco Mundial para compor seu corpo técnico-científico. Esta instituição garantiu a circulação e a participação ativa do grupo em seus projetos e, também, na rede da Global Water Partnership (GWP), com a finalidade de analisar e descrever sobre gestão, política de desenvolvimento e planejamento do meio ambiente, especificamente, dos recursos subterrâneos.
A equipe principal do programa era composta por Stephen Foster e Héctor Garduño, e tinha à frente de sua gestão Karin Kemper. Excetuando Kemper, economista por formação e doutora em estudos hídricos e ambientais, a trajetória acadêmica dos outros dois esteve vinculada ao domínio das engenharias. Foster, com diploma de pós-graduação em geologia pela London School of Economics, trilhou sua carreira em cargos de chefia e/ou liderança de grandes instituições de estudo sobre águas subterrâneas. Além de diretor do grupo GW-Mate, o engenheiro também ocupou as cadeiras de vice-presidente e presidente da International Association of Hydrogeologists (IAH) entre os anos de 2000 e 2008 e foi conselheiro sênior da GWP no intervalo de 2012 e 2015. Atualmente, Foster está à frente do Grupo de Especialistas em Gestão das águas subterrâneas da International Water Association (IWA).
A trajetória de Garduño também foi marcada pela atuação ativa nos estudos sobre gerenciamento dos recursos hídricos desenvolvidos em âmbito internacional e nacional. Mestre em hidráulica pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), o engenheiro foi membro de diversas associações que debatem problemáticas relativas aos recursos hídricos, além de representar a Comissão Nacional da Água mexicana em missões do Banco Mundial. Na burocracia mexicana, atuou diretamente na reestruturação do gerenciamento dos recursos hídricos do país. Por fim, Garduño também fez parte da IAH e IWA.
A despeito da trajetória escolar de Karim Kemper divergir dos outros representantes supracitados, os meandros de suas trajetórias profissionais são correlatos. Funcionária ativa do Banco Mundial, a economista foi diretora sênior da área de recursos naturais e ambientais da Instituição, ocupando também cargos gerenciais na área de meio ambiente e recursos hídricos nas regiões do Sul da Ásia e da América Latina. Seus principais estudos são voltados para a área de gestão ambiental e recursos hídricos, economia ambiental, economia verde e economia azul.
Somado a esse time de consultores internacionais sobre as águas subterrâneas, houve a participação de Abel Mejía e Ricardo Hirata. Formado e pós-graduado em engenharia civil, Mejía atuou durante duas décadas no Banco Mundial como engenheiro chefe do setor de água e gerente da área de água e meio ambiente. Nesse intervalo, foi responsável pela concepção e implementação de projetos de água e meio ambiente no Banco, e pelas políticas de água e projetos estratégicos na América Latina e em âmbito global.
Finalmente, Ricardo Hirata, representante brasileiro no GW-Mate, é formado em geologia pela Universidade Estadual Paulista e doutor em geociência pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular do Instituto de Geociências da USP e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, no campo científico, Hirata tem vários trabalhos publicados em hidrogeologia, incluindo manuais de referência e livros para a OPAS/OMS, Banco Mundial e UNESCO.
Na burocracia brasileira, ocupou postos no Instituto Geológico da Secretaria do Meio Ambiente (São Paulo) e no DAEE, além de atuar ativamente no Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. O professor elaborou estudos técnicos para subsidiar a definição de valores a serem cobrados quando da contaminação das águas subterrâneas e, ainda, propôs estratégias para assegurar o abastecimento hídrico em episódios de escassez hídrica na grande São Paulo.6
O resgate da trajetória acadêmica e o mapeamento dos agentes que atuaram no GW-Mate apontam a majoritária e homogênea presença de técnicos especializados, com predomínio de saberes da engenharia e da geociência. E, ao mesmo tempo, demonstram a fluida, mas também homogênea circulação dos partícipes em instituições internacionais encarregadas pelo debate ambiental e responsáveis pela definição da agenda global da água.
