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POR QUE ELAS SE ELEGERAM DEPUTADAS FEDERAIS? (ELEIÇÕES DE 2018 E 2022)

WHY ARE THEY ELECTED WOMEN REPRESENTATIVES? (ELECTIONS 2018-2022)

POURQUOI SONT-ILS ÉLUS DÉPUTÉ FÉDÉRAL? (élections 2018 et 2022)

Resumos

Este artigo tem como objetivo analisar o perfil das deputadas federais eleitas pela primeira vez em 2018 e 2022, nos dois extremos do espectro político organizados em torno do Partido dos Trabalhadores (PT) e dos Partido Social Liberal-Partido Liberal (PSL-PL). Recolhemos os dados da vida anterior das deputadas em duas fichas, uma com dados pessoais e outra com dados da vida política, através de sites oficiais e privados nas redes sociais. Da análise dos dados, concluímos que as novas deputadas da extrema direita em 2018 formaram sua base eleitoral nos movimentos de rua a partir de 2013, enquanto as representantes da esquerda seguiram padrões tradicionais de trajetória política: cargos eletivos de menor importância e militância estudantil ou sindical. Em 2022, as novas deputadas da direita chegam à Câmara dos Deputados com vida partidária anterior, como vereadoras, prefeitas e deputadas estaduais, apontando a existência de carreiras políticas. À esquerda, há uma mudança significativa: um pequeno número de deputadas teve forte militância nos movimentos negro, LGBTQIA+, feminista.

Eleições 2022; Deputadas; Extrema direita; Esquerda; Carreiras políticas


The article aims to analyze the profile of women elected federal representatives for the first time in 2018 and 2022, at both ends of the political spectrum organized around PT and PSL –PL. We collected data on the previous life on two sheets, one with personal information and one with political life information in private and public sites in the social media. We concluded form the analysis of the data that the new far right representatives in 2018 formed their electoral base on the street movements from 2013 onwards, while the left representatives followed traditional patterns of political trajectory: elective positions of lesser importance; student or union militancy. In 2022, the new representatives from the right arrive at the Chamber with previous party life, as councilors, mayors, local representatives, pointing to the existence of political careers. On the left there is a significant change: a small number of representatives had strong militancy in the black, LGBTQIA+ or feminist movements.

Elections 2022; Women representatives; Far right; Left; Political careers


Article vise à analyser le profil des femmes députés fédéraux élus pour la première fois en 2018 et 2022, aux deux extrémités de l’échiquier politique organisé autour du PT et du PSL-PL. Nous avons collecté des données de la vie antérieure des députés dans deux fichiers, l’un avec des données personnelles et l’autre avec des données de la vie politique, dans des sites privés et publics dans les médias sociaux. De l’examen des données, nous avons conclu que les nouveaux députés de l’extrême droite en 2018 ont été formés leur base électorale dans les mouvements de rue à partir de 2013, tandis que les représentants de la gauche ont suivi des schémas traditionnels de trajectoire politique: postes électifs de moindre importance ; militantisme étudiant ou syndical. En 2022, les nouveaux de députés la droite arrivent à la Chambre avec une vie de parti antérieure, comme conseillers, maires, députés régional, ce qui renforce l’existence de carrières politiques. À gauche il y a un changement significatif : un petit nombre de députés avaient un fort militantisme dans les mouvements noirs, LGBTQIA+, féministes.

Elections 2022; Femmes députées; Extrême droite; Gauche; Carrières politiques


INTRODUÇÃO

Muito se tem pesquisado sobre a participação política das mulheres no Brasil no que concerne aos cargos eletivos. Desde a redemocratização do país após a ditadura militar, os dados mostram poucos avanços no número de eleitas, mesmo que tenha havido mudanças na legislação eleitoral para que a presença feminina nesse campo se tornasse mais efetiva. Sem mudar o quadro de forma significativa, houve um crescimento do número de eleitas em 2018 e 2022, as quais serão o foco deste artigo.

A literatura sobre a participação política da mulher aponta para o fato de que sua presença nos parlamentos e em cargos executivos aumenta a possibilidade de que temas relacionados aos direitos das mulheres tenham mais espaços nas pautas legislativas e nas políticas públicas. Assim, a expectativa de que isso aconteça, no caso brasileiro, está associada ao fato de que a maioria das mulheres eleitas até 2010 para a Câmara de Deputados pertenciam aos campos da esquerda e centro-esquerda, mais propensos a acolher as pautas dos grupos feministas. Esse quadro começa a mudar a partir de 2014, mas é nas eleições de 2018 que se verifica um aumento significativo de deputadas eleitas, as quais se identificam com a direita política, cuja maioria está ligada a partidos que deram a vitória ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. O Quadro 1 ilustra a trajetória dessa mudança:

Quadro 1
– Deputadas federais eleitas no Brasil, por espectro ideológico (2010-2022)

O artigo tem como objetivo principal responder a pergunta que lhe dá título: por que elas se elegeram? Essa questão faz sentido, particularmente, na realidade brasileira, onde a presença das mulheres no parlamento nunca chegou a 20%. Investigar, portanto, quais os recursos que reúnem para conseguirem se eleger permite avançar no entendimento desse difícil acesso. Tomando em consideração que o aumento da participação feminina no parlamento a partir de 2018 implicou na chegada de um contingente de mulheres de direita e extrema-direita, buscaremos responder as seguintes questões: As mulheres da direita política que se elegeram em 2018 e 2022 obedecem à tradição das mulheres de direita que se elegeram ao longo da história republicana brasileira? Comparando as deputadas eleitas em 2022 com as eleitas em 2018, é possível encontrar uma mesma trajetória entre elas? No que concerne às pertencentes a partidos de esquerda, houve mudanças na trajetória política das eleitas nas duas eleições? Há diferenças significativas entre de partidos de direita e de partidos de esquerda? E finalmente, tomando esse conjunto de deputadas, é possível afirmar que mais mulheres no parlamento aumenta a possibilidade de uma maior presença de temas relacionados a seus direitos?

Nesse contexto, este artigo examinará as formas de chegada à política das mulheres que se elegeram em 2018 e em 2022, considerando as deputadas eleitas pelos dois espectros que se defrontaram nessas eleições: a esquerda liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e a direita liderada pelo Partido Social Liberal (PSL) e, posteriormente, pelo Partido Liberal (PL). Não serão analisadas as mulheres eleitas pelo chamado centro, porque estamos focando nos dois polos que crescem e se colocam como antagônicos da luta política. Consideramos o partido das deputadas aquele pelo qual se elegeram na sua primeira eleição.

Além desta introdução, artigo está organizado em quatro seções. A primeira parte ocupa-se do arcabouço teórico abrangendo duas questões: primeiro, o tema da participação política das mulheres, fazendo um breve levantamento da literatura e da legislação acerca da presença – ou ausência – das mulheres na política, discutindo o crescimento da ideologia de direita no Brasil concretizada em vitórias eleitorais. Associada a essa presença, se considerará a importância das igrejas evangélicas pentecostais como espaço de acolhimento e reprodução do pensamento conservador no país. Na segunda parte, tratarei de duas questões metodológicas que envolveram a feitura do texto: os parâmetros de classificação ideológica dos partidos e as formas de coleta de dados pessoais e de vida pública das mulheres candidatas, a fim de investigar quais trajetórias resultaram em êxitos eleitorais. A terceira e quarta partes se ocuparão do exame dos dados empíricos coletados sobre as deputadas eleitas, a partir de recorte ideológico direita e esquerda, em 2018 e em 2022. Do artigo ainda constará uma nota conclusiva e um anexo com todas as mulheres eleitas deputadas federais e seus respectivos partidos, em ordem alfabética dos estados.

NOTA TEÓRICA

Duas questões de ordem teóricas embasam o exame dos dados recolhidos sobre as mulheres eleitas deputadas federais em 2018 e 2022: suas participações na política e a presença crescente de partidos e ideologias de direita e extrema-direita na cena política.

Nesse sentido, o questionamento sobre a ausência das mulheres na política não é assunto recente. No clássico O contrato sexual (1993), Carole Pateman argumenta que o contrato não era social, mas sexual, e que, para se realizar como capitalista, tinha de tirar as mulheres da vida pública. Segundo Pateman (1993), o pacto que rege a democracia liberal está lastreado tanto no sistema capitalista como nas relações patriarcalizadas de poder que lhes dá sustentação.

Ao longo do século XX e das primeiras décadas do século XXI, presenciou-se significativo aumento das mulheres no mercado de trabalho e nas instituições de ensino fundamental e superior em todo o mundo, além de ter-se testemunhado mudanças no chamado “campo dos costumes” – conquistas da militância feminista, vale ressaltar – como o avanço nas leis de proteção às mulheres contra a violência. Essas mudanças repercutiram de forma diversa nas vidas das mulheres conforme recortes de classe, raça e etnia.

