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Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reflexões teóricas e apontamentos para futuras pesquisas

Proceso de las Políticas Públicas: revisión de la literatura, reflexiones teóricas e indicaciones para investigaciones futuras

Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir com o entendimento do processo das políticas públicas a partir da sistematização de seus principais construtos, apresentando reflexões teóricas e apontamentos para uma agenda de pesquisa. Optou-se pela revisão bibliográfica de 3 modelos teóricos conhecidos na literatura, múltiplos fluxos, coalizões de advocacia e equilíbrio pontuado, que vêm sendo cada vez mais aplicados nas pesquisas nacionais. Em comum, consideram que o processo das políticas públicas é resultado da interação de diversas variáveis, como instituições, atores, ideias e crenças, assumindo que a política pública seria resultado dessas interações ao longo do tempo. Buscou-se investigar como esses modelos teóricos compreendem os construtos mudança versus estabilidade e capacidade de influência dos atores. A análise empreendida demonstrou que os modelos veem o processo das políticas públicas marcado pela dicotomia “mudança” versus “estabilidade” e concentram-se em explicar a mudança, embora cada um tenha seu entendimento específico sobre ela. A capacidade de influência dos atores é entendida ora como consequência direta dos recursos institucionais, ora como consequência da capacidade de ação dos atores. A principal contribuição deste artigo consiste em reflexões teóricas e apontamentos para futuras pesquisas, colaborando com a agenda em curso no Brasil, que visa à construção de instrumentos teóricos e metodológicos para a análise de políticas públicas.

Palavras-chave:
Processo de políticas públicas; Modelos de análise de políticas públicas; Múltiplos fluxos; Coalizões de advocacia; Equilíbrio pontuado

Resumen

El objetivo de este ensayo es contribuir a la comprensión del proceso de las políticas públicas a partir de la sistematización de sus principales constructos, presentando algunas reflexiones teóricas y apuntes para una agenda de investigación. Se optó por la revisión bibliográfica de tres modelos teóricos internacionales: flujos múltiples, coaliciones de defensa y equilibrio puntuado, que se están aplicando cada vez más en las investigaciones nacionales. Dichos modelos tienen en común el hecho de considerar que el proceso político es resultado de la interacción de diversas variables, tales como instituciones, actores, ideas y creencias, tomando como hipótesis que las políticas públicas resultarían de estas interacciones a través del tiempo. El análisis realizado mostró que los modelos comprenden el proceso de la política como caracterizado por la dicotomía entre cambio y estabilidad, y que se concentran en explicar el cambio, aunque cada uno tenga una comprensión específica sobre este. La capacidad de influencia de los actores es entendida como consecuencia directa de los recursos institucionales o como consecuencia de la capacidad de acción individual. La principal contribución del artículo es establecer reflexiones teóricas y apuntes para investigaciones futuras para colaborar con la agenda en curso en Brasil, que se propone la construcción de instrumentos teóricos y metodológicos para el análisis de políticas públicas.

Palabras clave:
Proceso de las políticas públicas; Modelos de análisis de políticas; Flujos múltiples; Coaliciones de defensa; Equilibrio puntuado

Abstract

The objective of this article is to broaden the understanding about the policy process from the systematization of its main constructs, presenting some theoretical reflections and a research agenda. The literature review is based on three international models: the Multiple Streams, The Advocacy Coalitions Framework, and The Punctuated Equilibrium Theory, which have been increasingly applied in research in Brazil. They all consider the policy process the result of the interaction of many variables, such as institutions, actors, ideas and beliefs assuming that public policy would result from these interactions over time. The analysis undertaken showed that the models understand the policy process as marked by the dichotomy between “change” versus “stability”, and they focus on explaining change, although each model has a specific understanding of what is ‘change’. The actors’ ability to influence the political process is understood either as a direct consequence of the resources or as a consequence of individual’s capacity for action. The main contribution of this article is to establish theoretical reflections and notes for future research and collaborate with the current Brazilian agenda that aims at the construction of theoretical and methodological tools for the analysis of public policies.

Keywords:
Policy process; Public policy analytical frameworks; Multiple Steams Model; Advocacy Coalition Framework; Punctuated Equilibrium Theory

INTRODUÇÃO

As políticas públicas, como campo do conhecimento, têm sua origem na ciência política americana e remonta aos estudos da década de 1950 (MELO, 1999MELO, M. A. Estado, governo e políticas públicas. In: MICELI, S. (Org.). O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995). São Paulo: Sumare, 1999. p. 59-100.). Não há consenso entre os pesquisadores acerca do conceito de políticas públicas. O que há são variadas definições, desde as clássicas advindas da ciência política até as mais recentes. A afirmação de Lowi (1964LOWI, T. J. American business, public policy, case-studies, and political theory. World politics, v. 16, n. 4, p. 677-715, 1964.) de que a política pública cria a política levou ao entendimento de que a política pública emerge de um processo de disputas em distintas arenas decisórias. Definições recentes ilustram esse caráter político, ao considerar a política pública além de uma decisão governamental, ao passo que também pode decorrer de decisões e ações de outros atores, como a sociedade civil e o mercado (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013HOWLETT, M.; RAMESH, M.; PERL, A. Política pública: seus ciclos e subsistemas - uma abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.; RAMOS e SCHABBACH, 2012RAMOS, M. P.; SCHABBACH, L. M. The state of the art of public policy evaluation: concepts and examples of evaluation in Brazil. Revista de Administração Pública, v. 46, n. 5, p. 1271-1294, 2012.), sendo influenciada por ideologias, interesses e necessidades de vários atores, sejam estes formais (aqueles que atuam diretamente nas arenas políticas institucionalizadas, como o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e os partidos políticos) ou informais (aqueles que atuam na esfera da sociedade civil) (SILVA e BASSI, 2012SILVA, C. L.; BASSI, N. S. S. Políticas públicas e desenvolvimento local. In: SILVA, C. L. Políticas públicas: desenvolvimento local. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 15-38.; SECCHI, 2014SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.).

Nas décadas de 1970 e 1980, a política pública começou a tomar forma como ciência nos Estados Unidos da América (EUA) a partir do desenvolvimento de modelos de análise que compreendiam as políticas públicas segundo etapas sequenciais (ou estágios). Normalmente, tais modelos consideravam que a política pública incluía as fases de formação da agenda, formulação da política, implementação e avaliação (SECCHI, 2014SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.). Entretanto, eles mesmos foram alvo de críticas, por não viabilizar a compreensão de relações causais, mostrando-se imprecisos do ponto de vista descritivo e subvalorizando o papel da análise e do aprendizado para as políticas públicas (SABATIER, 2007SABATIER, P. A. (Ed.). Theories of the policy process. 2. ed. Boulder, CO: Westview Press, 2007.). Surgiram, então, a partir dos anos 1980-90, estudiosos que procuraram compreender a política pública investigando 6 elementos-chave (atores, instituições, redes/subsistemas, ideias/crenças, fatores contextuais e eventos) que interagem no que ficou conhecido como policy process (JOHN, 2003JOHN, P. Is there life after policy streams, advocacy coalitions, and punctuations: Using evolutionary theory to explain policy change?. Policy Studies Journal, v. 31, n. 4, p. 481-498, 2003.; CAIRNEY e HEIKKILA, 2014CAIRNEY, P.; HEIKKILA, T. A Comparison of Theories of the Policy Process. In: SABATIER, P.; WEIBLE, C. Theories of the Policy Process. Boulder: Westview Press, 2014. p. 363-390.).