Na esteira dessa análise, entende-se que o capital cultural acumulado nas trajetórias acadêmicas individuais assegurou a competência legítima a esses cientistas, então socialmente reconhecidos para desenvolver diagnósticos técnicos e empreender novos signos de nomeação, que sustentam um modelo específico de gestão para os recursos subterrâneos. De modo complementar, o trânsito em instâncias internacionais responsáveis pelo debate e pela formação do conhecimento sobre o meio ambiente, e, em específico acerca das águas, reforça a legitimidade desses cientistas para formular diagnósticos sobre as águas subterrâneas. A título de exemplo, além do vínculo ao Banco Mundial, houve um fluxo intenso na International Association of Hydrogeologists (IAH) e na International Water Resources Association (IWRA), organizações que se destacam mundialmente pela liderança técnica na temática das águas e na prática da hidrogeologia, por isso, referências para lidar com os recursos hídricos em âmbito global. Não por acaso, este saber que qualifica e descreve um recurso natural que se encontra oculto é categorizado como singular, imprescindível e de difícil aquisição, já que, como afirma Ricardo Hirata, é “um conhecimento que não está na prateleira” (Ricardo Hirata, geólogo, membro do GW-Mate – Banco Mundial. Entrevista realizada em 08/2020). Sustentando esse arranjo está a crença no rigor técnico e no conhecimento científico para descrever a realidade ambiental, amparado na suposta neutralidade da ciência na tomada de decisões para questões gerais da sociedade. Isso explica também a demasiada aceitabilidade das descrições e prescrições arquitetadas por esse grupo.
Esse dado contradiz as premissas defendidas pelo PSAG que, como apontado, supostamente vislumbrava a confluência de diferentes saberes para a construção de políticas ambientais e nos espaços de gestão participativa. Esta contradição conflui com os desafios enfrentados pela Lei das Águas, qual seja, a dificuldade para que se alcance, efetivamente, os ideais das práticas participativas, tanto no seu formato como em seu resultado.
Conforme Jacobi e Fracalanza (2005), ainda que a legislação nacional tenha aberto espaço para a participação da sociedade civil, oportunizando que leigos e peritos trabalhem juntos, de fato, o poder decisório permanece entre aqueles que detêm o conhecimento técnico-científico. No que concerne às águas subterrâneas, no entanto, não há apenas uma predileção pelos saberes técnicos no momento de tomada de decisão, mas sim uma efetiva restrição da participação de leigos no interior dos grupos encarregados por delinear os caminhos da regulação de acesso às águas subterrâneas, e, como se verá no próximo tópico, também nas arenas participativas locais.
Isto posto, a articulação das trajetórias acadêmicas e o fluxo em organismos internacionais responsáveis pelo debate global sobre água atribui a esses agentes um poder simbólico, capaz de impor uma visão e divisão do mundo social (Bourdieu, 2008), ou mesmo, conforme Foucault (2014), de produzir saberes e circular verdades que, em contrapartida, excluem saberes que não se orientam por tais referenciais. Assim, nessa forma particular de luta classificatória, a autoridade científica atribuída a esse grupo, fundada em suas forças simbólicas e materiais, impõe como legítima e reconhecida uma agenda política ambiental sobre os recursos subterrâneos capaz de estabelecer um sentido e um consenso sobre a prática da governança dessas águas.
Dessa forma, enraizar as bases sociais que fundamentam a governança dos recursos subterrâneos, em âmbito global, conduz a ponderar os ritmos trilhados em nível local, retirando do alheio os conflitos velados e disputas simbólicas para a gestão do Sistema Aquífero Guarani.
ARENAS PARTICIPATIVAS E OS CONFLITOS LOCAIS PARA A GESTÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
Com efeito, essa instrumentalização da tecnociência também se estende ao interior das instâncias que, direta ou indiretamente, deliberam a governança das águas subterrâneas em âmbito local. Nesta circunstância, cumpre observar que os princípios de participação e articulação de múltiplas formas de saberes na produção de conhecimentos, certamente científicos, mas também “leigos”, estão igualmente concatenados aos mecanismos de gestão ambiental organizados pela Administração Pública. Este fato ficou evidente nas audiências públicas e técnicas promovidas pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, que debateram a reestruturação do Plano Diretor Municipal. Isso significa que, neste instante, diferentes segmentos sociais passam a disputar discursivamente múltiplas temáticas, como, por exemplo, o parcelamento, uso e ocupação do solo que visava, em linhas gerais, a expansão urbana municipal sobre a área de afloramento do Sistema do Aquífero Guarani e os (não) impactos ambientais dessa proposição.
Vale pontuar, rapidamente, que desde o início de desenvolvimento do PSAG até a atualidade, a região de Ribeirão Preto se deslocou nesse campo político ambiental, a fim de dar respostas concretas às exigências ambientais internacionais. Conforme a preocupação global com o SAG sofre, gradativamente, um afrouxamento, os discursos e a elaboração de leis locais se metamorfoseiam. Então, se em um primeiro momento os enunciados foram estabelecidos em vista a frear a exploração do aquífero a partir da restrição da ocupação territorial e do controle de perfuração de poços para captação de águas subterrâneas, e, em seguida, convencionou-se ocupar de modo ordenado o território para lograr a preservação das águas subterrâneas, na atualidade, verifica-se uma nova estratégia discursiva.7 Neste momento, fundamentado na mobilização recursiva da ciência e da técnica, há um movimento diametralmente complementar de silenciamento e apagamento discursivo, tanto de leigos como de estudos técnicos realizados até então, para ao final, superar os limites da acumulação capitalista, por meio da expansão urbana sobre a zona de afloramento do aquífero.
