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A TEORIA DO VALOR-TRABALHO EM MARX: a mercadoria e a crítica da crítica à centralidade do trabalho 1 1 Agradeço aos discentes da graduação em Economia e da Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que foram meus interlocutores nas apresentações, dúvidas e debates em sala de aula. Naturalmente, o conteúdo aqui trabalhado é de minha inteira responsabilidade. Agradeço também aos/as pareceristas anônimos/as pelas sugestões dadas.

THE LABOR THEORY IN MARX: THE MERCHANDISE and the critique of the critique to the centrality of labor

LA THÉORIE DU TRAVAIL CHEZ MARX: la marchandise et la critique de la critique à la centralité du travail

Resumos

O objetivo principal deste artigo é discutir como as categorias valor-trabalho e mercadoria são apresentadas em autores críticos à centralidade do trabalho. Argumenta-se que suas análises adotam uma interpretação insuficiente dos fundamentos teóricos do valor-trabalho e da mercadoria em Marx. Para isso, será feita uma contraposição, apresentando a forma social e histórica do valor-trabalho e noções da mercadoria-comum/simples, mercadoria-serviço e mercadoria-capital.

Valor-trabalho; Mercadoria; Centralidade do trabalho; Riqueza


The main objective of this article is to discuss how the labour-value and commodity categories are presented in authors defenders of the loss of centrality of labour. We argue that their analysis embraces an insufficient interpretation of theoric fundamentals of labour-value and commodity in Marx. For this, we’ll do contraposition presenting a social and historic form of labour-value and notion of common-commodity, commodity-service and commodity-capital.

Labour-value; Commodity; Centrality of labor; Wealth


L’objectif de cet article est de discuter la façon dont les catégories valeur-travail et marchandise sont présentées chez les auteurs qui défendent la perte de la centralité du travail. On suggére que ses analyses adoptent une interprétation insuffisante des fondements théoriques de la valeur-travail et de la marchandise chez Marx. Pour cela, on fera un contrast présentant, d’un côté la forme sociale et historique de la valeur-travail et de l’autre les notions de marchandise-ordinaire/simple, de marchandise-service et de marchandise-capital.

Valeur-travail; Marchandise; Centralité du travail; Richesse


INTRODUÇÃO

Em um contexto histórico de rupturas e transformações políticas e econômicas significativas que envolveram os anos 1980 e 1990, a temática da perda da centralidade do trabalho e suas críticas compõem as obras de renomados autores como Gorz (1980)GORZ, André. Adieux au prolétariat - au delà du socialisme. Paris: Galilée, 1980. , Offe (1989)OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989. , Méda (1995)MÉDA, Dominique. Le Travail. Une valeur en voie de disparition. Paris : “Alto” Aubier, 1995. , Rifkin (1995)RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995. , De Masi (1999)DE MASI, Domenico. Desenvolvimento sem trabalho. São Paulo: Esfera, 1999. , dentre inúmeros outros. Em que pese as diferenças e os distintos enfoques existentes entre eles, bem como a amplitude do trabalho de cada um, pode-se dizer que as discussões sobre o fim da centralidade do trabalho constituem uma espécie de “elo” entre suas obras. Entrar no campo de suas análises não é nada simples; autores como Antunes (2003)ANTUNES, Ricardo. Perenidade e superfluidade do trabalho: alguns equívocos sobre a desconstrução do trabalho. Revista de Políticas Públicas, v. 7, n. 2, 2003. , Organista (2006)ORGANISTA, José Henrique C. O debate sobre a centralidade do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2006. , Evangelista (2007)EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria Social Pós-Moderna: introdução crítica. Porto Alegre: Sulina, 2007. e Carcanholo e Medeiros (2012)CARCANHOLO, Marcelo D.; MEDEIROS, João Leonardo. Trabalho no capitalismo contemporâneo: pelo fim das teorias do fim do trabalho. Outubro, no20, 1osemestre 2012. sintetizam alguns pontos e fazem uma análise crítica a alguns desses e outros autores aqui não citados.

Muitos trabalhos contemporâneos foram escritos em torno do debate entre os defensores e críticos às teses da centralidade do trabalho, envolvendo temáticas como riqueza, proletariado, sindicalismo, trabalho material e imaterial, reestruturação produtiva, ecologia, luta de classes, sociedade (pós)industrial, de serviços e da informação, tempo livre, renda básica de existência (renda mínima), saber e conhecimento, etc. Retomar algumas dessas teses requer um esforço, de compreensão e de síntese, nada desprezível. Evidentemente, este não é o espaço próprio para uma tarefa desta envergadura e muito menos o propósito deste artigo.

A dimensão desses assuntos é grande, associado ao fato de que os autores muitas vezes discutem as temáticas ora de maneira insuficiente ora de maneira ambígua, dificultando a interpretação. Por isso, na tentativa de acrescentar algo ao extenso debate em torno da perda ou não da centralidade do trabalho, serão tratadas especificamente duas questões neste artigo: quais as concepções de valor e mercadoria nos críticos à centralidade do trabalho e como elas, a nosso ver, aparecem em Marx.2 2 Os(As) autores(as) que negam a teoria do valor-trabalho são comumente chamados na literatura de “pós-modernos”, um termo que é, por si só, controverso e heterogêneo, conforme apontam Evangelista (2007) e Mello (2016) .

Ademais, não é incomum ouvir a assertiva de que este debate está superado, dando-o, de certa forma, por encerrado. Se, de fato, algumas teses estão sendo, senão totalmente revistas, ao menos modificadas, não se pode desconsiderar as influências deste pensamento, bem como a sua importância no debate científico.

E no confronto das ideias e leituras destes autores, uma coisa chamou atenção: há que se fazer um grande esforço para adentrar nas perspectivas da literatura defensora da perda da centralidade do trabalho, pois, neste contexto, os conceitos muitas vezes aparecem, no tocante aos fundamentos teóricos da teoria marxista, de maneira problemática. Daí, requer-se um empenho para, de um lado, compreender as proposições dos autores, e, de outro, entendê-las à luz da crítica da economia política, se este for o objetivo.

A analogia e assimetria com a leitura de Marx são inevitáveis, porque por mais que se evite comparações, já que se acredita que as perspectivas metodológicas entre as interpretações se diferenciam enormemente, os autores que criticam a centralidade do trabalho trazem em suas análises fundamentos da teoria marxista para, a seu modo de ver, aprofundá-las e, principalmente, negá-las, ao menos quanto aos fundamentos do valor-trabalho. Isso posto, acredita-se que não há como entender, aceitar e/ou refutar seus pressupostos e argumentos sem analisá-los à luz da obra do próprio Marx.

