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Produção, caracterização e avaliação in vitro de partículas de quitosana e hidroxiapatita para substituição óssea

Development, characterization and in vitro evaluation of chitosan and hydroxyapatite particles for bone replacement

Resumo

Objetivou-se desenvolver, caracterizar e avaliar in vitro biomateriais compósitos de quitosana com hidroxiapatita (CHI/HA) para atuarem como substitutos ósseos. As quitosanas de baixa (L-CHI) e média (M-CHI) massa molecular foram previamente caracterizadas por gravimetria, viscosimetria e espectrofotometria ultravioleta. Os compósitos de CHI/HA foram produzidos por precipitação in situ, seguida de centrifugação (micropartículas) ou spray drying (nanopartículas), e caracterizados por microscopia eletrônica de varredura, espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier e difração de raios X. A citotoxicidade in vitro foi determinada por teste de viabilidade celular. L-CHI e M-CHI apresentaram, respectivamente, 15,7% e 16,4% de umidade, 0,51% e 0,18% de cinzas, 79,5% e 77,7% de grau de desacetilação e 4,18.104 e 17,3.104 de massa molecular média viscosimétrica. Os compósitos exibiram grupos característicos dos materiais de origem e escassa citotoxicidade. Concluiu-se que as técnicas foram eficazes para produção dos biomateriais, com características físico-químicas e biológicas adequadas para utilização nas terapias ósseas.

Palavras-chave:
biomateriais; compósitos; hidroxiapatita; quitosana; nanoestruturas

Abstract

It was aimed to develop, characterize and evaluate in vitro the biomaterial composites of chitosan with hydroxyapatite (CHI/HA) to be applied as bone substitutes. Chitosans of low (L-CHI) and medium (M-CHI) molecular weight were previously characterized by the gravimetry, viscosimetry and ultraviolet spectrophotometry. The composites of CHI/HA were produced by in situ precipitation, followed by centrifugation (microparticles) or spray drying (nanoparticles), and characterized by scanning electron microscopy, Fourier-transform infrared spectroscopy and X-ray diffraction. In vitro cytotoxicity was determined by the cell viability test. The L-CHI and M-CHI presented, respectively, 15.7% and 16.4% of humidity, 0.51% and 0.18% ash, 79.5% and 77.7% deacetylation degree, and 4.18x104 and 17.3x104 mean molecular weight by viscosimetry. The composites exhibited characteristic groups of the source materials and scarce cytotoxicity. It was concluded that the techniques were effective for the production of biomaterials, with adequate physicochemical and biological characteristics for use in bone therapies.

Keywords:
biomaterials; composites; hydroxyapatite; chitosan; nanostructures

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de novos biomateriais tem sido de vital importância para a melhoria da qualidade de vida de indivíduos acometidos por doenças degenerativas, lesões teciduais, dentre outros. Estes biomateriais podem ser qualquer substância, natural ou sintética, que possa ser utilizada de forma temporária ou definitiva, como parte de um sistema que objetiva restaurar ou substituir qualquer tecido, órgão ou função do corpo 11 M. Gutierres, M.A. Lopes, N.S. Hussain, A.T. Cabral, L. Almeida, J.D. Santos, Arq. Med. 19, 4 (2005) 153.. Em meio a diversas classificações, os biomateriais podem ser agrupados como metálicos, cerâmicos, poliméricos ou compósitos (associação de dois ou mais tipos diferentes de materiais). A bioengenharia tecidual visa desenvolver novos biomateriais com alta bioatividade, de modo a promover a adesão e a migração celular, e fornecer fatores bioquímicos para a difusão de nutrientes necessários à célula, além de ter funções mecânicas, e estes processos podem ser avaliados in vitro e in vivo22 M. Vallet-Regi, J.M. González-Calbet, Prog. Solid. State. Chem. 32, 1-2 (2004) 1.. Um dos biomateriais mais utilizados nas aplicações clínicas para substituição óssea e dentária é a hidroxiapatita [HA, Ca10(PO4)6(OH)2], por demonstrar forte biocompatibilidade com células e tecidos, ter capacidade de associação com moléculas, íons e metais, estabilidade no meio biológico, atividade osteocondutora e ser versátil no processamento em diferentes formatos (pó, blocos densos ou porosos, partículas) 33 E.Y. Kawachi, C.A. Bertran, R.R. Reis, O.L. Alves, Quim. Nova 23, 4 (2000) 518.. Entretanto, a HA possui algumas limitações que podem comprometer sua atividade biológica em algumas aplicações, como fragilidade mecânica, alta cristalinidade, baixa taxa de dissolução in vivo e migração das partículas do sítio de implante, o que pode causar danos ao tecido saudável 44 J. Fisher, A. Reddi, in “Topics in tissue engineering”, N. Ashammakhi, P. Ferretti (Eds.), Un. Oulu, Helsink (2003) 1.. Para resolver esta problemática, a HA pode ser incrementada ao ser associada a polímeros naturais ou sintéticos (colágeno, alginato, gelatina e quitosana).