O conceito de processo de políticas públicas (policy process) traz a ideia de que as políticas públicas são moldadas em todas as suas fases por diferentes tipos de atores e instituições, os atores podem estabelecer relações (redes formalizadas ou não) de acordo com suas crenças/interesses na defesa de uma ideia, sendo suas ações afetadas pelo contexto em que operam e influenciadas por eventos externos. Assim, analisar o processo de políticas públicas significa compreender como esses 6 fatores interagem e influenciam a trajetória das políticas públicas ao longo de suas fases ou etapas. Nesse sentido, Weible e Carter (2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017., p. 27) afirmam que estudar o processo de políticas públicas significa analisar as “interações que ocorrem ao longo do tempo entre políticas públicas e atores, eventos, contextos e resultados”.

Uma gama de modelos teóricos tem sido desenvolvida com o objetivo de proporcionar explicações sobre os diversos aspectos do processo das políticas públicas (WEIBLE e CARTER, 2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017.). Dentre esses modelos se destacam os consagrados na literatura internacional (PETRIDOU, 2014PETRIDOU, E. Theories of the policy process: contemporary scholarship and future directions. Policy Studies Journal, v. 42, n. S1p.S12-S32, 2014.;WEIBLE e CARTER, 2017WEIBLE, C. M. An advocacy coalition framework approach to stakeholder analysis: understanding the political context of California Marine Protected Area policy. Journal of Public Administration Research And Theory, v. 17, n. 1, p. 95-117, 2007.) e que têm sido aplicados à realidade brasileira com maior frequência (BRASIL e CAPELLA, 2016BRASIL, F. G.; CAPELLA, A. C. N. Os estudos das políticas públicas no Brasil: passado, presente e caminhos futuros da pesquisa sobre análise de políticas. Revista Política Hoje, v. 25, n. 1, p. 71-90, 2016.; CAPELLA, SOARES e BRASIL, 2014CAPELLA, A. C. N.; SOARES, A. G.; BRASIL, F. G. Pesquisa em políticas públicas no Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na literatura nacional. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014, Brasília. Anais... Brasília, DF: ABCP, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/pesquisa-politicas-publicas-brasil-mapeamento-aplicacao.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2016.
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): o modelo de múltiplos fluxos (multiple streams), proposto por John Kingdon em 1984, o modelo de coalizões de advocacia (advocacy coalitions framework), proposto por Paul Sabatier e Jekins-Smith em 1993 (revisado e ampliado pelos autores em 1999), e o modelo de equilíbrio pontuado (punctuated equilibrium), elaborado por Frank Baumgartner e Brian Jones em 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.. Em comum, esses três modelos entendem o processo das políticas públicas, como complexo, instável, e sujeito a relações de poder entre diversos atores. Além disso, incluem importantes variáveis, como as ideias, a mídia e a opinião pública, considerando-as importantes influências na consolidação de uma política. Talvez por sua amplitude e suas possibilidades de adequação à análise de diferentes tipos de política pública, tornaram-se instrumentos atraentes para analisar o processo de construção de diferentes políticas e em diferentes realidades.

Embora sejam semelhantes em muitos pontos, cada um possui objetivos analíticos diversos. O modelo de Kingdon enfoca como determinado tema ascende à agenda governamental; o modelo de Sabatier e Smith busca compreender como são formados arranjos entre atores (coalizões) nos processos decisórios e como estes mudam ao longo do tempo; já o modelo de Baumgartner e Jones procura explicar os momentos de mudança abrupta pelos quais passam a maior parte das políticas públicas. Como argumentam Cainey e Heikkila (2014)CAIRNEY, P.; HEIKKILA, T. A Comparison of Theories of the Policy Process. In: SABATIER, P.; WEIBLE, C. Theories of the Policy Process. Boulder: Westview Press, 2014. p. 363-390., tais modelos foram desenvolvidos paralela e independentemente e os pesquisadores não apresentaram uma preocupação inicial com a linguagem comum e com a possibilidade de comparação entre eles. Tais características não tornam a comparação inviável, pelo contrário, reforçam a importância de uma revisão sistemática (CAINEY e HEIKKILA, 2014CAIRNEY, P.; HEIKKILA, T. A Comparison of Theories of the Policy Process. In: SABATIER, P.; WEIBLE, C. Theories of the Policy Process. Boulder: Westview Press, 2014. p. 363-390.).

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é sistematizar os construtos (mudança versus estabilidade e a capacidade de influência dos atores1 1 Optou-se por utilizar, neste artigo, um entendimento de capacidade de influência semelhante à noção de poder na perspectiva de Morris (2002, p. 288), ou seja, como “capacidade de fazer coisas”, e também em consonância com a definição de Parsons (1963), que entende o poder como habilidade ou potencial. Vale destacar que tal entendimento remete a uma ideia de poder intersubjetivo, implicando uma interação, uma interdependência, entre sujeitos, quer sejam os mais poderosos e/ou os menos poderosos. Enfim, a capacidade de influência dos atores é vista, aqui, como sua capacidade de provocar ou prevenir atos e interações para atingir determinado objetivo no processo político. ), que estão presentes de diferentes formas nos modelos teóricos supracitados. Para a consecução do objetivo proposto, empreendemos uma revisão de literatura dos 3 modelos em questão, com vistas a identificar: 1) como cada modelo entende mudança e estabilidade do processo das políticas públicas e quais são os objetivos explicativos nessas dimensões; 2) o entendimento sobre os fatores que compõem a capacidade de influência dos atores.

A escolha dos construtos mudança/estabilidade e a capacidade de influência dos atores justifica-se pelo fato de que um dos grandes temas dos estudiosos do processo de políticas públicas, segundo Weible e Carter (2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017.), é a investigação do engajamento e da influência de determinados atores e grupos políticos, uma vez que se entende que os atores competem para influenciar a política pública direta ou indiretamente, “visando [a] influenciar os resultados de tomada de decisão; mudando as regras que estruturam o governo, muitas vezes através da criação, alteração e eliminação de locais de tomada de decisão; ou a partir da eleição de pessoas em cargos oficiais” (WEIBLE e CARTER, 2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017., p. 28). Outra grande temática de pesquisa apontada por esses autores é a mudança do processo, impulsionada pelo trabalho de Baumgartner e Jones (1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.). Desde sua publicação até os dias atuais, uma quantidade considerável de estudos se ocupou de compreender os padrões de mudança da política no espaço e no tempo (WEIBLE e CARTER, 2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017.). Portanto, essas duas dimensões (capacidade de influência e mudança/estabilidade), presentes de diferentes formas em cada modelo, pode constituir unidades de comparação entre eles.

Ao pensar no processo de políticas públicas como algo constituído por atores, instituições, redes/subsistemas, ideias/crenças, fatores contextuais e eventos, pode-se compreender a capacidade de influência dos atores e a mudança/estabilidade como produtos da interação entre tais elementos. Vale destacar que cada modelo enfatiza alguns elementos em detrimento de outros em suas explicações sobre cada uma dessas dimensões de análise.