E é nesse sentido que muitas de suas ideias acabam sendo extremamente criativas, atrativas, com forte conteúdo crítico, mas, ao mesmo tempo, distantes do próprio método de investigação e exposição de Marx. Poder-se-ia argumentar que o que se busca nestes autores é justamente uma nova forma, quiçá importante, de entender a dinâmica do capitalismo contemporâneo, mas que, ao fazer isso, seus diálogos com Marx acabam revelando insuficiências teóricas.

Esta afirmação não deve ser entendida como uma maneira simplista e/ou vulgar de refutação pura e casual de teses defendidas que implicam, de maneira positiva, questionamentos e investigações importantes que envolvem a obra de Marx, sobretudo se levar em consideração as contínuas e intensas transformações verificadas no capitalismo ao longo das últimas décadas dos séculos XX e XXI.3 3 Löwy (1997) aponta quanto à necessidade de incorporação de avanços críticos em relação a teoria marxista.

Mas, por outro lado, ao mesmo tempo em que a perspectiva crítica deve ser guardada como princípio básico na análise de uma sociedade que carrega consigo necessariamente o germe da desigualdade econômica e social, há que se analisar com muito cuidado os questionamentos teóricos que, por hipótese, colocam em xeque a pertinência de fundamentos da teoria marxista para se entender o capitalismo contemporâneo.

E é no intuito de dialogar com alguns destes questionamentos que este artigo tem por objetivo discutir de que forma a compreensão das categorias valor e mercadoria são tratadas por alguns dos autores que negam a centralidade do trabalho como fonte de riqueza, fazendo uma contraposição a partir do próprio Marx. Acredita-se que, além dos fatores políticos existentes por trás de suas teses4 4 Estes fatores conformam uma totalidade que é imprescindível ao entendimento das defesas da perda da centralidade do trabalho. Alguns destes são a queda da URSS ( Vercellone, 2012 ), a relação com a central sindical francesa CFDT e com sindicalistas italianos como Trintin e Foa ( Goldman, 2007 ), bem como a tentativa de superação da crise capitalista pós-1970 com a implantação das políticas neoliberais ( Fourel, 2012 ). , que também fogem ao escopo deste trabalho, considera-se que suas análises sobre valor e mercadoria dão margem a interpretações imprecisas e releituras insuficientes de Marx, bem como, no limite, à sua (tentativa de) negação.

Por fim, a hipótese, ao contrário desta visão, sugere que as atuais reconfigurações no capitalismo contemporâneo, que se expressam no processo de produção e valorização capitalista, buscam intensificar e radicalizar, com todas as suas contradições inerentes, a centralidade do trabalho como elemento fundante da produção e reprodução da riqueza no modo de produção capitalista.

VALOR, VALOR DE USO E VALOR DE TROCA: retorno aos princípios básicos

A noção de valor em Marx é objeto de muita confusão e incompreensão por parte de marxistas e não marxistas, sendo apresentada, normalmente, somente em sua dimensão quantitativa, convencional, ou seja, quanto à magnitude de trabalho socialmente necessário contido em cada unidade de mercadoria. Esta interpretação caminha na ideia do “trabalho incorporado”, associando o valor ao tempo médio de trabalho adicionado à mercadoria, captando, portanto, a sua grandeza, interpretação comum nos tratados convencionais de Economia Política. Já a compreensão qualitativa se alia mais diretamente à “forma social do valor”, destacando as relações sociais de exploração entre os seres humanos nos processos de produção e circulação, relações estas que validam socialmente as mercadorias como um sujeito fantasmagórico, expressando sobretudo o caráter social do valor ( Rubin, 1987RUBIN, Isaak I. A teoria marxista do valor. São Paulo: Editora Polis, 1987. ; Fausto, 1997FAUSTO, Ruy. Dialética marxista, dialética hegeliana: a produção capitalista como circulação simples. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: Brasiliense, 1997. ; Prado, 2005PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: crítica da pós-grande indústria. São Paulo: Xamã, 2005. ; Amorim, 2009AMORIM, Henrique Marx e o debate contemporâneo. São Paulo: Annablume, 2009. ; Carcanholo, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A. (Org.) Capital: essência e aparência. São Paulo: Expressão Popular, vol. 1, 2011. ; Mollo, 2013MOLLO, Maria de Lourdes R. A teoria marxista do valor-trabalho: divergências e convergências. Crítica Marxista, no37, p. 47-66, 2013. ; Santos, 2013SANTOS, Vinícius O. Trabalho imaterial e a teoria do valor em Marx: semelhanças ocultas e nexos necessários. São Paulo: Expressão Popular, 2013. ; Lima e Heinrich, 2018).

Pode-se sugerir que a leitura convencional do valor-capital, quantitativista, predomina em boa parte dos autores. Gorz, por exemplo, é enfático no assunto ao afirmar que “a crise da medição do trabalho engendra inevitavelmente a crise da medição do valor. [...] O caráter cada vez mais qualitativo, cada vez menos mensurável do trabalho, põe em crise a pertinência das noções de “sobretrabalho” e de “sobrevalor”. A crise da medição do valor põe em crise a definição da essência do valor” (GORZ, 2005, p. 30).

Se não é possível mensurá-lo, à luz de sua produção, já que se estaria supostamente na transição de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços, da informação, então o trabalho deixa de ser fonte de riqueza, rompendo com a tradição dos economistas políticos clássicos; a mais-valia deixa de existir, a sociabilidade, a relação entre os indivíduos e a natureza se alteram para novas bases, assim “logo que o trabalho em forma imediata cessou de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho cessou e deve cessar de ser a sua medida, e portanto, o valor de troca deve cessar de ser a medida do valor de uso. A mais-valia da massa cessou de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral [...]” ( Lazzarato & Negri, 2001LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. , p. 28-29). A subjetividade, o trabalho imaterial (publicidade, moda, software , audiovisual...), as atividades culturais, cognitivas, do saber e do conhecimento, passam a ocupar o lugar do trabalho abstrato como substância da riqueza. Instaura-se, portanto, a crise do valor-trabalho, da sociedade salarial e do trabalho como categoria central.

Normalmente se pautando nas passagens dos Grundrisse sobre o General Intellect , em que, deve-se frisar, ainda não havia a diferenciação explícita por Marx entre valor e valor de troca, Gorz (2005GORZ, André O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. , p. 18) vai sugerir que “o trabalho não é mais mensurável segundo padrões e normas preestabelecidas” e “o conhecimento, diferentemente do trabalho social geral, é impossível de traduzir e de mensurar em unidades abstratas simples” ( ibid , p. 29). Desta forma, “a força produtiva decisiva não pode mais reduzir o saber a um denominador uniforme, medido em unidades de valor e de tempo” ( ibid , p. 59), presencia-se a imaterialidade das mercadorias, “o conhecimento não foi produzido e acumulado para ser vendido. Ele recupera as capacidades heterogêneas que não podem ser reduzidas a uma medida comum, daí a dificuldade de seu cálculo [...]” ( Azam, 2007AZAM, Geneviève. La connaissance, une marchandise fictive. La revue du Mauss, no29, p. 110-126, 2007. , p.122).