Nesta ocasião, a formação de uma tríade institucional constituída entre Empresário, Estado e Ciência (Stengers, 2015), que se articula contemporaneamente, leva a refletir sobre a força de um bloco de poder econômico local capaz de redefinir a noção de risco que compreende o SAG. Na realidade, consiste no cumprimento das exigências do Empresário “de uma definição ‘sem risco’ do risco de inovação” (Stengers, 2015, p. 60), as quais passam a ser legitimadas pelo Estado e fundamentadas pela Ciência. Com isso, a formação deste bloco de poder cria narrativas que, de modo sistematizado, pretendem: a) silenciar falas de leigos que tencionam a participação nas instâncias de gestão; b) apagar os estudos técnicos e debate científico global; e, c) construir uma nova realidade ambiental do Aquífero Guarani capaz de forçar a criação de novos instrumentos jurídicos sobre o meio ambiente que pretendem a acumulação capitalista (Cardoso, 2022).
A fim de ponderar sobre a formação deste bloco de poder local, bem como seu desempenho nas arenas públicas de debate ambiental, alguns discursos expressados nas audiências são exemplares. Destaca-se, a princípio, a fala de Cléber, com formação acadêmica em arquitetura que, a partir de seu discurso, intenta legitimar uma superioridade técnica e, ao mesmo tempo, excluir os leigos, contrariando seus saberes e conhecimentos.
Meu nome é Cléber, sou arquiteto, e gostaria de colocar algumas questões aqui. Primeiro, vocês têm que entender que uma atividade técnica tem que ser discutida por técnicos. Eu respeito o pessoal da moradia popular, mas vocês têm que aprender com os técnicos. E técnico é arquiteto, é engenheiro. E quem entende de planejar a cidade, é arquiteto e engenheiro. Então trazer o movimento de vocês, não vai resolver. Agora eu posso dizer a vocês que os arquitetos e os engenheiros, eles têm sim preocupação social, e a prefeitura tem um corpo de arquiteto muito competente, que está pensando seriamente na cidade. Nós fazemos parte da coletividade da cidade [...] agora vocês precisam entender, pessoas que são leigas, que precisam que o arquiteto e o corpo de arquitetos planejem a cidade. Agora, vocês não vão entender. Se vocês não estudaram a arquitetura ou a engenharia, não vão entender. É técnico. É como você ir a um médico. Como você vai abrir a barriga de uma pessoa se você não é médico? Não adianta, a pessoa morre. A cidade não pode ter pessoas leigas que dão palpites. Você pega um leigo que constrói a casa, pode cair em cima da cabeça dele [...] agora, não adianta você querer ser leigo e querer “pilotar o movimento”. É preciso ter respeito com quem sabe, e quem sabe é o arquiteto. Quem estuda para planejar uma cidade é arquiteto. Então, eu peço a vocês que confiem no corpo técnico porque o corpo técnico está pensando em uma cidade melhor” (Cléber, Arquiteto e Urbanista, Audiência Pública Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo realizada em 05/09/2018).
Ao propor, de forma aberta e clara, um saber habilitado a planejar a cidade e a ordenar o território, a fala demonstra o desejo do arquiteto em situar as prescrições do corpo técnico-científico no verdadeiro e, por conseguinte, interditar o conhecimento não-científico, excluí-lo de cena ao categorizá-lo como discurso errado, ilegítimo, infundado. Indo além, o poder discursivo da racionalidade técnica e científica não apenas retém as palavras do outro e censura a escuta de um saber não-científico, mas cerceia o corpo daqueles que experienciam a cidade de outra forma. Justamente por isso, além do movimento de moradia não poder participar do debate, na visão do arquiteto, tampouco pode ocupar fisicamente essa arena pública de gestão.
