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USOS DE UMA CIDADE DA LIBERDADE: estudantes africanos em Redenção

USES OF A CITY OF LIBERTY: african students in the city of Redenção

LES USAGES D’UNE VILLE DE LA LIBERTE : des étudiants africains à Redenção

Resumos

Este trabalho analisa a presença de estudantes estrangeiros na cidade de Redenção, Ceará, Brasil. Seu objetivo é compreender as ressignificações que guineenses produzem do espaço urbano. O estudo busca dialogar com as pesquisas sobre a atual diáspora africana no Brasil. Nesses estudos, sobressaem ênfases nas identidades nacionais recriadas por sujeitos deslocados. Observa-se, porém, uma subvalorização dos condicionantes espaciais ao se interpretar a localização desses sujeitos na “terra do outro”. Argumenta-se, neste artigo, que os usos estrangeiros ocorrem no momento em que Redenção presencia o florescimento de um imaginário de cidade da liberdade, por se tratar do primeiro núcleo urbano a libertar os escravizados em fins do século XIX. Após a instalação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira em 2010, o novo marco espacial dessa topografia da liberdade, a cidade passou a se apropriar de símbolos que compõem um mosaico de temporalidades históricas contrastantes.

Estrangeiros; Linguagem urbana; Imaginário social; Diásporas contemporâneas; Espaço urbano


This study analyzes the presence of foreigner students in the city of Redenção, state of Ceará, Brazil. The objective of this study is to understand the resignifications that Guineans produce of the urban space. This study aims to dialogue with researches made about the ongoing African diaspora in Brazil. In these studies, the emphasis in national identities recreated by dislocated individuals is highlighted. However, it is observed an under valorization of the spatial conditions when interpreting the location of these individuals in the “land of the other”. We argue that the foreign uses occur at a moment when Redenção experiments the growth of an imaginary of a city of liberty because it was the first urban nucleus to free slaves at the end of the nineteenth century. After the installation of the University for International Integration of the Afro-Brazilian Lusophony in 2010, the new spatial milestone of this topography of liberty, the city began to appropriate symbols that compound a mosaic of contrasting historical temporalities.

Foreigners; Urban language; Social Imaginary; Contemporary diasporas; Urban space


Ce travail consiste en l’analyse de la présence d’étudiants étrangers dans la ville de Redenção située dans l’état du Ceara au Brésil. L’objectif de la recherche est de comprendre les resignifications de l’espace urbain produites par les Guinéens. Cette étude essaie d’établir un dialogue avec les recherches concernant l’actuelle diaspora africaine au Brésil dans lesquelles ressortent les identités nationales recrééespar des sujets déplacés. On observe cependant une sous-valorisation des éléments conditionnants spaciaux lorsqu’on interprète la localisation de ces sujets sur le “territoire de l’autre”.L’argumentation est que les usages étrangers se passent au moment où Redenção assiste à l’apparition d’un imaginaire de ville de la liberté étant donné qu’il s’agit du premier noyau urbain qui a libéré les esclaves à la fin du dix-neuvième siècle. Après l’installation de l’Université pour l’Intégration Internationale de la Lusophonie Afro-brésilienne en 2010, nouveau repère spatial de cette topographie de la liberté, la ville s’est appropriée de symboles qui composent une mosaïque de temporalités historiques et de contrastes.

Etrangers; Langage urbain; Imaginaire social; Diasporas contemporaines; Espace urbain


Muitas vezes o olhar desenraizado do estrangeiro tem a possibilidade de perceber as diferenças que o olhar domesticado não percebe, interiorizado e demasiadamente habituado, pelo excesso de familiaridade. E são justamente as diferenças que constituem um extraordinário instrumento de informação, pois estas, uma vez selecionadas, articuladas e registradas segundo um método explícito, podem contribuir para desenhar um novo tipo de mapa, com o qual se possa descrever e compreender a metrópole (Canevacci, 2004CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação. 2 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004., p. 17).

A unificação de proximidade e distância envolvida em toda relação humana organiza-se, no fenômeno do estrangeiro, de um modo que pode ser formulado da maneira mais sucinta dizendo-se que, nesta relação, a distância significa que ele, que está próximo, está distante; e a condição de estrangeiro significa que ele, que também está distante, na verdade, está próximo, pois ser um estrangeiro é naturalmente uma relação muito positiva: é uma forma específica de interação (Simmel, 1983SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p.182-188. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)., p. 182-183).

INTRODUÇÃO

Abro este artigo citando dois autores que, em épocas distintas, analisaram a figura do estrangeiro e as possibilidades analíticas que esse personagem possui para o estudo das cidades, em particular, das metrópoles. Canevacci (2004)CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação. 2 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004. nos apresenta o estrangeiro desenraizado, que encontra numa cidade como São Paulo o experimento de poder encontrar-se e perder-se permanentemente. É esse o traço que faz dele, estrangeiro. Afinal, ele não pertence totalmente ao lado de cá. Sua qualidade principal reside na capacidade de enxergar as diferenças. Georg Simmel (1983SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p.182-188. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)., p. 182), por seu lado, toma o estrangeiro como o sujeito capaz de articular presença e ausência, proximidade e distância. O estrangeiro é alguém que ainda possui a liberdade de ir e vir e que, para tal, “[...] fixou-se em um grupo espacial particular, ou em um grupo cujos limites são semelhantes aos limites espaciais”.

Cabe perguntar se, nos casos de cidades pequenas, aquelas não classificadas como metrópoles, o estrangeiro ainda encontra as mesmas vantagens assinaladas por Canevacci e Simmel em relação aos nativos. O presente trabalho se propõe abordar a relação entre estrangeiro e cidade tomando para estudo de caso a presença de estudantes guineenses em Redenção, Ceará, Brasil. O objetivo é compreender as ressignificações que os estudantes produzem do espaço urbano. O estudo busca dialogar com as pesquisas sobre a atual diáspora africana no Brasil, especificamente, aquelas que discutem os deslocamentos de estudantes integrantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) a fim de realizar sua formação superior em universidades brasileiras.

As pesquisas sobre o tema apontam ênfases nas identidades nacionais recriadas por sujeitos deslocados. Sem desconsiderar esse foco, observa-se, porém, uma subvalorização dos condicionantes espaciais ao se interpretar a localização desses sujeitos na “terra do outro”. Argumenta-se, neste artigo, que os usos estrangeiros ocorrem no momento em que Redenção presencia o florescimento de um imaginário de cidade da liberdade, por se tratar do primeiro núcleo urbano a libertar os escravizados em fins do século XIX. Após a instalação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) em 2010, como novo marco espacial da topografia da liberdade, a cidade passou a se apropriar de símbolos que compõem um mosaico de temporalidades históricas contrastantes. É possível observar, além de praças e monumentos antigos e edificações novas, uma linguagem urbana que reúne palavras como “liberdade” e “abolição” em estabelecimentos comerciais, denotando certa ressignificação de temas históricos por parte da população local.