O fato é que “nós temos, pois, uma situação em que as três categorias fundamentais da economia política: o trabalho, o valor e o capital não são mais mensuráveis segundo um padrão comum” ( Gorz, 2006GORZ, André A crise e o êxodo da sociedade salarial: entrevista com André Gorz. In: SILVA, Josué P. e RODRIGUEZ, Iram J. (Orgs.). André Gorz e seus críticos. São Paulo: Annablume, 2006, p. 47-63. , p. 62). Além disso, “o trabalho de pesquisa, de concepção, de miniaturização, de transporte, de publicidade, de comercialização, de controle, de administração, não se vê no produto [...] As atividades agrícolas e industriais, juntas, [...] não têm nada de presença física dos produtos do trabalho clássico” (Delaunay, 2007, p. 122).

Dada a relevância da obra Grundrisse no pensamento destes autores, que naturalmente não terá como ser analisada aqui, serão realizadas sobre ela apenas algumas breves considerações. Em primeiro lugar, Amorim (2007)AMORIM, Henrique Trabalho imaterial, forças produtivas e transição nos Grundrisse de Karl Marx. Crítica Marxista, v.1, no25, p. 09-30, 2007. e Prado (2012)PRADO, Eleutério. As interpretações da noção de “intelecto geral” dos Grundrisse. Crítica Marxista, no34, p. 151-158, 2012. fazem uma importante crítica sobre a apropriação de conceitos desta obra pelos defensores da perda da centralidade do trabalho, inclusive quanto ao chamado trabalho imaterial. Para Prado (2012)PRADO, Eleutério. As interpretações da noção de “intelecto geral” dos Grundrisse. Crítica Marxista, no34, p. 151-158, 2012. , o que se vê nesta obra é “a antecipação do que ocorrerá com o desenvolvimento do modo de produção da grande indústria” ( Prado, 2012PRADO, Eleutério. As interpretações da noção de “intelecto geral” dos Grundrisse. Crítica Marxista, no34, p. 151-158, 2012. , p. 151). Rosdolky (2001) também chama a atenção para o fato de que à medida que Marx tratava dos limites da teoria do valor-trabalho, indicava o advento das precondições de uma nova sociedade, numa avaliação do porvir da sociedade. Assim, parece que Marx “nesses escritos preparatórios, ou melhor, naqueles parágrafos dos quais certos trechos notáveis foram acima selecionados, estivesse se esforçando para explorar os limites históricos da base técnica do capitalismo avançado” ( Prado, 2012PRADO, Eleutério. As interpretações da noção de “intelecto geral” dos Grundrisse. Crítica Marxista, no34, p. 151-158, 2012. , p. 155), imaginando, portanto, a superação da forma-capital.

E o caráter de rascunhos dos Grundrisse revela uma obra em construção, em que, como já apontado anteriormente, a própria noção de valor ainda não tinha atingido seu estágio mais avançado, sendo tratada como valor de troca. Diante disso, a incorporação de categorias desta obra sem uma devida contraposição à própria leitura de O capital , pode levar a insuficiências significativas na interpretação de Marx, como será abordado nos próximos parágrafos5 5 Para Camargo (2011) , a adoção da perspectiva analítica do General Intellect possui forte influência do pós-estruturalismo francês, via Focault e Deleuze. .

As passagens descritas anteriormente deixam claro que a percepção do valor das mercadorias está umbilicalmente ligada à magnitude de trabalho contida em cada unidade, bem como ao seu caráter ‘imaterial’, no sentido da ausência ‘física’ das mercadorias. Por este entendimento, o percurso das formas do valor fica obscuro quanto à compreensão e diferença entre valor e valor de troca, não diferenciando assim a riqueza enquanto conteúdo material, formada pela unidade valor de uso e valor de troca, da riqueza enquanto forma social e histórica, possuidora de valor de uso e valor. Na unidade entre valor de uso, valor de troca e valor, a categoria valor-capital, como expressão de uma relação social de produção, é reduzida, na interpretação dos críticos à centralidade do trabalho, ao valor de troca, que expressa quantitativamente o valor contido nas mercadorias a partir das horas de trabalho necessárias para produzi-las.

Ao contrário desta posição, defende-se que o valor de troca, a expressão quantitativa do tempo de trabalho socialmente necessário, não pode ser confundido com a essência da mercadoria representada pelo valor-capital. Valor e valor de troca são categorias complementares, porém diferentes; a compreensão do valor de troca e do valor de uso representa o entendimento aparencial do fenômeno, expressa apenas uma parte da unidade totalizante da mercadoria, sendo insuficiente para apreender a perspectiva universal da mercadoria. Neste sentido, “valor é uma qualidade, um atributo, uma propriedade da mercadoria. [...] A propriedade valor da mercadoria não aparece (não se expressa) por si, não aparece com tal propriedade, mas sim por meio de sua manifestação: o valor de troca. Por isso, o valor de troca é a forma necessária, imediata, de manifestação do valor” ( Carcanholo, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A. (Org.) Capital: essência e aparência. São Paulo: Expressão Popular, vol. 1, 2011. , p. 35). Confundi-los ou não entender suas propriedades, inevitavelmente, provoca sérios problemas.

Sabe-se que tais diferenciações não foram feitas por Marx em suas obras predecessoras, como nos Grundrisse (1857-1858), mas somente em Para Crítica da Economia Política (1859) e, posteriormente, em O Capital (1867). Mesmo em O Capital esta noção por ora pode parecer obscura e que, se interpretada unilateralmente, pode criar confusões, conforme presencia-se nesta passagem: “Se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho despendido durante a sua produção [...]” ( Marx, 1983MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983. , p. 47).

Porém, na maior parte das vezes, a descrição em O Capital deixa claro que valor e valor de troca, enquanto unidades de uma mesma mercadoria, se complementam e se diferenciam, já que “o que há de comum, que se revela na relação de troca ou valor de troca da mercadoria, é, portanto, seu valor” ( Marx, 1983MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983. , p. 47 - nota de rodapé) ou “a expressão “valor”, como já ocorreu anteriormente algumas vezes, é usada aqui para valor quantitativamente determinado, portanto, para grandeza de valor” ( Marx, 1983MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983. , p. 58), assumindo o fato de que em alguns momentos ele mesmo usa valor como valor de troca, como indicado anteriormente, mas não o contrário.