A relevância deste artigo consiste em sistematizar esses grandes temas de estudo, a fim de aprofundar o entendimento do processo de políticas públicas, especialmente dos produtos da interação entre seus elementos-chave, de modo a contribuir para apresentar reflexões teóricas e possíveis direcionamentos de uma futura agenda de pesquisa, com o intuito de pensar em outros instrumentos teóricos e/ou novas abordagens de análise, especialmente em um momento de “mobilização da comunidade de pesquisadores não apenas no sentido da investigação de políticas públicas, mas também com o desenvolvimento de abordagens teóricas e metodológicas” (BRASIL e CAPELLA, 2016BRASIL, F. G.; CAPELLA, A. C. N. Os estudos das políticas públicas no Brasil: passado, presente e caminhos futuros da pesquisa sobre análise de políticas. Revista Política Hoje, v. 25, n. 1, p. 71-90, 2016., p. 86).

A seguir, descrevemos cada um dos modelos teóricos analisados.

O MODELO DE COALIZÕES DE ADVOCACIA

Esse modelo foi desenvolvido com a clara preocupação de proporcionar uma alternativa para os modelos de análise de políticas públicas segundo estágios que, de acordo com seus idealizadores, careceriam de robustez conceitual para a construção de hipóteses causais empiricamente testáveis (WEIBLE, SABATIER e MCQUEEN, 2009WEIBLE, C. M.; SABATIER, P. A.; MCQUEEN, K. Themes and variations: taking stock of the advocacy coalition framework. Policy Studies Journal, v. 37, n. 1, p. 121-140, 2009.). O modelo de coalizões de advocacia (advocacy coalitions framework), ao enfatizar o papel de valores e ideias, consubstanciados nas crenças das coalizões de defesa, busca construir uma visão geral sobre o funcionamento do subsistema de políticas públicas.

O processo político é caracterizado por um sistema aberto, sujeito a trocas com o ambiente e cuja unidade de análise primordial seria o subsistema de políticas públicas, composto por atores diversificados ativamente preocupados e envolvidos com um problema ou questão política (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.).

Externamente ao subsistema de políticas públicas haveria fatores estáveis bastante difíceis de alterar, que constrangeriam a ação dos atores no interior do subsistema. Tais fatores seriam: os atributos básicos da área do problema, a distribuição dos recursos naturais, valores socioculturais e estrutura social e a estrutura de regras básicas do sistema político (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.).

Os atores que compõem os subsistemas, seriam orientados pelo compartilhamento de crenças sobre determinada temática, na tentativa de influenciar decisões sobre uma política. As coalizões tenderiam a ter interesses diferenciados, ora complementares, ora excludentes, e apresentariam elevado grau de coordenação de suas atividades, na tentativa de levar adiante suas propostas de intervenção em determinada política pública (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.). As decisões sobre uma política pública resultariam do conflito estabelecido entre coalizões que contribuiriam para o desenvolvimento de constrangimentos e/ou estímulos para a adoção ou mudança em determinada política pública (SABATIER, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.).

O modelo busca explicar os momentos de mudança, estabelecendo hipóteses sobre as condições necessárias para que ocorram. Segundo Sabatier e Jenkins-Smith (1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.), a mudança pode ocorrer devido a fatores internos ao subsistema e externos a este. Os fatores externos são: 1) parâmetros relativamente estáveis; 2) estruturas de oportunidades das coalizões; e 3) perturbações de maior vulto.

Os parâmetros estáveis são os atributos básicos do problema - distribuição dos recursos naturais, valores socioculturais e estrutura social e constitucional -, que mudam pouco em um período de 10 anos, recomendado pelos autores para a análise. As estruturas de oportunidades das coalizões são as características específicas do sistema político que fornecem maior ou menor oportunidade de atuação das coalizões, dependendo de suas regras. As estruturas de oportunidades são influenciadas pelos parâmetros relativamente estáveis do sistema. E, finalmente, as perturbações de maior vulto constituem-se de mudanças em condições socioeconômicas, mudança no regime político, impacto das decisões em outros subsistemas e acontecimentos de força maior, como desastres, por exemplo.

Os fatores internos que podem ocasionar a mudança, são: 1) choques internos; 2) acordos negociados; e 3) o aprendizado político construído pela interação dos atores no subsistema ao longo do tempo seriam responsáveis por mudanças no processo de formulação e implementação de políticas públicas (SABATIER e WEIBLE, 2007WEIBLE, C. M. An advocacy coalition framework approach to stakeholder analysis: understanding the political context of California Marine Protected Area policy. Journal of Public Administration Research And Theory, v. 17, n. 1, p. 95-117, 2007.).

Os choques internos são entendidos como perturbações de maior vulto, que impactam as crenças da coalizão dominante, podendo, portanto, causar a mudança do entendimento acerca de um problema e de sua condução. Os acordos negociados também são apontados como caminho para a mudança, quando não há choques internos ou externos ao subsistema, porém, quando há situações de impasse. O processo de aprendizado político seria uma consequência do processo de negociação entre os membros de várias coalizões, que agem buscando melhor entendimento da realidade para aprimorar seus objetivos políticos (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.). Esse processo favoreceria o acúmulo de conhecimento sobre características de um problema e fatores que o afetam, promovendo a avaliação das alternativas adotadas e impactando a adoção de mudanças em determinadas políticas públicas.

O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS

Da mesma forma que o modelo de coalizões de advocacia, esse modelo também surgiu com o objetivo de proporcionar uma explicação mais abrangente do processo de formulação de políticas públicas, em especial a fase de construção da agenda governamental, dando ênfase ao papel do empreendedor de políticas, rejeitando as representações racionais e lineares do modelo sequencial ou de estágios (WEIBLE e CARTER, 2017WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017.). Para Kingdon (2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.), o processo de formulação da agenda é altamente competitivo, do qual participam diferentes agentes, e as mudanças na agenda ocorrem quando da convergência de três fluxos, que têm uma dinâmica própria e caminham de modo relativamente independente: o fluxo político (politics stream), o fluxo de soluções (policy stream) e o fluxo de problemas (problem stream).

Para que se compreenda o mecanismo subjacente à mudança na agenda, mostra-se necessário compreender primeiro o fluxo de problemas. Nesse sentido, o autor aponta a importância de compreender a diferença do que ele denomina questões (conditions) de problemas. Uma questão é uma situação social percebida, mas que não necessariamente desperta uma ação em contrapartida. Esta apenas se configura como problema quando os formuladores acreditarem que devem agir sobre ela (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.).

O segundo fluxo, de soluções, “ocorre sem estar necessariamente relacionado à percepção do problema” (CALMON e MARCHESINI, 2007CALMON, P. C. P.; COSTA, M. M. Análise de políticas públicas no Brasil: estudos sobre a formação da agenda governamental. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007. p.1-16., p. 8). As alternativas são geradas nas policy communities e aquelas que se mostrem viáveis do ponto de vista técnico e que apresentem custos razoáveis passam a ser difundidas, não só para as comunidades políticas, mas também para o público em geral, construindo progressivamente a aceitação da ideia (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.).