Um polímero natural que têm desempenhado um papel significativo em muitas aplicações de engenharia de tecidos é a quitosana [CHI, (C6H11O4N)n], por ser biodegradável e atóxico. Trata-se de um polissacarídeo amino, obtido por N-desacetilação em uma extensão variável da quitina, e tem a estrutura química primária formada pela repetição de unidades unidas por ligações β (1g4) 2-acetamida-2-deoxi-β-D-glucano (N-acetil-D-glucosamina) e (1g4) 2-amino-2-deoxi-β-D-glucano (D-glucosamina) 55 M.S. Kim, U.W. Jung, S. Kim, J.S. Lee, I.S. Lee, S.H. Choi, J. Periodontal. Implant. Sci. 43, 1 (2013) 18.), (66 C. Peniche, Y. Solís, N. Davidenko, R. García, Biotecnol. Apl. 27, 5 (2010) 202.. A quitina constitui a maior fração dos exoesqueletos de insetos e crustáceos, sendo considerada como o segundo polissacarídeo mais abundante da natureza, ficando atrás apenas da celulose 66 C. Peniche, Y. Solís, N. Davidenko, R. García, Biotecnol. Apl. 27, 5 (2010) 202.. Difere da CHI em relação à proporção de grupos acetamida e amino no polímero, o que resulta em diferentes solubilidades, ou seja, a quitina possui mais de 50% de grupos acetamida (N-acetil D-glucosamina) comparando-se aos grupos amino e é inerte e insolúvel na maioria dos solventes comuns. A CHI possui maior porcentagem de grupos amino (D-glucosamina) em relação aos grupos acetil, o que possibilita que ela seja reativa e solúvel em soluções aquosas de ácidos orgânicos e inorgânicos diluídos 77 K.R. Mohamed, H.H. Beherei, Z.M. El-Rashidy, J. Adv. Res. 5, 2 (2014) 201.. A composição das cadeias da CHI e suas dimensões geralmente variam dependendo do material de origem e do rigor do método de produção, de modo que o grau de desacetilação (DD) e a massa molecular (Mv) são dois parâmetros de conhecimento obrigatório para caracterizar uma amostra desse polissacarídeo. Outras características como polidispersidade de sua massa molecular, teor de umidade, solubilidade e porcentagens de cinzas também são conhecimentos obrigatórios para muitas aplicações 88 J.C.V. Ribeiro, R.S. Vieira, I.M. Melo, V.M.A. Araújo, V. Lima, Sci. World. J. 2017 (2017) 1.. O uso de análises químicas, físicas e ópticas é importante para determinar as características da matéria-prima e se estas foram mantidas durante o processamento do biomaterial.

Os compósitos de hidroxiapatita com quitosana apresentam características interessantes para a reparação do tecido ósseo, tendo em vista que sua composição química é similar ao osso, por isso são frequentemente utilizados como materiais de preenchimento na ortopedia. A quitosana apresenta biodegradabilidade, mucoadesividade, flexibilidade e restringe a migração das partículas para os tecidos circunjacentes, enquanto a hidroxiapatita proporciona estrutura, bioatividade e osteocondutividade 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.. Desta forma as propriedades funcionais dos materiais monofásicos podem ser aproveitadas em conjunto. Portanto, o desafio da pesquisa atual reside em produzir compósitos de biocerâmicas associadas a polímeros com alta taxa de degradação e com características ideais para estimular a neoformação tecidual, propiciar a formação de estruturas semelhantes aos elementos de matriz extracelular, facilitar a mobilização, expansão e integração de populações de células regenerativas e fomentar o reparo de lesões. Estas características estão intimamente relacionadas com o desempenho biológico, como bioatividade, condução e capacidade de dissolução após a implantação in vivo. Além disso, testes qualitativos de citotoxicidade in vitro (observação de mudanças morfológicas das células) e/ou quantitativa (investigação de parâmetros celulares, como morte celular, inibição do crescimento, proliferação celular ou formação de colônias) são necessários para materiais com potencial para aplicações biomédicas. Inúmeras metodologias permitem produzir compósitos de CHI com HA, que variam desde misturas, revestimento, coprecipitação e biomineralização. Recentemente, uma nova rota foi adaptada para a produção destes compósitos. Trata-se de uma abordagem biomimética, que permite controlar a arquitetura e a composição química dos biomateriais 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.. O método consiste na coprecipitação de fosfato dicálcico di-hidratado (DCPD) em solução ácida de CHI, juntamente com aumento gradual do pH do meio de reação pela adição de solução de hidróxido de sódio (NaOH) 1010 Y. Solís, R.G. Carrodeguas, N. Davidenko, C. Peniche, Rev. CENIC Cien. Quím. 39, 1 (2008) 17.), (1111 Y. Solís, N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, J. Cruz, A. Hernandez, M. Tomas, R.E. Cameron, C. Peniche, J. Mater. Sci. 48, 2 (2013) 841.. Esta técnica de biomimetismo in situ também pode simular a temperatura, força iônica e pH dos meios biológicos, o que faz com que os materiais produzidos possuam propriedades semelhantes ao tecido que se deseja recuperar. Outra técnica também adaptada à bioengenharia tecidual para coating de partículas com tamanhos controlados é o spray drying, que é amplamente utilizado na indústria alimentar e farmacêutica por ser de baixo custo, rápida execução e de fácil ampliação. Esta recente técnica utiliza um bico atomizador para gerar milhões de gotículas com elevada área superficial, que são rapidamente secas por um fluxo contracorrente de gás, com temperatura variando de 0 a 120 °C, o que permite a obtenção de um produto em escala micrométrica e nanométrica 1212 T. Wang, Q. Hu, M. Zhou, J. Xue, Y. Luo, Res. Chem. Intermed. 511, 1 (2016) 2165..