Para operacionalizar as ideias expostas, parto de minhas experiências em docência com alunos estrangeiros que obtive ministrando as disciplinas de educação intercultural, introdução à antropologia das cidades, história das ideias políticas e sociais, teoria sociológica e metodologia da pesquisa sociológica no curso de bacharelado em humanidades (BHU) e no curso de licenciatura em sociologia e em conversas diárias, atividades de extensão e eventos, entre os quais, aulas inaugurais, seminários, cursos e mesas-redondas. A escolha dos estudantes africanos e dos guineenses, em particular, deve-se a um fato objetivo: além de existirem em maior número entre os estudantes dos países que compõem os PALOP (Cabo Verde, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe), foi com eles que estabeleci maior contato nas atividades assinaladas durante o tempo em que estive trabalhando na Universidade.1 1 Trabalhei como professor adjunto da Unilab entre abril de 2015 e novembro de 2016. Como instrumento complementar de pesquisa, realizei uma entrevista grupal com cinco estudantes guineenses2 2 A entrevista com cinco estudantes guineenses foi realizada no dia 15 de fevereiro de 2016 no Campus da Liberdade. A escolha da entrevista grupal se deve ao fato de permitir o debate de pontos de vistas, ideias e representações. do curso de BHU, do Instituto de Humanidades e Letras (IHL), com o objetivo de captar representações da cidade de Redenção.

O IMAGINÁRIO SOCIAL DE UMA CIDADE DA LIBERDADE: o caso de redenção

Redenção, no estado do Ceará, fica a 65 km da capital Fortaleza. Encontra-se no Maciço de Baturité, região administrativa do sertão central cearense. Possui, segundo o censo do IBGE de 2010, 26.415 habitantes, divididos em população rural (11.281) e população urbana (15.134). Foi nessa pequena cidade que trabalhei como professor adjunto do IHL, lecionando nos cursos de BHU e sociologia. Em 2015, Redenção realizou as comemorações oficiais de 147 anos de emancipação política do município vizinho, Aracape. Segundo lembra a matéria do Jornal O Estado (“Redenção comemora 147 anos de emancipação política”), de 28 de dezembro de 2015, os festejos tiveram lugar na Praça da Igreja Matriz, quando alguns traços mais associados à cidade foram lembrados:

Na ocasião, o prefeito Manuel Bandeira fez questão de lembrar-se do novo momento vivido pelo povo redencionista e do resgaste de valores e tradições no município. “O nosso principal patrimônio é o povo de Redenção. Estamos trabalhando para devolver a este povo a sua história, os seus costumes, tradições e cultura”, destacou o prefeito. Hoje, a histórica cidade de Redenção, a primeira a libertar os escravos no Brasil, completa 147 anos de emancipação política, um verdadeiro orgulho para todos os redencionistas. A cidade cresceu, deu um salto gigantesco e hoje acolhe diferentes raças, culturas e etnias, através da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), um cartão postal para o Brasil e o mundo.

“Redencionista3 3 O gentílico redencionista, embora se refira normalmente a todos os indivíduos nascidos em Redenção, comporta exceções. Durante as solenidades especiais, são conferidos a medalha da abolição e o título de cidadão redencionista a pessoas ilustres, como autoridades e outras com reconhecido papel na cidade. Em 2010, o ex-presidente Lula foi condecorado com o referido título, por meio da Lei municipal Nº 1375, de 18 de junho do mesmo ano. ”, “cidade histórica” e “cartão postal do Brasil e do mundo” são indícios semânticos do capital simbólico que a cidade acumulou ao longo de sua curta história. Se, por um lado, a dimensão temporal é a via mais divulgada de leitura da cidade, como transparece acima, por outro, o espaço não pode ser menosprezado. Nesse sentido Redenção tanto se assemelha como se diferencia de Zaíra, uma das cidades invisíveis de Ítalo Calvino.4 4 “Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras” (Calvino, 1998, p. 14). Assemelha-se, pois é recorrente a alusão espacial aos fatos históricos que tiveram lugar na cidade, sendo o principal deles a libertação de cerca de 150 escravizados em fins do século XIX, antecipando-se em cinco anos à Lei Áurea. Diferencia-se, uma vez que a cidade não apenas “contém”, mas “conta o seu passado” numa linguagem particular.

Percorrendo a cidade, é fácil constatar a presença do tempo histórico nos espaços, sob a forma de linguagem urbana, em letreiros, outdoors, ruas e edificações, mas também nas conversas cotidianas dos redencionistas, compondo o que Canevacci (2004)CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação. 2 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004. denomina de “cidade polifônica”. É nas construções novas e antigas que essa linguagem ganha mais densidade: Praça da Liberdade, Avenida da Abolição, Museu Senzala Negro Liberto (onde se avista a informação afirmativa “A liberdade aconteceu aqui”, na entrada do Sítio Livramento), Museu Memorial da Liberdade (inaugurado em 28 de dezembro de 1997), Ótica Liberdade, bairro Parque da Liberdade, Supermercado Abolição, Posto Ipiranga Liberdade, Campus da Liberdade, Monumento à Liberdade, sede da TV Liberty (“Redenção, a capital da liberdade”).

Esses espaços compõem o que passo a denominar de topografia da liberdade,5 5 A categoria topografia da liberdade, construída pelo autor do presente artigo, busca aproximar-se da noção de tipo ideal weberiana, no sentido de ferramenta conceitual de ordenação lógica do real. Em 01 de abril de 2011, a Câmara Municipal da cidade criou o “Centro histórico de Redenção”, através da Lei Nº 1.416. Essa delimitação oficial compreende a parte mais antiga da topografia da liberdade e demonstra a preocupação recente da administração municipal com a preservação e invenção do seu passado. Não se deve esquecer que a bandeira de Redenção, que está hasteada em alguns espaços, como a sede da Prefeitura e a Unilab, possui um forte simbolismo: ela traz uma corrente com o elo aberto em referência à libertação dos escravizados. ou seja, o conjunto dos espaços (lojas, praças, monumentos, museus, ruas) que informam a carga simbólica da identidade de Redenção. Conforme Pesavento (1999PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 1999., p. 16),

A arquitetura e o traçado de ruas e praças são, sem dúvida, o registro físico de uma cidade, mas também são um modo de pensar sem linguagem. Portanto, o espaço é sempre portador de um significado, cuja expressão passa por outras formas de comunicação. Ora, a força de uma imagem se mede pelo seu poder de provocar uma reação, uma resposta. É, pois, na capacidade mobilizadora das imagens que se ancora a dimensão simbólica da arquitetura. Um monumento, em si, tem uma materialidade e uma historicidade de produção, sendo possível, portanto, de datação e de classificação. Mas o que interessa a nós, quando pensamos o monumento como um traço de uma cidade, é sua capacidade de evocar sentidos, vivências e valores.

Vagando pelas ruas como o flaneur das galerias de Paris, recordado por Benjamin (2001)BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: FORTUNA, Carlos (Org.). Cidade, cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras-Portugal: Celta Editora, 2001. p. 67-82., um olhar mais atento a esses e outros marcos se revela e uma imagem mais elaborada surge. Logo na entrada de Redenção, na Avenida da Abolição, o monumento A Negra Nua informa ao visitante e reitera ao morador o feito histórico mais lembrado. A mulher, agora livre das correntes que a prendiam, ergue as mãos ao céu como que num gesto de agradecimento pela liberdade obtida. O monumento está situado entre duas edificações que ligam, de modo peculiar, tempo e espaço na cidade: o Museu Senzala Negro Liberto e o Campus da Liberdade da UNILAB, este localizado na antiga sede administrativa da Prefeitura Municipal.