O terceiro fluxo, o político, é composto por elementos como: a opinião pública, grupos de pressão, resultados eleitorais, distribuições partidárias ou ideológicas no Congresso e mudanças na administração (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.). Nesse fluxo, 3 elementos são influentes sobre a agenda governamental: o “humor” nacional (national moodino), as forças políticas organizadas e as mudanças dentro do próprio governo. O humor nacional, “cria uma espécie de ‘solo fértil’ para algumas ideias germinarem” (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUE, E. (Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. 1v. p. 87-124., p. 29). Assim, o humor favorável pode incentivar a promoção de algumas questões e, ao mesmo tempo, desestimular a promoção de outras (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N.; SOARES, A. G.; BRASIL, F. G. Pesquisa em políticas públicas no Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na literatura nacional. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014, Brasília. Anais... Brasília, DF: ABCP, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/pesquisa-politicas-publicas-brasil-mapeamento-aplicacao.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2016.
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).

Os 3 fluxos mencionados têm sua dinâmica própria e caminham com relativa independência e, por vezes, convergem e geram uma oportunidade de mudança na agenda, a qual Kingdon denomina janela de oportunidade (windows opportunity), que constitui momentos transitórios, podendo ocorrer a abertura de “janelas” em determinados momentos, bem como seu fechamento em outros (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.).

Entretanto, para que ocorra o encontro dos 3 fluxos, a figura do empreendedor de políticas (policy entrepreneur) é fundamental, pois sem ele a união entre os fluxos pode não ocorrer. Isso porque tais indivíduos atuam “unindo soluções a problemas; propostas a momentos políticos; eventos políticos a problemas” (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUE, E. (Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. 1v. p. 87-124., p. 31). Geralmente, são especialistas em determinada questão e são hábeis em representar ideias de outros indivíduos ou grupos ou, ainda, podem desfrutar de uma posição de autoridade dentro do processo decisório, o que proporciona receptividade às suas ideias (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N.; SOARES, A. G.; BRASIL, F. G. Pesquisa em políticas públicas no Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na literatura nacional. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014, Brasília. Anais... Brasília, DF: ABCP, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/pesquisa-politicas-publicas-brasil-mapeamento-aplicacao.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2016.
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). A grande habilidade desse tipo de ator é perceber o momento oportuno e agir. Eles investem seus recursos na defesa de propostas, com vistas à obtenção de futuros benefícios. Assim, o empreendedor tem papel central na mudança política (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.; CAPELLA, 2016CAPELLA, A. C. N.; SOARES, A. G.; BRASIL, F. G. Pesquisa em políticas públicas no Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na literatura nacional. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014, Brasília. Anais... Brasília, DF: ABCP, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/pesquisa-politicas-publicas-brasil-mapeamento-aplicacao.pdf >. Acesso em: 20 jun. 2016.
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).

Além da dinâmica dos fluxos políticos, os atores envolvidos no processo também são determinantes para as mudanças na agenda. Kingdon (2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.) diferencia os atores influentes na definição da agenda governamental daqueles influentes apenas na definição de alternativas. Os atores governamentais (a “administração”, os servidores de carreira, os deputados e senadores e seus assessores) têm mais recursos para interferir na formulação das políticas públicas, como “autoridade legal, publicidade, longevidade e uma mistura de informações políticas e técnicas” (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010., p. 43), ao passo que os atores não governamentais (grupos de interesse, acadêmicos, pesquisadores e consultores, opinião pública, partidos políticos) seriam mais influentes na geração de alternativas.

No primeiro grupo, dos atores governamentais, a “administração” inclui o presidente, sua assessoria e os demais cargos cuja indicação cabe exclusivamente a ele. O presidente é o ator mais importante no fluxo político, exercendo um papel dominante, pois detém recursos institucionais, organizacionais e recursos de comando da atenção à formulação da agenda; segundo Kingdon (2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010., p. 23), “nenhum outro ator no sistema político tem a capacidade do Presidente de definir agendas em determinadas áreas políticas para todos os que lidam com essas políticas”.

O MODELO DE EQUILÍBRIO PONTUADO

Desenvolvido por Baumgartner e Jones em 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24., inspira-se em elementos da biologia para explicar a ocorrência de longos períodos de estabilidade, interrompidos ocasionalmente por rompantes de mudanças abruptas, que marcam a trajetória da maior parte das políticas públicas (BAUMGARTNER e JONES, 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.).

Esse modelo assume que os indivíduos operam com racionalidade limitada e, portanto, para lidar com a multiplicidade de questões políticas, os governos delegam autoridade a agentes governamentais (burocratas especializados em uma área de políticas) que, junto com os subgrupos de legisladores e os grupos de interesse, discutiriam vários temas ao mesmo tempo (de forma paralela). Esse grupo de atores foi denominado subsistema por Baumgartner e Jones e também é responsável por construir uma imagem da política, ou seja, uma ideia forte que conecta valores e pode ser comunicada de forma simples com apelo emotivo. Tal imagem ajuda a legitimar um monopólio tanto do entendimento sobre determinada política como sobre arranjos institucionais para lidar com ela.

Uma imagem compartilhada e o monopólio sobre uma política ajudam a manter o status quo e o subsistema atuaria em um processo de feedback negativo, que reforçaria esse status quo, permitindo mudanças apenas de modo incremental (BAUMGARTNER e JONES, 2010).

Quando uma questão consegue emergir no ambiente da macropolítica, onde as questões são tratadas uma de cada vez, ocorrem processos de feedback negativo, com mudanças expressivas que rompem com o status quo. Logo, as decisões governamentais são tomadas em 2 níveis de governo, o nível dos agentes governamentais (que estão localizados nos chamados subsistemas políticos) e o dos líderes do governo (que compõem o que denominaram macrossistemas) (BAUMGARTNER e JONES, 2010).

A explicação sobre períodos de estabilidade e/ou mudança estaria relacionada aos agentes que lidam com aquela questão, ou seja, se ela estiver sendo tratada no subsistema (pelos agentes governamentais) ou no macrossistema (pelos líderes de governo). O modelo assume que muitas questões (policy images) concorrentes sobreviveriam simultaneamente, esperando o momento certo para se expandir (BAUMGARTNER e JONES, 2010).

Subsistemas são caracterizados pela estabilidade e propostas de mudanças são desencorajadas pelo feedback negativo, com pouco ganho dos atores políticos em relação aos investimentos, resultando em equilíbrio e mudança incremental. Ao contrário dos subsistemas, os macrossistemas políticos se caracterizam por intensas e rápidas mudanças, diversos entendimentos sobre uma mesma política (diferentes policy images) e feedback positivo; segundo Baumgartner e Jones (2010BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24., p. 137): “a macropolítica é a política da pontuação - a política de mudanças em larga escala, das imagens que competem, da manipulação política e da reação positiva”.

CAPACIDADE DOS ATORES INFLUENCIAREM O PROCESSO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A capacidade de influência dos atores no processo é diferente na concepção de cada um dos modelos.