Ademais, a eficácia prática desse saber e o exercício de poder deste grupo se intensificam, uma vez que esses agentes mobilizam “trunfos” capazes de repelir algumas produções discursivas no debate sobre o meio ambiente. No mais das vezes, a articulação entre agentes econômicos e organismos políticos locais, apoiado na tecnociência, ratifica a perpetuação de projetos, bem como a formulação de leis e decretos que julgam importantes. Não à toa, o arquiteto valoriza e reporta a um corpo técnico específico qualificado a diagnosticar e prescrever políticas, no caso, experts vinculados à Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Assim, ganha centralidade, na ocasião, a apropriação dos recursos naturais por meio de um olhar atento à gestão das águas, mas, sobretudo, à demanda de expansão urbana sobre a área de afloramento do Sistema Aquífero Guarani. Processo que representa, em grande medida, a passagem de terra rural para terra urbana (Gonçalves, 2002).
Paralelamente, e de modo complementar, os agentes econômicos locais também lançaram, nas arenas públicas de gestão ambiental, a imagem de um território até então ausente de discussões técnicas sérias e responsáveis sobre o SAG, conforme exemplificado no relato abaixo.
Sou engenheira florestal e hoje atuo como consultora ambiental [...] apesar da discussão ambiental acerca dos empreendimentos sempre ser muito acalorada, ela sempre foi muito pouco técnica. E como técnica da área, eu posso afirmar que, ao contrário do que quem tem o discurso acalorado diz, Ribeirão é muito vanguardista e protege muito suas áreas (Daiane, Engenheira Florestal. Audiência Pública realizada em 05/09/2017).
Nos meandros desse relato se depara com uma nova estratégia discursiva, em âmbito local, que sustenta a apropriação do meio ambiente. No caso, amparada sob um repertório técnico-científico, há estrategicamente o silenciamento de estudos globais sobre o SAG, como, por exemplo, o próprio Projeto Sistema Aquífero Guarani desenvolvido na região de Ribeirão Preto. Passa-se a imperar nesse campo de conflito uma lógica de rompimento radical com os ritmos e discursos anteriores, fundado na construção de novas verdades que causam efeitos de poder nesse território (Foucault, 2017). Como efeito, as qualificações de Sistema Aquífero Guarani e as prescrições globais de políticas de gestão são contestadas e rejeitas pelos partícipes das audiências públicas. Se, no auge do desenvolvimento do Projeto Sistema Aquífero Guarani, os experts do projeto, entre eles o GW-Mate, definiram que Ribeirão Preto representou “uma oportunidade de gerar uma experiência concreta de gestão do SAG em condições de uso intenso em uma zona de afloramento (ZA) e de confinamento próximo (ZC), onde o SAG apresenta recarga direta.” (OEA, 2009, p. 345), atualmente, a existência da zona de afloramento passa a ser questionada.
Você tem esse [estudo]? Se não tiver, você pesquisa. Aqui é o seguinte. Os americanos querem saber sobre as águas profundas do mundo, então claro que eles deram uma grana para isso. Deram um milhão e meio de dólares, criaram pelo Ministério do Meio Ambiente um grupo dos países onde abrange o aquífero e um dos locais facilitadores foi aqui em Ribeirão. E você vai olhar que aqui não tem nenhuma menção sobre zona leste, que não pode urbanizar, não existe nada disso. Então isso aqui em Ribeirão Preto virou um mito, uma coisa falada, comentada pela mídia idiota que não sabe o que está falando. Então não existe isso, essa coisa de recarga, essa coisa de explotação, né!? (José Batista. Engenheiro Civil – SindusCon. Entrevista realizada em 09/2018).
Considera-se, assim, que as qualificações de aquífero não são isentas de conflitos, mas sua construção acontece pela articulação de diferentes atores que disputam e estruturam discursivamente a realidade ambiental desse espaço (Hannigan, 2009; Williams, 2011). Isso explica o fato de a definição do Projeto Sistema Aquífero Guarani ser contestada pelo representante do setor da construção civil, questionando a veracidade da existência da zona de recarga do Sistema Aquífero Guarani e, por sua vez, a necessidade de controle de ocupação desse território. Como resultado dessa conjuntura específica, há o arrefecimento do discurso ambiental e, por sua vez, o fortalecimento dos enunciados que legitimam a exploração da terra por meio da expansão urbana sobre a zona de afloramento do Aquífero Guarani.
