Acessibilidade / Reportar erro

Administração, uma ciência infantil?

Management, a sciencia in its childhood?

CASOS E WORKING PAPERS

Administração, uma ciência infantil?

Management, a sciencia in its childhood?

Tânia Mezzomo Keinert

Pesquisador Científico III, Instituto de Saúde, Coordenadoria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Secretaria de Estado da Saúde/SP. Pós-doutorado em Gestão da Qualidade de Vida na University of Texas at Austin, Doutorado em Administração na EAESP/FGV. Endereço: Rua Desembargador do Vale, n. 64 apto. 71 Perdizes - São Paulo-SP. Brasil- CEP:05010-040 E-Mail: taniakeinert@gvmail.br

Este working paper discute algumas das noções de Thomas Kuhn como paradigmas, incomensurabilidade, ciência normal, crise e revolução científica, no contexto específico da área de administração. A hipótese subjacente, ainda não perfeitamente elaborada, é a de que se poderia caracterizar a existência de "paradigmas" no campo. Trata-se de reflexões preliminares cujo objetivo maior é levantar a discussão e trazer contribuições a respeito.

O ponto de partida é o recente debate travado no campo da administração, no Brasil, sobre a existência ou não de paradigmas, a natureza e a qualidade de sua produção (FACCHIN e CAVEDON, 2003; BERTERO, C. O.; CALDAS, M. P.; WOOD JR.,T, 1998; CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T, 1999; BERTERO e KEINERT, 1994; KEINERT, 1994 e 2000; VERGARA e CARVALHO, 1995; VERGARA e PINTO, 2000, RODRIGUES, 1997; FACCHIN, & RODRIGUES, 1999; RODRIGUES e CARRIERI, 2000; MACHADO-DASILVA, CUNHA e AMBONI, 1990, FACCHIN, R.C.,1990; dentre outros).

Inicialmente, deve ser observado que as noções seminais de paradigma, incomensurabilidade, ciência normal e revolução científica, desenvolvidas por Thomas Kuhn, têm sido mal utilizadas, muitas vezes, sem uma análise profunda e detalhada das concepções kuhnianas, revistas pelo seu autor (morto em 1996) nos 30 anos posteriores à edição do famoso livro A estrutura das revoluções científicas.

Diversidade e multiplicidade de proposições são confundidas com a tese da não-cumulatividade ou incomensurabilidade dos paradigmas. Ora, uma coisa nada tem a ver com a outra, na medida em que, para empregar com seriedade os conceitos kuhnianos é preciso entender que a cumulatividade ocorre dentro de um mesmo paradigma, enquanto a incomensurabilidade ocorre entre os paradigmas.

Assim, no campo da administração, pode-se reconhecer comunidades de pesquisadores que compartilham de um mesmo paradigma (por exemplo, sustentabilidade, reunindo pesquisadores da área de produção, finanças e organizações) ou diferentes paradigmas estabelecidos, competindo pela hegemonia do campo, como é o caso das abordagens de cunho humanista e das de orientação econômico-financeira, por exemplo; ou, ainda, das vertentes quantitativa e qualitativa, orientações francesa ou americana, de cunho funcionalista ou dialético.

Aqui, um primeiro ponto para reflexão. Em que medida o suposto pluralismo do campo esconde sua tremenda fragmentação e uma certa resistência da comunidade acadêmica da área em filiar-se a linhas de pesquisa e a projetos de maior fôlego, articulados em grupos de pesquisa interinstitucionais? É o medo de compartilhar um conjunto de pressupostos (paradigmas) e elevar a administração ao patamar de uma ciência em período "normal" (e não em crise)? Ou talvez seja característica de uma área que traz em si a contribuição de inúmeras outras ciências sociais, o que a tornaria fragmentada por natureza? Em outras palavras, os pesquisadores somente "emprestariam" de suas áreas de origem aqueles pressupostos, negando-se a compartilhá-los e a recriá-los na área de administração? Se assim o fosse não teríamos jamais produção original na área, apenas "aplicação" de conceitos emprestados de outras ciências?

Nessa linha de raciocínio, seria a "complexidade" dos fenômenos organizacionais responsável pela manutenção da ciência administrativa em estado constante de crise (e pretensamente de "revolução científica"), o que jamais a tiraria de sua infância?