O Museu, construído no Sítio Livramento pela tradicional família Muniz Rodrigues, abrigou o local onde os cativos alcançaram a liberdade pela concessão de cartas de alforria em março de 1883, consagrando, no País, o pioneirismo de Redenção. A edificação é constituída por casa-grande, senzala, canavial, moinho de engenho e pelo antigo maquinário de 1927 para fabricar a cachaça Douradinha, ainda produzida, estando aberta à visitação pública nos dias úteis, entre 8 e 17h. A senzala é formada por um úmido e escuro quarto que servia de dormitório e por um local para castigos, como se pode constatar com a presença de correntes, algemas e gargalheiras. O Museu foi fundado em 2003 e reúne um conjunto colonial original. O casarão abriga móveis antigos do final do século XIX e histórias da época da escravidão. Há, por exemplo, uma antiga peça utilizada para engarrafar a cachaça. É possível visualizar também uma coleção de cédulas da época.

Além do Campus da Liberdade, mais dois foram levantados na região: o Campus dos Palmares, em Acarape, e o Campus das Auroras, em Redenção.6 6 Além de Redenção, a UNILAB está presente também na cidade de São Francisco do Conde (Campus dos Malês), a 67 km de Salvador, Bahia. É considerado o município brasileiro com maior população negra declarada (90%). A Liberdade é o principal “pedaço”7 7 De acordo com Magnani (2008, p. 32), “[...] quando o espaço – ou um segmento dele – [...] torna-se ponto de referência para distinguir determinado grupo de frequentadores como pertencentes a uma rede de relações, recebe o nome de pedaço”. (Magnani, 2008MAGNANI, José Guilherme Cantor. Na metrópole: textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2008.) lusófono dessa topografia da liberdade, pois congrega estudantes brasileiros e aqueles provindos dos países africanos de língua oficial portuguesa, além de técnicos administrativos e professores, entre os quais professores do Congo, Angola, Guiné e Moçambique, esses últimos em menor número quando comparado ao de brasileiros. O português é o idioma adotado nas comunicações oficiais da Universidade, o que não esgota a riqueza fonética presente nesse espaço, já que os estudantes de Guiné Bissau e de Cabo Verde utilizam preferencialmente o crioulo8 8 Segundo Trajano Filho (2014), o crioulo é um tipo de língua que emerge em situações de contato linguístico. O crioulo, portanto, não pode ser reduzido a um mero sincretismo entre elementos das línguas envolvidas, apresentando, na verdade, elementos estruturados e regrados. nas suas interações cotidianas.

Museu, Monumento e Campus, assim, parecem se complementar quanto à informação simbólica que o estrangeiro recebe ao chegar ao local: a de que esta é uma cidade da liberdade. Outros espaços compõem um conjunto de citações históricas e “lugares de memória” (Nora, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares In: Projeto História, São Paulo, dez. 1993.): a Fazenda Gurguri-Senzala, situada a 18 km da sede, que serve hoje de pousada para os poucos turistas que visitam a cidade; um obelisco, na Praça da Liberdade, no Centro, construído em 1933, por ocasião das comemorações dos primeiros cinquenta anos de abolição, que divide com um busto da Princesa Isabel as referências ao seu passado; marca da presença religiosa na cidade, o Monte das Graças, na Serra do Cruzeiro, possui 720 degraus e conduz a um grande crucifixo e à imagem de Nossa Senhora das Graças, como que levando o observador ao céu. Três igrejas mais visíveis espacializam a fé católica dos redencionistas: a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada, a Matriz, concluída em agosto de 1868, em estilo romântico; a Capela de Santa Rita, inaugurada em 29 de dezembro de 1917, em estilo gótico; e a mais nova, a Capela de São Miguel, em estilo eclético, erguida em 1936.

Essa topografia da liberdade tem alimentado imagens que exaltam o passado da cidade, constituindo-se em indícios de um imaginário social urbano peculiar. A origem de Redenção, como de todas as cidades, consagra, assim, um modo de abordar o urbano. Nesse sentido, sigo Pesavento (1999PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 1999., p. 8). Segundo a autora, “[...] entre as muitas possibilidades de acesso ao urbano, optamos por seguir os discursos e imagens que falam de uma cidade, caminho este que lidaria com os imaginários sociais que os homens, ao longo de sua história, puderam construir sobre a cidade.” Trata-se aqui, comparativamente, de um imaginário de relativa curta duração, quando comparado às cidades mais antigas da Europa, África, Ásia e América, detentoras de uma carga histórica de longa duração.

Considerar Redenção sob a ótica do imaginário urbano significa admitir, ainda na esteira aberta por Pesavento (1999PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 1999., p. 8), “[...] que a representação do mundo é, ela também, parte constituinte da realidade, podendo assumir uma força maior para a existência que o real concreto. A representação guia o mundo, através do efeito mágico das palavras”. Essa perspectiva é compartilhada por Depaule e Topalov (2001)DEPAULE, Jean-Charles; TOPOLOV, Christian. A cidade através de suas palavras. In: BRESCIANI, Maria Stella (Org.). Palavras da cidade. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001., para os quais a cidade pode ser captada pelas palavras que a designam e a reelaboram. A realidade comporta muito bem variações na ordem simbólica. Daí a importância do registro das variações semânticas que classificam as cidades. Contudo, o registro simbólico da ordem social comporta diferenças. Quando se compara, por exemplo, o modo como moradores e visitantes de uma cidade podem expressá-la em palavras, é possível “[...] observar as migrações de termos de um grupo de locutores a outro, as mudanças de sentido ou de forma que as acompanham e, assim, a formação e as mudanças da língua comum” (Depaule; Topalov, 2001DEPAULE, Jean-Charles; TOPOLOV, Christian. A cidade através de suas palavras. In: BRESCIANI, Maria Stella (Org.). Palavras da cidade. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001., p. 25).

Essa observação parece se aplicar ao caso de Redenção e à maneira como moradores e estrangeiros a nomeiam como cidade da liberdade. Essa mudança de sentido é refletida nas falas dos estudantes guineenses:

Eu, particularmente, não me considero descendente dos escravos. Eu tenho consciência do marco histórico que passou aqui com meus antepassados, que foram libertos. Eu já ouvi pessoas dizendo que nossos antepassados foram escravizados e agora nós não. Eu me reconheço na história, não com a população local. Existe aqui uma esquizofrenia da população local. Embora você não fale, o corpo fala. Eu não me reconheço nos citadinos daqui. Existe uma esquizofrenia, um desprezo. Quando você chega numa casa: ‘Lá vem o estudante africano’. (Ivanilson Monteiro, estudante guineense do curso de BHU).

O que eu vejo aqui na cidade é o apagamento, a negatividade dessa história passada. Eu nunca vi uma pessoa cearense dizer que é negra. Eu fiquei muito chocada com essa história. Essa é a primeira cidade a abolir a escravidão, mas onde estão os descendentes? Onde estão essas pessoas? Será que não têm lugar na história? (Natividade Beia, estudante guineense do curso de BHU).