Essa dinâmica, por um lado, demonstra a força e a capilaridade dos setores econômicos na região, capaz de apresentar e legitimar um novo ritmo de exploração da água antagônico às propostas anteriores, a partir da produção de um discurso inédito sobre o Aquífero Guarani. O alicerce para a construção dessa linguagem se encontra, justamente, na força simbólica do discurso racionalizado e na construção social do Aquífero Guarani e suas metamorfoses históricas. Por outro, expõe o jogo dinâmico que circunda a temática das águas subterrâneas. Neste universo, tanto os recursos subterrâneos como os saberes, sejam esses não-científicos ou mesmo técnico-científicos, são politicamente alheios. Há, portanto, um jogo estratégico impulsionado por um conjunto multifacetado de interesses de agentes e setores econômicos e políticos que desloca o recurso natural, os saberes e as políticas nesse campo de poder, ora no visível, ora no oculto, ora no alheio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste artigo foi refletir o papel da ciência frente à temática ambiental e mostrar como esse saber vem sendo usado estrategicamente por diferentes agentes sociais, em âmbitos global e local, no que concerne à temática dos recursos hídricos subterrâneos. Tomando como referência o Sistema Aquífero Guarani, duas ocasiões históricas orientam a reflexão: o processo de elaboração do Projeto Sistema Aquífero Guarani e os debates sobre o uso e parcelamento do solo durante a reestruturação do Plano Diretor do Município de Ribeirão Preto.
As discussões empreendidas apontam, a princípio, para a proeminência do discurso técnico-científico no debate ambiental, colocando-se como saber primordial e necessário para a gestão dos recursos subterrâneos em ambas as dimensões analisadas. Com isso, a despeito dos documentos institucionais frisarem a importância de um debate amplo capaz de articular e dialogar com diversos saberes, em realidade, há uma hierarquia do saber racionalizado que opera como um regime de verdade que, na prática, controla e exclui outros saberes divergentes.
Este saber, fundamentado em sua suposta neutralidade e apartado de uma condução política de gestão, é categorizado como único habilitado a descrever a realidade ambiental de um recurso oculto. Internacionalmente, guiado por um conjunto de agentes com uma formação acadêmica singular, que é reforçado pela fluida, mas homogênea circulação em instituições internacionais responsável pela definição da agenda global da água. De modo similar, considerando as devidas especificidades, em âmbito local, depara-se com a crença no rigor técnico para descrever a realidade ambiental, bem como a demasiada aceitabilidade de tais descrições. Assim, ambos, ao deter o capital cultural necessário para debater sobre os recursos subterrâneos, asseguram a formação de um discurso verdadeiro sobre a gestão global-local das águas subterrâneas, trazendo à baila regramentos sociais, políticos e técnicos que limitam a participação social.
Outrossim, olhar o âmbito regional permite refletir o papel desempenhado pelo Estado e os arranjos locais com os setores econômicos para legitimar um posicionamento específico, tal qual a importância do discurso científico para validar esses posicionamentos. Ademais, esse cenário termina por afastar a possibilidade de debater a temática hídrica subterrânea de forma politizada, participativa, cidadã e democrática, visto que as assimetrias de poder e os interesses políticos em jogo, que são evidentes, silenciam discursos e saberes não científicos, e posicionam no alheio prescrições técnicas globais que – ainda que tenham ignorado o que determina a democracia participativa de tomada de decisões por meio do enaltecimento de um saber singular – pretendeu consolidar uma gestão dos recursos hídricos subterrâneos.
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As zonas de afloramento, também conhecidas como zonas de recarga, são áreas nas quais há a exposição natural da rocha armazenadora de água que facilita a percolação das águas da superfície do terreno para o interior do solo, na zona saturada. É, portanto, onde ocorre a infiltração capaz de alimentar o aquífero (Borghetti; Borghetti; Rosa Filho, 2004).
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A título de exemplo, de 2018 a 2022, houve um aumento de 30,4% na vazão subterrânea outorgada na UGRHI-4 (Pardo), sendo que o maior número de captações está concentrado no município de Ribeirão Preto, que passou de 5,74 m/s, em 2018, para 6,97 m/s, em 2022, representando um aumento de 21,43% (CBH-Pardo, 2022).
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O Acordo sobre o Aquífero Guarani foi firmado após a edição da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 63/124 sobre o direito dos aquíferos transfronteiriços.
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Vale complementar que para a construção deste texto optou-se por estratégias metodológicas específicas que contemplam os objetivos definidos. Para uma análise mais detalhada dos documentos analisados, audiências públicas e técnicas acompanhadas e entrevistas realizadas, ver Cardoso (2022).
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Hirata esteve à frente também do estudo que utilizou o Sistema Aquífero Guarani como estratégia para amenizar os efeitos da crise hídrica que atingiu a região metropolitana de São Paulo e Campinas, nos anos de 2013 a 2015 (Hirata et al., 2015).
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Por uma estratégia de construção do artigo, opta-se por não observar com afinco as movimentações locais que pretenderam, em um primeiro momento, dar respostas positivas às pressões ambientais internacionais, e, em seguida, superar os limites à acumulação capitalista.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
29 Mar 2023 -
Aceito
10 Dez 2024


Fonte: