Resumo
O objetivo deste caso de ensino é evidenciar a necessidade de as organizações terem práticas concretas, intersetoriais e formalizadas na área de gestão da diversidade e inclusão, a fim de haver um tratamento digno a todos os públicos de relacionamento, em particular clientes. Com base em dados obtidos em observações e entrevistas, o caso relata a experiência de uma paciente travesti ao acessar uma unidade hospitalar pública e os desdobramentos ocorridos pela falta de preparo dos profissionais para lidar com questões de diversidade. Desse modo, alguns dilemas de gestão podem ser abordados com a aplicação do caso, estando os principais ligados a como tornar as práticas mais inclusivas e como lidar com a transfobia ou a violência de parte dos profissionais de saúde. O caso se aplica, sobretudo, à área de gestão de pessoas, mas também é possível ser aplicado em disciplinas da área de gestão em saúde e gestão pública, por retratar uma situação ocorrida no Sistema Único de Saúde. Por consequência, o caso evidencia que os esforços para tornar as organizações mais inclusivas devem ser interdisciplinares. As escolas de negócios demandam cada vez mais instrumentos para o ensino de práticas de gestão inclusivas. Embora o caso esteja centrado num marcador social da diversidade - a identidade de gênero -, as reflexões podem inspirar práticas de gestão para outros públicos socialmente construídos como diversos.
Palavras-chave:
Gestão da diversidade; Gestão em saúde; Travestis; Transgeneridades; Caso de ensino
Abstract
This teaching case aims to highlight the need for organizations to have concrete, intersectoral, and formalized practices around diversity and inclusion management, to treat all stakeholders, particularly customers, with dignity. Based on data obtained from observations and interviews, the case reports on the experience of a travesti patient when accessing a public hospital and the consequences of the lack of preparation of professionals to deal with issues of diversity. Thus, some management dilemmas can be addressed with the application of the case, the main ones being how to make practices more inclusive and how to deal with transphobia or violence on the part of health professionals. The case applies above all to the area of people management, but it can also be applied to disciplines around health management and public management, as it portrays a situation that occurred in the Public Health System. As a result, the case shows that efforts to make organisations more inclusive must be interdisciplinary. Business schools are increasingly demanding tools for teaching inclusive management practices. Although the case is centred on a social marker of diversity—gender identity—the reflections can inspire management practices for other audiences socially constructed as diverse.
Keywords:
Diversity management; Health management; Travesti; Transgenders; Teaching case
Resumen
El objetivo de este caso didáctico es destacar la necesidad de que las organizaciones cuenten con prácticas concretas, intersectoriales y formalizadas en el ámbito de la gestión de la diversidad y la inclusión, con el fin de tratar con dignidad a todas las partes interesadas, en particular a los clientes. A partir de datos obtenidos en observaciones y entrevistas, el caso relata la experiencia de una paciente travesti al acceder a un hospital público y las consecuencias de la falta de preparación de los profesionales para tratar cuestiones de diversidad. De esta forma, con la aplicación del caso se pueden abordar algunos dilemas de gestión, vinculados los principales a cómo hacer las prácticas más inclusivas y cómo lidiar con la transfobia o la violencia por parte de los profesionales de la salud. El caso se aplica sobre todo al área de gestión de personas, pero también puede aplicarse a disciplinas del área de gestión sanitaria y gestión pública, ya que retrata una situación ocurrida en el Sistema Único de Salud. Como resultado, el caso muestra que los esfuerzos para que las organizaciones sean más inclusivas deben ser interdisciplinarios. Las escuelas de negocios demandan cada vez más herramientas para enseñar prácticas de gestión inclusiva. Aunque el caso se centre en un marcador social de la diversidad -la identidad de género-, las reflexiones pueden inspirar prácticas de gestión para otros públicos socialmente construidos como diversos.
Palabras clave:
Gestión de la diversidad; Gestión de salud; Travestis; Transgéneros; Caso de enseñanza
INTRODUÇÃO
O presente caso de ensino, baseado em fatos, relata a experiência de uma travesti na condição de paciente numa organização hospitalar pública de grande porte. Um atendimento em saúde, algo aparentemente trivial para pessoas cisgênero e/ou que não façam parte de algum grupo social minorizado, se tornou uma situação cheia de dilemas e desafios. Decisões precisaram ser tomadas rapidamente para que o atendimento à travesti transcorresse, mas situações relacionadas com os sistemas de informação de cadastro dos pacientes, a organização do ambiente e o comportamento de pessoas nas equipes de trabalho impactaram sua experiência.
Com base nesse contexto inicial, o caso de ensino proposto tem por objetivo evidenciar a necessidade de que as organizações disponham de práticas concretas, intersetoriais e formalizadas na área de gestão da diversidade e inclusão, a fim de que haja um tratamento digno a todos os públicos de relacionamento. Assim, com o desenvolvimento didático, busca-se compreender os desafios coletivos enfrentados pela população travesti e transgênero do Brasil, em particular a feminina, quanto às situações específicas vividas por um grupo minorizado no acesso ao serviço público de saúde, reconhecendo a complexidade que norteia a construção de práticas de diversidade e inclusão. Embora o foco do caso seja o acesso a uma organização de saúde, os fatos relatados permitem a discussão sobre inclusão/exclusão em outros contextos organizacionais.
A aplicação do caso pode suscitar debates relevantes para disciplinas nas áreas de gestão de pessoas e da saúde, sobretudo em temas ligados à gestão da diversidade, da equidade e da inclusão, bem como ao atendimento humanizado na área da saúde. Houve adaptações, sem prejuízo aos fatos retratados, de modo a garantir o anonimato dos participantes e a não identificação da instituição envolvida, o que não compromete o objetivo didático do caso de ensino. Outro ponto relevante a destacar é que o texto passou pela avaliação técnica de uma consultora travesti, com experiência no campo da diversidade e da inclusão. Entendeu-se que tal ação se tratava de uma etapa relevante e imprescindível para a elaboração do caso de ensino, uma vez que, embora seja reconhecida a importância das pessoas aliadas para a institucionalização de práticas organizacionais inclusivas, algumas vivências são exclusivas das pessoas que fazem parte de determinado grupo social.
No que tange à estrutura do caso de ensino, nos tópicos seguintes, além de descrever o contexto organizacional, a personagem e os dilemas organizacionais presentes, isto é, a narração do caso em si, são apresentadas as notas de ensino, que contemplam explicações metodológicas sobre como a história do caso foi construída, as possíveis aplicações pedagógicas do material e a literatura de referência para sua aplicação, que incluiu um panorama geral da bibliografia sobre pessoas travestis e transexuais nas organizações e no mundo do trabalho, bem como uma breve discussão sobre a complexidade de construção das práticas organizacionais de diversidade e inclusão. Ao fim das notas de ensino, foram indicadas bibliografias produzidas por autoras travestis e transexuais, que poderão enriquecer o conhecimento obtido com base na aplicação do presente caso de ensino.
CONTEXTUALIZANDO A ORGANIZAÇÃO HOSPITALAR E AS DIRETRIZES INFORMACIONAIS PARA O CADASTRO DOS PACIENTES
O Hospital Geral Casa do Povo é uma organização de grande porte, destinada ao cuidado de adultos e idosos, integrante de uma rede de hospitais e inserido no Sistema Único de Saúde. Como parte de uma rede hospitalar, a instituição segue rotinas, protocolos e sistemas de gestão padronizados. Exemplo disso é o uso de um software que uniformiza práticas administrativas, tais controle de estoque, e assistenciais, como o prontuário eletrônico de cada paciente. A proposta de unificar os cadastros e os demais dados assistenciais dos pacientes num mesmo aplicativo evita a duplicidade de informações, facilita o acesso aos dados de internações anteriores, integra registros de diferentes membros da equipe multidisciplinar, possibilita agendamento de consultas e interconsultas, proporciona relatórios de dados úteis para gestão e pesquisa, permite controle e cálculo de despesas hospitalares de forma ágil e personalizada, oportuniza agendamento e visualização de exames, entre outros benefícios.
Por outro lado, a rede é composta por hospitais de diferentes características localizados em diversas regiões do país, o que fez com que esse software fosse elaborado por profissionais alheios à rotina e às especificidades de cada um dos hospitais. Desse modo, tal uniformização nem sempre consegue atender às necessidades das unidades, e quaisquer alterações ou adaptações se tornam inviáveis por causa do custo elevado ou por serem demandas de grande especificidade, tornando-se desinteressantes para um número elevado de hospitais da rede.
A despeito da entrada de um paciente novo no hospital ter se dado a partir do ambulatório ou do serviço de urgência e emergência, o cadastro é o ponto de partida para a inserção nesse software. Para tanto, faz-se inicialmente a pesquisa fonética do paciente, com nome completo - com campos específicos para a inclusão de nome civil e nome social - e confirmação de nome da mãe e data de nascimento, para verificação de duplicidades. Constatando de que se trata de paciente não cadastrado, dá-se início ao registro de dados pessoais, documentais e de contato, a fim de que seja gerado um número de prontuário. Esse número permanecerá o mesmo em todas as futuras internações, consultas ambulatoriais e/ou realizações de exames e procedimentos na rede hospitalar.
Uma vez gerado o prontuário, todos os atendimentos realizados nesses hospitais passam a ser registrados em módulos específicos no mesmo aplicativo. Isso possibilita o compartilhamento e a consulta de informações a qualquer época, de forma imediata, pelos diversos profissionais. Por se tratar também de um software destinado a práticas administrativas, manipulado por profissionais de diferentes funções, o acesso aos módulos é disponibilizado de forma personalizada, permitindo que cada profissional visualize, altere e/ou inclua apenas as informações necessárias para à sua prática, o que garante a proteção dos dados sensíveis de cada paciente.
Além da preocupação com o sigilo de dados e a segurança das informações, o software apresenta funcionalidades que servem ao atendimento das metas de segurança do paciente, propostas pela Organização Mundial da Saúde. É o caso da impressão de pulseiras de identificação, geradas com base nas informações de cadastro e contendo nome completo do paciente, número de prontuário, enfermaria, leito e data de nascimento. A versão inicial não incluía a data de nascimento na pulseira de identificação. A inclusão em versões mais recentes considerou uma demanda comum de todos os hospitais, com vistas a viabilizar o cumprimento da meta 1 de segurança do paciente, que se refere à identificação por meio de nome e por pelo menos mais um qualificador, aos quais se sugere a data de nascimento ou o nome da mãe. A atual versão não inclui o registro do nome social na pulseira, a qual é gerada somente com o registro do nome civil.
PARA AS SUAS E OS SEUS: BÁRBARA. PARA O DOCUMENTO OFICIAL E O CADASTRO NO SOFTWARE DO HOSPITAL: ANTÔNIO. E AGORA, JOSÉ?
Era quase meio-dia de uma quinta-feira tranquila no Hospital Geral Casa do Povo quando Bárbara adentrou a emergência numa cadeira de rodas. O pedido de ajuda abafado pelo choro, o tronco curvado sobre o abdome, a face de dor e a impossibilidade de deambular indicavam que se tratava de algo que não aceitaria demora. Acostumada a reconhecer situações de urgência, a atendente se apressou em garantir que Bárbara fosse imediatamente direcionada ao atendimento médico, enquanto recolhia seus documentos pessoais para preenchimento da ficha.
Na sala de emergência, o médico plantonista logo identificou sinais sugestivos de apendicite e encaminhou Bárbara para a sala de observação, onde ela receberia medicamentos para alívio da dor e aguardaria a realização de um exame de imagem para confirmação do diagnóstico e o encaminhamento para cirurgia de urgência. O protocolo padrão para atendimentos desse tipo é claro e sequencialmente seguido para evitar prolongamento de problemas a pacientes que se enquadram nos critérios estabelecidos durante a avaliação de risco e o primeiro contato com algum funcionário do hospital.
Ao abrir o prontuário eletrônico para prescrever a conduta, o médico percebeu que a ficha não indicava o nome de Bárbara, mas de um outro paciente, de nome Antônio. Imaginando que não havia sido concluída a ficha, foi solicitado à enfermeira que agilizasse o prontuário junto à atendente. Até aquele momento, casos como o de Bárbara eram comuns na rotina da emergência, onde o atendimento muitas vezes se iniciava concomitante ao cadastramento do paciente. No entanto, a enfermeira não conseguiu disfarçar a surpresa ao conferir o documento nas mãos da atendente, que, atônita, dizia: “O documento é da Bárbara, mas o nome dela é Antônio!”.
ENTRE A EMPATIA E A HOSTILIDADE: AS DIFICULDADES DA PERMANÊNCIA DA PACIENTE BÁRBARA NO AMBIENTE HOSPITALAR
Era a primeira vez que o hospital recebia uma paciente transgênero. O tema não era totalmente novo para a atendente, afinal ela havia assistido a uma novela que mostrava uma personagem transexual. A enfermeira também recordou ter lido algo sobre o nome social dos pacientes trans, mas nada parecia tê-la preparado para aquele momento.
Diante da urgência em agilizar o prontuário para prescrição, a enfermeira explicou a situação ao médico e perguntou à atendente se havia algum campo destinado ao nome social no programa eletrônico. Nesse momento, a atendente lembrou que já havia utilizado um campo dedicado ao nome social. Mas, por não saber do que se tratava, costumava preenchê-lo com alguma alcunha ou apelido que fizesse referência ao paciente. Era comum que algum paciente chamado José tivesse o nome social cadastrado como Zé ou Zezinho. Apesar de perceberem os equívocos anteriores, a solução para aquele caso imediato parecia ser simples: bastava inserir o nome social corretamente no prontuário eletrônico.
Ao cadastrarem o nome de Bárbara, os impressos relacionados com a prescrição médica e a solicitação de exames foram gerados com o nome civil acompanhado do nome social, o que garantiu os direitos da paciente, porém exigia maior atenção da equipe. No entanto, por erro na elaboração do programa eletrônico, a pulseira de identificação da paciente continha apenas os dados do nome civil e a data de nascimento, ignorando o nome social. Tal circunstância oferecia grande risco à segurança da paciente, uma vez que aquela mulher seria identificada como Bárbara em prontuário e requisição de exames, mas teria o nome Antônio na pulseira.
A enfermeira sabia que o uso da pulseira de identificação com dois identificadores, em geral nome e data de nascimento, servia para evitar falhas assistenciais como troca de medicamentos entre pacientes homônimos. Para cumprir o protocolo, Bárbara deveria fazer uso da pulseira durante toda a permanência no hospital, cabendo à equipe de saúde confirmar sua identificação a cada atendimento, confirmando com as informações da pulseira. Porém, nessa situação, a identificação da pulseira com o nome civil não só oferecia risco à paciente, como também seria uma forma de constrangimento que a acompanharia da admissão até a alta hospitalar.
Apesar de persistir o problema de identificação, o diagnóstico de apendicite foi confirmado, exigindo cirurgia imediata. Ao notar a complexidade da situação, a enfermeira resolveu relatar o caso à gerente do Núcleo de Segurança do Paciente, que reconheceu que aquele cenário não fora previsto. Ciente de que a identificação da pulseira dificilmente seria solucionada de forma imediata, uma vez que o hospital não tinha autonomia tecnológica para modificar o programa eletrônico, Bárbara foi encaminhada à cirurgia portando a pulseira com o nome civil. Na tentativa de prevenir erros e reduzir constrangimentos, a situação foi informada à equipe cirúrgica, com orientações para que utilizassem o nome social durante a assistência.
Após a cirurgia, Bárbara precisou ser encaminhada para uma enfermaria, a fim de receber os cuidados pós-operatórios. O hospital mantinha a divisão de enfermarias por dois gêneros: feminino e masculino. A autoidentificação de Bárbara, aliada aos seus atributos físicos e seus trajes socialmente lidos como femininos, indicavam que ela deveria ser internada em enfermaria feminina. No entanto, havia o receio de que partes de seu corpo fossem exibidas durante trocas de curativos, banhos, procedimentos de enfermagem e trocas de roupa. Essa situação poderia expor sua genitália e provocar reações negativas por parte das demais pacientes, além de lhe causar embaraço. Apesar dos riscos, a enfermeira e a gestora concordaram que a internação de Bárbara em enfermaria masculina não era uma possibilidade.
Com Bárbara acomodada em leito feminino, coube à enfermeira recebê-la e elencar um dos técnicos de enfermagem da equipe que seria o responsável direto pelos seus cuidados. Pensando em evitar situações de intolerância, a enfermeira designou os cuidados de Bárbara à técnica de enfermagem Ângela, uma jovem que costumava ser vista nas redes sociais ao lado de amigos gays e que parecia ser a pessoa mais desprovida de preconceitos no quadro de funcionários no momento.
Nas horas seguintes, Ângela precisou movimentar Bárbara no leito, necessitando de auxílio da equipe. Era comum nesse hospital que, nos diversos turnos de trabalho, cada equipe tivesse ao menos um técnico de enfermagem do gênero masculino, cuja força física era requisitada na movimentação de pacientes durante o pós-operatório. Naquele turno, o único técnico de enfermagem presente era José, forte e jovem, que se recusou a auxiliar Ângela em qualquer procedimento que envolvesse Bárbara. “Não encosto em traveco”, disse ele. Bastante irritada, Ângela relatou o caso à enfermeira e disse a José que iria denunciá-lo na ouvidoria do hospital. José apenas reafirmou seu posicionamento, dizendo: “Pode chamar até o superintendente. Está para nascer quem vai me fazer pegar nesse tipo de gente.” Ao perceber a discussão se intensificando e temendo uma repercussão maior, a enfermeira se ofereceu a prestar o auxílio durante a movimentação e nos demais procedimentos que exigissem colaboração.
Sucederam-se outros turnos de trabalho e, a cada troca de plantão, os rumores se avolumavam. Apesar de Bárbara ser a primeira paciente travesti a ser atendida no Hospital Geral Casa do Povo, ou seja, a primeira paciente com identidade de gênero trans, não são incomuns relatos de funcionários demonstrando curiosidade excessiva e invasiva no tratamento de pacientes com corpos socialmente lidos como não heterossexuais. Logo, o atendimento a quaisquer pacientes interpretados pelas equipes como pertencentes aos grupos sociais LGBT é prejudicado. Ou seja, a hostilidade é explícita quanto aos pacientes de sexualidades e identidades de gênero não hegemônicas. Tanto que há 2 funcionários designados informalmente entre a equipe para a assistência de pacientes gays e lésbicas, justamente para evitar situações conflituosas por causa de homofobia e lesbofobia por parte de outros trabalhadores da organização. Essa divisão de trabalho informal entre quem poderia atender e quem não atenderia em hipótese alguma também ocorreu no momento de decidir quem prestaria assistência à saúde do corpo de Bárbara.
Outros técnicos de enfermagem, entre eles algumas mulheres, se aliaram a José na recusa a prestar qualquer tipo de assistência a Bárbara. Alguns enfermeiros pensaram em denunciar a situação à ouvidoria, mas desistiram porque a recusa verbal era de difícil comprovação e a ouvidoria nem sempre realizava um tratamento eficaz dos casos. Ademais, a divulgação de um diálogo interno poderia facilmente revelar o autor da denúncia, o que provocaria desacordos profundos numa equipe que continuaria tendo de conviver por muitos anos, enquanto Bárbara talvez nunca mais precisasse voltar àquele lugar. Uma das enfermeiras, recordando-se de tantas situações vivenciadas naquele local, justificou sua desistência em oferecer denúncia, dizendo: “Amigos, estou cansada só de pensar em comprar essa briga.”
Preocupada, a enfermeira começou a refletir sobre a situação e como repercutiria em outros atendimentos futuros. O hospital e seus servidores precisariam se preparar. Alguns dilemas de gestão surgem como resultados da reflexão: como as práticas de atendimento, tratamento e acolhimento de pessoas de um grupo minorizado (travestis e transexuais), numa organização de saúde, podem ser mais inclusivas, sem comprometer a segurança do paciente? E como lidar com a recusa de atendimento por profissionais da organização, motivada por transfobia ou outros tipos de violências?
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NOTAS DE ENSINO
As notas de ensino do caso possuem acesso restrito e estão disponíveis apenas para docentes e instrutores vinculados à instituição acadêmica mediante solicitação em: https://periodicos.fgv.br/cadernosebape/article/view/93588/87506
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DISPONIBILIDADE DE DADOS
O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.
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PARECERISTAS
Eduardo Estellita de Oliveira Santos (Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8936-8033
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PARECERISTAS
Eloisio Moulin de Souza (Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória / ES - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0775-7757
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RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES
O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/93585/87501
Editado por
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EDITOR-CHEFE
Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
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EDITOR-ADJUNTO
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127
Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
20 Dez 2023 -
Aceito
14 Jan 2024