Assim, se forem realizadas as devidas mediações necessárias serão recuperadas as noções indispensáveis para uma leitura totalizante da substância do valor (trabalho abstrato), da medida de grandeza (tempo de trabalho) e da forma do valor (valor de troca): “Conhecemos agora a substância do valor. É o trabalho . Conhecemos sua medida de grandeza . É o tempo de trabalho. Sua forma , que justamente cunha o valor ao valor de troca (...)” ( Marx, 1983MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983. , p. 49 - nota de rodapé).

A questão que surge então é a de esclarecer em que medida não reconhecer estas diferenças metodológicas provoca problemas interpretativos, com desdobramentos profundos. Constatou-se que a leitura quantitativista da teoria do valor centra sua análise na medida de grandeza do valor, no tempo de trabalho incorporado para a produção de cada unidade de mercadoria, não considerando, portanto, a forma social e histórica do valor, seu aspecto qualitativo. O que acontece é que ao trazerem a discussão para a compreensão do capitalismo contemporâneo, que, por hipótese, tem uma base “imaterial” que configura a produção de mercadorias, tal medida, fundada agora sobre o saber, conhecimento, ciência, arte, cultura, capital humano, dentre outros, perde, a seu ver, funcionalidade enquanto mensuração e, portanto, enquanto existência, acabando, para os que rejeitam a centralidade do trabalho, o sentido da teoria do valor-trabalho.

Ao mesmo tempo, para alguns deles, como Lazaratto e Negri (2001) e Gorz (2005)GORZ, André O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. , o chamado “trabalho imaterial” tem provocado alterações que superam a tradicional sociedade industrial analisada por Marx nos séculos anteriores. Assim, o valor-conhecimento é a nova base para a produção da riqueza, já que se vive em uma sociedade de redes, de informação, pós-industrial e/ou de serviços, portanto, imaterial.

A seu ver, a nova configuração da sociedade moderna, fundada na base imaterial dos serviços, pode indicar a constituição de uma nova sociedade, que por vezes pode ser existente ou em vias de constituição. Como se alertou anteriormente, apesar de convergirem para a perda da centralidade do trabalho, a heterogeneidade entre esses autores é significativa. Nakatani (2001)NAKATANI, Paulo. A questão metodológica na discussão sobre a centralidade do trabalho. Revista Análise Econômica, ano 19, no35, 03/2001. , por exemplo, sugere que alguns deles indicam a existência de um momento de superação capitalista e outros que o capitalismo já atingiu o seu limite. Quanto a Gorz, que teve um importante dossiê , com variadas temáticas, elaborado após uma década de sua morte (cf. Silva, 2017SILVA, Josué Pereira da. (Coord.). Dossiê: a atualidade de André Gorz. Caderno CRH, Salvador, v. 30, n. 81, p. 405-614, Set./Dez. 2017. ), Amorim (2006)AMORIM, Henrique. Continuidades e rupturas teóricas em André Gorz: classe social, trabalho e qualificação profissional. In: SILVA, Josué P. e RODRIGUES, Iram J. (Orgs.). André Gorz e seus críticos. São Paulo: Annablume, 2006, p. 91-112. sugere, ao falar de Gorz, “a coexistência de, pelo menos, dois modos de produção no interior das sociedades capitalistas: um modo de produção baseado no valor-trabalho, e que teria como medida unidades de tempo produtivas, fundando no trabalho simples; e, um segundo, cognitivo, no qual o processo de valorização estaria ancorado no trabalho imaterial, o ‘capital humano’ e no ‘capital conhecimento’” ( Amorim, 2006AMORIM, Henrique. Continuidades e rupturas teóricas em André Gorz: classe social, trabalho e qualificação profissional. In: SILVA, Josué P. e RODRIGUES, Iram J. (Orgs.). André Gorz e seus críticos. São Paulo: Annablume, 2006, p. 91-112. , p. 108). Pondera também que “no entanto, hoje as teorias que elegem o trabalho imaterial como força produtiva central rompem com as teses expostas por Marx nos Grundrisse . Em seus argumentos gerais, estas teses indicam o ‘fim da lei do valor’ ainda no capitalismo, ao caracterizar uma relação de determinação direta entre a transformação da estrutura social e o desenvolvimento das forças produtivas” ( Amorim, 2007AMORIM, Henrique Trabalho imaterial, forças produtivas e transição nos Grundrisse de Karl Marx. Crítica Marxista, v.1, no25, p. 09-30, 2007. , p. 11).6 6 Teses aparentemente contraditórias, esta discussão também foi apresentada por Löwy (2017) .

Já para Offe (1989)OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989. , a prevalência da suposta sociedade de serviços propõe que “o trabalhador da “nova classe” de serviços desafia e questiona a sociedade do trabalho” ( ibid , p. 181), já que os serviços se diferenciam pelo fato de que possuem “altos níveis de incerteza a respeito de onde e quando eles ocorrem”, adicionando o fato de que “o trabalho em serviços diferencia-se do trabalho produtivo pela falta de um ‘critério de eficiência econômica’ claro e indiscutível, do qual se poderia deduzir estrategicamente o tipo e a qualidade, o lugar e o tempo do trabalho ‘conveniente’” ( ibid , p. 179).

A nosso ver, tal afirmação esbarra na aparência dos fenômenos ao não desvendar que os serviços também podem ser, ou são, mercadorias típicas da sociedade do capital, desde que produzidos sob relações capitalistas de produção, a chamada mercadoria-serviço, como será discutido posteriormente, ultrapassando a noção convencional da materialidade das mercadorias.7 7 A premissa de Offe para contrapor este argumento sinteticamente aqui exposto, não é nada elucidativa: “O poder de persuasão dessa objeção me parece limitado, pois as inúmeras rupturas no trabalho assalariado pretensamente unificado e com uma “forma determinada” (...) são tão evidentes que não podem ser teoricamente vulgarizadas” (ibid, p. 177). De fato, não há argumento em sua objeção. Mas, deixa-se isso de lado.

Uma das leituras existentes, a do capitalismo cognitivo,8 8 O conceito de “capitalismo cognitivo” foi criado pelo economista Enzo Rullani. A tese do capitalismo cognitivo foi em seguida elaborada e sistematizada como esquema de leitura de uma nova forma do capitalismo pelos pesquisadores da equipe do ISYS do Matisse-CES da Universidade de Paris 1” ( Vercellone, 2012 , p. 92). Ver também: Moulier-Boutang (2008) . sugere a “passagem do capitalismo industrial a uma forma nova de capitalismo, na qual a dimensão cognitiva e intelectual do trabalho torna-se dominante e questão central da valorização do capital e das formas de propriedade portadas diretamente sobre a transformação do conhecimento em uma mercadoria fictícia” ( Vercellone, 2012VERCELLONE, Carlo. L’analyse «gorzienne» de l’évolution du capitalisme. In: FOUREL, Christophe (Org.). André Gorz: un penseur pour le XXIesiècle. Paris: Éditions La Découverte, p. 79-99, 2012. , p. 92), termo último contido em Polanyi (2000)POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campus, cap. 6, 2000. .