No Brasil, desde 1995, a legislação busca garantir maior presença das mulheres na vida política parlamentar. Primeiro, com reservas de vagas nas listas partidárias, que foram aumentando até chegarem a 30%, depois garantindo que essas vagas fossem realmente preenchidas com uma pequena mudança na redação da lei e, por fim, assegurando-se que parte proporcional do fundo eleitoral dos partidos e tempo de TV se destinassem às candidatas femininas.1 1 Em 1997, a Lei no 9.504 traz as cotas de gênero designando que haja 30% de candidatas mulheres nas listas eleitorais (Brasil, 1997). Em 2021, a Emenda Constitucional (EC) no 111 determina que votos em mulheres e pessoas negras devem ser contados em dobro para fim de cálculo do fundo eleitoral nas eleições de 2022 até 2030 (Brasil, 2021). Em 2022, a EC no 117 estabelece percentuais mínimos de recursos do fundo partidário para as campanhas das mulheres (Brasil, 2022). As eleições de 2018 foram, na história, as que mais significativamente aumentaram o número de mulheres na Câmara dos Deputados, cuja representação cresceu de 51 deputadas (9,94%) para 77, 15% do total de parlamentares. Já em 2022, as 91 mulheres eleitas representavam 17,73% do total de parlamentares, um aumento pouco significativo em relação às eleições anteriores de 2018. Apesar desse número quase ter dobrado após essas duas eleições, isso não representou uma mudança robusta, mantendo o Brasil em uma posição bastante precária no ranking mundial de presença das mulheres nos parlamentos.2 2 Em dezembro de 2022, o ranking do Inter-Parlamentarian Union - IPU (2022) indicava o Brasil em 129º lugar entre 187 países avaliados quanto à presença de mulheres nos parlamentos. Na América Sul, o Brasil fica à frente apenas do Paraguai, que ocupa o 131º lugar.

São muitas as razões desse quadro, já estudado com profundidade,3 3 Ver Araújo (2001, 2009, 2012), inclusive fazendo uma análise comparativa com a Argentina (Araújo, 2010), e os estudos de Marques (2010) e de Miguel e Biroli (2010). sendo válido lembrar aqui rapidamente alguns entraves. O primeiro deles é a própria cultura e as leis que regem os partidos políticos. Em geral, os partidos são dirigidos por agregados de homens brancos de meia-idade para mais, com grande capacidade de se manterem no poder, constituindo-se em verdadeiras oligarquias. Mesmo em partidos onde há paridade entre homens e mulheres nas executivas, os cargos ocupados por mulheres tendem a ser, na maior parte das vezes, de menor importância.4 4 No ano de 2022, havia três partidos no Brasil dirigidos por mulheres: o PT – Gleisi Hoffmann –, o PODEMOS – Renata Abreu – e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – Luciana Santos. Além disso, temos uma legislação que permite que essa mesma cúpula organize as listas partidárias, abertas por lei, sem nenhum requisito de participação democrática dos filiados dos partidos.

Somam-se a esse entrave duas variáveis que se combinam. A primeira delas é a própria cultura misógina do país, que afasta as mulheres dos espaços de poder. Mesmo em condições ótimas de educação, privilégios de classe e raça, as mulheres têm grandes dificuldades em ascender profissionalmente nos ambientes de trabalho privados e públicos, principalmente quando inseridas em arranjos matrimoniais heterossexuais e são mães (Pinto; Silveira, 2020PINTO, C.; SILVEIRA, A. Caminhos e Descaminhos das Cientistas Políticas Brasileiras. In: BIROLI, F. (org.). Mulheres Poder e Ciência Política – Debates e Trajetórias. Campinas: Ed. UNICAMP, 2020. p. 247-274.). A outra variável é a combinação dessa cultura com as configurações geográficas do país. Vale lembrar que as mulheres de diferentes classes, raças e etnias ainda são as “gerentes” do espaço da família. Delas depende, na grande maioria das vezes, a montagem de uma engrenagem familiar que envolve a educação dos filhos, cuidados com a saúde de todos e manutenção da casa quanto à alimentação, limpeza etc. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, há muita dificuldade para que as mulheres com filhos possam se locomover 500 quilômetros dentro do próprio estado todas as semanas para assumirem o papel de deputadas estaduais ou até milhares de quilômetros para chegarem à Brasília (DF) quando deputadas federais.

Portanto, nos parece apropriado para o avanço na discussão do tema da participação das mulheres na política estudar as que conseguem chegar à Câmara dos Deputados, cujas trajetórias dizem muito sobre as possibilidades e os limites de uma participação mais igualitária entre os gêneros.

As eleições de 2018 e de 2022 trouxeram esse assunto para o centro da discussão. Não há formas de assegurar que a luta para aumentar o número de mulheres nos parlamentos garanta que as mulheres eleitas defendam causas feministas ou pelo menos reconheçam-se como mulheres parlamentares. Ainda assim, não há razão para pensar que, para a democracia e para a luta feminista, a presença das mulheres não importa, argumento que encontra apoio nos trabalhos de duas mulheres acadêmicas e feministas: a inglesa Anne Phillips e a estadunidense Iris Young.

Em um clássico artigo, Anne Phillips (2001)PHILLIPS, A. The politics of presence. Oxford: Clarendon, 2001. discute a diferença entre a ideia e a presença da mulher na política, se perguntando até onde as ideias, as demandas e a luta por direitos dos movimentos feministas podem ser vencedoras no parlamento sem a presença das mulheres. E responde que não é impossível, mas é pouco provável. Porém, se a presença das mulheres não garante a defesa das ideias, ela as torna muito mais provável (Phillips, 2001PHILLIPS, A. The politics of presence. Oxford: Clarendon, 2001.).

De maneira distinta, mas chegando a conclusões bastante próximas às de Anne Phillips, Iris Young (2002)YOUNG, I. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford Press, 2002. discute a questão a partir de três formas de representação: interesse, opinião e perspectiva. Define a primeira delas, interesse, como uma articulação de projetos individuais – familiares – ou objetivos de organizações; a segunda forma de representação, opinião, se aproxima do conceito de ideias de Phillips, que envolve julgamentos e crenças; e finalmente aponta a perspectiva, que pode envolver a inclusão de diferentes opiniões e interesses: “Perspectiva social é o ponto de vista que membros de um grupo tem sobre o processo social devido à sua posição nele. Essa perspectiva pode ser vivida de forma mais ou menos consciente” (Young, 2002YOUNG, I. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford Press, 2002., p. 138, tradução nossa).

Young dá vários exemplos de situações vivenciadas por negros nos Estados Unidos (EUA), exemplos esses que podemos transportar para as situações vivenciadas por mulheres ou outros grupos excluídos no Brasil. Trata-se, nesse sentido, de ver o mundo por uma perspectiva própria, a partir de um lugar de vivência de determinado grupo. Por exemplo, mulheres pobres que trabalham em casa de famílias ricas têm uma perspectiva, um olhar para o mundo muito diferente de suas empregadoras. De forma mais ampla, a maternidade e as obrigações associadas às mulheres quase obrigatoriamente, em sociedades patriarcalizadas, dão a elas uma perspectiva quase impossível de serem percebidas pelos homens.

Phillips e Young convergem para uma mesma conclusão, que é a importância da presença do excluído para ter possibilidades de mudar sua condição. As duas autoras reforçam que sem mulheres presentes é muito difícil que suas demandas ganhem protagonismo, no entanto, não excluem a possibilidade que isso aconteça através de atores envolvidos com causas de direitos dos grupos minorizados, mesmo não pertencendo a eles. Em síntese, as estudiosas nos dão argumentos para afirmar que parlamentos sem mulheres têm muito mais chances de serem sexistas e não defensores das causas e lutas feministas, do que parlamentos com um considerável número.

Outro ponto a ser considerado na argumentação deste artigo conjuga uma série de questões, trata-se do avanço da presença de mulheres de direita e de extrema-direita no parlamento brasileiro. Nesse sentido, devemos ter em mente que a luta pela maior presença feminina na política não obrigatoriamente trará para o cenário personagens comprometidas com as causas do movimento feminista ou dos movimentos de mulheres em geral. É o caso da presença sem a ideia na teoria de Phillips (2001)PHILLIPS, A. The politics of presence. Oxford: Clarendon, 2001.. Mas o que queremos indagar é o porquê desse avanço.

Sempre houve mulheres conservadoras na política brasileira e nos parlamentos federal e estaduais. Eram em pequeno número, geralmente pertenciam a famílias de políticos e substituíam maridos e filhos quando estes iam para postos mais elevados ou faleciam (Pinto, 2017PINTO, C. Elas Não ficaram em casa. As primeiras mulheres deputadas nos anos de 1950 no Brasil. Varia História, Belo Horizonte, v. 33, n. 62, p. 459-490, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/vh/a/Y7WyXNvPDsmwMn4BwR4Lnxn/. Acesso em: 02 fev. 2023.
https://www.scielo.br/j/vh/a/Y7WyXNvPDsm...
; Pinto; Silveira, 2018PINTO, C.; SILVEIRA, A. Mulheres com carreiras políticas longevas no Legislativo Brasileiro. Opinião Pública, Campinas, v. 24, n. 1, p. 178-208, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/op/a/jcvGDq3TtVFBGrStmC3M65L/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 02 fev. 2023.
https://www.scielo.br/j/op/a/jcvGDq3TtVF...
). Também havia um pequeno número delas que se destacavam em suas profissões e chegavam à política, geralmente professoras. No entanto, o fenômeno que se expressou com vigor a partir das eleições de 2018 é de outra natureza e tem a ver com o crescimento de uma nova direita extremada, dentro e fora do país. O Brasil da segunda década do século XXI sofreu uma profunda crise política, o que abriu caminhos para o crescimento de uma extrema-direita em expansão no mundo – cujo discurso definia a política como sinônimo de corrupção, se autodefinindo como antissistema, neoliberal em termos econômicos e conservador no que concerne a pautas sociais e a direitos individuais.