Para finalizar provisoriamente estas breves reflexões, cabe assinalar que o surgimento de grupos de pesquisa, prêmios científicos, novas revistas e conselhos editoriais pode ser considerado sinal do surgimento de comunidades acadêmicas que compartilham determinados paradigmas. É o que verifica-se nessa área, na qual, nos últimos tempos, foram criados os mais diversos prêmios, uma dúzia de novas revistas (especialmente eletrônicas, utilizando-se das novas tecnologias da informação), novos corpos editoriais e grupos de pesquisa interinstitucionais. Igualmente se verifica grande vigor na pós-graduação stricto sensu, com 75 programas na (grande) área de ciências sociais aplicadas, constituindo-se na subárea de maior presença quantitativa, superando em 50 por cento as duas seguintes, direito e economia.

As evidências elencadas no parágrafo anterior seriam por si só demonstrativas do crescimento da ciência da administração em direção à constituição de um fenômeno paradigmático no campo, de forma que não continuaremos a assistir à fragmentação infantil e não-cumulativa da área. Será? O tempo, a pesquisa, a produção (e os pesquisadores do campo) dirão...

  • ADLER, E.; HAAS, P M. Conclusion: epistemic communities, world order and the creation of a reflective research program. International Organization, v.46, n.1, p.367-390, 1992.
  • BERTERO, C. O.; CALDAS, M. P.; W OOD JR., T. Critérios de avaliação da produção científica em administração no Brasil. São Paulo: NPP/Eaesp, 1998. (Relatório de pesquisa).
  • ______; KEINERT, T. M. M. A evolução da produção brasileira em análise organizacional a partir dos artigos publicados pela RAE no período de 1961-93. Revista de Administração de Empresas, v.34, n.3, p.81-90, 1994.
  • CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (Org. ed. brasileira). Modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. Handbook de Estudos Organizacionais São Paulo: Atlas, 1999. v.1, p.61-98.
  • FACHIN, R. C. Transferência de tecnologia administrativa, o ensino de graduação em administração e o papel da pós-graduação. Revista de Administração, IA/FEA/USP, v.25, n.4, p.22-28, out./dez. 1990.
  • ______; CAVEDON, N. R. Em busca da especificidade da influência francesa na análise organizacional no Brasil. Cadernos Ebape, Rio de Janeiro, v.I, n.1, ago. 2003. Disponível em: <www.ebape.fgv.br/cadernosebape>
  • ______; RODRIGUES, S. B. Nota técnica: teorizando sobre organizações - vaidades ou pontos de vista? in CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (org. edição brasileira) Handbook de Estudos Organizacionais São Paulo: Atlas, 1999. v.1, p.61-98.
  • HAAS, P. M. Introduction: epistemic communities and international policy coordination. International Organization, v.46, n.1, p.1-35., 1992.
  • KEINERT, T. M. M. Paradigmas da administração pública no Brasil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, jul. 1994.
  • ______ Administração pública no Brasil: crise e mudança de paradigmas. São Paulo: Fapesp/Annablume Editora, 2000.
  • MACHADO-DA-SILVA, C.; CUNHA, V. C.; AMBONI, N. Organizações: o estado da arte da produção acadêmica no Brasil. In: Enanpad, 14., 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Anpad, 1990. v.6, p.11-28.
  • PUGH, D. S.; HICKSON, D. J. Writers on organizations London: Sage, 1997.
  • REED, M. Teorização organizacional: um campo historicamente contestado. In: CLEGG, S. R.; HARDY, C.; NORD. W . R. (Org. edição original); in CALDAS, M.; FACHIN, R.; FISCHER, T. (org. edição brasileira) Handbook de Estudos Organizacionais São Paulo: Atlas, 1999. v.1, p.61-98.
  • RODRIGUES, S. B. Organization studies: Anglo-Saxon knowledge in Brazil. Ensaios de Administração, UFMG, Belo Horizonte, n.002, 1997.
  • RODRIGUES, S. B.; CARRIERI, A. P. A tradição anglo-saxônica nos estudos organizacionais brasileiros. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS (Eneo), 1., 2000, Curitiba: Anpad/Ceppad-UFPR, jun. 2000. CD-ROM.
  • VERGARA, S. C.; CARVALHO, D. D. Nacionalidade dos autores referenciados na literatura brasileira sobre organizações. In: ENANPAD, Anais... João Pessoa: ANPAD, 1995 v.6, p.169-188.
  • VERGARA, S. C.; PINTO, M. C. S. Nacionalidade das referências teóricas em análise organizacional: um estudo das nacionalidades dos auto-res referenciados na literatura brasileira. In: I Encontro Nacional de Estudos Organizacionais (ENEO), Curitiba, Paraná: ANPAD/CEPPADUFPR., junho 2000. CD-ROM.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br