Se o conhecimento passa a ser cada vez mais central na produção de mercadorias, o que, em princípio, se diferenciaria das demais mercadorias, não se pode esquecer a conhecida concepção de trabalho coletivo descrita no cap. XIV do Livro I de O Capital , ao desenvolver indicações preliminares feitas no cap. V, do mesmo livro, sobre o trabalho produtivo. Lá, os indícios quanto à junção do trabalho manual com o intelectual no processo de trabalho amplia a discussão acerca do trabalho produtivo no sistema capitalista, sugerindo a integração ao trabalho coletivo.

O homem isolado não pode atuar sobre a Natureza sem a atuação de seus próprios músculos, sob o controle de seu próprio cérebro. Como no sistema natural cabeça e mão estão interligados, o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual; [...] O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor individual em social, em produto comum de um trabalhador coletivo ( Marx, 1984MARX, Karl O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 2, 1984. , p. 105).

É evidente que as profundas transformações no processo de produção trouxeram novas determinações que são incorporadas na dinâmica produtiva, sob formas diferenciadas de organização e produção flexíveis, onde a captura da subjetividade do trabalhador é algo a mais no processo de exploração ( Alves, 1999ALVES, Giovanni. Trabalho e mundialização do capital: a nova degradação do trabalho na era da globalização. Londrina: Práxis, 1999. ). Mas, em sua essência, constituem, a nosso ver, mecanismos aperfeiçoados de extração de mais-valia.

Portanto, a concepção do “trabalho incorporado” não vai além da concepção do conteúdo material da riqueza (valor de uso e valor de troca), desconsiderando sua forma social e histórica (valor de uso e valor), central na teoria do valor-trabalho de Marx. Sem esta última, uma série de conceitos passam a ser, se não relegados, insuficientemente compreendidos, já que, como afirma Carcanholo (2011CARCANHOLO, Reinaldo A. (Org.) Capital: essência e aparência. São Paulo: Expressão Popular, vol. 1, 2011. , p. 41), “o valor, como expressão nas coisas (nas mercadorias) das particulares relações mercantis de produção, é a forma social e histórica da riqueza na época capitalista. Logo, a mercadoria (ou a riqueza capitalista) é a unidade contraditória de dois polos: do conteúdo (valor de uso) e da forma (valor)”.

Sem isso, não se compreenderá, inclusive, o duplo caráter do trabalho, considerado pelo próprio Marx em carta a Engels como uma de suas grandes contribuições, já que “o trabalho mercantil (na época capitalista) é a unidade contraditória de dois polos: do conteúdo (trabalho útil ou concreto) e da forma (trabalho abstrato)” ( Carcanholo, 2011CARCANHOLO, Reinaldo A. (Org.) Capital: essência e aparência. São Paulo: Expressão Popular, vol. 1, 2011. , p. 41), fato que é apontado por Antunes (1995)ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 3ª edição, 1995. como mais uma insuficiência de autores que negam a centralidade do trabalho. Assim, quantitativo e qualitativo se opõem e se unem, em uma unidade de contrários, perfazendo uma necessária e adequada compreensão dialética da teoria do valor-trabalho.

MERCADORIA-COMUM/SIMPLES, MERCADORIA-SERVIÇO E MERCADORIA-CAPITAL: algumas reflexões

Sabe-se que a discussão em torno da mercadoria na obra de Marx ocupa um papel central no método de investigação e exposição do autor. Não é à toa que Marx, apesar de ter planejado iniciar sua obra pela discussão do valor, muda a estratégia e coloca, conforme De Paula (2008)DE PAULA, João Antônio. O “Outubro” de Marx. Nova Economia, Belo Horizonte, 18 (2), p. 167-190, maio/agosto 2008. , a mercadoria como abertura não só na Contribuição à Crítica da Economia Política como também em O Capital .

Nesta última obra, já no primeiro parágrafo do capítulo 1 de seu Livro I, o autor já deixava claro o caminho que percorreria para discutir a natureza da riqueza na sociedade capitalista, falando inicialmente da mercadoria enquanto valor de uso, e depois indo do valor de troca ao valor. Naturalmente, este mesmo capítulo traz o desenvolvimento inicial e o suporte central de sua teoria do valor-trabalho. Se a concepção da perda da centralidade do trabalho se manifesta fundamentada em seu conteúdo material, enquanto valor de uso e valor de troca, expressando quantitativamente o valor-trabalho, não é de se estranhar que o entendimento da mercadoria também possa adquirir conotações que abordem a “materialidade” da mercadoria produzida e, por consequência, a mensurabilidade de seu tempo de produção.9 9 O termo material ou materialidade está citado aqui no sentido de expressar a composição físico-química que dá existência e concretude a mercadoria, enquanto corporalidade. O uso da expressão material e imaterial tem criado inúmeros problemas metodológicos.

Estas conotações, se não entendidas na obra como um todo, adquirem um caráter de insuficiência no conjunto de formas existentes das mercadorias. Mesmo que de maneira simplificada, serão apresentadas três formas existentes de mercadorias em O capital: a mercadoria-comum, a mercadoria-serviço e a mercadoria-capital.

A mercadoria-comum ou mercadoria-simples,10 10 Na edição em português da Abril Cultural, o conceito aparece traduzido nestas duas formas; em inglês, o termo adotado foi o de ordinary commodity , tanto para as palavras ‘comum’ quanto ‘simples’, e commodity-capital para a mercadoria-capital; já em francês, o termo mercadoria-comum foi traduzido como marchandise ordinaire e mercadoria-simples como marchandise simple , a mercadoria-capital foi chamada de marchandise-capital . a “mercadoria enquanto tal” indicada por Marx, como um produto que se transforma em mercadoria nos marcos de uma sociedade produtora de mercadorias,11 11 A distinção entre produto e mercadoria aparece de maneira mais clara nos Grundrisse . possui um corpo que contém características físico-químicas, portanto tem substância material marcada pelo tempo de trabalho dispendido para sua produção, e que, após o seu consumo, o seu valor de uso e valor desaparecem ou vai desaparecendo gradativamente.

Ao responder o que é riqueza logo no primeiro parágrafo de O capital , Marx afirma no segundo parágrafo que “a mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa” (Marx, 1983, p. 45). Mesmo já dando indícios do caráter ampliado da noção de mercadoria, ele vai qualificar o valor de uso desta, para depois chegar ao valor de troca. Da utilidade da mercadoria determinada por suas propriedades, o que notou-se é que o autor passa a utilizar exemplos cada vez mais próximos à existência corpórea da mercadoria, pela via do ferro, do trigo, da seda, da graxa de sapato, do ouro etc. Ou seja, cita inicialmente as mercadorias a partir de uma realidade observável e própria para aquele contexto histórico vivido por ele, qual seja, o da Revolução Industrial Inglesa, e pelo fato de que o seu objeto de análise no Livro I trata-se principalmente do capital produtivo.

Ao associar a mensuração do trabalho em cada unidade de mercadoria e atrelá-la à sua base material, via “trabalho incorporado”, estreita-se a compreensão da origem e desenvolvimento da forma-valor e forma-mercadoria. Entretanto, uma mercadoria não necessariamente precisa conter materialidade; se ela é aceita enquanto manifestação da “forma social e histórica’” do valor, ela pode assumir, por exemplo, forma de serviços já que o fundamento central se expressa em sua relação social de produção. Assim, ao associar a riqueza enquanto expressão de uma relação social de produção, Marx (1983MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983. , p. 53-54) sugere que “em direta oposição à palpável e rude objetividade dos corpos da mercadoria, não se encerra nenhum átomo de matéria natural na objetividade de seu valor”.

Também quando discutia sobre o trabalho produtivo, afirmou que “o fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de uma fábrica de salsichas, não altera nada na relação” ( Marx, 1984MARX, Karl O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 2, 1984. , p. 106), ambas produzem valor, mais-valia, estão sob relações sociais de exploração, são, portanto, mercadorias.

Por esta via, uma mercadoria não precisa ter aspecto físico-químico em sua constituição, ela não precisa ser “material”. Rubin, também ao tratar de trabalho produtivo, diz que “todo trabalho que o capitalista compra com seu capital variável, com a finalidade de extrair dele uma mais-valia, é trabalho produtivo, independentemente de este trabalho objetivar-se ou não em coisas materiais e ser ou não objetivamente necessário ou útil para o processo social de produção (por exemplo, o trabalho de um palhaço empregado por um empresário circense)” (Rubin, 1987, p. 278-279).

Portanto, o que está em questão é se a mercadoria foi produzida sob relações capitalistas de produção, produzindo valor e mais-valia, destacando neste sentido o aspecto qualitativo de sua forma e conteúdo e as variadas configurações de mercadorias-serviços na sociedade capitalista, quer seja as de um cabeleireiro(a), vendedor(a), cantor(a), ator/atriz, professor(a), dentre inúmeras outras.

Já no Livro III, também destaca-se a existência de uma outra forma de mercadoria: a mercadoria-capital. Apesar de citada no Livro I Tomo II de O capital , a mercadoria-capital aparece em poucas linhas em sua obra, mais precisamente na seção V do Livro III, após a apresentação da autonomização das formas funcionais do capital sob a configuração do capital de comércio de mercadorias e do capital de comércio de dinheiro, este último muitas vezes tratado em Marx de forma equivocada como capital financeiro.12 12 A nosso ver, o conceito de capital financeiro foi construído em Hilferding (1985) . Para maiores detalhes, conferir: Sabadini (2015) . Ao discutir o capital a juros, depois de já ter indicado a existência do empréstimo e da origem dos juros, Marx alerta para o fato de que na relação de empréstimo entre mutuário e prestamista o que se aliena é “o valor de uso que o dinheiro adquire pelo fato de poder ser transformado em capital [...]” (Marx, 1984a, p. 264), recebendo uma promessa de pagamento futuro, os juros. O crédito está pressuposto nesta intermediação, sendo que o consumo da mercadoria emprestada, no caso agora sob a forma dinheiro, não faz desaparecer, como no caso da mercadoria-comum e da mercadoria-serviço, o seu valor de uso e valor.

A mercadoria-capital, “ao contrário, tem a peculiaridade de que, pelo consumo de seu valor de uso, seu valor e seu valor de uso não são só conservados, mas multiplicados” (MARX, 1984a, p. 264).13 13 Devemos destacar que este parágrafo contido no Livro III de O capital, obra organizada por Engels, não está presente nos Manuscritos de 1864-65 ( Marx, 2016 ) que deram origem ao referido livro. Isso gera implicações significativas quanto à compreensão da própria noção de mercadoria e também de riqueza, com rebatimentos sobre o processo de acumulação capitalista. A mercadoria-capital não desaparece no ato do consumo, ela é integrada ao patrimônio e riqueza do capitalista, podendo ser reinvestida, como nas aplicações financeiras com rendimentos futuros.14 14 O desaparecimento da mercadoria pelo ato do consumo também é citado, em outro contexto metodológico, por alguns autores críticos à centralidade do trabalho. Neste momento de análise, o autor já tratava de analisar a associação da dinâmica da produção e da circulação capitalista, em que o dinheiro, sob a forma funcional do capital dinheiro, era emprestado com fins produtivos, no ciclo do capital a juros (D-D-M-D’-D’). Sua forma ainda mais fetichizada, via capital fictício (D-D’), apareceria posteriormente, mais detidamente nos capítulos XXIX e XXX do Livro III de O capital .

Ao colocar o capitalista monetário, o prestamista, como nova fração capitalista, a ser “substituído” posteriormente pelos bancos, Marx sugeria então que estava em processo de constituição uma nova mercadoria: “o capitalista monetário aliena, de fato, um valor de uso e, por isso, o que ele entrega é entregue como mercadoria. E nessa medida é completa a analogia com a mercadoria enquanto tal” (Marx, 1984a, p. 264); desta forma, “é a figura de ‘mercadoria’ da mercadoria capital que se impõe, mais do que a figura do dinheiro, ainda que tudo seja dito em sua língua” ( Paulani, 2011PAULANI, Leda M. A Autonomização das Formas Verdadeiramente Sociais na Teoria de Marx: Comentários sobre o Dinheiro no Capitalismo Contemporâneo. EconomiA, Brasília (DF), v.12, n.1, p.49–70, jan/abr 2011. , p. 67).

Ao mesmo tempo, a mercadoria-capital apresenta novas características ao “mundo das mercadorias”, já que, por um lado, o tempo entra de forma mais clara no processo de transação jurídica envolvendo ambos os capitalistas, pelo contrato jurídico estabelecido entre emprestador e tomador, entre o capitalista monetário e o produtivo, e, por outro, a concepção de propriedade também se altera, pois, conforme indicado, na mercadoria-capital não há compra e venda, não há alienação da propriedade transacionada, o que há é um empréstimo a ser resgatado, não havendo mudança na forma do valor (forma-dinheiro e forma-mercadoria) como nas demais mercadorias.

Se na mercadoria-comum e de serviços o mesmo valor permanece nas mãos do comprador e vendedor, só que em formas diferentes (dinheiro e mercadoria), na mercadoria-capital o capitalista monetário (prestamista) é o único que entrega valor, ou potencial de valorização, a ser resgatado no tempo futuro. Dessa forma, o valor de uso do dinheiro como capital em potência, sob a forma da mercadoria-capital, é cedido pelo primeiro e consumido pelo segundo, o capitalista produtivo, que após comprar meios de produção e força de trabalho e utilizá-los na produção, procura valorizá-lo.

Portanto, não é demais reprisar, se na mercadoria-comum o valor de uso é consumido e desaparece, na mercadoria-capital, “diferentemente da mercadoria-comum, esse mesmo valor de uso é valor, a saber, o excedente da grandeza de valor que resulta do uso do dinheiro como capital [...]” (Marx, 1984a, p. 264). Por isso, entre prestamista e mutuário não há mudança de forma na relação do empréstimo, o dinheiro emprestado é cedido, por um tempo, sem equivalente, e deve ser devolvido acrescido de juros que advém de uma fração da mais-valia. Por conseguinte, o capitalista monetário continua sendo seu proprietário, ao contrário do vendedor da mercadoria-comum e de serviços.

A mercadoria-capital adquire, portanto, importância crucial quando se observa o próprio processo de autonomização das formas funcionais do capital sob a influência do capital fictício (D-D’), forma de capital esta que tem como marco uma valorização fictícia do capital, não criando, portanto, valor e mais-valia, porém exigindo remuneração que aparece sob a forma de juros e lucros fictícios ( Carcanholo e Sabadini, 2015CARCANHOLO, Reinaldo A.; SABADINI, Mauricio de S. Capital fictício e lucros fictícios. In: GOMES, Helder (org.). Especulação e lucros fictícios: formas parasitárias da acumulação contemporânea. São Paulo: Outras Expressões, p. 125-159, 2015. ; Mello e Sabadini (eds), 2019; Sabadini, 2021SABADINI, Mauricio de S. A (crítica da) economia política, o capital fictício e os lucros fictícios. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 59, p. 175-202, 2021. ; Teixeira e Sabadini, 2022TEIXEIRA, Adriano Lopes A.; SABADINI, Mauricio de S. Marx and the Category of Fictitious Profits: Some Notes on the Brazilian Economy. In: MELLO, Gustavo M. de C.; BRAGA, Henrique P. (eds). Wealth and Poverty in Contemporary Brazilian Capitalism. Switzerland: Palgrave Macmillan, chapter 5, p. 105-142, 2022. ). No capitalismo contemporâneo, em que a natureza das transações financeiras adquire um caráter especulativo cada vez mais eminente, discutir este conteúdo é algo significativo, sobretudo para entender as mudanças na dinâmica da acumulação capitalista e suas influências tanto na produção quanto na circulação do capital.

A partir destas considerações, nota-se que a forma inicial de riqueza tratada por Marx, a mercadoria, possui desdobramentos ao longo de sua obra principal. Como consequência, a relação com a noção de riqueza, a ser tratada em outro trabalho, também vai se modificando até atingir níveis fetichistas ainda mais elevados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas conclusões soam como importantes: em primeiro lugar, a compreensão da temática é árdua, pois além de requerer a leitura diversa e ampla dos autores, há que também conhecer suficientemente Marx para fazer o diálogo, ao menos se existir a intenção de se fazer uma análise crítica sobre as diversas leituras. Outro ponto, e talvez aqui resida algo não desprezível: muitas temáticas abordadas por autores críticos à centralidade do trabalho são extremamente atrativas, sobretudo por retratar fenômenos da realidade concreta. Se não for feita uma mediação teórica com as categorias marxistas, algo de exigência e dificuldade comprovadas, suas teses ganham força e resistência na negação da teoria do valor-trabalho.

Ademais, são autores críticos à ordem vigente, denunciando a racionalidade capitalista, o consumismo, a destruição da natureza, a precarização do trabalho, tornando, portanto, esta relação ainda mais complexa, já que de fácil aceitação, ao menos pelo pensamento crítico. E a fácil aceitação de suas teses acompanhada de uma inadequada compreensão de Marx formam o substrato para afirmações imprecisas de que este último autor esteja obsoleto, já que ele teve como referência um capitalismo marcado pelos traços industriais, num período histórico de amadurecimento das relações capitalistas de produção sob a égide da Revolução Industrial, sobretudo na Europa Ocidental.

Sugeriu-se também, mesmo que brevemente, que além de utilizarem poucos parágrafos com alguns conceitos centrais, como o de General Intellect , as interpretações baseadas nos Grundrisse são feitas sem uma análise histórica e totalizante. Além do que, o próprio caráter desta obra e de suas categorias têm uma conotação embrionária.

Adicionalmente, foi proposto que a mercadoria para Marx vai alterando sua forma à medida que o próprio método de investigação e exposição do autor vai incorporando categorias ao longo de sua obra, discutindo a produção, a circulação, e, ao final, a junção das duas para entender o movimento do capital em sua totalidade, incorporando essência e aparência. Daí, ficar preso à noção de mercadoria do ponto de vista de sua materialidade corpórea leva a equívocos cruciais na interpretação, já que identificaram-se três tipos de mercadorias: mercadoria-comum, mercadoria-serviço e mercadoria-capital.

Finalmente, poder-se-ia também argumentar que algumas análises feitas aqui tomam por princípio interpretações metodológicas que se diferenciam de outras formas de compreensão, como as considerações sobre o caráter quantitativista da leitura do valor-trabalho, que, sob uma determinada ótica, estão fundadas no próprio Marx e que, portanto, não seriam, em tese, “errôneas”. Ou seja, incorreria no argumento das formas diferentes de interpretação metodológica do autor. De fato, não foi negada a existência desta leitura quantitativista, a leitura convencional, seu método é presente, e, portanto, talvez não se deva considerá-la como “leitura equivocada”. Ao mesmo tempo, propositalmente ou não, não dá para negar, já que sequer dialogam com a perspectiva da forma social e histórica, que suas indicações não fazem uma leitura totalizante do autor, o que faz refletir, como consequência, sobre os motivos teóricos, políticos, ideológicos da tentativa de desconstrução da teoria do valor-trabalho de Marx.

Se suas indicações não percorrem o caminho dessa leitura totalizante do autor, destarte, defender a perda da centralidade do trabalho talvez seja uma proposta inconsistente, se feita a partir de Marx . Não entender o capital como valor que se valoriza, não diferenciar trabalho concreto do abstrato, não entender as formas do valor, não tratar das formas das mercadorias, dentre outros, são imprecisões que não podem ser desconsideradas.

Assim, objetiva-se terminar nossas breves reflexões da mesma forma que Rubin (1987RUBIN, Isaak I. A teoria marxista do valor. São Paulo: Editora Polis, 1987. , p. 293) termina seu livro: “Não dizemos que a distinção de Marx, que se abstrai do conteúdo dos dispêndios do trabalho, é mais exata que as concepções convencionais. Afirmamos apenas que a concepção de Marx é diferente destas concepções convencionais, e não está compreendida nas mesmas”.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos discentes da graduação em Economia e da Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que foram meus interlocutores nas apresentações, dúvidas e debates em sala de aula. Naturalmente, o conteúdo aqui trabalhado é de minha inteira responsabilidade. Agradeço também aos/as pareceristas anônimos/as pelas sugestões dadas.

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  • 1
    Agradeço aos discentes da graduação em Economia e da Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que foram meus interlocutores nas apresentações, dúvidas e debates em sala de aula. Naturalmente, o conteúdo aqui trabalhado é de minha inteira responsabilidade. Agradeço também aos/as pareceristas anônimos/as pelas sugestões dadas.
  • 2
    Os(As) autores(as) que negam a teoria do valor-trabalho são comumente chamados na literatura de “pós-modernos”, um termo que é, por si só, controverso e heterogêneo, conforme apontam Evangelista (2007)EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria Social Pós-Moderna: introdução crítica. Porto Alegre: Sulina, 2007. e Mello (2016)MELLO, Gustavo Moura de C. Pós-Modernismo: entre a crítica e a ideologia. Trans/Form/Ação, Marília, v. 39, n. 1, p. 233-258, jan./mar/2016. .
  • 3
    Löwy (1997)LÖWY, Michael. Por um marxismo crítico. Lutas Sociais, São Paulo, n. 3, p. 21-30, 1997. aponta quanto à necessidade de incorporação de avanços críticos em relação a teoria marxista.
  • 4
    Estes fatores conformam uma totalidade que é imprescindível ao entendimento das defesas da perda da centralidade do trabalho. Alguns destes são a queda da URSS ( Vercellone, 2012VERCELLONE, Carlo. L’analyse «gorzienne» de l’évolution du capitalisme. In: FOUREL, Christophe (Org.). André Gorz: un penseur pour le XXIesiècle. Paris: Éditions La Découverte, p. 79-99, 2012. ), a relação com a central sindical francesa CFDT e com sindicalistas italianos como Trintin e Foa ( Goldman, 2007GOLDMAN, Henri. André Gorz, le passeur. Politique, no51, 10/2007. Disponível em: <http://www.revuepolitique.be/andre-gorz-le-passeur/>.
    http://www.revuepolitique.be/andre-gorz-...
    ), bem como a tentativa de superação da crise capitalista pós-1970 com a implantação das políticas neoliberais ( Fourel, 2012FOUREL, Christophe. Itinéraire d’un penseur. In : FOUREL, Christophe (Org.). André Gorz: un penseur pour le XXIesiècle. Paris : Éditions La Découverte, 2012, p. 15-38. ).
  • 5
    Para Camargo (2011)CAMARGO, Silvio. Trabalho imaterial e produção cultural: a dialética do capitalismo tardio. Annablume, 2011. , a adoção da perspectiva analítica do General Intellect possui forte influência do pós-estruturalismo francês, via Focault e Deleuze.
  • 6
    Teses aparentemente contraditórias, esta discussão também foi apresentada por Löwy (2017)LÖWY, Michael O marxismo de André Gorz. Caderno CRH, Salvador, vol. 30, 81, p. 427-433, set/dez 2017. .
  • 7
    A premissa de Offe para contrapor este argumento sinteticamente aqui exposto, não é nada elucidativa: “O poder de persuasão dessa objeção me parece limitado, pois as inúmeras rupturas no trabalho assalariado pretensamente unificado e com uma “forma determinada” (...) são tão evidentes que não podem ser teoricamente vulgarizadas” (ibid, p. 177). De fato, não há argumento em sua objeção. Mas, deixa-se isso de lado.
  • 8
    O conceito de “capitalismo cognitivo” foi criado pelo economista Enzo Rullani. A tese do capitalismo cognitivo foi em seguida elaborada e sistematizada como esquema de leitura de uma nova forma do capitalismo pelos pesquisadores da equipe do ISYS do Matisse-CES da Universidade de Paris 1” ( Vercellone, 2012VERCELLONE, Carlo. L’analyse «gorzienne» de l’évolution du capitalisme. In: FOUREL, Christophe (Org.). André Gorz: un penseur pour le XXIesiècle. Paris: Éditions La Découverte, p. 79-99, 2012. , p. 92). Ver também: Moulier-Boutang (2008)MOULIER-BOUTANG, Yann. Le capitalisme cognitif: la nouvelle grande transformation. Paris: Éditions Amsterdam, 2008. .
  • 9
    O termo material ou materialidade está citado aqui no sentido de expressar a composição físico-química que dá existência e concretude a mercadoria, enquanto corporalidade. O uso da expressão material e imaterial tem criado inúmeros problemas metodológicos.
  • 10
    Na edição em português da Abril Cultural, o conceito aparece traduzido nestas duas formas; em inglês, o termo adotado foi o de ordinary commodity , tanto para as palavras ‘comum’ quanto ‘simples’, e commodity-capital para a mercadoria-capital; já em francês, o termo mercadoria-comum foi traduzido como marchandise ordinaire e mercadoria-simples como marchandise simple , a mercadoria-capital foi chamada de marchandise-capital .
  • 11
    A distinção entre produto e mercadoria aparece de maneira mais clara nos Grundrisse .
  • 12
    A nosso ver, o conceito de capital financeiro foi construído em Hilferding (1985)HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985. . Para maiores detalhes, conferir: Sabadini (2015)SABADINI, Mauricio de S. Sobre o conceito de capital financeiro. Temporalis, Brasília (DF), ano 15, n. 30, pp. 71-92, jul./dez. 2015. .
  • 13
    Devemos destacar que este parágrafo contido no Livro III de O capital, obra organizada por Engels, não está presente nos Manuscritos de 1864-65 ( Marx, 2016MARX, Karl Marx’s Economic Manuscript of 1864–1865. Leiden/Boston: Brill, Historical Materialism, Book Series, volume 100, 2016. ) que deram origem ao referido livro.
  • 14
    O desaparecimento da mercadoria pelo ato do consumo também é citado, em outro contexto metodológico, por alguns autores críticos à centralidade do trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2020
  • Aceito
    10 Mar 2023
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