Duas questões marcam nossa presença aqui em Redenção: a questão histórica e a cooperação. A questão histórica tem a ver com a chegada dos primeiros indígenas, inclusive aqui na cidade de Redenção. Não podemos conciliar essa história com nossa presença aqui na Universidade. Não tem como conciliar essas questões. Se formos conciliar, vamos chegar à conclusão que todos os africanos são escravos. Nós somos descendentes dos africanos desde que os africanos não sejam escravos. Alguns foram escravizados. (Djibril Cá, estudante guineense do curso de BHU).

Embora as administrações municipais da cidade não tenham investido vultosos recursos materiais no simbolismo difundido em torno de sua história, tal como as políticas de patrimônio ou de gentrification (Leite, 2001LEITE, Rogério Proença de Sousa. Espaço público e política dos lugares: usos do patrimônio cultural na reinvenção contemporânea do Recife Antigo. Campinas-SP: [s.n], 2001.) tem feito em relação às cidades antigas mundo a fora, é possível assinalar a constituição de um imaginário social que se alimenta da palavra liberdade e de suas derivações. Nas menções artísticas, esse imaginário exalta as características apontadas como fundantes para os redencionistas. É assim que sobressai, no forró de 2014, de autoria do cantor local Ribeiro Santos (2015)SANTOS, Ribeiro. Redenção, terra da libertação. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P8xgNYULiyA. Acesso em: 12 jun. 2017.
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intitulado “Redenção, terra da libertação”:

Eu te amo Redenção. Você vai sempre estar no meu coração. É uma cidade histórica. Terra da libertação. Uma terra hospitaleira. Nossa linda Redenção. Redenção é liberdade, como o céu cor de anil. Uma terra abençoada. Está no coração do Brasil. Amigos a gente encontra aqui. Seus filhos, alguns tiveram que partir. Vamos lutar com dedicação por nossa linda Redenção. Redenção abençoada. Redenção nossa pátria amada. Ela é a cidade da libertação.

Durante as comemorações dos 147 anos de emancipação política da cidade, outra homenagem foi realizada na canção composta pelo músico Marquinhos Lima (2015)LIMA, Marquinhos. Redenção. 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zSfH-z4qNiY. Acesso em: 12 jun. 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=zSfH-z4q...
, também morador da cidade.

Como não olhar pra ti e não te enxergar. A história que te cerca, como não lembrar. Conhecida no Brasil, a primeira cidade seus escravos libertar. Redenção é pioneira, pátria redentora. Sua história preservada é libertadora. Acolhe-nos com seu jeito, sua beleza é única. Redenção encantadora. Suas serras são tão belas. Tuas nascentes jorram água que fascinam. Sua terra é tão fértil que dá frutos e alimenta o teu povo. Redenção teu nome é luz. Redenção teu feito é grande. O seu nome é libertação.

No artigo “Redenção, que liberdade é essa?”, do Jornal O Estado, de 17 de março de 2014, de autoria de Luzienne Souza, moradora da cidade, as qualidades positivas são substituídas por sentidos que incorporam outras camadas de significado aos registros semânticos mais conhecidos. A narrativa articula e tensiona significados em disputa em torno da imagem legítima da cidade que se quer veicular. Além da carga histórica mais comum, são evocados problemas sociais identificados pela autora como comprometedores de sua imagem de cidade da liberdade. Concorda que a cidade “ficou conhecida como cidade da liberdade”. No passado, “liberdade da escravidão, mas também liberdade de cidadãos e cidadãs”. Já no presente,

[...] liberdade de vândalos pichando o patrimônio histórico, o monumento Portal da Liberdade, cartão de visitas na entrada da cidade. Liberdade de assaltantes ao comércio local, a moradores de sítios, a cidadãos que trafegam pelas estradas para o trabalho em seus veículos, de pais de famílias com seus filhos a caminho da escola. Liberdade de um povo que grita por socorro [...] Redenção é uma cidade bonita, com senzala, museus, igrejas, lindas cachoeiras, pousada, com uma rica história e locais a serem explorados por turistas, por estudantes e precisa de uma atenção maior das autoridades, principalmente porque a população não é formada somente por filhos naturais de Redenção. Temos estudantes de várias cidades do Ceará e de diversos países frequentando a UNILAB, professores e alunos que residem na cidade ou que se deslocam da capital ou de outras cidades do interior diariamente, correndo risco de assalto dentro dos ônibus intermunicipais, transporte alternativo e até mesmo nos transportes da própria universidade [...]. No passado, Redenção e o Ceará passaram a fazer parte da história por um ato corajoso, que encheu o coração de seus filhos de orgulho e de amor. Por que não acreditar, por que não fazer acontecer nos dias atuais uma mudança na história do país, sendo os primeiros da emancipação da violência, da insegurança, da impunidade, na redução da criminalidade? (Souza, 2014SOUZA, Luzienne. Redenção, que liberdade é essa? O Estado, Fortaleza, 17 mar. 2014. Cotidiano, p.2-2.).

A moradora recorda ainda que essa não é apenas uma cidade de redencionistas, mas também de estrangeiros. E, entre os estrangeiros, predomina a diversidade. Cabe, então, perguntar como esses sujeitos representam a cidade e como eles são representados. Uma cidade que viveu a primeira diáspora africana na condição de local de escravidão e que tem nesse fato sua “utopia urbana” (Freitag, 2002FREITAG, Barbara. A cidade dos homens. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.), como reorganiza a narrativa de cidade da liberdade para incorporar, no discurso, a segunda diáspora, aquela que se configura na vinda de estudantes africanos em busca de realizar seus projetos pessoais e de seus países de origem?

ESTUDANTES AFRICANOS EM REDENÇÃO: dinâmicas de (in)visibilidade

O imaginário de cidade da liberdade que se pode associar a Redenção alimenta-se, como todo imaginário social, da história para reinterpretar o presente, projetando visões de futuro, num processo constante e indefinido. Com a instalação da Unilab em 2010UNILAB. Diretrizes Gerais. Brasília, 2010. e início de suas atividades letivas em 25 de maio de 2011, Dia de África, uma nova etapa desse imaginário passou a ser produzida tendo por base a diáspora africana de estudantes que têm chegado à cidade. São jovens, em sua maioria, entre 18 e 25 anos, vindos dos PALOP. O objetivo deles é compor os novos quadros profissionais e intelectuais de seus países com a posse do diploma em nível superior, possível com as novas parcerias intensificadas a partir dos governos do ex-presidente Lula, no âmbito do que se passou a chamar “cooperação solidária”.9 9 Nas Diretrizes (2010, p. 6) da Universidade é dito que “[...] a instalação da UNILAB na cidade de Redenção, marco nacional por seu pioneirismo na libertação de escravos, não representa apenas o das metas do REUNI em seu objetivo de promover o desenvolvimento de regiões ainda carentes de instituições de educação superior no país. Ela aponta também para um encontro da nacionalidade brasileira com sua história, à medida que terá por foco tornar-se um centro de pesquisa e formação de jovens brasileiros em interação com estudantes de países onde também se fala a língua portuguesa”.

Atualmente (maio de 2016), são 2.666 estudantes matriculados em cursos presenciais, distribuídos da seguinte maneira pelas nacionalidades: Brasil: 1.949; Angola: 51; Cabo Verde: 77; Guiné-Bissau: 438; Moçambique: 20; São Tomé e Príncipe: 62 e Timor Leste: 69. Na Unilab, diferentemente de outras instituições de ensino superior que não possuem, em suas diretrizes gerais, as exigências legais e educacionais de cooperações e acordos diplomáticos, a presença de estrangeiros obedece ao Decreto Nº 7.948, de 12 de março de 2013, que dispõe sobre o Programa de Estudante-Convênio de Graduação, o PEC-G. Os assim designados “estudantes estrangeiros” ou “estudantes-convênio” fazem parte dos acordos bilaterais de cooperação educacional internacional, preferencialmente com os países ditos em desenvolvimento.

Vir para o Brasil significa, para esses estudantes, incrementar o capital cultural (Bourdieu, 2013BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. 14 ed. Rio de Janeiro: Petrópolis-RJ: Vozes, 2013.) por meio de uma formação de ensino superior em universidades brasileiras. Porém, antes de chegar ao Brasil e, em particular, a Redenção, algumas imagens são compartilhadas. Nas representações, Cidade e País parecem desencontrados:

Muitos de nós pensávamos que ia chegar aqui e encontrar um outro Brasil, aqui em Redenção. Alguns colegas quando chegaram aqui pensaram em voltar. Alguns começaram a chorar. Eu vim pra cá pra estudar, não pra ter uma vida de luxo (Jorgimar Manuel, estudante guineense do curso de BHU).

Eu já tinha uma noção sobre a cidade de Redenção. Eu tinha algumas informações, mas eu fiquei decepcionada. Porque é um lugar histórico, mas nunca vi nenhum descendente de ex-escravos. A história diz que aqui foi o primeiro lugar em que foi abolida a escravidão. Mas eu nunca vi, mesmo na Universidade, um negro cearense criado em Redenção (Natividade Maria Beia, estudante guineense do curso de BHU).

Antes de chegar ao Brasil, eu já tinha uma imaginação sobre o país. Eu sabia que o nível cultural que o Brasil tem podia oferecer uma formação melhor, em termos de estudo. Já tinha me informado que fazendo sociologia no Brasil seria uma vantagem. Eu sou do interior de Guiné. Para qualquer lugar que eu vá para estudar estarei tranquilo. Eu vim atrás de uma vantagem. Aqui na UNILAB eu encontrei uma maior integração, que é diferente de outras universidades. Depois que cheguei aqui em Redenção encontrei algumas dificuldades, mas com o tempo comecei a me acostumar. (Djibril Cá, estudante guineense do curso de BHU).

Após a formação no Brasil, está previsto o retorno ao país de origem, como determina o Decreto. Durante o período em que os estudantes permanecem em Redenção, o que pode durar de dois a cinco anos,10 10 O tempo de permanência dos estrangeiros em Redenção varia segundo o curso e o instituto a que o estudante está vinculado. No IHL, por exemplo, onde se encontram os estudantes com os quais mantive contato permanente, o curso de BHU dura dois anos. Após esse período, os estudantes têm a possibilidade de seguir seus estudos de graduação através da realização de uma das terminalidades, cursos superiores com duração de três anos: licenciatura em sociologia, licenciatura em pedagogia, bacharelado em antropologia e em história. que mudanças de usos e de representação a presença estrangeira tem provocado sobre a cidade de Redenção? Como os usos estrangeiros se apropriam da topografia da liberdade, composta, como foi visto, pelos antigos e novos espaços urbanos? Uma chave metodológica está na dinâmica de (in)visibilidade que caracteriza a presença estrangeira na cidade.

Nos estudos produzidos no Brasil (Abrantes, 2014ABRANTES, Suzana. O ensino superior em Redenção (CE), Brasil: comentários sobre um arquivo pessoal. In: O Público e O privado. Uece, Fortaleza, ano 12, n.23, p. 135-144, jan./jun. 2014.; Gomes; Vieira, 2013GOMES, Nilma Lino; VIEIRA, Sofia Lerche. Construindo uma ponte Brasil-África: a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia LusoAfrobrasileira (UNILAB). Rev. Lusófona de Educação, Lisboa, n. 24, 2013.; Gusmão, 2014GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Intelectuais negros: migração e formação entre conflitos e tensões. In: O Público e O privado. Uece, Fortaleza, ano 12, n.23, p. 39-54, jan./jun. 2014., 2011GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. “Na terra do outro”: presença e invisibilidade de estudantes africanos no Brasil, hoje. In: Dimensões, [S.l], v. 26, p. 191-204, 2011.; Heleno, 2014HELENO, Maurício Gurjão Bezerra. O lugar da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) na política externa do governo Lula (2003-2010). In: O Público e O privado. Uece, Fortaleza, ano 12, n.23, p. 109-128, jan./jun. 2014.; Langa, 2014LANGA, Ercílio Neves. Diáspora africana no Ceará: representações sobre as festas e as interações afetivo-sexuais de estudantes africano(a)s em Fortaleza. In: Revista Lusófona de Estudos Culturais, Portugal, v. 2, n.1, p. 102-122, 2014.; Mourão, 2009MOURÃO, Danielle Ellery. Identidades em trânsito: África ‘na Pasajen’: identidades e nacionalidades Guineenses e Cabo-verdianas. Campinas: Arte Escrita, 2009.; Mungoi, 2012MUNGOI, Dulce Maria. Ressignificando identidades: um estudo antropológico sobre experiências migratórias dos estudantes africanos no Brasil. In: Revista Intern. Mob. Hum. Brasília, ano XX, n. 38, p. 125-139, jan./jun. 2012.; Silva; Morais, 2012SILVA, Kelly; MORAIS, Sara Santos. Tendências e tensões de estudantes dos Palop em duas universidades brasileiras. In: Pro-Posições, Campinas, v. 23, n.1, p. 163-182, jan./abr. 2012.; Trajano Filho, 2014TRAJANO FILHO, Wilson. Estudos africanos: as experiências com a interdisciplinaridade. In: O Público e O privado. Uece, Fortaleza, ano 12, n.23, p. 21-38, jan./jun. 2014.; por exemplo) sobre a presença de estudantes estrangeiros que compõem os PALOP, é comum surgirem expressões tais como: “terra do outro”, “terra estrangeira”, “lado de cá”, “fora de lugar”, “terra alheia”, “desterritorializados”, “globo” etc. Esses termos não podem ser encarados de maneira despretensiosa sob o risco de se constituírem em categorias vazias de densidade sociológica: eles podem deixar de fora ações e elementos espaciais fundamentais a partir dos quais os usos estrangeiros reorganizam suas vidas num país como o Brasil.

No caso de Redenção, antes da vinda dos estudantes estrangeiros, o espaço urbano já possuía camadas de significados alimentadas por uma primeira diáspora africana e por suas ressignificações posteriores, como a primeira delas produzida em 1933, quando se construiu o obelisco na Praça da Liberdade, por ocasião dos cinquenta anos de abolição. Para o estudante guineense Djibril Cá:

Segundo a história essa é uma cidade da liberdade. Foi a primeira a libertar os escravos. Mas, considerando a situação interna dessa Universidade, uma instituição que faz parte de uma cidade denominada cidade da liberdade, não é bem assim. Quando eu cheguei aqui eu esperava muito dessa cidade devido ao próprio nome que ela tem. Eu queria ter uma liberdade que, de fato, nós pudéssemos ter. Na verdade, essa liberdade tem que ser mais vivida mesmo. Não só ser uma liberdade histórica. E na segunda etapa dessa liberdade histórica? Devemos contribuir com essa liberdade. Nós, os técnicos e servidores. Porque estamos aqui para reconhecer aquela dita liberdade. Não podemos contrariar a realidade. Eu não me reconheço nessa liberdade. Ela não existe aqui. Os moradores, o Governo Federal tem que mostrar essa liberdade. Você não pode andar sozinho. Você é vítima. São coisas que não contribuem para a liberdade de nós (Djibril Cá, estudante guineense do curso de BHU).

A cidade espacializa sua identidade em ruas, praças, edificações e monumentos, denotando uma memória oficial. Uma memória que lembra e narra um modo de dizer e a maneira esperada de ser lembrada e que não comporta ambiguidades, pois se pretende definidora da identidade redencionista. Mas, assim como os moradores da Ercília, de Calvino (1998CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 72), os redencionistas parecem se utilizar dos mesmos artifícios: para criar ligações entre suas vidas, estendem fios de diferentes cores para expressar as várias relações sociais que se desenrolam na cidade. Com a chegada dos estudantes estrangeiros, outros fios de outras cores foram estendidos e novas tramas surgiram em Redenção.

Diferentemente de grandes cidades, são visíveis as transformações ocasionadas pela chegada dos estudantes africanos. De um lado, há o incremento do comércio local, já que o dinheiro das bolsas de assistência estudantil é gasto com produtos de primeira necessidade; inflação do mercado imobiliário; surgimento ou expansão de lojas; novas construções para moradia; abertura de bares e pequenos restaurantes de comida self service; crescimento da infraestrutura da UNILAB. De outro, a visibilidade que possuem é maior que em outras cidades brasileiras: por se tratar de um pequeno núcleo urbano no interior do Ceará, ver estudantes caminhando ao longo do dia, deslocando-se de casa até a Universidade, tomando a condução para realizar pequenos deslocamentos entre os campi e a residência é a regra. Nessa cidade, não é a invisibilidade que marca a presença estrangeira, mas a visibilidade.

É certo que alguns fatores têm provocado uma dinâmica difícil de ser captada pelo olhar menos atento. Em virtude do aumento do número de casos de violência, como furtos e assaltos a mão armada, os estudantes africanos têm reduzido suas sociabilidades nos horários que consideram mais perigosos, como o período noturno, tornando-se menos visíveis. São comuns relatos de estudantes que sofreram algum tipo de violência e tiveram seus pertences levados, como celulares, lap tops, carteiras, relógios e outros bens. Além disso, denúncias de racismo envolvendo redencionistas e estrangeiros têm sido relatadas de modo mais frequente pelos estudantes.

Usos estrangeiros da Cidade da Liberdade

Devido ao porte pequeno da cidade, o Campus da Liberdade se torna o principal “pedaço” africano. Em conversas informais com os estudantes, ouvi, por diversas vezes, que a Liberdade é o espaço preferido. As razões apontadas são muitas: é lá onde as várias nacionalidades se encontram, o que possibilita uma reconstrução e invenção de uma africanidade. Eles relatam que não sentem a necessidade de formular esse tipo de imagem em seus países de origem, o que só surge após a chegada ao Brasil, constituindo uma forma de apresentar-se perante o outro; outras sociabilidades são forjadas segundo a filiação étnica. É frequente encontrar estudantes balantas, a maior etnia de Guiné Bissau, dialogando em crioulo ou em sua língua étnica; no Campus, eles podem reviver suas formas de pertencimento com menores constrangimentos, utilizando-se de roupas e adereços típicos de suas sociedades tradicionais, longe dos olhares intimidadores dos redencionistas.

No Campus, as identidades africanas se manifestam de diversas maneiras: nos cânticos e danças tradicionais, por ocasião dos festejos e comemorações do Dia de África ou quando são celebradas as independências nacionais da ex-metrópole Portugal. Fora dessas datas, é comum encontrar atividades desenvolvidas por professores e técnicos administrativos envolvendo oficinas e projetos de extensão na Universidade ou em locais abertos na cidade. Sobressaem eventos em que se discute Estado e sociedade nos países lusófonos; identidades africanas em diáspora; nação e estado-nação; lutas de libertação e usos do cabelo crespo e do corpo como marcadores de identidades; além de atividades que buscam produzir conhecimento sobre o continente africano, como ocorre com o Seminário de Sociologia Africana.

Como foi dito na abertura deste artigo, a via aberta por Simmel (1983SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p.182-188. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)., p. 182), segundo a qual o estrangeiro é quem ainda possui a liberdade de ir e vir e que “[...] fixou-se em um grupo espacial particular, ou em um grupo cujos limites são semelhantes aos limites espaciais [...]”, pode agora ser mais bem explorada. Pode-se, então, perguntar como essa liberdade se inscreve na topografia da liberdade? Como liberdade e “limites espaciais” são conciliados? Que “táticas” são criadas para transformar “lugares” em “espaços praticados”? Como essa liberdade ressignifica uma cidade que comunica uma imagem alimentada de uma memória cujos fatos e acontecimentos tiveram origem numa primeira diáspora africana? Para efeito de organização dos usos estrangeiros da topografia da liberdade, classifico-os da seguinte maneira: usos recreativos, usos artísticos, usos educacionais e usos políticos. Não custa lembrar que, na realidade empírica, esses usos encontram-se misturados, sendo essa tipologia apenas uma possibilidade, dentre outras, de ordenação do real e de acentuação de traços recorrentes observados.

No que se refere aos usos recreativos, é comum avistar estudantes estrangeiros praticando futebol em campos da região ou realizando atividades físicas, como caminhadas pela Avenida da Abolição, no horário matinal e no período da tarde, quando a temperatura é mais amena. As caminhadas se aproximam do que Certeau (2003)CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 9 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003. denomina de “práticas do espaço”. Os “usos ocasionais” recreativos dos estrangeiros revelam dimensões importantes das apropriações de Redenção. Além da Avenida, a Praça da Liberdade e uma academia de musculação localizada no Campus da Liberdade parecem se conjugar na comunicação desse tipo de uso. Há uma peculiaridade de gênero e de origem nessa modalidade de uso: a presença maior de homens de Guiné Bissau e Cabo Verde.

Além das atividades físicas, as “festas africanas”, como as denominam os redencionistas, acontecem em casas de estudantes africanos anfitriões. A musicalidade africana e a presença das nacionalidades se misturam ao mesmo tempo em que se diferenciam, denotando um modo particular de viver a cidade. A denominação de “festa africana” não é totalmente compartilhada pelos estudantes estrangeiros, como me revelaram alunos de São Tomé e Príncipe, de Guiné e Angola. Há situações que ocorrem durante as festas que têm coagido os estudantes a criarem “táticas” que permitam que elas continuem a ocorrer, como a mudança do local de realização. Por diversas ocasiões, as festas são interrompidas devido às denúncias anônimas de que elas estariam perturbando a paz e o sossego. As batidas policiais são comuns, o que pode ocasionar a interrupção parcial da festa e alguns bate-bocas ou sua paralisação total.

Os usos recreativos reúnem outros tipos de apropriação da topografia. É o que se pode constatar quando se observa a realização coletiva de danças entre as várias nacionalidades em praças abertas. Ao menos uma vez por mês, na Praça do Obelisco, realiza-se o “kizomba em Redenção”, dança típica de Angola que possibilita aos casais dançarem colado, o que gera olhares até certo ponto incriminadores dos nativos, carregados de julgamento moral, já que a dança é rica em sensualidade. Essas “táticas” não tão silenciosas, já que ocorrem em local aberto e ao som das músicas africanas, se combinam com outras atividades e eventos menos perceptíveis aos julgamentos dos redencionistas. Nas moradias alugadas pelos estudantes, como na Pousada das Maracanãs, é fácil observar estudantes guineenses reunidos ouvindo músicas, ora brasileiras, ora tradicionais do seu país de origem, revelando uma sonoridade ímpar daquele espaço.

Já os usos artísticos imprimem cores, formas e estilos que jogam com a disciplina urbana de Redenção. A apropriação artística dos muros do Campus da Liberdade é feita para marcar uma zona africana: pichações artísticas demarcam frases, feições e expressões de uma africanidade imaginada. Essa “comunidade imaginada” (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.) se alimenta de alusões à África e aos traços que acreditam estar relacionados com o ser africano. Referências ao continente, às nacionalidades e à diversidade linguística surgem como variáveis simbólicas dos usos estrangeiros da topografia da liberdade. Nas datas de comemoração das independências, por exemplo, apresentações artísticas ocorrem no pátio principal do Campus. Predomina a diversidade rítmica e linguística, as cores, os modos de sentir-se guineense, cabo-verdiano, são-tomeense, angolano, moçambicano.

Em 2014, um grupo de estudantes africanos participou de oficinas de hip hop na Unilab, vindo depois a integrar atividades de extensão desenvolvidas pela Pró-Reitoria de Extensão como atividade permanente. Em 2015, o primeiro CD foi lançado, fruto das músicas produzidas pelos próprios estudantes. O A.Se.FrontÁfrica Sem Fronteira (2015)AFRICA SEM FRONTEIRA. Não diga não vale à pena. Brasília: Hijo Melo, 2015. 1 Cd. é o nome do grupo de rap formado por oito estudantes africanos, cujos membros são de Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe.

Fiel ao gênero musical, o grupo trata, em suas letras, da crítica social e da cidadania, além da questão das diferenças sociais, da integração, do preconceito e das experiências de deslocamento e diáspora. O grupo passou a se apresentar em atividades organizadas pela Universidade e em eventos realizados nas cidades do Maciço de Baturité. Com a visibilidade, o grupo já ultrapassou os limites da Unilab e da região, tendo sido convidado para shows de abertura dos Racionais, em Fortaleza, além de apresentações em todo o Estado do Ceará.

O álbum “Não Diga Não Vale a Pena” possui nove músicas. Algumas letras são exemplares das questões abordadas pelos estudantes. Na canção “Quem somos nós”, história e presença na “terra do outro” são discutidas em passagens como “Quem somos nós, não convém dizer agora/Olha pra nossa história”. No rap “Liberdade, igualdade e fraternidade”, é dito: “liberdade, igualdade e fraternidade / Foi assim que nós sonhamos desde a antiguidade / Humilhados, maltratados e escravizados / Nós sonhamos com um mundo sem crueldade / Quero ser livre, independente / Quero ver o sol brilhar como toda gente”. Já na música “Integração”, a solidariedade emerge como uma característica da lusofonia: “Somos todos irmãos / Vamos fazer integração / Não importa raça ou cor / Como nação somos irmãos de coração / Não importa se tu és de Timor ou Guiné / Angola, Moçambique, Cabo Verde ou São Tomé / Se falo português e o outro é brasileiro / A integração é o que nos une”. (África Sem Fronteira, 2015AFRICA SEM FRONTEIRA. Não diga não vale à pena. Brasília: Hijo Melo, 2015. 1 Cd.).

Quanto aos usos educacionais, o Campus da Liberdade é o lócus principal, mas não o único. No Campus, salas de aula, corredores, biblioteca, restaurante universitário,11 11 No restaurante universitário, é comum observar os estudantes do BHU debatendo questões e teorias vistas em sala de aula. Considera-se esse um “uso ocasional” (Certeau, 2003) educacional de um espaço reservado a outro uso. Nesse espaço, a diversidade cultural se manifesta, entre outras coisas, nos diferentes pratos servidos nas refeições. Em algumas situações, são ofertados pratos típicos dos países africanos, tais como: o caldo de mancarra e o arroz pintado, de Guiné, e a catchupa, de Cabo Verde. pátios, auditórios, dependências dos departamentos encarregados de matrículas e outras atividades educacionais, sala dos professores e reitoria são espaços que comunicam ordem e disciplina, saber e poder (Foucault, 2004FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004.). Em sala de aula, a presença estrangeira emerge, por exemplo, no uso particular da língua portuguesa: os usos de São Tomé e Cabo Verde possui fonética mais próxima do português de Portugal; os de Guiné, Angola e Moçambique, combinam fonéticas das línguas oficiais, étnicas e maternas. Juntamente com o português regionais de alunos e professores brasileiros, uma polifonia ecoa. Ainda em sala de aula, temas, fatos e acontecimentos históricos relacionados às sociedades africanas são reinterpretados à luz das diásporas passadas e presentes.

Os usos educacionais se estendem às escolas da rede pública municipal de Redenção e do Maciço de Baturité, quando os alunos africanos realizam atividades de extensão ou são convidados para dar palestras sobre seus países de origem e de suas culturas para alunos do ensino fundamental. É nessas situações de ir e vir local em que os estudantes são confrontados com o preconceito e os estereótipos em relação à cor da pele,12 12 Sobre a existência de casos de racismo contra os estudantes africanos em Redenção Cf. matéria do Jornal O Povo, “Na terra da liberdade, africanos lutam pela tolerância”, de 25 de março de 2015. ao cabelo, às vestimentas, além da desinformação sobre a diversidade cultural do continente africano. Por outro lado, alguns estudantes estrangeiros me revelaram que essa é a melhor oportunidade para combatê-los, uma vez que os estereótipos e preconceitos passam a ser mais reproduzidos por crianças em passagem para a adolescência.

Por fim, os usos políticos compreendem aqueles que comunicam dissenso por parte dos estrangeiros em relação à organização sociopolítica da cidade. Em fevereiro de 2015, cerca de cinquenta estudantes brasileiros e africanos do BHU ocuparam as dependências da Reitoria, no Campus da Liberdade, em forma de protesto contra mudanças nas regras de distribuição do auxílio estudantil. Na ocasião, o grupo de alunos reivindicou a reposição dos auxílios (moradia, instalação, transporte e alimentação) do Programa de Assistência ao Estudante (PAES), que recebe recursos do programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), do Ministério da Educação (MEC). Após negociações, os estudantes deixaram as instalações. A Bolsa Permanência permite aos estrangeiros que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica realizarem gastos com materiais didáticos e complementar o ônus com moradia e alimentação. Todos os alunos contatados por mim recebem alguma ajuda de seus parentes, que remetem quantias em dinheiro aos estudantes no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, propus-me a discutir os usos da cidade de Redenção. Atualmente, a cidade vê emergir uma nova etapa de um imaginário de cidade da liberdade. Esse imaginário compreende imagens e representações simbólicas que exaltam o pioneirismo histórico desse núcleo urbano do interior do estado do Ceará como o primeiro a libertar os escravizados em fins do século XIX. Esse simbolismo está presente por antigos e novos espaços espalhados pela cidade, constituindo o que denominei de topografia da liberdade. Entre os espaços antigos, praças, monumentos, ruas, edificações e objetos dão materialidade às imagens históricas mais compartilhadas pelos redencionistas. Do lado dos novos espaços, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira é o marco da fase atual que reinscreve o imaginário urbano local.

A instalação da Unilab, em 2010, possibilitou a vinda de estudantes africanos que compõem os PALOP, gerando novos usos da topografia. Esses usos foram tipificados como: usos recreativos, usos artísticos, usos educacionais e usos políticos. Essas apropriações se aproximam do que Certeau (2003)CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 9 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003. denomina de “táticas”, um modo particular de usar a ordem imposta, que, no caso de Redenção, se alimenta de camadas de significados que rememoram uma primeira diáspora africana. A diáspora atual, que traz estudantes estrangeiros a fim de realizar a formação em ensino superior em cidades brasileiras, tem produzido outras camadas sobre esse imaginário, que se manifestam em espaços, palavras e ações.

O modo como redencionistas e estrangeiros incorporam a nova diáspora no discurso de cidade da liberdade, reelaborando-a, revela ambiguidades e tensões acerca dos sentidos que a palavra liberdade assume para uns e outros. Para os primeiros, os novos africanos são descendentes dos escravos, beneficiários das vantagens que a cidade pode oferecer. A liberdade que possuem está inscrita no simbolismo arquitetônico que a cidade reitera. Para os estrangeiros, não há correspondência entre a atual diáspora e os sentidos de liberdade compartilhados pelos moradores. A liberdade dos estudantes reside na capacidade de ir e vir que a situação estrangeira possibilita, o que gera alterações ocasionais dos usos esperados dos espaços urbanos da topografia da liberdade.

REFERÊNCIAS

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  • UNILAB. Diretrizes Gerais Brasília, 2010.
  • 1
    Trabalhei como professor adjunto da Unilab entre abril de 2015 e novembro de 2016.
  • 2
    A entrevista com cinco estudantes guineenses foi realizada no dia 15 de fevereiro de 2016 no Campus da Liberdade. A escolha da entrevista grupal se deve ao fato de permitir o debate de pontos de vistas, ideias e representações.
  • 3
    O gentílico redencionista, embora se refira normalmente a todos os indivíduos nascidos em Redenção, comporta exceções. Durante as solenidades especiais, são conferidos a medalha da abolição e o título de cidadão redencionista a pessoas ilustres, como autoridades e outras com reconhecido papel na cidade. Em 2010, o ex-presidente Lula foi condecorado com o referido título, por meio da Lei municipal Nº 1375, de 18 de junho do mesmo ano.
  • 4
    “Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras” (Calvino, 1998CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 14).
  • 5
    A categoria topografia da liberdade, construída pelo autor do presente artigo, busca aproximar-se da noção de tipo ideal weberiana, no sentido de ferramenta conceitual de ordenação lógica do real. Em 01 de abril de 2011, a Câmara Municipal da cidade criou o “Centro histórico de Redenção”, através da Lei Nº 1.416. Essa delimitação oficial compreende a parte mais antiga da topografia da liberdade e demonstra a preocupação recente da administração municipal com a preservação e invenção do seu passado. Não se deve esquecer que a bandeira de Redenção, que está hasteada em alguns espaços, como a sede da Prefeitura e a Unilab, possui um forte simbolismo: ela traz uma corrente com o elo aberto em referência à libertação dos escravizados.
  • 6
    Além de Redenção, a UNILAB está presente também na cidade de São Francisco do Conde (Campus dos Malês), a 67 km de Salvador, Bahia. É considerado o município brasileiro com maior população negra declarada (90%).
  • 7
    De acordo com Magnani (2008MAGNANI, José Guilherme Cantor. Na metrópole: textos de antropologia urbana. 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2008., p. 32), “[...] quando o espaço – ou um segmento dele – [...] torna-se ponto de referência para distinguir determinado grupo de frequentadores como pertencentes a uma rede de relações, recebe o nome de pedaço”.
  • 8
    Segundo Trajano Filho (2014)TRAJANO FILHO, Wilson. Estudos africanos: as experiências com a interdisciplinaridade. In: O Público e O privado. Uece, Fortaleza, ano 12, n.23, p. 21-38, jan./jun. 2014., o crioulo é um tipo de língua que emerge em situações de contato linguístico. O crioulo, portanto, não pode ser reduzido a um mero sincretismo entre elementos das línguas envolvidas, apresentando, na verdade, elementos estruturados e regrados.
  • 9
    Nas Diretrizes (2010, p. 6) da Universidade é dito que “[...] a instalação da UNILAB na cidade de Redenção, marco nacional por seu pioneirismo na libertação de escravos, não representa apenas o das metas do REUNI em seu objetivo de promover o desenvolvimento de regiões ainda carentes de instituições de educação superior no país. Ela aponta também para um encontro da nacionalidade brasileira com sua história, à medida que terá por foco tornar-se um centro de pesquisa e formação de jovens brasileiros em interação com estudantes de países onde também se fala a língua portuguesa”.
  • 10
    O tempo de permanência dos estrangeiros em Redenção varia segundo o curso e o instituto a que o estudante está vinculado. No IHL, por exemplo, onde se encontram os estudantes com os quais mantive contato permanente, o curso de BHU dura dois anos. Após esse período, os estudantes têm a possibilidade de seguir seus estudos de graduação através da realização de uma das terminalidades, cursos superiores com duração de três anos: licenciatura em sociologia, licenciatura em pedagogia, bacharelado em antropologia e em história.
  • 11
    No restaurante universitário, é comum observar os estudantes do BHU debatendo questões e teorias vistas em sala de aula. Considera-se esse um “uso ocasional” (Certeau, 2003CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 9 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2003.) educacional de um espaço reservado a outro uso. Nesse espaço, a diversidade cultural se manifesta, entre outras coisas, nos diferentes pratos servidos nas refeições. Em algumas situações, são ofertados pratos típicos dos países africanos, tais como: o caldo de mancarra e o arroz pintado, de Guiné, e a catchupa, de Cabo Verde.
  • 12
    Sobre a existência de casos de racismo contra os estudantes africanos em Redenção Cf. matéria do Jornal O Povo, “Na terra da liberdade, africanos lutam pela tolerância”, de 25 de março de 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
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