No modelo de coalizões de advocacia, o compartilhamento de crenças entre atores diferenciados no interior de uma coalizão e as relações estabelecidas entre essas coalizões seriam responsáveis por influenciar os processos de formação de uma política. O processo político é caracterizado ao mesmo tempo pelo conflito (entre coalizões) e o consenso (intercoalizões). As decisões em políticas públicas seriam resultado desse conflito estabelecido, que funcionaria como um constrangimento e/ou um estímulo para adoção de uma alternativa de política (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.). Parte-se do pressuposto de que a ação dos atores organizados em coalizões concorrentes influencia o resultado da política, ou seja, a alternativa adotada. Os atores agiriam segundo as crenças compartilhadas sobre determinada temática, na tentativa de influenciar decisões sobre uma política, tais como a definição de regras institucionais, a alocação de recursos e as indicações para cargos e funções públicas (SABATIER e SMITH, 1999BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.). A partir das interações entre os atores, o modelo assume que pode ocorrer um movimento de aprendizado político entre os atores que pode mudar seus posicionamentos; além disso, os choques externos podem mudar os recursos disponíveis no subsistema e, por consequência, alterar os arranjos das coalizões, portanto, as coalizões e sua capacidade de influenciar o processo mudam ao longo do tempo.

Contrariamente à perspectiva do modelo de coalizões de advocacia, mais aberto a considerar a capacidade de ação dos atores, o modelo de múltiplos fluxos confere maior ênfase aos recursos possuídos pelos atores e sua posição no ambiente político-institucional como fator explicativo das diferenças da capacidade de influência no processo. Há clara diferença no modelo entre os atores que são influentes na definição da agenda governamental e aqueles que são influentes apenas na definição de alternativas. O primeiro grupo é composto por atores “visíveis”, que recebem considerável atenção da imprensa e do público, são normalmente os políticos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. No segundo grupo se encontram os participantes “invisíveis”, que têm maior importância na geração de alternativas, e incluem-se nesse grupo os especialistas em determinados temas que atuam em comunidades epistêmicas, os acadêmicos e os burocratas (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.).

Nesse caso, ao assumir que os atores governamentais têm mais recursos para interferir na formação da agenda governamental do que os não governamentais, o modelo considera que a capacidade de influência dos atores é determinada pelas próprias características constitutivas do ambiente institucional em que se encontram, ou seja, uma maior ou menor capacidade de influenciar depende da posição ocupada no ambiente político institucional. Um exemplo disso é a figura do presidente, considerado o ator mais importante no fluxo político, pois detém recursos institucionais, organizacionais e o comando da atenção, exercendo um papel dominante na formulação da agenda. Entretanto, nem mesmo o presidente, sozinho, pode determinar o resultado de uma política, pois apesar de possuir os recursos mais importantes, ele não tem controle sobre o fluxo de alternativas (KINGDON, 2010KINGDON, J. W. Agendas, alternatives, and public policy. 2. ed. Nova Iorque: Pearson, 2010.).

Assim, a posição dos atores no ambiente institucional condiciona uma maior ou menor capacidade de influência, na medida em que nem todos os atores têm acesso aos mesmos recursos, sendo que estes últimos são fatores importantes para que os atores consigam inserir suas demandas na agenda. Todavia, o modelo também considera o aspecto da ação individual ao fazer referência à figura do policy entrepreneur, ou empreendedor de políticas, que é o responsável pela junção dos 3 fluxos e, consequentemente, pela ascensão de determinado tema à agenda. Esses indivíduos são responsáveis por unir “soluções a problemas; propostas a momentos políticos; eventos políticos a problemas” (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUE, E. (Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. 1v. p. 87-124., p. 31).

Embora a capacidade de representar ideias e construir consenso seja uma característica da ação individual de determinado ator, Kingdon (2011, p. 180) reforça a importância do componente institucional ao afirmar que tal habilidade pode ser explicada, além de outros fatores, por uma posição de autoridade dentro do processo decisório, “como o Presidente ou o presidente de uma comissão no Congresso”, o que proporcionaria receptividade às ideias do empreendedor.

Assim, a influência exercida por um ator é entendida como consequência de seu posicionamento no ambiente institucional, que faz com que ele possua recursos mais relevantes para influenciar o processo. Entretanto, ao afirmar que o presidente sozinho não é capaz de determinar a agenda, embora seja aquele que mais se aproxima de conseguir isso2 2 Por possuir recursos institucionais (principalmente o poder de veto e o poder de nomear pessoas para cargos-chave do processo decisório), recursos organizacionais (coordenação sobre a máquina administrativa) e recursos de comando da atenção pública (as pessoas são atentas às falas e atitudes presidenciais), além de seu envolvimento pessoal, o presidente é considerado o ator mais forte na definição da agenda. Ver Kingdon (2010, p. 25-26). , o modelo assume que os recursos advindos do posicionamento institucional não são suficientes para explicar isoladamente o processo de agenda-setting. É justamente essa a grande contribuição de sua narrativa, ou seja, a mudança da agenda só ocorrerá em um momento específico; mesmo se atores com grande capacidade de influência a desejarem, ela só virá no momento oportuno, ou seja, quando ocorrer a junção dos 3 fluxos, o que denominou “janela de oportunidade”.

O modelo de equilíbrio pontuado se assemelha bastante ao modelo de múltiplos fluxos no entendimento do comportamento dos atores e em sua capacidade de influência no processo. Assim como o modelo de Kingdon, com a separação dos atores em “visíveis” e “invisíveis”, de acordo com a posição ocupada no sistema e os recursos possuídos, o modelo de equilíbrio pontuado também oferece uma divisão. Para os autores, o sistema político seria dividido em 2 subsistemas, que operariam mudanças de forma seriada (abrupta) e paralela (incremental).

O primeiro seria o chamado macrossistema (o lugar dos aspectos formais - papel do presidente, dos ministros, do Congresso, etc.), composto pelos tomadores de decisão, ou seja, quem realmente consegue influir na política de modo a causar mudanças abruptas. De outro lado, tem-se o subsistema, entendido como o espaço reservado aos especialistas, os quais seriam capazes de influir na política apenas de modo paralelo, sendo responsáveis por mudanças incrementais (BAUMGARTNER e JONES, 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.). O processamento paralelo, no subsistema, estimula mudanças políticas de menor envergadura, uma vez que esse sistema opera “fora do foco político” (TRUE, JONES e BAUGMARTNER 2007TRUE, J. L.; JONES, B. D.; BAUMGARTNER, F. R. Punctuated equilibrium theory. In: SABATIER, P. Theories of the policy process. 2. ed. Cambridge: Westview Press, 2007. p. 155-187., p. 158). A captura de uma questão pelo macrossistema é o momento em que as maiores mudanças em uma política tendem a ocorrer, podendo gerar, como consequência, mudanças nos próprios subsistemas. A criação de uma imagem é considerada componente estratégico na mobilização da atenção do macrossistema em torno de uma questão e, por isso, a disputa para criação de consenso em torno de uma policy image é considerada pelos autores um elemento crucial na luta política.

Logo, os atores institucionalmente dotados dos recursos de decisão são capazes de mudar o curso de uma política de modo abrupto, ao passo que os especialistas, não dotados do mesmo recurso, têm uma capacidade de influência marginal. Assim como no modelo de múltiplos fluxos, no modelo de equilíbrio pontuado a capacidade de influência é dependente dos tipos de recursos que cada ator possui, que são derivados de seu posicionamento no ambiente político-institucional.

Em suma, no modelo de coalizões de advocacia, a capacidade de influência é entendida como consequência da atuação dos atores organizados em coalizões, que lutam por objetivos comuns diante de uma política, e desse embate emergem instrumentos políticos e/ou entendimentos acerca de um problema que moldam a política pública em suas etapas.

Por outro lado, os modelos de múltiplos fluxos e equilíbrio pontuado atribuem menor ênfase à ação coletiva e ao conflito estabelecido entre atores, seja este de ideias, valores ou crenças, e privilegiam a explicação dos diferentes níveis de influência dos atores no processo como consequência dos recursos que têm, que, por sua vez, dependem da posição ocupada no ambiente político-institucional.

MUDANÇA E ESTABILIDADE NAS POLÍTICAS

O modelo de coalizões de advocacia compreende a mudança de forma ampla, podendo ir desde a mudança da dinâmica do subsistema político onde ocorrem as decisões até as mudanças no conteúdo da política, sendo a primeira induzida por fatores externos e as segundas induzidas por fatores internos ao subsistema. Por exemplo, a mudança quanto ao entendimento de um problema por parte das coalizões (que ocorre internamente ao subsistema) pode ocasionar mudanças no conteúdo da política. Por outro lado, mudanças das estruturas de oportunidades das coalizões (p. ex., maior abertura do sistema político) impactam o comportamento das coalizões, alterando o grau de consenso necessário a ser atingido para uma decisão, o que, por sua vez, pode alterar a dinâmica do processo decisório.

O modelo se preocupa especialmente em explicar a mudança, procurando teorizar sobre seus fatores determinantes (que identificou como sendo os inputs do ambiente externo ao subsistema, choques internos, acordos negociados e o aprendizado político), inclusive estabelecendo hipóteses (SABATIER e WEIBLE, 2007WEIBLE, C. M. An advocacy coalition framework approach to stakeholder analysis: understanding the political context of California Marine Protected Area policy. Journal of Public Administration Research And Theory, v. 17, n. 1, p. 95-117, 2007.; WEIBLE, SABATIER e MCQUEEN, 2009WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017.).

O conceito de aprendizado político, que foi definido pelos autores como “alternâncias relativamente duradouras de pensamento ou intenções comportamentais que resultam da experiência e/ou de novas informações e que estão relacionadas à realização ou revisão de objetivos políticos” (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999., p. 123) demonstra sua preocupação com o fato de que os próprios atores podem mudar suas percepções a partir da interação com os demais. Eventos externos a determinado subsistema apresentariam estímulos à geração de mudanças. São exemplos disso as mudanças em condições sociais, econômicas e políticas; decisões sobre outras políticas públicas; e impactos de outros subsistemas de política. Os choques internos são entendidos como perturbações de maior vulto, à semelhança dos eventos focalizadores3 3 Não são necessariamente eventos, mas sim imagens associadas a uma política, podendo ser crises, desastres ou símbolos, que auxiliam na chamada de atenção do governo para determinadas questões (conditions), para transformá-las em problemas aptos a ser inseridos na agenda (KINGDON, 2010; CAPELLA, 2007). do modelo de Kingdon, que impactam as crenças da coalizão dominante, podendo, portanto, causar a mudança do entendimento de um problema e da sua condução. Os acordos negociados também são apontados como caminho para a mudança, quando não há choques internos ou externos ao subsistema, porém, quando há situações de impasse (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.).

Cabe destacar que nenhuma das hipóteses traçadas pelo modelo se preocupa em explicar a estabilidade. Entretanto, consideram que quando nenhuma das hipóteses de mudança ocorre, têm-se processos decisórios lentos e complexos, permeados pelos conflitos de crenças políticas dos atores (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999SABATIER, P. A.; JENKINS-SMITH, H. The advocacy coalition framework: an assessment. Theories of the Policy Process, v. 118, p. 188, 1999.).

Ao contrário do modelo de coalizões de advocacia, que compreende a mudança tanto relacionada à dinâmica do subsistema quanto o conteúdo da política, o modelo de múltiplos fluxos se preocupa com um tipo específico de mudança, ou seja, a mudança da agenda governamental, seja por meio da inclusão de novos temas ou mesmo do abandono de temas antes considerados estratégicos. Nesse caso, a unidade de análise não é um sistema ou subsistema, mas sim “fluxos” que ocorrem de forma paralela e independente: fluxo de problemas, fluxo político e fluxo de soluções.

Os 3 fluxos mencionados têm sua dinâmica própria, caminham com relativa independência e, por vezes, convergem e geram uma oportunidade de mudança da agenda, a qual Kingdom denomina janelas de oportunidade (windows opportunity), que constituem momentos transitórios, podendo ocorrer a abertura de “janelas” em determinados momentos, bem como seu fechamento em outros. É nesse momento que uma condição consegue atrair a atenção dos formuladores de políticas públicas e é também no mesmo momento que há mudanças no fluxo político, as quais permitem mudanças da agenda. E, assim, os formuladores passam a procurar alternativas para os problemas, que já foram desenvolvidas paralelamente no fluxo de soluções. Dessa forma, Kingdon aponta que a abertura de janelas de oportunidade é influenciada, sobretudo, pelo fluxo de problemas e pelo fluxo político (CAPELLA, 2007CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUE, E. (Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. 1v. p. 87-124.).

Kingdon não se preocupou em explicar a estabilidade do processo de agenda-setting, embora tenha assumido que a fragmentação das policy communities influenciaria a estabilidade da agenda. Essa falta de abordagem dos momentos de estabilidade foi objeto de crítica dos autores Baumgarter e Jones (1993), que, em seu modelo, procuraram justamente diferenciar esses momentos, afirmando que mudanças substantivas ocorreriam em momentos de ruptura e mudanças incrementais nos momentos de estabilidade.

O modelo de equilíbrio pontuado foi desenvolvido preocupando-se em responder porque “os processos das políticas públicas são muitas vezes conduzidos por uma lógica de estabilidade e incrementalismo, mas ocasionalmente também produzem mudanças em grande escala com relação ao passado” (BAUMGARTNER e JONES, 1999, p. 97). Portanto, a compreensão de como ocorrem essas mudanças em larga escala é o objetivo principal da análise. O modelo de equilíbrio pontuado se assemelha ao modelo de múltiplos fluxos, no tocante ao entendimento do funcionamento do processo das políticas públicas. Ao invés de fluxos, o primeiro faz referência ao “processamento” de problemas em 2 níveis, no nível dos líderes governamentais (macro) e no nível dos agentes governamentais (micro). As mudanças de pequena envergadura, consideradas incrementais, seriam fruto das decisões tomadas no microssistema ou subsistemas político-institucional, nos quais as diferentes questões são processadas de forma paralela. Já as mudanças radicais seriam fruto das decisões tomadas no macrossistema político-institucional, onde as questões são tratadas em série (BAUMGARTNER e JONES, 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.).

Em relação à mudança e à estabilidade, o modelo assume que, quando uma questão é capturada por um microssistema, tem-se um período de equilíbrio ou quase equilíbrio, por outro lado, quando uma questão entra na agenda macropolítica, ocorrem períodos de desequilíbrio, período em que a agenda em políticas públicas pode mudar muito rapidamente, contrariando o consenso de ideias estabelecidas (BAUMGARTNER e JONES, 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.). Os subsistemas têm como característica principal sua estabilidade, ou seja, os atores nesse nível tendem a tomar decisões apenas incrementais, pois há pouco custo-benefício para os atores políticos, prevalecendo mudanças lentas, graduais e incrementais. Ao contrário, os macrossistemas se caracterizam por intensas e rápidas mudanças (BAUMGARTNER e JONES, 1993BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Punctuated equilibria in politics. In: BAUMGARTNER, F.; JONES, B. Agendas and instability in American politics. Chicago: University of Chicago Press, 1993. p. 3-24.).

Tem-se, então, uma associação entre a dinâmica do processo (sua mudança ou estabilidade) e a tomada de decisão por diferentes atores (no subsistema ou macrossistema). Em outras palavras, as diferenças dos recursos possuídos pelos atores explicam não só as diferentes intensidades que conseguem influenciar o processo, mas também a magnitude dos reflexos que tais decisões podem causar.

Percebe-se que os 3 modelos se preocupam em explicar a mudança (seja a mudança da agenda, a mudança da dinâmica do subsistema e do conteúdo da política ou a mudança abrupta), buscando teorizar sobre os fatores envoltos na sua explicação. Comparando esses 3 modelos, tem-se que o modelo de coalizões de advocacia se preocupa em explicar os fatores indutores de mudança, pois estes podem alterar a dinâmica de negociação das coalizões e o conteúdo da política. Ou seja, o objeto de análise é o processo decisório, buscando compreender como a atuação das coalizões molda a política pública. O foco não é explicar porque as mudanças ocorrem, mas como a política pública é um produto dessas interações. Os outros 2 modelos, que possuem uma visão processual, ao contrário da visão sistêmica do modelo de coalizões de advocacia, encaram a mudança como o próprio objeto de análise, como no caso do modelo de equilíbrio pontuado seu objetivo é investigar por que ocasionalmente longos períodos de estabilidade são interrompidos por mudanças abruptas, e no caso do modelo de múltiplos fluxos a pergunta central é: Porque temas ascendem à agenda mudando o status quo?

O Quadro 1 sintetiza o que foi apresentado nesta seção.

Quadro 1
Capacidade de exercer influência dos atores e mudança/estabilidade do processo das políticas públicas nos modelos tradicionais

Como apontado nesta seção, cada modelo apresenta um objeto de análise específico e cada um tem sua intepretação sobre mudança e estabilidade e sobre a capacidade de influência dos atores. Percebeu-se que os 3 modelos se preocupam a priori em compreender a mudança, embora cada um tenha seu próprio entendimento sobre ela. A capacidade de influência, por sua vez, é entendida como consequência da ação dos atores a partir da formação de coalizões, no modelo de coalizões de advocacia, e nos outros modelos é entendida como consequência dos recursos possuídos, devido à posição ocupada no sistema político institucional.

Em suma, percebe-se que os 3 modelos pretendem explicar a priori os momentos de mudança e entendem mudança e estabilidade como dimensões que podem ser identificadas individual e separadamente. Por exemplo, a estabilidade ocorre no modelo de equilíbrio pontuado, quando uma questão é tratada no subsistema, gerando apenas ajustes incrementais, no modelo de coalizões de advocacia, quando nenhuma das hipóteses indutoras de mudança ocorre, tem-se um período de estabilidade, e, por fim, no modelo de múltiplos fluxos, quando não ocorre a abertura de uma janela de oportunidade e a união dos 3 fluxos pelo empreendedor, tem-se a estabilidade e a manutenção do status quo. Assim, a estabilidade é entendida como um momento no qual as condições para a mudança não ocorrem, permitindo que o pesquisador “separe” os 2 momentos quando da análise do processo. A capacidade de influência, por sua vez, é entendida como dependente da ação coletiva dos atores (modelo de coalizões de advocacia), ou como consequência do posicionamento dos atores no ambiente político-institucional (nos modelos de equilíbrio pontuado e de múltiplos fluxos). A partir da sintetização desses construtos, traçamos a seguir reflexões e apontamentos que podem direcionar o avanço teórico na área.

REFLEXÕES TEÓRICAS E APONTAMENTOS DE PESQUISA

Uma primeira reflexão que se pode apontar a partir da análise empreendida é a necessidade de avançar teoricamente quanto à análise da mudança e estabilidade, entendendo-as não como categorias separadas, mas analisando como elas ocorrem de forma inter-relacionada.

Wiering, Liefferink e Crabbé (2017WIERING, M.; LIEFFERINK, D.; CRABBÉ, A. Stability and change in flood risk governance: on path dependencies and change agents. Journal of Flood Risk Management, p. 1-9, 2017.), em artigo publicado na edição especial do Jornal of Flood Risk Management, analisam a dinâmica do sistema político de gerenciamento de risco de inundações, identificando as principais direções e tendências e assumindo que estabilidade e mudança podem reforçar-se ou neutralizar-se mutuamente. Os autores combinaram insights das 3 teorias revisadas neste artigo e também da análise do discurso, e do modelo de policy arrangements approach. Os autores afirmaram que cada uma das teorias negligencia ou subestima as forças de estabilidade e mudança, sendo necessária uma abordagem alternativa.

Concluem que a evolução das políticas de gerenciamento de risco de inundações em determinado país é resultado da interação específica de forças de estabilidade e mudança. Com base na análise comparativa em 4 países, os autores identificaram 5 combinações típicas (clusters) de forças de estabilidade e mudança que podem ajudar a explicar a dinâmica das políticas e dos arranjos institucionais nacionais sobre a gestão de risco de inundações. Nesse caso, o foco de análise é a dinâmica dessas políticas, objetivando compreender sua evolução.

Esse foco de análise se torna relevante principalmente ao se ter em conta a complexidade dos ambientes institucionais nos quais as políticas públicas são formuladas na atualidade e as rápidas mudanças do sistema político influenciadas pelos processos de globalização (ANDERIES e JANSSEN, 2013ANDERIES, J. M.; JANSSEN, M. A. Robustness of social-ecological systems: implications for public policy. Policy Studies Journal, v. 41, n. 3, p. 513-536, 2013.), o que, segundo Hill e Varone (2016HILL, M.; VARONE, F. The public policy process. New York: Taylor & Francis, 2016., p. 165) torna “até os sistemas administrativos mais estáveis, sujeitos a processos de mudanças que ocorrem a todo momento”, porém, segundo os autores, a maioria dos estudos em análise de políticas ainda se focam nos estudos das mudanças abruptas (HILL e VARONE, 2016HILL, M.; VARONE, F. The public policy process. New York: Taylor & Francis, 2016.).

Nesse sentido, um apontamento para pesquisas futuras, seria orientar a análise do processo para compreender sua dinâmica como um todo, sem buscar teorizar sobre momentos de mudanças abruptas ou incrementais ou buscar investigar os fatores indutores de mudança, como já feito pelas teorias abordadas. Uma pergunta de pesquisa para avançar nesse sentido seria:

Como a dinâmica do processo (permeada por forças de mudança e estabilidade que estão inter-relacionadas) moldam o conteúdo da política?

Outra reflexão que se estabelece aqui é a possibilidade de ampliar o entendimento sobre a capacidade de influência dos atores, a partir da combinação de seus elementos determinantes já identificados nas teorias analisadas: a capacidade de estabelecer relacionamentos visando a alcançar seus objetivos no processo (coalizões e/ou redes) e os recursos possuídos pelos atores.

Como visto nas teorias revisadas, os recursos dos atores (relacionados à sua posição no ambiente político institucional) e sua capacidade de articular-se e estabelecer relações para defender seus interesses, ideias e/ou crenças, parecem ser dimensões igualmente importantes da capacidade de influência dos atores.

Um direcionamento para pesquisas futuras pode ser a investigação de como essas duas dimensões conjuntamente (os recursos possuídos e as relações estabelecidas) contribuem para o aumento da capacidade de influência dos atores e como ela impacta a dinâmica do processo e o conteúdo da política. O diferencial proposto consiste em combinar as duas dimensões na análise e investigar a relação entre capacidade de influência e dinâmica/conteúdo da política.

Elgin e Weible (2013ELGIN, D. J.; WEIBLE, C. M. A stakeholder analysis of Colorado climate and energy issues using policy analytical capacity and the advocacy coalition framework. Review of Policy Research, v. 30, n. 1, p. 114-133, 2013.) parecem apontar nessa direção. Os autores analisaram o caso da política climática e energética do Colorado, nos EUA, combinando o modelo de coalizões de advocacia e o modelo de policy analytical capacity, para avaliar os recursos individuais e organizacionais dos atores que formam as coalizões. A combinação dos 2 modelos se justifica pelo fato de que o modelo de coalizões de advocacia não se preocupou, em sua primeira versão, em teorizar sobre os recursos e como estes seriam utilizados pelos atores individualmente e pelas coalizões de advocacia. Uma aproximação nesse sentido se encontra em Weible (2007)WEIBLE, C. M.; CARTER, D. P. Advancing policy process research at its overlap with public management scholarship and nonprofit and voluntary action studies. Policy Studies Journal, v. 45, n. 1, p. 22-49, 2017., que identificou 5 tipos de recursos utilizados pelos atores: recursos financeiros, autoridade legal formal, grupos mobilizáveis, acesso à informação técnica e científica e influência sobre a opinião pública. Entretanto, Weible, Sabatier, Jenkins-Smith et al. (2011)WEIBLE, C. M. et al. A quarter century of the advocacy coalition framework: an introduction to the special issue. Policy Studies Journal, v. 39, n. 3, p. 349-360, 2011. reconhecem que esse ainda é um dos aspectos pouco desenvolvidos no modelo.

O objetivo de Elgin e Weible (2013ELGIN, D. J.; WEIBLE, C. M. A stakeholder analysis of Colorado climate and energy issues using policy analytical capacity and the advocacy coalition framework. Review of Policy Research, v. 30, n. 1, p. 114-133, 2013.) é combinar a capacidade individual e a capacidade organizacional com a análise do conflito no processo decisório, possibilitado pelo arcabouço analítico do modelo de coalizões de advocacia. Entretanto, os autores não relacionam diretamente os recursos possuídos à capacidade de influência individual ou organizacional, sendo esta última compreendida no âmbito de atuação das coalizões. Argumenta-se que essa pode ser uma possibilidade de avançar na teorização, ao buscar compreender a relação direta entre recursos e capacidade de articulação via coalizões sobre a capacidade de influência dos atores individuais e organizacionais.

As reflexões aqui apresentadas são apenas apontamentos iniciais que podem formar uma agenda de pesquisa mais ampla e partilhada entre os autores do campo de análise de políticas públicas. Acredita-se que a mudança no foco de análise para a dinâmica do processo das políticas, ao invés do foco em períodos específicos (ou de mudança ou de estabilidade) e o alargamento do entendimento sobre conceitos-chave, como a capacidade de influência, podem trazer contribuições para aumentar a capacidade explicativa quanto aos resultados e a evolução das políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi ampliar o entendimento sobre o processo das políticas públicas a partir da sistematização de seus principais construtos, apresentando reflexões teóricas e apontamentos para uma agenda de pesquisa. Percebe-se que os 3 modelos almejam explicar a priori a mudança e entendem que a estabilidade emerge quando as condições necessárias para a ocorrência da primeira não se fazem presentes. A capacidade de influência, por sua vez, ora é entendida como dependente de fatores individuais, ora como consequência do posicionamento dos atores no ambiente político-institucional.

A partir da sintetização e análise dos construtos em cada modelo, levantamos algumas reflexões teóricas apontando a composição de uma agenda de pesquisa: 1) a possibilidade de analisar a dinâmica do processo das políticas públicas, compreendendo mudança e estabilidade como instâncias que estão inter-relacionadas; e 2) análise da capacidade de influência dos atores em função tanto dos recursos possuídos como das relações estabelecidas (coalizões e/ou redes). A contribuição última de tais apontamentos seria compreender como a dinâmica e a capacidade de influência moldariam o conteúdo da política.

Pondera-se, ainda, que nossas reflexões teóricas podem ser operacionalizadas em trabalhos empíricos a partir da combinação das proposições de mais de um modelo, de modo a permitir analisar a dinâmica e a capacidade de influência sobre as novas óticas propostas. Contudo, também, a sistematização e as reflexões empreendidas podem auxiliar na estruturação de um futuro modelo para análise de políticas públicas.

Para tanto, é importante que os pesquisadores identifiquem um objeto de pesquisa em que essas análises sejam relevantes. Por exemplo, para o caso de estudos comparativos, parece ser relevante a compreensão da dinâmica do processo por um longo período de tempo. Já a análise da capacidade de influência nessa perspectiva sugerida parece ser útil em processos decisórios nos quais se reúnem uma grande gama de atores diferenciados e em assuntos nos quais diversos interesses colidem, como as políticas ambientais - por exemplo. O próximo passo é realizar estudos empíricos, para que se possa verificar até que ponto essas novas dimensões de análise podem contribuir para alargar o entendimento sobre os resultados e a evolução das políticas públicas.

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  • 1
    Optou-se por utilizar, neste artigo, um entendimento de capacidade de influência semelhante à noção de poder na perspectiva de Morris (2002MORRIS, P. Power: a philosophical analysis. Manchester: Manchester University Press, 2002., p. 288), ou seja, como “capacidade de fazer coisas”, e também em consonância com a definição de Parsons (1963)PARSONS, T. On the concept of political power. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 107, n. 3, p. 232-262, 1963., que entende o poder como habilidade ou potencial. Vale destacar que tal entendimento remete a uma ideia de poder intersubjetivo, implicando uma interação, uma interdependência, entre sujeitos, quer sejam os mais poderosos e/ou os menos poderosos. Enfim, a capacidade de influência dos atores é vista, aqui, como sua capacidade de provocar ou prevenir atos e interações para atingir determinado objetivo no processo político.
  • 2
    Por possuir recursos institucionais (principalmente o poder de veto e o poder de nomear pessoas para cargos-chave do processo decisório), recursos organizacionais (coordenação sobre a máquina administrativa) e recursos de comando da atenção pública (as pessoas são atentas às falas e atitudes presidenciais), além de seu envolvimento pessoal, o presidente é considerado o ator mais forte na definição da agenda. Ver Kingdon (2010, p. 25-26).
  • 3
    Não são necessariamente eventos, mas sim imagens associadas a uma política, podendo ser crises, desastres ou símbolos, que auxiliam na chamada de atenção do governo para determinadas questões (conditions), para transformá-las em problemas aptos a ser inseridos na agenda (KINGDON, 2010; CAPELLA, 2007).
  • Os autores agradecem os comentários e sugestões dos revisores anônimos e o apoio financeiro do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Tocantins (PPGDR / UFT).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2016
  • Aceito
    28 Nov 2017
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