Existe grande empenho para aprimorar as propriedades físico-químicas dos biomateriais, como porosidade, densidade, cristalinidade, formato e tamanho das partículas, para que possam atuar como um mecanismo que envia sinais para os tecidos circunvizinhos e recrute células 1313 H.H.K. Xu, M.D. Weir, E.F. Burguera, A.M. Fraser, Biomaterials 27, 24 (2006) 4279.. A área de superfície disponível para reagir com células e fluidos biológicos tem relação com o formato e tamanho do biomaterial; assim, partículas de tamanhos variados ao serem implantadas favorecem a formação de um interstício, uma vez que as partículas menores ocupam os intervalos entre as partículas maiores, o que possibilita a difusão de micronutrientes e fatores de crescimento, migração, proliferação, diferenciação celular e angiogênese 1414 M.P. Ginebra, M. Espanol, E.B. Montufar, R.A. Perez, G. Mestres, Acta Biomater. 6, 8 (2010) 2863.. Os biomateriais nanoestruturados possuem organização estrutural com partículas de tamanhos menores que 100 nm e apresentam propriedades diferentes de materiais em escalas maiores e de partículas agregadas. A HA nanoestruturada desempenha papel significativo nas terapias ósseas, devido às suas propriedades funcionais de alta relação superfície/volume e estrutura semelhante a apatita biológica. Esta semelhança é crucial para as interações células-biomaterial e consequente regeneração 1515 F.M. Klenke, Y. Liu, H. Yuan, E.B. Hunziker, K.A. Siebenrock, W. Hofstetter, J. Biomed. Mater. Res. A 85, 3 (2008) 777.. Apesar dos avanços científicos, ainda são necessários constantes estudos para desenvolvimento de novos biomateriais, com propriedades similares ao tecido lesionado, em vista que ainda não existe um biomaterial que atenda todas as características físico-químicas ideais para aperfeiçoar a regeneração, principalmente de defeitos críticos. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo desenvolver, caracterizar as propriedades físico-químicas e avaliar a citotoxicidade in vitro de biomateriais compósitos de CHI, com baixa e média massa molecular, associada à HA nanoestruturada.

MATERIAL E MÉTODOS

Purificação da quitosana: utilizaram-se duas amostras de CHIs comerciais [(C6H11O4N)n, Aldrich, Reino Unido], que segundo o fabricante possuem baixa (L-CHI, 5-19x104 g/mol) e média (M-CHI, 19-31x104 g/mol) massa molecular, e grau de desacetilação de 75-85%. A CHI foi dissolvida em 2% (m/v) de ácido acético glacial aquoso (CH3COOH, Panreac, Espanha) até obtenção de uma solução homogênea a 0,5% (m/v), depois foi sucessivamente filtrada através de filtros de vidro (diâmetros dos poros: 45 a 5 μm) e membranas porosas (0,8 a 0,45 μm). Deixou-se a solução precipitar por gotejamento em hidróxido de sódio 1 M (NaOH, Sigma Chemical, Alemanha) até pH ~8 e filtrou-se novamente. O sólido foi cuidadosamente lavado com água bidestilada até que nenhuma alteração na condutividade foi detectada, seguida de sucessivas lavagens com concentrações de 70%, 80%, 90% e 100% de etanol (v/v, C2H6O, Sigma Chemical, Alemanha) 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.. Por fim, o polímero purificado foi seco em vácuo a 25-28 °C.

Preparação dos compósitos: os compósitos foram preparados baseando-se num método descrito na literatura com algumas modificações 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.)-(1111 Y. Solís, N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, J. Cruz, A. Hernandez, M. Tomas, R.E. Cameron, C. Peniche, J. Mater. Sci. 48, 2 (2013) 841., e consistiu em uma abordagem biomimética em dois estágios fundamentais: precipitação e hidrólise in situ da fase inorgânica (HA) dentro da matriz polimérica (CHI). A princípio prepararam-se as soluções precursoras de cálcio [acetato de cálcio 5% m/v, Ca(CH3COO)2, BDH, Reino Unido] e de fósforo (di-hidrogenofosfato de sódio 5% m/v, NaH2PO4, Sigma Chemical, Alemanha). Em seguida empregaram-se duas técnicas para a preparação dos compósitos: técnica 1 - centrifugação: preparou-se uma solução de CHI a 3% (m/v) em 1% de ácido acético glacial (m/v) e adicionaram-se 5% (m/v) do sal precursor de fósforo (di-hidrogenofosfato de sódio). Após homogeneização adicionou-se a solução precursora de cálcio e manteve-se sob agitação por 24 h para assegurar uma dispersão homogênea do DCPD (fase precursora da HA) precipitado na solução viscosa de CHI (suspensão CHI/DCPD). Para a produção das partículas com concentração de 20% de CHI e 80% de HA (L-CHI20/HA80 e M-CHI20/HA80), a solução de CHI/DCPD foi centrifugada e o sobrenadante descartado para obtenção do precipitado. Após hidrólise e secagem este precipitado foi macerado com pistilo até obtenção de um material homogêneo; técnica 2 - spray drying: preparou-se uma solução de CHI a 2% (m/v) em 1% de ácido acético glacial (m/v), e adicionaram-se as soluções precursoras de cálcio e de fósforo, mantendo sob agitação constante para precipitação do DCPD na solução de CHI (suspensão CHI/DCPD). Para a produção das partículas com concentração de 50% de CHI e 50% de HA (L-CHI50/HA50 e M-CHI50/HA50), a solução de CHI/DCPD foi pulverizada em um Buchi Mini Spray Dryer B-191 (Flawil, Suíça) com um bico padrão de 0,7 mm. As condições de secagem do pulverizador foram definidas da seguinte forma: taxa de fluxo 32 m3/h, taxa de fluxo de ar comprimido 473 NL/h e temperatura de entrada 160 °C. Após produção, ambas as amostras foram submetidas ao processo de hidrólise, para obtenção da HA a partir do DCPD precipitado na matriz de CHI. Os materiais foram imersos em uma solução saturada de fosfato de sódio 8,8% (m/v) e pH 12 (Na3PO4, Riedel-de Haën, Alemanha), com solução de tripolifosfato de sódio a 1% (m/v, Na5P3O10, Acros Organics, Bélgica), e mantidos em banho-maria a 60 °C por 72 h. Por fim, as amostras foram filtradas e passaram por banhos de água fria (~10 °C) e quente (~60 °C) até a neutralidade do pH e secos em estufa a 50-60 °C. As amostras produzidas passaram por uma malha granulométrica de 425-250 μm, depois foram fracionadas em eppendorfs e esterilizadas por radiação γ com dose de 25 kGy.

Caracterização físico-química das quitosanas: determinou-se o teor de umidade (%H) por gravimetria, onde uma amostra de CHI previamente pesada foi seca em uma estufa (MLW WS100, Coimsa, México) a 105 °C até atingir uma massa constante. O %H foi calculado a partir da diferença entre as massas da amostra úmida original (Wi) e a amostra seca (Wf), conforme:

% H = w i w f w i 100 = w H 2 O w i 100 (A)

onde WH2O é o conteúdo de água. Também por gravimetria, obteve-se o percentual de cinzas (%Cz) ao colocar uma amostra de CHI previamente pesada em cadinhos tarados e levar a um forno tipo mufla H1064 (Termiber, Espanha) pré-aquecido a 900 °C durante 6 h. Os cadinhos foram deixados no forno para resfriar até 200 ºC e depois colocados em dessecadores com um topo ventilado. O teor de cinzas foi calculado conforme:

% C z = w c z w i n 100 (B)

onde WCz é a massa das cinzas e Win é a massa inicial. A média da massa molecular viscosimétrica (Mv) foi calculada a partir da viscosidade intrínseca [η] de soluções de CHI em ácido acético (0,3 M) e acetato de sódio (0,2 M) a 25 ºC. As determinações foram realizadas em triplicata usando um viscosímetro de tipo Ubbelohde e Mv foi calculada utilizando a equação Mark-Houwink-Sakurada 1616 M. Rinaudo, M. Milas, P. Le Dung, Int. J. Biol. Macromol. 15 (1993) 281.:

[ η ] = K M v a (C)

para um sistema CHI (solvente de K=0,076 mL/g e a=0,76). O grau de desacetilação (DD) foi determinado pelo método de primeira derivada por ultravioleta (UV) 1717 R.A.A. Muzzarelli, R. Rocchetti, Carbohydr. Polym. 5 (1985) 461., que é uma medida quantitativa do número de grupos funcionais de amina no polímero. O DD foi calculado a partir de gravações da primeira derivada dos espectros UV de N-acetil glucosamina das amostras de CHI a 202 nm, usando cuvetes de quartzo ultravioleta com comprimento de 1 cm, espectrofotômetro visível a UV Cintra 10e (GBC, Austrália) e o software UV-Spectrum Scan (GBC, Austrália).

Caracterização físico-química dos compósitos: a imagem macroscópica dos compósitos foi registrada por uma câmera digital D3200 (Nikkon, Japão) e a morfologia superficial foi analisada por microscopia eletrônica de varredura (MEV) com microscópio ambiental EVO LS 10 (Carl Zeiss, Alemanha). As amostras secas sem qualquer tratamento prévio foram montadas em um stub de alumínio e fixadas com fita adesiva de carbono e a observação foi realizada em condições de alto vácuo, utilizando um detector de elétrons secundários. A tensão de aceleração (EHT), o tamanho do ponto e as ampliações utilizadas estão especificadas nas micrografias. A análise por espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) foi obtida através da mistura dos compósitos com brometo de potássio (KBr, Sigma Chemical, Alemanha) para formação de discos e os espectros registrados na faixa de 4000 a 400 cm-1 utilizando o espectrômetro Tensor 27 FTIR (Bruker, Alemanha) e o software OPUS Data Collection Program (Bruker, Alemanha). Os espectros foram obtidos com uma resolução de 2 cm-1 e calculados com média de mais de 100 varreduras. O espectro da HA foi determinado a partir de uma amostra produzida anteriormente pelo grupo de pesquisa 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.. Os padrões de difração de raios X (DRX) dos diferentes biomateriais foram obtidos com um difratômetro D5005 (Siemens, Alemanha), com radiação CuKα (λ=1,5406 Å), tensão de 40 kV e corrente de 15 mA. A varredura angular (2θ) foi de 10° a 60° com passo de 2 º/min. Os picos padrões encontrados foram comparados aos disponíveis nos arquivos da JCPDS (nº 46-0905 para HA e nº 39-1894 para CHI). Para o cálculo do índice de cristalinidade (IC) das amostras, utilizaram-se os padrões de DRX, conforme a Eq. D 1818 Y. Sa, Y. Guo, X. Feng, M. Wang, P. Li, Y. Gao, X. Yang, T. Jiang, New J. Chem. 41, 13 (2017) 5723., onde β002 representa a largura à meia altura da reflexão do plano (002):

I C = ( 0.24 / β 002 ) 3 (D)

Ensaios in vitro: o ensaio baseou-se na determinação de células viáveis após a exposição da população de células de ovário de hamster chinês (CHO-k1) a diversas concentrações do extrato (amostra dos biomateriais) 1919 B. Zhang, Y. Hou, X. Wang, Y. Wang, L. Geng, Mater. Sci. Eng. C 31, 8 (2011) 1667.. Realizou-se um monocultivo de CHO-k1 em placa de 150 mm de diâmetro com meio de cultura RPMI 1640 (Gibco, EUA), suplementado com penicilina (100 U/mL), estreptomicina (100 mg/mL), anfotericina B (0,025 mg/mL), glutamina (2 mM) e soro fetal bovino (10%), a 37 ºC em atmosfera de CO2 (5%) por 72 h em estufa incubadora CCL-170B-8 (ESCO, Dinamarca). Para garantir um crescimento celular satisfatório o meio de cultura suplementado (MCS) foi trocado nos períodos de 24 e 48 h e após 72 h o meio foi retirado e as células removidas com solução de tripsina Tryple Express (Gibco, EUA) com vermelho de fenol 12605 (Gibco, EUA). A contagem celular foi realizada em câmara de Neubauer por diluição em azul de trypan 0,4% (1:5) utilizando um microscópio óptico 8060A (Bel, Itália). O método é baseado na observação de células viáveis, impermeáveis ao corante, enquanto as células não viáveis permitem a penetração do corante devido à formação de poros na membrana, exibindo a coloração azul 2020 K. Konopka, E. Pretzer, P.L. Felgner, N. Diizgtine, Biochim. Biophys. Acta 312 (1996) 186.. Para avaliação da viabilidade celular os materiais foram preparados conforme norma ISO 10993-12 2121 ISO 10993-12, “Biological evaluation of medical devices, part 12: sample preparation and reference materials”, Int. Org. Stand., Geneva (2012). e previamente esterilizados por radiação gama, com uma dose de 25 kGy. Todas as amostras foram adicionadas em criotubos e misturadas ao MCS na proporção 2% (m/v), em seguida incubadas em estufa a 37 ºC em atmosfera de CO2 (5%) por 24 h. Após esse período as amostras foram homogeneizadas e centrifugadas a 13000 rpm por 5 min em uma microcentrífuga CT 14000 (Cientec, Brasil) e o sobrenadante reservado para o ensaio. Utilizaram-se dois controles: 1) alumina (controle negativo); e 2) solução de fenol 0,2% (controle positivo). Após as 24 h, tanto as amostras como os controles foram submetidos a diluições seriadas, obtendo-se as concentrações 100%, 50%, 25%, 12,5% e 6,25%. O ensaio de citotoxicidade utilizado foi o método indireto de incorporação do vermelho neutro conforme norma ISO 10993-5 2222 ISO 10993-5, “Biological evaluation of medical devices, part 5: tests for in vitro cytotoxicity”, Int. Org. Stand., Geneva (2009)., onde células (1.104 células/poço) foram cultivadas em MCS (200 mL) e incubadas em estufa a 37 ºC em atmosfera de CO2 (5%) por 24 h utilizando placa de 96 poços. Após esse período, o MCS foi retirado, os tratamentos (amostras e controles) e suas respectivas diluições (200 mL) foram adicionados na placa contendo as células e foram novamente incubadas em estufa a 37 ºC em atmosfera de CO2 (5%) por 24 h. Após o tratamento observou-se a morfologia celular com microscópio óptico invertido Primo (Carl Zeiss, Alemanha) e o meio contendo os tratamentos foi retirado dos poços. Em seguida, as células foram lavadas com tampão fosfato salino (PBS, 200 mL). Após a retirada do PBS, adicionaram-se 200 mL da solução de vermelho neutro (50 mg/mL) e para incorporação a placa foi incubada em estufa a 37 ºC em atmosfera de CO2 (5%) por 3 h. A solução de vermelho neutro foi retirada e os poços lavados com 200 mL de PBS, depois foram adicionados 200 mL de solução de extração (50% etanol:1% ácido acético:49% água destilada) e a placa submetida à agitação a 150 rpm por 10 min em uma incubadora com agitação Shaker TE-420 (Tecnal, Brasil) para extração do vermelho neutro das células. As leituras das absorbâncias foram realizadas em triplicata para cada amostra, em leitor de microplacas Multiskan FC (Thermo Scientific, EUA) e os resultados foram expressos em viabilidade celular (%Vc), onde Abs amostra é a absorbância da amostra e Abs branco é a absorbância do branco, ambas a 540 nm, conforme:

% V c = A b s a m o s t r a A b s b r a n c o 100 (E)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização das quitosanas: na Tabela I constam os resultados da avaliação físico-química das CHIs. Para determinar as características deste polímero e correlacioná-las com as propriedades que podem resultar em aplicações biológicas, foi necessária uma prévia purificação, em vista que a utilização da CHI como biomaterial exige um grau extremamente alto de pureza e pouca quantidade de matéria inorgânica (menos de 1%) 2323 R. Signini, S.P. Campana Filho, Polímeros 8, 4 (1998) 63.. Após criterioso processo de purificação, foram obtidas amostras uniformes e completamente solúveis de CHI, com um rendimento (%R) de 80,2% para L-CHI e 86,7% para M-CHI, onde as perdas foram relacionadas aos materiais insolúveis e agregados excluídos após filtrações e a própria manipulação durante o experimento. A CHI de baixa massa molecular (L-CHI) teve menor rendimento devido a uma maior fluidez, mas os valores encontrados foram semelhantes ao reportado na literatura, quando foi comparada a eficácia de diferentes métodos de purificação 2323 R. Signini, S.P. Campana Filho, Polímeros 8, 4 (1998) 63.. Por gravimetria, os valores obtidos do teor de umidade (%H) foram semelhantes entre as duas amostras. Este valor é explicado pelo fato de que os grupos amino da CHI apresentam forte afinidade pela água e no estado sólido as macromoléculas podem apresentar mudanças na conformação, que tendem a adsorver água, sendo facilmente hidratadas 2424 M. Rinaudo, J.D. Áres, P. Le Dung, P. Thuy Binh, N.T. Dong, Carbohydr. Polym. 46 (2001) 339.. Por ser um polímero natural, a CHI pode ter origem e composição variada e sua pureza depende do processo que foi realizado. O percentual de cinzas (%Cz) refere-se ao teor residual inorgânico que permanece após a queima da matéria orgânica e os valores encontrados foram baixos, obedecendo aos padrões aceitáveis para amostras ultrapuras (<0.6%) e dentro dos valores para amostras comerciais (<1%) 2525 A. Tolaimate, J. Desbrieres, M. Rhazi, A. Alagui, Polymer 44, 26 (2003) 7939..

Tabela I
Resultados da caracterização físico-química das quitosanas de baixa (L-CHI) e média (M-CHI) massa molecular.
Table I
Results of physico-chemical characterization of chitosans of low (L-CHI) and medium (M-CHI) molecular weight.

A média da massa molecular viscosimétrica (Mv) obtida confirmou que as CHIs possuíram baixa e média massa molecular. A Mv é inversamente relacionada à solubilidade da CHI, pois quanto maior a cadeia maior é sua Mv, o que favorece interações entre os segmentos e, consequentemente, diminui a solubilidade do polímero; desta forma pode-se concluir que a M-CHI pode ser menos solúvel em meios ácidos 2626 R.M. Fráguas, D.A. Rocha, E.R. Queiroz, C.M.P. Abreu, R.V. Sousa, E.N. Oliveira Júnior, Polímeros 25, 2 (2015) 205.. Outra característica avaliada foi o grau de desacetilação (DD), que é considerado um dos principais parâmetros na caracterização da CHI, sendo definido como o percentual de unidades do polímero que estão desacetiladas 2727 A.E.C. Fai, T.C.M. Stamford, T.M. Stamford-Arnaud, P.D. Santa-Cruz, M.C.F. Silva, G.M. Campos-Takaki, T.L.M. Stamford, Molecules 16 (2011) 7143. . O DD também está relacionado com a solubilidade da CHI em meios ácidos, pois seu valor expressa a quantidade de grupos amino disponíveis para protonação e que geram cargas (NH3 +) na cadeia polimérica, em vista que, quanto maior o valor do DD, maior é a quantidade de cargas presentes na cadeia e ocorre mais repulsão eletrostática entre elas, consequentemente, maior é a solubilidade da CHI 2626 R.M. Fráguas, D.A. Rocha, E.R. Queiroz, C.M.P. Abreu, R.V. Sousa, E.N. Oliveira Júnior, Polímeros 25, 2 (2015) 205.. Desta forma, os DDs obtidos neste estudo foram inferiores aos observados por outros autores 2626 R.M. Fráguas, D.A. Rocha, E.R. Queiroz, C.M.P. Abreu, R.V. Sousa, E.N. Oliveira Júnior, Polímeros 25, 2 (2015) 205., o que sugere que as CHI utilizadas podem apresentar menor solubilidade em soluções de acidez moderada, e similares ao reportado em um estudo que avaliou CHIs comerciais de diferentes origens 2828 J.E. Santos, J.P. Soares, E.R. Dockal, Polímeros 13, 4 (2003) 242..

Caracterização dos compósitos: compósitos de CHI/HA podem ser produzidos por diferentes técnicas, sendo que o método biomimético utilizado consistiu na precipitação in situ e a nucleação do componente inorgânico dentro da matriz polimérica. Este sistema é considerado mais vantajoso por permitir um melhor controle da microestrutura, homogeneidade e composição química dos materiais finais 1010 Y. Solís, R.G. Carrodeguas, N. Davidenko, C. Peniche, Rev. CENIC Cien. Quím. 39, 1 (2008) 17.. Os biomateriais produzidos possuíram um aspecto macroscópico de pó (Fig. 1), sendo que os produzidos pela técnica de spray drying, L-CHI50/HA50 (Fig. 1c) e M-CHI50/HA50 (Fig. 1d), aparentaram ser mais higroscópico, aglomerando-se com facilidade. A análise por MEV demonstrou que as partículas individuais dos compósitos produzidos se agregaram formando estruturas maiores, com tamanhos variados. Não foi observada segregação de cristais de HA, o que sugeriu que estavam depositados na matriz da CHI e juntos constituíram as partículas individuais. Notou-se que os compósitos produzidos pela técnica de centrifugação (Figs. 2a e 2b) possuíram tamanhos de partícula maiores (micropartículas de ~5 mm) que os compósitos produzidos por spray drying (nanopartículas de ~50 nm), o que confirmou que o spray drying é viável para produção de materiais em escala nanométrica (Figs. 2c e 2d). Estes resultados demonstraram que ambas as técnicas proporcionaram a obtenção de partículas menores que em estudos anteriores (~140 a 300 mm) 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.), (1111 Y. Solís, N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, J. Cruz, A. Hernandez, M. Tomas, R.E. Cameron, C. Peniche, J. Mater. Sci. 48, 2 (2013) 841. em que foi empregado o método biomimético de precipitação in situ. Estudos referem que nanobiomateriais com partículas menores que 100 nm mimetizam melhor a microestrutura do tecido o que potencializa a interação celular 33 E.Y. Kawachi, C.A. Bertran, R.R. Reis, O.L. Alves, Quim. Nova 23, 4 (2000) 518.), (2929 T. Forbes, M.A. García, E. Gonzalez, Ciênc. Tecnol. Aliment. 31, 4 (2011) 835.; embora os potenciais benefícios dos materiais nanoestruturados e das nanopartículas sejam bem descritos, o impacto no organismo como um todo ainda não foi bem esclarecido. Em geral, o efeito das nanopartículas no corpo depende de propriedades como tamanho, massa, composição química, superfície e também como elas agem em conjunto, visto que, à medida que entram no organismo, os locais de penetração, a possibilidade de acumulação e a translocação destas nanopartículas podem determinar os riscos potenciais e toxicidade dos materiais 2929 T. Forbes, M.A. García, E. Gonzalez, Ciênc. Tecnol. Aliment. 31, 4 (2011) 835.. Deste modo, são imprescindíveis estudos aprofundados a fim de tentar elucidar como os biomateriais nanométricos se comportam ao entrar em contato com meios biológicos e qual o tamanho de partícula ideal.

Figura 1:
Fotografias digitais mostrando a morfologia macroscópica de: a) L-CHI20/HA80; b) M-CHI20/HA80; c) L-CHI/50HA50; e d) M-CHI50/HA50.
Figure 1:
Digital photographs showing the macroscopic morphology of: a) L-CHI20/HA80; b) M-CHI20/HA80; c) L-CHI/50HA50; and d) M-CHI50/HA50.

Figura 2:
Micrografias eletrônicas de varredura demostrando a superfície de: a) L-CHI20/HA80; b) M-CHI20/HA80; c) L-CHI50/HA50; e d) M-CHI50/HA50.
Figure 2:
Scanning electron micrographs showing the surface of: a) L-CHI20/HA80; b) M-CHI20/HA80; c) L-CHI50/HA50; and d) M-CHI50/HA50.

A espectroscopia na região do infravermelho permite observar e classificar algumas bandas relativas às vibrações características dos grupos funcionais presentes na estrutura dos biomateriais. Os espectros FTIR das amostras da HA, L-CHI, M-CHI e dos compósitos L-CHI50 e M-CHI50 estão representadas na Fig. 3 (L-CHI20 e M-CHI20 não estão representadas porque apresentaram o mesmo espectro das amostras exibidas). O espectro infravermelho de HA (Fig. 3A) exibiu as bandas de absorção típicas na faixa de 3568 cm-1 (estiramento de OH) e 631 cm-1 (vibração de OH). As bandas largas em cerca de 3430 e 1645 cm-1 foram devidas à água adsorvida (alongamento e flexão de HOH, respectivamente). Também apresentou as bandas de absorção típicas do grupo PO4 em HA a 1000-1100 cm-13) e 962 cm-11) 3030 B. Fowler, Inorg. Chem. 13, 1 (1974) 194.. As bandas de absorção em 604 e 565 cm-1 corresponderam ao modo ν4 do grupo PO4. As bandas que apareceram em 1456, 1418 e 874 cm-1 indicaram a presença de íons de carbonato de tipo B na apatita 3131 C.E. Wilson, M.C. Kruyt, J.D. Bruijn, C.A. van Blitterswijk, F.C. Oner, A.J. Verbout, W.J.A. Dhert, Biomaterials 27 (2006) 302.. O benefício da presença de carbonato na apatita sintética é que ele contribui para aumentar a resistência mecânica e a bioatividade 3232 J.C. Merry, I.R. Gibson, S.M. Best, W. Bonfield, J. Mater. Sci. Mater. Med. 9 (1998) 779.), (3333 W.R. Walsh, D.P. Labrador, H.D. Kim, N. Guzelsu, Ann. Biomed. Eng. 22 (1994) 404.. Os espectros no infravermelho da L-CHI (Fig. 3C) e da M-CHI (Fig. 3B) exibiram as bandas de absorção distintas em 2942-2784 cm-1 (banda de alongamento alifática C-H), 1657 cm-1 (amida I), 1597 cm-1 (flexão de NH2) e 1321 cm-1 (amida III). As bandas de absorção em 1154 cm-1 (alongamento antissimétrico da ponte C-O-C), 1082 e 1032 cm-1 (vibrações esqueléticas envolvendo alongamento C-O) são características da sua estrutura sacarídea 3434 W. Arguelles-Monal, C. Peniche-Covas, Makromol. Chem. Rapid Commun. 9 (1988) 693.. Pôde-se apreciar que os espectros de FTIR dos compósitos M-CHI50/HA50 e L-CHI50/HA50 (Figs. 3D e 3E) exibiram as bandas de absorção de ambos os componentes. Estes resultados confirmaram que não foi identificada a presença de contaminantes nas amostras e que houve formação de HA em associação com a CHI nos compósitos, com a presença dos grupos característicos dos materiais de origem.

Figura 3:
Espectros de FTIR das amostras de: materiais de origem HA (A), M-CHI (B) e L-CHI (C); e compósitos M-CHI50/HA50 (D) e L-CHI50/HA50 (E).
Figure 3:
FTIR spectra of samples of: starting biomaterials HA (A), M-CHI (B), and L-CHI (C); and composites M-CHI50/HA50 (D), and L-CHI50/HA50 (E).

Nos difratogramas das amostras (Fig. 4) observaram-se os padrões de DRX dos biomateriais; notou-se um pico largo na região de 15º e 30º (2θ) correspondente aos principais picos de difração da CHI (JCPDS nº 39-1894). A presença da fase inorgânica foi evidenciada pelo pico largo de 30,3º a 35,4º em 2θ devido à contribuição dos picos de difração característicos da HA em 2θ = 31,7° (211), 32,2° (112) e 32,8° (300), juntamente com o pico em 2θ=26° (002) conforme relatado no arquivo JCPDS nº 46-0905. Vale ressaltar que a difração corresponde à parte cristalina, visto que porção amorfa não apresenta picos em DRX. Ou seja, a ausência destes picos característicos da CHI não significa que o polímero não esteja presente, mas sim que é pouco cristalino. Os resultados de DRX não apresentaram nenhuma alteração estrutural e comprovaram a presença das duas fases (CHI e HA) nos compósitos. A partir dos resultados de DRX obteve-se o índice de cristalinidade (IC) das amostras (Tabela II), onde foi observado que todas apresentaram um valor de IC baixo, indicando baixa cristalinidade da HA 1818 Y. Sa, Y. Guo, X. Feng, M. Wang, P. Li, Y. Gao, X. Yang, T. Jiang, New J. Chem. 41, 13 (2017) 5723.. O IC dos compósitos com quitosana de média massa molecular (M-CHI50/HA50 e M-CHI20/HA80) foi um pouco maior do que aqueles preparados com quitosana de baixa massa molecular ((L-CHI50/HA50 e L-CHI20/HA80), o que sugeriu que os biomateriais desenvolvidos possuíram uma característica amorfa predominante; isso pode ser devido ao fato de não terem sido sinterizados, o que pode favorecer uma maior biodegradabilidade.

Figura 4:
Padrões de difração de raios X dos compósitos: A) L CHI50/HA50; B) M-CHI50/HA50; C) L-CHI20/HA80; e D) M-CHI20/HA80. As linhas na parte inferior correspondem aos picos de difração da hidroxiapatita (JCPDS nº 46-0905).
Figure 4:
X-ray diffraction patterns of composites: A) L-CHI50/HA50; B) M-CHI50/HA50; C) L-CHI20/HA80; and D) M-CHI20/HA80. The lines at the bottom correspond to the diffraction peaks of hydroxyapatite (JCPDS No. 46-0905).

Tabela II
Resultados de índice de cristalinidade (IC) obtidos a partir dos padrões de DRX dos compósitos.
Table II
Results of crystallinity index (IC) obtained from the XRD patterns of composites.

Testes in vitro: os testes de citotoxicidade avaliam o efeito tóxico no nível celular, ou seja, a capacidade de causar morte celular, alterações na permeabilidade da membrana ou inibição enzimática. Os resultados encontrados foram importantes para avaliação das técnicas empregadas, em vista que não foi avaliada a citotoxicidade dos compósitos produzidos nos estudos anteriores em que foi empregado o método biomimético 99 N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, C. Peniche, Y. Solís, R.E. Cameron, Acta Biomater. 6, 2 (2010) 466.)-(1111 Y. Solís, N. Davidenko, R.G. Carrodeguas, J. Cruz, A. Hernandez, M. Tomas, R.E. Cameron, C. Peniche, J. Mater. Sci. 48, 2 (2013) 841.. As percentagens de viabilidade celular (%Vc) deste estudo estão expressas na Fig. 5. A classificação de citotoxicidade, segundo a norma ISO 10993-5 2222 ISO 10993-5, “Biological evaluation of medical devices, part 5: tests for in vitro cytotoxicity”, Int. Org. Stand., Geneva (2009)., foi determinada de acordo com contração de 100% do extrato celular, devido o interesse do estudo em avaliar os biomateriais como produtos finais para utilização biomédica. Os compósitos L-CHI20/HA80 e L-CHI50/HA50 foram considerados não citotóxicos (%Vc >90%), e os compósitos M-CHI20/HA80 e M-CHI50/HA50 apresentaram baixa citotoxicidade (%Vc 80-89%). Notou-se que o tamanho de partícula e a concentração de CHI/HA nos compósitos não foram determinantes para a avaliação da citotoxicidade. O que resultou em diferenças entre os grupos foi a cadeia polimérica da CHI, ocorrendo melhor viabilidade nos extratos em contato com os compósitos que possuíram CHI de baixa massa molecular (L-CHI) em sua composição. Não há um consenso na literatura sobre a massa molecular ideal para o uso da CHI como biomaterial; alguns estudos referem que a baixa massa faz com que a CHI ao ser hidrolisada libere unidades necessárias à biossíntese do ácido hialurônico e outros componentes da matriz extracelular, o que induz a uma tolerância tecidual e favorece o reparo 3535 Y. Hidaka, M. Ito, K. Mori, H. Yagasaki, A.H. Kafrawy, J. Biomed. Mater. Res. 46, 3 (1999) 418.; outros sugerem que uma massa molecular maior contribui para ação anti-inflamatória, antitumoral e atividade imunomoduladora 3636 M.M. Mecwan, G.E. Rapalo, S.R. Mishra, W.O. Haggard, J.D. Bumgardner, J. Biomed. Mater. Res. A 97, 1 (2011) 66.. Estes resultados foram similares a outro estudo que ao avaliar scaffolds de HA/CHI detectaram que os arcabouços induziram a um decréscimo na morte celular quando comparados ao grupo controle, afirmando desta forma que foi possível combinar propriedades osteocondutora da HA com possíveis propriedades anti-inflamatórias da CHI 3737 V. Brun, C. Guillaume, S.M. Alami, J. Josse, J. Jing, F. Draux, S. Bouthors, D. Laurent-Maquin, S.C. Gangloff, H. Kerdjoudj, F. Velard, Bio. Med. Mater. Eng. 24 (2014) 63..

Figura 5:
Percentual de viabilidade celular para determinação da citotoxicidade in vitro.
Figure 5:
Percentage of cell viability to determine in vitro cytotoxicity.

CONCLUSÕES

As adaptações realizadas no método biomimético foram eficazes para incorporação da hidroxiapatita nanoestruturada na matriz polimérica da quitosana. As técnicas utilizadas foram eficazes para a produção dos compósitos, micropartículas por centrifugação e nanopartículas por spray drying, com tamanhos de partículas menores ao reportado na literatura. As quitosanas e os compósitos produzidos apresentaram características físico-químicas potenciais para utilização como substitutos ósseos. In vitro os compósitos que continham quitosana de baixa massa molecular (L-CHI20/HA80 e L-CHI50/HA50) não foram citotóxicos e os com média massa molecular (M-CHI20/HA80 e M-CHI50/HA50) apresentaram baixa citotoxicidade, sendo promissores para aplicações biomédicas como substitutos ósseos.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/Brasil pelo financiamento do projeto CAPES MES-CUBA (nº 132/2011). Ao Centro de Biomateriales (BIOMAT) da Universidad de La Havana/Cuba e à Universidade de São Paulo (USP) pela colaboração.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2018
  • Revisado
    07 Fev 2019
  • Revisado
    10 Maio 2019
  • Aceito
    15 Maio 2019
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