O crescimento da direita internacional combina dois momentos que se sucedem no tempo: o primeiro, o ultraliberalismo econômico, inaugurado com a experiência chilena durante a ditadura militar (1973-1990) e aprofundado com os governos Thatcher (1979-1990) e Reagan (1981-1989), respectivamente no Reino Unido e nos Estados Unidos. Já o segundo, não obrigatoriamente associado ao primeiro, pelo menos nos momentos iniciais, é o avanço de um conservadorismo nos costumes, promovido em grande medida pela Igreja Católica como reação em grande parte às disposições discutidas na IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing (China), promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995. Naquela oportunidade, se alargou o uso do conceito de “gênero” como substituto à expressão “mulher” e se discutiu longamente a legalização do aborto. A reação da Igreja foi imediata: Joseph Ratzinger, cardeal ideólogo do Vaticano, se contrapôs severamente ao conceito de gênero, dando início a uma campanha que se tornou mundial entre as autoridades da Igreja Católica contra ao que se passou a chamar “ideologia de gênero”.5 5 Em 1998, João Paulo II, em sua Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, fala dos novos direitos das mulheres, mas também da preocupação com sua masculinização e seu comprometimento com a virgindade e a maternidade. O conservadorismo católico – que não se inaugura com esse documento, pois é secular – resguarda sua importância no seu caráter de contra-ofensiva oficial do Vaticano aos avanços na discussão dos direitos das mulheres e dos direitos reprodutivos a partir da IV Conferência Mundial das Mulheres da ONU em 1995.

A ultradireita internacional associou o neoliberalismo com o conservantismo católico, espraiado posteriormente para outras denominações religiosas cristãs, principalmente as igrejas pentecostais. Essa é uma questão bastante complexa, já que o liberalismo não é essencialmente conservador nos costumes, entretanto parece ter havido um momento muito propício para que esse encontro acontecesse. Wendy Brown (2019)BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo. São Paulo: Politéia, 2019. argumenta que a atual conjuntura do capitalismo necessita desses valores conservadores para se reproduzir. Brown (2019BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo. São Paulo: Politéia, 2019., p. 48) chama a atenção para o desmantelamento da sociedade que envolve muitas frentes: política com fragilização do Estado, através da destruição da seguridade social legal que envolve inclusive o secularismo; e ética com “a contestação da justiça social por meio da defesa da autoridade natural dos valores tradicionais”.

No Brasil, o desarranjo político em que vivia o país desde 2014, quando o candidato perdedor das eleições presidenciais não aceitou os resultados, propiciou um ambiente favorável para o avanço dessa ultradireita neoliberal em termos econômicos e conservadora nos costumes. Camila Rocha, na obra Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil (2021), observa que uma direita neoliberal estava se organizando no país desde a promulgação da Constituição em 1988, que tinha principalmente empresários, banqueiros e economistas ligados à Escola de Chicago. Somou-se a eles, já nos primeiros anos do século XXI, grupos organizados que vinham discutindo formas de combater especificamente o PT, cujo caráter de extrema-direita, com discípulos do astrólogo e escritor Olavo de Carvalho, lutavam contra o que ele chamava de “hegemonia gramsciana” no Brasil (Rocha, 2021ROCHA, C. Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil. São Paulo: Todavia, 2021., p. 104).

Flavia Biroli (2020BIROLI, F. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. DAS D. C. Gênero, Neoconservadorismo e Democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p.135-187., p. 136) discutindo a erosão da democracia brasileira se pergunta: “De que modo a erosão das democracias, que vem sendo definida como um processo de desdemocratização, se conecta com as reações neoconservadoras à igualdade de gênero e a diversidade sexual?”

Biroli (2020)BIROLI, F. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. DAS D. C. Gênero, Neoconservadorismo e Democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p.135-187. chama a atenção para o fato de que, especialmente no sul global, a erosão da democracia tem uma direta relação com a desigualdade social, com acento maior na desigualdade de classe, gênero e raça. A resposta do neoliberalismo, para a autora, reside no encolhimento do Estado e correspondente alastramento da esfera privada ampliando o papel da família. Daí ser fundamental o reforço da família, da construção de uma natureza feminina que se adeque a papéis tradicionais de cuidado. A ideologia de gênero, as lutas por direitos LGBTQIA+, a luta por diretos reprodutivos, formam um conjunto de questões que vão de encontro aos interesses do novo momento neoliberal. As igrejas, na maioria pentecostais, são parceiras importantes nessa equação.

Não é aqui o espaço para discutir as razões do crescimento das religiões pentecostais no Brasil nas últimas décadas. O país que era conhecido como a maior nação católica do mundo tem agora 31% de sua população se autodeclarando evangélica, segundo pesquisa da DataFolha publicada em janeiro de 2020.6 6 Ver em: https://acervo.folha.uol.com.br/digital/leitor.do?numero=49024.

Três características, entretanto, vale pontuar aqui: primeiro, os evangélicos pentecostais têm uma participação política muito bem caracterizada, há partidos ligados a denominações religiosas e mesmo uma bancada chamada Bancada da Bíblia no Congresso Nacional, composto em sua grande maioria por evangélicos pentecostais; segundo, com poucas exceções, até por terem uma visão moralista da vida, estão associados a ideologias de direita, contrárias a todas as lutas que envolvem direitos reprodutivos e formas diversas de família, entre outros temas conservadores. Terceiro, as igrejas têm congregações que se comportam de forma muito obediente aos princípios dos pastores e nelas as mulheres são a maioria. Maria do Socorro Campos Machado (2020MACHADO, M. das D. C. O neoconservadorismo cristão no Brasil e na Colômbia. In: BIROLI, F.; MACHADO, M. das D. C.; VAGGIONE, J. M. Gênero, Neoconservadorismo e Democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 114-185., p. 98) aponta:

Diversas mulheres que constituem a opinião pública no meio evangélico – cantoras gospel, pastoras, empresárias, políticas, assessores parlamentares etc. – desempenham papel importante nas alianças dos evangélicos com outros grupos religiosos neoconservadores – católicos e judeu – assim como na campanha de Bolsonaro.

O crescimento de uma ideologia de extrema-direita que se expandiu nas últimas décadas, dentro e fora de igrejas conservadoras, e que esteve presente nas campanhas de mulheres para o parlamento vai de encontro às lutas feministas, por maior diversidade de gênero na representação política e por suas demandas por direitos. O crescimento de candidatas a deputadas federais vitoriosas com pautas antifeministas, de cunho religioso e conservador é um fenômeno que necessita atenção nos estudos da ciência política que se ocupam com questões de participação. E tomando esse cenário em consideração, que se localiza a nossa análise das novas deputadas eleitas em 2018 e em 2022.

NOTA METODOLÓGICA

Possivelmente a mais difícil decisão em termos metodológicos, quando se trata de estudar questões relacionadas aos partidos políticos brasileiros, é classificá-los ideologicamente em esquerda, centro e direita, apesar de não haver dificuldade em identificá-los classicamente de esquerda ou direita. O problema aparece na nebulosa região do centro, que abriga um número grande de partidos que são pendulares: ora estão mais à esquerda e poderiam ser caracterizados como esquerda, ora estão próximos da direita. Em momentos de mudança de governo, há uma circulação muito intensa, partidos do espectro centrista que apoiaram um candidato que perdeu as eleições podem muito rapidamente passar a apoiar o candidato ganhador de ideologia oposta. Em relação aos eleitos para as casas legislativas, foco deste artigo, ainda pode haver mudanças de partidos ao longo do mandato nos períodos permitidos por lei ou para se adequarem às especificidades regionais. Os partidos a seguir foram classificados a partir do engajamento aos candidatos à presidência que chegaram ao segundo turno nas duas eleições, que representavam as duas pontas do espectro político partidário. Foram identificados como partidos de esquerda: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Rede Sustentabilidade (REDE), Partido Verde (PV), Partido Socialista Brasileiro (PSB): Como partidos de direita foram identificados: Partido Liberal (PL), Democratas (DEM), Partido Progressistas (PP), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido Republicano Brasileiro (PRB), Partido Social Liberal (PSL), Partido Social Democrático (PSD), Partido Republicano Paulista (PRP), União Brasil (UNIÃO), Podemos (PODE), Partido da República (PR); perdem-se nuances excluindo-se as categorias de centro-esquerda e centro-direita, mas, para os propósitos deste artigo, não chega a prejudicar a discussão central proposta.

Em relação ao campo da direita, será feito um recorte entre as mulheres que pertencem aos partidos de extrema-direita e as que estão filiadas aos tradicionais partidos conservadores, quando isso for necessário para o argumento. Esse recorte se justifica pela novidade da presença de significativo número de parlamentares mulheres vindas de partidos de extrema-direita, liderados pelo PSL em 2018 e pelo PL em 2022, aos quais se somam o Podemos, o Republicanos e o PRB. Os tradicionais partidos de direita são DEM, UNIÃO,7 7 O UNIÃO BRASIL surgiu em 2022 da junção do DEM com o PSL. O DEM era um típico partido de direita e o PSL, praticamente inexistente antes de acolher a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República em 2018, tornou-se a maior bancada na Câmara dos Deputados. Entretanto, brigas internas fizeram o então presidente romper com o partido, filiar-se ao PL e levar consigo boa parte dos deputados do PSL, que teve de se juntar ao também decadente DEM, para que seu grupo político pudesse sobreviver. PP e PTB, ao passo que os de extrema-direita – que se fortaleceram na segunda década do século XXI – ao contrário dos tradicionais, são partidos que se formam a partir de interesses conjunturais e reúnem na maioria das vezes políticos e militantes conservadores e religiosos que vivem nas franjas da política, como é o caso de muitos deputados pertencentes a esses partidos e que são conhecidos na Câmara dos Deputados como baixo clero. Há muitas denominações pequenas que não se sustentam por mais do que uma eleição, havendo mudanças de nomes e junções de siglas.

No que concerne às deputadas de esquerda, não será feita subdivisão entre partidos porque nenhum deles seria considerado de extrema-esquerda. Mas, a exemplo das primeiras, faremos uma análise comparativa entre as eleitas nas duas eleições.

Nosso universo será de 103 mulheres que se distribuem da seguinte forma: 59 do campo da direita e 44 no da esquerda, as quais se elegeram em 2018 e 2022 e chegaram a ocupar 113 mandatos.8 8 Em anexo, estão listadas 133 deputadas, inclusive as eleitas pelos partidos do centro que não estão sendo examinadas neste artigo. Trinta mulheres se elegeram pelos partidos de centro, principalmente, Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Em 2018, foram eleitas 77 mulheres, o que representou um aumento percentual significativo de 9,94% para 15%. Das eleitas, 30 mulheres foram por partidos de direita e 27 por partidos de esquerda. Já nas eleições de 2022, as mulheres não tiveram o mesmo êxito em aumentarem sua representação, sendo elegidas 91 deputadas (17,54%). Desse quantitativo, 42 (46,10%) deputadas eleitas por partidos de direita e 34 pela esquerda (37,36%).

As informações trabalhadas neste artigo foram padronizadas a partir de duas fichas preenchidas para cada deputada. A primeira denominada Dados Pessoais, em que constava: nome, partido(s), unidade da Federação, raça, grau de instrução, profissão, religião e pertencimento a famílias políticas. A segunda ficha, denominada Vida Política, abrangia cargos políticos anteriores à eleição de deputada federal, cargos de direção partidária e participação em movimentos sociais. Os dados foram recolhidos nas fontes descritas a seguir. As principais fontes foram a página oficial das deputadas na Câmara dos Deputados para as deputadas eleitas em 2018, e para todas as eleitas usamos a ficha das candidatas publicada na página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como fontes auxiliares, pesquisamos também na Wikipédia9 9 Os dados biográficos da Wikipédia são em grande maioria cópias dos dados oficiais da Câmara dos Deputados e do TSE. Quando encontramos novos dados sobre uma candidata, fomos às fontes apontadas na própria Wikipédia, em jornais da região e material de propaganda. e em biografias, jornais e material de propaganda política. Os dados biográficos recolhidos nestas últimas fontes foram sempre checados, no mínimo, em duas fontes alternativas. Um pequeno conjunto de dados foi recolhido nas contas do antigo Twitter – atualmente renomeado como X – das deputadas e estarão identificados. Foi opção nossa não indicar todas as páginas pesquisadas de dados mencionados, porque a leitura do texto ficaria muito interrompida. Como os dados que constam no artigo não são de opinião, salvo os do Twitter, mas dados biográficos públicos, essa decisão parece não prejudicar a validade do que será analisado. Quando de opinião, as fontes estão indicadas.

Por último, no que se refere à perspectiva metodológica, deve-se deixar claro que não se trata de fazer história de vida ou enfatizar trajetórias individuais, mas de analisar a presença desses dois grupos ideologicamente opostos para perceber as tendências de trajetórias que resultaram em êxitos eleitorais. As deputadas serão citadas nominalmente apenas quando dados de suas vidas ou ações políticas forem necessários para esclarecer o argumento.

AS MULHERES DE DIREITA SE ELEGEM

Sempre houve mulheres de direita eleitas para o Legislativo Federal, mas eram poucas e geralmente tinham uma trajetória tradicional: vinham de famílias de políticos e herdavam cargos dos maridos, pais, irmãos, tios. A partir de 2018, esse quadro se diversifica: foram eleitas 30 mulheres no espectro da direita, 22 das quais pertencentes a partidos de extrema-direita, sendo 16 delas deputadas em primeiro mandato. Das 8 eleitas por partidos tradicionais (PP, DEM, UNIÃO), apenas 2 são novas na Câmara dos Deputados: Celina Leão (PP-DF) e Jaqueline Cassol (PP-RO).

Tomadas em conjunto, chama a atenção que apenas três dessas deputadas não cursaram o ensino superior. Sobressaem 11 deputadas com formação em Direito, sendo 10 delas advogadas e uma promotora pública. As três que têm profissões ligadas a igrejas são as mesmas mencionadas que não têm o ensino superior: uma é cantora gospel – Lauriete – e duas são pastoras – Cristiane Yared e Flordelis. Das 30, se autodeclaram negras três e as demais, brancas.

Uma característica inovadora nesse conjunto é o baixo pertencimento a famílias políticas. Apenas 4 das 22 deputadas eleitas por partidos de extrema-direitista pertencem a famílias políticas: Renata Abreu (PODE-SP) é filha de ex-deputado federal; Dra. Marina (PTC-PI) é uma clássica representante desse tipo de pertencimento, já que é filha de ex-deputado estadual e de ex-prefeita do município de Francisco Santos, além de ser casada com ex-prefeito do município de Novo Oriente; Lauriete (PL-ES) foi esposa do senador e pastor Magno Malta.

Já entre as deputadas que vêm de partidos tradicionalmente conservadores, 4 das 8 pertencem a famílias políticas tradicionais. O pai de Iracema Portella (PP-PI) foi ex-governador do Piauí, enquanto a mãe foi deputada federal e ela própria foi casada com o senador Ciro Nogueira. Angela Amin (PP-SC) entrou na política através do marido Esperidião Amin, ex-prefeito de Florianópolis, ex-governador de Santa Catarina, ex-deputado federal e atual senador. Norma Ayub (DEM-ES) e Margarete Coelho (PP-PI) são esposas de deputados estaduais.

Sobre a vida política das deputadas anterior ao ano de 2018, nossa pesquisa mostra um fato significativo: 16 das 22 eleitas pelos partidos de extrema-direita não tiveram atividade como políticas eleitas ou cargo no executivo. Das que tiveram esse tipo de atividade, 3 já eram deputadas federais: Soraya Santos (PR-RJ), Renata Abreu (PODE-SP) Cristiane Yared (PR-PR). Das mulheres dos partidos tradicionais de direita, à exceção de Iracema Portella, todas tiveram cargos eletivos, foram secretárias ou mesmo candidatas derrotadas, como é o caso de Jaqueline Cassol (PP-RO), derrotada ao governo do estado e ao Senado.

Portanto, o fenômeno novo são essas 16 mulheres sem vida política anterior, não pertencentes a famílias políticas, que se elegeram em sua primeira tentativa à Câmara dos Deputados. Essas mulheres têm entre si várias características em comum: foram lideranças nas manifestações de rua de 2013 em suas cidades, tiveram destaque na campanha a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e algumas eram seguidoras do astrólogo Olavo de Carvalho. São exemplos: Alê Silva (PSL-MG), que teve atuação nos movimentos “Vem Pra Rua”, “Direita Minas Ipatinga” e “Avança Minas”; Carla Zambelli (PSL-SP), uma das fundadoras do movimento “Nas Ruas”, a qual ganhou notoriedade por trabalhar arduamente pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff; Caroline de Toni (PSL-SC, em 2018), aluna de Olavo de Carvalho, que foi ex-presidente do Movimento Brasil Livre em Chapecó (SC) e cofundadora do Movimento Liberal Conservador. Também havia mulheres que se destacaram por defenderem pautas como a “escola sem partido” e por denunciarem a “ideologia de gênero”. Em relação à chamada ideologia de gênero, ficou conhecida a ultracatólica Chris Tonietto (PSL-RJ), advogada do Centro Cultural Católico Dom Bosco, do qual faz parte, e notabilizada por uma ação indenizatória em 2017 contra uma produtora de vídeo, que fez uma paródia da vida de Jesus Cristo. Em junho de 2020, Tonietto publicou no Facebook: “[...] a pedofilia está relacionada mais especificamente com a chamada ‘teoria de gênero’ e sua aplicação nos ambientes escolares”.10 10 Ver em: https://www.facebook.com/ChrisTonietto/photos/a.1747621088651805/3045767272170507/?type=3. Elegeu-se também a Major Fabiana (PSL-RJ), ex-subcomandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que ficou conhecida em 2014 por controlar um tumulto em um ônibus que estava sendo incendiado próximo à favela do Jacarezinho, de arma em punho e salto alto. A foto do incidente viralizou na internet e a major foi eleita com o slogan “a mulher na segurança”.

Não é objetivo deste artigo acompanhar os quatro anos de trabalho legislativo dessas mulheres. Mesmo assim, cabe pontuar que, em relação às questões de direitos das mulheres, tomam duas posições constantes e distintas: uma que acompanha o movimento feminista em geral e é expressa em vários projetos de lei, tratando de medidas contra a violência sofrida pelas mulheres;11 11 Projetos de Lei (PL) visando proteger as mulheres contra a violência: PL no 11/19 e PL no 4.284/21, ambos de Joice Hasselmann; Soraya Manato apresentou três, PL no 5.678/19, PL no 63/20 e PL no 3.112/01; Dayane Pimentel apresentou dois, PL no 3.223/20 e PL no 3.666/21. Sobre a questão do aborto, Chris Tonietto monopoliza os PLs individuais, tendo apresentado cinco deles, todos para restringir o direto ao aborto, PL 546/09, PL no 4.148/09, PL no 2.893/19, PL no 1979/20 e PL no 1945/20. Podem ser acessados no site da câmara: https://www.camara.leg.br/busca. e outra que condena a questão do aborto, tema em que formam grupo coeso, defendendo o Projeto do Estatuto do Nascituro, que circula no Congresso há muitos anos e torna crime os abortos legais garantidos no Código Penal de 1940.12 12 O primeiro projeto sobre o Estatuto do Nascituro – que modifica os direitos assegurados à mulher, como o aborto legal –, desde 1940, é o PL 478/2007 de autoria dos deputados Luis Bassuma do PT-BA e Miguel Martini do Partido Humanista da Solidariedade (PHS-MG). Em 2018, é apensado a este um novo PL, o PL nº 11.148, de autoria do deputado Gilberto Nascimento do Partido Social Cristão (PSC-SP), que novamente dispõe sobre o estatuto nos mesmos termos. Em 2021, um novo projeto sobre o tema, o PL nº 434/2021, de autoria da deputada Chis Tonietto, é apensado ao anterior. Para se ter ideia de como o tema do aborto foi tratado pelas deputadas eleitas, vale verificar as reações no Twitter (X) com a legalização do aborto na Argentina, em 30 de dezembro de 2020: Dayne Pimentel (PSL-BA) compara a aborto à morte por covid-19, dizendo que “são duas formas de matar” (@deppimentel); Aline Sleutjes (PSL-PR) afirma que “Feministas comemoram o direito ao aborto na Argentina” e questiona – “Celebrando o direito de tirar vidas inocentes, o direito de matar?” (@AlineSleutjes); Carla Zambelli (PSL-SP, em 2018) assim refere-se ao fato “legalização de assassinato de bebês” (@CarlaZambielli38); Bia Kicis (PSL-DF) vai na mesma direção, “comunistas celebram a morte de bebês na Argentina” (@BiaKicis); Alê Silva (PSL-MG) caracteriza a legalização do aborto na Argentina “como genocídio e holocausto que mata vidas inocentes” (@alesilva_38).

Em relação a esse grupo de deputadas, temos uma novidade que deve ser pontuada: elas representam uma nova geração de mulheres de direita na política e suas eleições estiveram muito de perto informadas pelas manifestações de rua de 2013 e pelos grupos, que tiveram grande exposição nas redes sociais nos anos posteriores.

Das 30 deputadas eleitas pela direita em 2018, 10 se reelegeram deputadas federais em 2022 e 2 se tornaram senadoras, Tereza Cristina (PP-DF) e Professora Dorinha (DEM-TO) pelo Tocantins, enquanto Celina Leão (PP-DF) elegeu-se vice-governadora do Distrito Federal. O índice de reeleição feminina na Câmara foi de 33,32%, enquanto esse índice geral na Câmara dos Deputados foi de 57,31%.13 13 Ver em: https://www.camara.leg.br/noticias/911393-com-mais-deputados-reeleitos-e-menos-novatos-renovacao-da-camara-sera-de-39/. Isso indica que parte das eleitas em 2018 teve suas eleições muito associadas à conjuntura da época, que possibilitou a entrada no parlamento dessas mulheres vindas de fora da vida política partidária.

Após quatro anos de um governo de extrema-direita e da vitória do PT para a presidência da República, 42 mulheres foram eleitas pelos partidos de direita, isto é, quase a metade das mulheres eleitas (46%). Os partidos de extrema-direita elegeram 20 novas deputadas: o PL, que herdou os políticos do PSL, elegeu 14 deputadas, às quais se somaram 6 outras do Republicanos, do PSD e do Podemos. A primeira observação a fazer desses números é que, apesar da derrota de Bolsonaro, há um campo de uma direita dos novos partidos se construindo com bastante solidez.

Comparando a trajetória das novas mulheres eleitas pelos partidos da extrema-direita e da direita tradicional em 2022, elas compartilham uma característica comum da quase absoluta maioria de deputadas eleitas de todos os matizes ideológicos: todas cursaram ensino superior, o que não é um dado novo. Em relação à raça, 7 delas se autodeclararam pardas ou pretas, uma indígena e todas as demais, brancas.14 14 Houve um aumento significativo de candidatos à Câmara de Deputados de homens e mulheres que se declararam negros ou pardos. Isso ocorreu muito em decorrência da decisão do TSE em 2020 sobre a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e tempo de rádio e TV para candidatos negros proporcionais ao seu número nas listas de cada partido. Tais decisões foram inseridas nas Resoluções do TSE n° 23.605/2019 e n° 23 610/2019. Também foi decisivo para o maior número de pessoas pretas a Emenda Constitucional n° 111 28/09/2021, a qual determina que: Para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030. As que se declaram pardas ou pretas foram Laura Carneiro (PSD-RJ), Nely Aquino (PODE-OG), Amanda Gentil (PP-MA), Meire Serafim (UNIÃO-AC). Cristiane Lopes (UNIÃO-RO), (UNIÃO-CE), Silvia Cristina (PL-RO).

Entre as profissões, há um número menor de advogadas em relação a 2018: seis são advogadas ou bacharéis em Direito. Enquanto isso, oito são publicitárias ou jornalistas – observando aqui a presença do jornalismo televisivo –, quatro são empresárias ou administradoras e duas pertencem às forças militares – a indígena Silvia Waiãpi (PL-AM), tenente do Exército, e a Coronel Fernanda (PL-MT), policial militar. Há ainda deputadas assistentes sociais, médicas, engenheiras e donas de casa.

As novas deputadas eleitas por partidos identificados como de extrema-direita apresentam duas características diferenciadas em relação às deputadas eleitas pelo PSL em 2018: cinco delas se identificam como pentecostais. A deputada Rogéria Santos (REPUBLICANOS-MG), jornalista e apresentadora de TV, tem uma história exemplar: aos 21 anos, entrou para a Igreja Universal, onde conheceu seu marido hoje bispo da mesma igreja; foi missionária em Moçambique por cinco anos e por nove anos em Angola; voltou ao Brasil e trabalhou como agente da igreja junto ao sistema prisional, sendo então convidada pelo partido Republicanos para se candidatar a vereadora, eleita em 2016; em 2021, foi consagrada missionária da Igreja Universal e, segundo seu próprio site, “recebendo a missão de se candidatar à deputada federal”.15 15 Ver em: http://rogeriasantos.com.br/biografia/. Também pentecostal é a deputada Amália Barros (PL-MT), que devido a sérios problemas de saúde, perdeu um olho e um rim, escreveu um livro sobre sua condição e passou a lutar pela inclusão de deficientes; apoiadora de Jair Bolsonaro, dizia-se afilhada política de Michelle Bolsonaro. Sua página da Wikipédia afirma: “se candidatando à deputada federal e ganhando notoriedade por conta do apoio da então Primeira-Dama: Michelle Bolsonaro, aonde conseguiu se eleger atingindo a votação de 70.294 votos”.16 16 Ver em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Amália_Barros. Ainda se declararam pentecostais Silvia Waiãpi (PL-AM), Antônia Lúcia (REPUBLICANOS-AC), Francine Bayer (REPUBLICANOS-RS).

Outra novidade entre essas mulheres eleitas pela primeira vez por partidos de extrema-direita em 2022 é o fato de quatro delas pertencerem a famílias políticas: duas são esposas de deputados, Antônia Lúcia (REPUBLICANOS-AC) e Detinha (PL-MA); Roberta Roma é esposa de ministro do governo Bolsonaro; Daniela Reinehr (SC-PL), uma deputada com uma relação especialmente significativa, tem larga atuação política em Santa Catarina, cujo pai não é um político de carreira, mas um ativista político, o livreiro Althair Reinehr, muito conhecido por suas ideias negacionistas sobre o holocausto judeu.

Há uma diferença fundamental entre as mulheres eleitas pela primeira vez por partidos de extrema-direita em 2018 e as eleitas em 2022. Enquanto aquelas chegaram à política, em grande número, pelos movimentos sociais de direita que se espalharam pelo país a partir de 2013, estas vieram de dentro da política. Entre essas, apenas Roberta Roma, esposa do Ministro João Roma, Sonize Barboza (PL-MP) e Amalia Barros (PL-MT) não tiveram ou concorreram a cargos políticos ou estiveram em cargos nos executivos estaduais e municipais anteriormente. Delegada Katarina (PSD-SE) foi vice-prefeita de Aracaju (SE); Rogéria Santos (REPUBLICANOS-BA) foi vereadora e secretária municipal em Salvador (BA); Nely Aquino (PODE-MG) também foi vereadora em Belo Horizonte (MG); Detinha (PL-MA) foi prefeita do município Centro do Guilherme, secretária municipal e deputada estadual no Maranhão; Rosângela Reis (PL-MG) foi vereadora em Ipatinga (MG) e deputada estadual em Minas Gerais; Soraya Santos foi prefeita de Niterói, deputado estadual Daniela Reinehr foi vice-governadora de Santa Catarina; Francine Bayer (REPUBLICANOS-RS) também foi deputada estadual no Rio Grande do Sul; Coronel Fernanda (PL-MT) foi candidata derrotada ao Senado, enquanto Julia Zanatta (PL-SC) e Antônia Lúcia (REPUBLICANOS-AC) foram derrotadas à prefeitura. Silvia Cristina, mesmo sem mandato, foi membro ativo do partido desde 1995 e Silvia Waiãpi teve cargo de confiança em ministério do governo de Jair Bolsonaro.

Quanto às candidatas da direita tradicional, um número bastante significativo delas se elegeram se compararmos com 2018. Foram 12 mulheres eleitas pelo PP e pelo UNIÃO. Em 2018, representavam 20% da bancada de mulheres da direita, em 2022, 31,41%. Entre elas, apenas Silvye Alves (UNIÃO-GO) não pertencia a famílias políticas, incluindo aí autoridades pentecostais.17 17 Devido à estreita relação entre as mais importantes denominações pentecostais no Brasil com o mundo político, principalmente do espectro da direita e extrema-direita, o pertencimento a famílias de dirigentes e prelados dessas igrejas tornou-se um capital político tal qual o das pessoas pertencentes às tradicionais famílias de políticos. Das que tinham familiares políticos: 5 eram filhas e 6 esposas.

Tomando o conjunto das deputadas eleitas pela direita, vale notar que das 42 deputadas – as novas mais as reeleitas –, 7 foram as mais votadas em seus respectivos estados: Socorro Neri (PP-AC), Bia Kicis (PL-DF), Silvye Alves (UNIÃO-GO), Detinha (PL-MA), Caroline de Toni (PL-SC), Daniela do Waguinho (UNIÃO-RJ) e Socorro Neri (PP-AC). Em segundo lugar, como as mais votadas em seus estados, ficaram Meire Serafim (UNIÃO-AC), Clarissa Tércio (PP-PE), Silvia Cristina (PL-RO) e Carla Zambelli (PL-SP).18 18 Ver em: https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-eleicao-resultados/painéis-de-resultados?session=203512106587010. Portanto, é possível afirmar que há forte tendência da presença de mulheres com sucesso na carreira política em um grupo muito conservador que comunga de uma ideologia que vai na contramão das pautas feministas clássicas.

A comparação entre as deputadas do espectro da direita eleitas em 2022 com as deputadas eleitas em 2018 indica distinções significativas. Em 2018, o aumento do número de mulheres do espectro de direita na Câmara dos Deputados esteve bastante associado à crescente organização de grupos de direita derivados das manifestações de 2013 e da campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2015-2016. Esses grupos, que estavam nas ruas em manifestações, funcionavam primordialmente através de redes sociais, espaços privilegiados para mulheres que se colocavam como antipolíticas, atacavam a corrupção, associavam-se à popularidade da Operação Lava-Jato e do então juiz Sergio Moro. Algumas dessas deputadas se tornaram muito populares defendendo causas antifeministas, como o Estatuto de Nascituro e a criminalização de aborto, mas também incorporando uma das questões mais centrais à vida das mulheres: a violência. A defesa de medidas para barrar a violência contra as mulheres foi, de certa forma, sequestrada pelas mulheres de direita, porque podem defendê-la desassociando-a da cultura patriarcal ou da política armamentista do governo ao qual pertenciam. A deputada Carla Zambelli, uma dessas defensoras, perseguiu com uma arma na mão um homem que a havia ofendido em pleno centro da cidade de São Paulo.19 19 “A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro (PL), usou uma pistola de calibre 9mm para ameaçar o jornalista negro Luan Araújo, 32, após uma discussão em São Paulo. O calibre 9mm, antes de Bolsonaro, era restrito às Forças Armadas e determinados setores policiais por sua potência, mas foi liberado pelo presidente da República por meio de decreto no ano de 2019” (Martins; Adorno, 2022).

Essa nova configuração observada em 2022 tem matizes interessantes. Primeiro porque não parece que essa segunda leva de mulheres eleitas passaram pelos movimentos da sociedade civil como caminho para suas vidas políticas, mesmo que possam deles ter participado. Eram na maioria pessoas com experiência política, militantes de partidos de direita que se aproximaram do governo. Os movimentos ultraconservadores, inclusive de feitio fascista, continuam existindo nas redes sociais, mas não produziram novas candidatas. Foi 2018 um momento de excepcionalidade? É muito cedo para responder a essa pergunta. Porém, comparando-se os resultados, observa-se que a direita feminina não vem mais das ruas, mas de partidos onde se constituíram como políticas. Essas mulheres acompanharam a caminhada em direção ao extremismo de vastos setores da direita brasileira. Nesse sentido, as leis que favorecem os partidos para eleger mulheres possivelmente foram um fator importante na eleição dessas deputadas.

AS MULHERES DE ESQUERDA SE ELEGEM

O conjunto das mulheres de partidos de esquerda eleitas em 2018 difere de forma bastante acentuada das eleitas pelos partidos de direita e extrema-direita nas mesmas eleições. As trajetórias das eleitas pela esquerda obedecem, de forma semelhante, às trajetórias estudadas de deputados homens (Borges; Sanches Filho, 2016; Leoni; Pereira; Rennó, 2003). Das 27 mulheres eleitas em 2018, 55% eram deputadas reeleitas, percentual maior do geral da Câmara naquelas eleições: 52,63%.20 20 Ver em: https://www.camara.leg.br/noticias/545896-camara-tem-243-deputados-novos-e-renovacao-de-473/.

Mantém-se também o padrão geral entre os parlamentares, especialmente as mulheres parlamentares, de serem majoritariamente brancos: das 27 deputadas, 6 se autodeclaram pretas e 1 indígena. Quanto ao nível de escolaridade, representam, como toda a Câmara dos Deputados, uma elite: 25 delas com curso superior completo e 2 incompleto. Se compararmos com os dados de 2018 da direita, em que havia duas mulheres com o ensino médio e eram pastoras, na esquerda uma das deputadas eleitas com ensino superior incompleto também é pastora: ela foi eleita pelo PSB e, durante o mandato, aproximou-se do bolsonarismo e mudou de partido, filiando-se ao PL. Não é razoável afirmar que a única forma de mulheres não intelectualizadas entrarem na política seja através da igreja, levando-se em consideração o caso dessas três pentecostais, mas deve-se pontuar que esse é um caminho possível para que pessoas de extração social popular cheguem à política.

Quanto à profissão, há maior diversidade profissional. Das 27 deputadas eleitas, destacam-se 4 advogadas, 4 professoras, 3 bancárias, havendo engenheira, bibliotecária, servidora pública, economista, entre outras.

Mas o que mais chama a atenção nesse grupo de mulheres de esquerda, eleitas e reeleitas deputadas federais em 2018, é que a grande maioria pertence ao campo político tanto por sua iniciação na militância política, como pelos cargos anteriores que ocuparam em seus respectivos estados. Das 27 eleitas, 11 tiveram liderança em centros acadêmicos, diretórios centrais de estudantes, órgãos de classe e sindicatos ou movimentos sociais e populares. E 22 delas tiveram cargos políticos anteriores, algumas mais de um: 9 foram deputadas estaduais, 2 senadoras, 15 vereadoras e 3 prefeitas,21 21 Ver em: https://www.camara.leg.br/deputados/quem-sao. além de terem concorrido a diversos cargos sem vitória e terem sido secretárias municipais e estaduais em governos de seus partidos.

Essas trajetórias revelam uma tendência importante na participação política das mulheres, concentrada no espectro da esquerda, que é a profissionalização das mulheres na política, as quais chegam à Câmara dos Deputados após percorrer um caminho na carreira como vereadoras, deputadas federais, prefeitas e mesmo secretárias de estado. Tomando, pois, as mulheres eleitas no campo da esquerda em 2018, não é possível verificar nenhum padrão novo de construir vida política associado ao fato de serem mulheres. São militantes desde jovens, que seguem o mesmo perfil dos homens que chegam à política por partidos de esquerda ou centro-esquerda.

Comparando o engajamento político anterior a 2018 das deputadas da esquerda com as deputadas eleitas pela direita ou extrema-direita, percebem-se trajetórias distintas entre os dois grupos. Entre as de direita ou extrema-direita, há um contingente expressivo de mulheres que não tinham qualquer experiência na política institucional e que chegaram à Câmara dos Deputados com campanhas que demonizavam o sistema político e se colocavam como “a novidade” a partir de movimentos de rua de 2013 e das campanhas contra a ex-presidente Dilma Rousseff nos anos subsequentes.

Em 2022, os partidos de esquerda elegeram 34 deputadas: 18 delas em primeira legislatura e 16 reeleitas, ou seja, quase 50% da bancada é de reeleitas, índice bem mais alto do que das deputadas de direita, observado anteriormente. Entre as novatas, apenas duas deputadas não têm curso superior completo, Erika Hilton (PSOL-SP) e Jaqueline Rocha (PT-ES). O alto nível educacional é uma característica que esse grupo divide com todas as outras deputadas eleitas e que nos aponta para uma questão central, pouco discutida nas análises sobre o parlamento, que é o pertencimento de classe. As profissões continuam variadas, não havendo nenhuma que se destaque: há professoras, enfermeira, arquiteta e nenhuma advogada, profissão muito presente entre candidatas e deputadas vitoriosas como foi visto em relação às eleições de 2018. Possivelmente apenas Adriana Acorsi (PT-GO), que é delegada, seja bacharel em Direito.

Apesar de em pequeno número, essas novas deputadas da esquerda e centro-esquerda que chegaram à Câmara em 2022 apresentam novidades significativas. A primeira delas é a autodeclaração de raça: sete brancas, cinco negras, três indígenas e duas pardas. E, pela primeira vez na Câmara dos Deputados, duas mulheres trans foram eleitas: Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP) – ambas haviam sido vereadoras nas capitais de seus estados. Por sua vez, Daiana Santos (PCdoB-RS) é assumidamente lésbica.

De forma diametralmente oposta, também aparecem duas deputadas eleitas dentro de padrões tradicionais: Ivoneide Caetano (PT-BA), que é esposa de Luiz Caetano, prefeito de Camaçari (BA) por três mandatos, deputado federal e estadual; e Ana Paula Lima (PT-SC), que é casada com o deputado federal Décio Lima.

Mas há outro tipo de pertencimento familiar, raro nas trajetórias dos deputados em geral e das mulheres em particular, que é o caso de Juliana Cardoso (PT-SP), moradora da periferia da capital que seguiu a trajetória dos pais como militantes de movimentos populares, das Comunidades Eclesiais de Base e da Pastoral da Juventude.

Essas novas deputadas do campo da esquerda ao lado da militância tradicional desse espectro apresentam uma característica bastante nova: elas se apresentam como militantes de movimentos sociais, alguns pouco populares entre os partidos e até entre os eleitores. Além de Juliana Cardoso, Sonia Guajajara (PSOL-SP) é uma líder do movimento indígena, tendo inclusive reconhecimento na Organização das Nações Unidas (ONU) onde atuou no Conselho dos Direitos Humanos, enquanto Duda Salabert e Erika Hilton militam em movimentos pelos direitos de transexuais. Duda foi a idealizadora da organização não governamental (ONG) Tranvest e Erika foi considerada pela BBC uma das 100 mulheres mais inspiradoras do mundo.22 22 Ver em: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-75af095e-21f7-41b0-9c5fa96a5e0615c1. A maioria das outras deputadas, com exceção das duas esposas de políticos, têm militância no movimento negro e feminista. Também foram mulheres que tiveram carreiras políticas anteriores, como vereadoras e algumas como deputadas estaduais.

CONCLUSÃO

Cabe, à guisa de conclusão, retomar as questões que guiaram os argumentos desenvolvidos neste artigo para chegarmos à questão que a ele dá título. Em primeiro lugar há de se observar o avanço das deputadas de direita e de extrema-direita em relação às deputadas de esquerda nas eleições de 2018 e 2022. Como vimos, o fato já se registrava em 2014, mas se acentuou, mesmo que nas últimas eleições em pauta, a esquerda tenha ganhado as eleições presidenciais.

Em termos gerais, há diferenças bastante acentuadas entre as deputadas eleitas pelos dois espectros políticos examinados, assim como no interior de cada grupo percebe-se que houve características distintas nas trajetórias das candidatas de uma eleição para a outra.

Antes de pontuarmos as distinções, é mister observar uma característica comum entre todas as eleitas, que inclusive dividem com seus colegas homens. Mais de 90% das deputadas têm ensino superior completo, enquanto, no Brasil, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para 2021 indicam que apenas 20% da população adulta concluíram a universidade.23 23 Ver em: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/3197152b-en.pdf?expires=1671650417&id=id&accname=guest&checksum=782D406D9B977BB546E87D8B9A4F1FDE. Essa não é uma característica que diferencia as mulheres dos homens deputados federais, pois, entre eles, esse índice também é alto: na legislatura 2019-2023, 80% dos deputados tem ensino superior completo.24 24 Ver em: https://www.camara.leg.br/noticias/545865-80-dos-deputados-eleitos-tem-ensino-superior-completo/. Como educação e classe social são duas variáveis que caminham juntas em nosso país, talvez não se esteja longe da verdade afirmar que a principal clivagem entre quem está dentro do parlamento e quem está fora seja a classe social. O Brasil tem um parlamento de homens e mulheres de classe média para cima, com raras exceções.

Fora essa característica comum, a mais forte distinção entre os grupos é o fato candidatas de extrema-direita que se elegeram 2018 não terem experiência política partidária anterior em comparação com a condição das candidatas da esquerda, que chegaram à Câmara, após um período de militância partidária, que inclusive envolve em número significativo vitórias eleitorais no nível estadual e municipal. O que houve com as eleitas pela extrema-direita em 2018 certamente foi um senso de oportunidade dos partidos em buscar essas lideranças nos movimentos de rua e em novas organizações da sociedade que criminalizam a política e se colocam como antissistema a partir de posições conservadoras.

De 2018 para 2022, há transformações significativas no espectro da direita: como observamos, se elegem muitas mulheres com experiência política anterior, aumenta significativamente o número de mulheres dos partidos tradicionais e o familismo cresce entre as eleitas. As mulheres da extrema-direita, que se elegeram pela primeira vez em 2018, quando se reelegeram estavam dentro de estruturas partidárias, estando algumas entre as mais votadas em seus estados. Em síntese, as mulheres de direita, principalmente as de extrema-direita, se profissionalizaram como políticas.

Quanto às mulheres da esquerda, as eleitas em 2018 seguem a trajetória tradicional dos políticos de esquerda, com militância partidária e carreiras que obedecem a uma hierarquia, com vitórias eleitorais anteriores a chegada ao nível federal. A novidade se apresenta em 2022, mesmo havendo um número relativamente pequeno de eleitas em primeiro mandato: pela primeira vez, há vozes feministas, antirracistas, anti-homofóbicas, representadas por mulheres negras, indígenas, trans e lésbica. São poucas, mas é uma configuração muito importante de ser anotada, pois as mulheres de esquerda na Câmara dos Deputados, mesmo podendo ser feministas, nunca se firmaram como vozes feministas na política, mesmo que tenham em muitas oportunidades defendido projetos de interesses das mulheres e das lutas feministas. Em síntese, o movimento feminista em geral, movimento das mulheres negras, indígenas e trans realmente colocaram um pé dentro da Câmara dos Deputados em 2022, pela primeira vez, com visibilidade.

Estamos diante, pois, de um fenômeno significativo ao observarmos essas duas eleições para a Câmara dos Deputados. Da sociedade civil, vieram as mulheres mais conservadoras em 2018 e as mais progressistas em 2022. Uma novidade importante é a presença em 2022 de candidatas vitoriosas no espectro da extrema-direita com trajetória política anterior. Muitas chegaram à Câmara com passado de vereadoras ou com outros cargos políticos, apontando para maior institucionalização desse espectro político.

Tomando esse conjunto de mulheres eleitas nas duas eleições, como responder a questão se mais mulheres na política aumenta a presença de questões no parlamento da agenda feminista dos direitos das mulheres?

As mulheres eleitas pela direita, quando se colocam radicalmente contra o aborto, contra o que chamam ideologia de gênero, defendendo a família heterossexual, se opõem à educação sexual, o que seriam pautas do interesse das mulheres. Entretanto, não se pode afirmar que elas não tenham ideias sobre o que é defender as mulheres ou que não tenham uma perspectiva feminina como lugar de fala, quando, por exemplo, foram muito vocais nas questões referentes à violência sofrida pelas mulheres. Há uma luta comum entre todas as mulheres no parlamento e isso não é um fato sem importância, mesmo que as formas de luta sejam distintas e mesmo o reconhecimento do que é violência possa variar entre os dois polos ideológicos em pauta. O tema circula mais se houver mais mulheres, e não podemos pensar a representação das mulheres a partir de pressupostos do movimento feminista do que é o correto ou do que é o desejado.

Essas mulheres da direita representam um segmento bastante significativo de mulheres brasileiras não feministas, que sempre viram o movimento feminista como radical e que nega o papel pensado por elas como natural da mulher.

Enfim, por que elas se elegeram deputadas federais? Porque como mulheres de direita preocupadas em defender valores tradicionais da família ou como mulheres de esquerda com história política partidária, engajadas em lutas por direitos das mulheres, encontraram respaldo nos eleitores e eleitoras. Particularmente importante é o crescimento das deputadas de direita e de extrema-direita não ligadas a famílias políticas. Poder-se-ia argumentar que esse crescimento veio na esteira do aumento do voto de direita no país nas últimas duas eleições, o que certamente teve peso nas eleições das deputadas conservadoras. Mas, de outra sorte, historicamente não se verifica no espectro político de direita a promoção de mulheres na política. Como foi visto neste artigo, as mulheres eleitas pela direita vieram em 2018 dos movimentos de rua de 2013 e das manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015/2016. O fenômeno novo, pois, é esse grupo de mulheres conservadoras que se politizam, nas ruas e nas redes sociais, e tornam-se grandes agregadoras de votos para os partidos de direita e extrema-direita, que deram lastro a candidatura Bolsonaro nas duas eleições. Mesmo em 2022, quando o presidente não se reelege, algumas dessas mulheres são as deputadas federais mais votadas em seus estados.

A presença das mulheres conservadoras como vitoriosas e campeãs de voto nas eleições pode ser pensada como um efeito colateral das lutas feministas, que conquistaram legitimidade para as mulheres se expressarem no espaço público, mesmo que, paradoxalmente, defendendo pautas muitas vezes antifeministas.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Em 1997, a Lei no 9.504 traz as cotas de gênero designando que haja 30% de candidatas mulheres nas listas eleitorais (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 135, n. 189, p. 21801-21809, 1 out. 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 9 fev. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
    ). Em 2021, a Emenda Constitucional (EC) no 111 determina que votos em mulheres e pessoas negras devem ser contados em dobro para fim de cálculo do fundo eleitoral nas eleições de 2022 até 2030 (Brasil, 2021BRASIL. Emenda Constitucional no 111, de 28 de setembro de 2021. Altera a Constituição Federal para disciplinar a realização de consultas populares concomitantes às eleições municipais, dispor sobre o instituto da fidelidade partidária, alterar a data de posse de Governadores e do Presidente da República e estabelecer regras transitórias para distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e para o funcionamento dos partidos políticos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 159, n. 185, p. 1-2, 29 set. 2021. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/2021/emendaconstitucional-111-28-setembro-2021-791789-norma-pl.html. Acesso em: 9 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/eme...
    ). Em 2022, a EC no 117 estabelece percentuais mínimos de recursos do fundo partidário para as campanhas das mulheres (Brasil, 2022BRASIL. Emenda Constitucional n o 117, de 5 de abril de 2022. Altera o art. 17 da Constituição Federal para impor aos partidos políticos a aplicação de recursos do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres, bem como a aplicação de recursos desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% (trinta por cento) para candidaturas femininas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 160, n. 66, p. 1, 6 abr. 2022. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/35647460. Acesso em: 9 fev. 2023.
    https://legis.senado.leg.br/norma/356474...
    ).
  • 2
    Em dezembro de 2022, o ranking do Inter-Parlamentarian Union - IPU (2022) indicava o Brasil em 129º lugar entre 187 países avaliados quanto à presença de mulheres nos parlamentos. Na América Sul, o Brasil fica à frente apenas do Paraguai, que ocupa o 131º lugar.
  • 3
    Ver Araújo (2001ARAÚJO, C. Potencialidades e limites da política de cotas no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 231-252, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/V75SLT5r9DFZgHYJkfKqGXg/. Acesso em: 15 de jan. 2023.
    https://www.scielo.br/j/ref/a/V75SLT5r9D...
    , 2009ARAÚJO, C. Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 2, p. 23-59, 2009. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1604. Acesso em: 15 jan. 2023.
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    , 2012ARAÚJO, C. Cidadania democrática e inserção política das mulheres. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 9, p. 147-168, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zYnTjQt7LXDkLXNsqNtKNJQ/?format=pdf⟨=pt. Acesso em:15 jan. 2023.
    https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/zYnTjQt...
    ), inclusive fazendo uma análise comparativa com a Argentina (Araújo, 2010ARAÚJO, C. Rotas de ingresso, trajetórias e acesso das mulheres ao legislativo: um estudo comparado entre Brasil e Argentina. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 567-584, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/ychSjwCc8kB556HHVbHyVMQ/abstract/?lang=pt. Acesso em: 15 de jan. 2023.
    https://www.scielo.br/j/ref/a/ychSjwCc8k...
    ), e os estudos de Marques (2010)MARQUES, D. Gênero e carreira política: o que diferencia deputadas e deputados federais em suas trajetórias?. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE CIENCIA POLÍTICA, 5., 2010, Buenos Aires. Anais [...]. Buenos Aires: Asociación Latinoamericana de Ciencia Política, 2010. p. 11-26. Disponível em: https://cdsa.aacademica.org/000-036/324.pdf. Acesso em: 23 jul. 2017.
    https://cdsa.aacademica.org/000-036/324....
    e de Miguel e Biroli (2010)MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 3, p. 653-679, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/VXvt64f7BzmgKcvxdmQR8Zr/abstract/?lang=pt. Acesso em: 23 jan.2023
    https://www.scielo.br/j/ref/a/VXvt64f7Bz...
    .
  • 4
    No ano de 2022, havia três partidos no Brasil dirigidos por mulheres: o PT – Gleisi Hoffmann –, o PODEMOS – Renata Abreu – e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – Luciana Santos.
  • 5
    Em 1998, João Paulo II, em sua Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, fala dos novos direitos das mulheres, mas também da preocupação com sua masculinização e seu comprometimento com a virgindade e a maternidade. O conservadorismo católico – que não se inaugura com esse documento, pois é secular – resguarda sua importância no seu caráter de contra-ofensiva oficial do Vaticano aos avanços na discussão dos direitos das mulheres e dos direitos reprodutivos a partir da IV Conferência Mundial das Mulheres da ONU em 1995.
  • 6
  • 7
    O UNIÃO BRASIL surgiu em 2022 da junção do DEM com o PSL. O DEM era um típico partido de direita e o PSL, praticamente inexistente antes de acolher a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República em 2018, tornou-se a maior bancada na Câmara dos Deputados. Entretanto, brigas internas fizeram o então presidente romper com o partido, filiar-se ao PL e levar consigo boa parte dos deputados do PSL, que teve de se juntar ao também decadente DEM, para que seu grupo político pudesse sobreviver.
  • 8
    Em anexo, estão listadas 133 deputadas, inclusive as eleitas pelos partidos do centro que não estão sendo examinadas neste artigo. Trinta mulheres se elegeram pelos partidos de centro, principalmente, Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
  • 9
    Os dados biográficos da Wikipédia são em grande maioria cópias dos dados oficiais da Câmara dos Deputados e do TSE. Quando encontramos novos dados sobre uma candidata, fomos às fontes apontadas na própria Wikipédia, em jornais da região e material de propaganda.
  • 10
  • 11
    Projetos de Lei (PL) visando proteger as mulheres contra a violência: PL no 11/19 e PL no 4.284/21, ambos de Joice Hasselmann; Soraya Manato apresentou três, PL no 5.678/19, PL no 63/20 e PL no 3.112/01; Dayane Pimentel apresentou dois, PL no 3.223/20 e PL no 3.666/21. Sobre a questão do aborto, Chris Tonietto monopoliza os PLs individuais, tendo apresentado cinco deles, todos para restringir o direto ao aborto, PL 546/09, PL no 4.148/09, PL no 2.893/19, PL no 1979/20 e PL no 1945/20. Podem ser acessados no site da câmara: https://www.camara.leg.br/busca.
  • 12
    O primeiro projeto sobre o Estatuto do Nascituro – que modifica os direitos assegurados à mulher, como o aborto legal –, desde 1940, é o PL 478/2007 de autoria dos deputados Luis Bassuma do PT-BA e Miguel Martini do Partido Humanista da Solidariedade (PHS-MG). Em 2018, é apensado a este um novo PL, o PL nº 11.148, de autoria do deputado Gilberto Nascimento do Partido Social Cristão (PSC-SP), que novamente dispõe sobre o estatuto nos mesmos termos. Em 2021, um novo projeto sobre o tema, o PL nº 434/2021, de autoria da deputada Chis Tonietto, é apensado ao anterior.
  • 13
  • 14
    Houve um aumento significativo de candidatos à Câmara de Deputados de homens e mulheres que se declararam negros ou pardos. Isso ocorreu muito em decorrência da decisão do TSE em 2020 sobre a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e tempo de rádio e TV para candidatos negros proporcionais ao seu número nas listas de cada partido. Tais decisões foram inseridas nas Resoluções do TSE n° 23.605/2019 e n° 23 610/2019. Também foi decisivo para o maior número de pessoas pretas a Emenda Constitucional n° 111 28/09/2021, a qual determina que: Para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030.
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  • 16
  • 17
    Devido à estreita relação entre as mais importantes denominações pentecostais no Brasil com o mundo político, principalmente do espectro da direita e extrema-direita, o pertencimento a famílias de dirigentes e prelados dessas igrejas tornou-se um capital político tal qual o das pessoas pertencentes às tradicionais famílias de políticos.
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  • 19
    “A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro (PL), usou uma pistola de calibre 9mm para ameaçar o jornalista negro Luan Araújo, 32, após uma discussão em São Paulo. O calibre 9mm, antes de Bolsonaro, era restrito às Forças Armadas e determinados setores policiais por sua potência, mas foi liberado pelo presidente da República por meio de decreto no ano de 2019” (Martins; Adorno, 2022MARTINS, L.; ADORNO, L. Zambelli ameaçou homem com arma de calibre liberado no governo Bolsonaro. UOL, São Paulo, 30 out. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/30/carla-zambelli-arma-calibre-sao-paulo.htm. Acesso em: 16 fev. 2023.
    https://noticias.uol.com.br/eleicoes/202...
    ).
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2023
  • Aceito
    27 Nov 2023
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