Resumo
A pesquisa objetiva compreender os sentidos do trabalho emergentes no contexto laboral de startups. Teoricamente, as literaturas sobre startups e sentidos do trabalho são revisadas e os cinco paradoxos sobre sentidos do trabalho, propostos por Bailey et al. grama de Pós (2019), constituem a referência teórica para proposições conclusivas sobre os resultados, após sua análise. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, baseada na escuta em profundidade a oito empreendedores e profissionais que trabalham em startups. Os dados foram analisados mediante a técnica de análise e interpretação dos núcleos de sentido, tendo emergido os seguintes sentidos: aprendizagem; crescimento e autonomia; valorização das relações; contribuição social; utilidade organizacional. Os cinco paradoxos de Bailey et al. (2019) ensejaram conclusões reflexivas peculiares sobre os sentidos do trabalho em startups, apontando caminhos para estudos futuros.
Palavras-chave:
Sentidos do trabalho; Startups; Paradoxos
Abstract
The research aims to understand meaningful work in startups. Theoretically, the literature on startups and meaningful work are reviewed, and the five paradoxes of meaningful work proposed by Bailey et al. (2019) constitute the theoretical reference for conclusive propositions on the results after their analysis. This qualitative, exploratory-descriptive study is based on in-depth interviews with eight entrepreneurs and professionals working in startups. The data were analyzed using the technique of meaning core analysis and interpretation, and the following factors emerged: learning; growth and autonomy; importance of interpersonal relationships; social contribution; and organizational utility. The five paradoxes of Bailey et al. (2019) led to unique reflective conclusions about meaningful work in startups, pointing to directions for future studies.
Keywords:
Meaningful Work; Startups; Paradoxes
Resumen
La investigación tiene como objetivo comprender el significado del trabajo en el contexto laboral de las startups. Teóricamente, se revisa la literatura sobre startups y los significados del trabajo, y las cinco paradojas del significado del trabajo propuestas por Bailey et al. (2019) constituyen la referencia teórica para las proposiciones conclusivas sobre los resultados después de su análisis. Metodológicamente, se trata de un estudio cualitativo, exploratorio-descriptivo, basado en entrevistas en profundidad con ocho emprendedores y profesionales que trabajan en startups. Los datos se analizaron utilizando la técnica de análisis e interpretación de núcleos de significado, y surgieron los siguientes significados: aprendizaje; crecimiento y autonomía; valorización de las relaciones; contribución social; utilidad organizacional. Las cinco paradojas de Bailey et al. (2019) condujeron a conclusiones reflexivas únicas sobre el significado del trabajo en las startups, señalando direcciones para estudios futuros.
Palabras clave:
Significados del trabajo; Startups; Paradojas
INTRODUÇÃO
As startups, surgidas no Vale do Silício, região que hospeda o maior ecossistema de startups (Oliveira & Ribeiro, 2018), estão no epicentro do capitalismo contemporâneo (Barbosa & Mansano, 2023). Em um mundo cada vez mais digital, elas simbolizam avanço tecnológico, sendo consideradas prioritárias para o crescimento econômico (Kozusznik, Aaldering, & Euwema, 2020).
As startups se distinguem das empresas tradicionais por se tratarem de organizações que, em lugar de executarem um modelo de negócio pré-definido, atuam na busca de um modelo de negócio que seja repetível e escalável (Blank, 2013). Em função disso, são projetadas para atuar em condições de incerteza na concepção de seus produtos e serviços, com interação rápida e próxima aos consumidores para os bons resultados (Ries, 2011). Elas são caracterizadas como detentoras de potencial inovador disruptivo não só em relação aos produtos e serviços, mas no tocante à organização do trabalho e à constituição da subjetividade do trabalhador, em um contexto flexível e permeado por reestruturações (Barbosa & Mansano, 2023; Rocha, 2022).
Quanto às pesquisas envolvendo startups, existe uma concentração teórica sobre a sustentabilidade, o ecossistema empreendedor e a geração de valor (Reis, Galvão, Fleury, & Carvalho, 2017; Oliveira & Zotes, 2018; Karambakuwa & Bayat, 2023; Wei, Lee, Jia & Roh, 2023), sendo incipiente os estudos relacionados à interação entre startups e os trabalhadores (Faria, 2019; Henry, 2020; Melenchion, 2023). Trata-se, portanto, de uma lacuna importante a ser considerada nos estudos de campos híbridos, como o dos estudos organizacionais e da gestão de pessoas.
Segundo Colomby e Costa (2018), os sentidos do trabalho surgem a partir da apreensão e análise intrapsíquica dos significados do trabalho, configurando-se em uma dimensão pessoal. Por configurarem uma dimensão singular, os sentidos do trabalho envolvem aspectos mais subjetivos do contexto laboral (Bianchi, 2018), o que implica na dificuldade de elucidar tais sentidos (Costa, Marques, & Ferreira, 2020).
Diante da lacuna percebida e da importância da identificação e da compreensão dos sentidos do trabalho em novos contextos laborais, o estudo partiu da seguinte questão de pesquisa: Quais os sentidos do trabalho, nos contextos laborais de startups? Como objetivo, pretendeu-se compreender os sentidos do trabalho, nos contextos laborais de startups.
REFERENCIAL TEÓRICO
Startups e a inovação dos contextos organizacionais
As startups começaram a se propagar no mercado mundial entre os anos de 1990 e 2000, durante o advento da “bolha” da internet nos Estados Unidos, marcada pelo surgimento das empresas Pontocom (Gonzaga, Figueiredo, Souza, & Passos, 2020). Embora ocupem cada vez mais espaço na conjuntura mercadológica contemporânea e sejam reconhecidas por seu potencial inovador, ainda não há consenso acerca de sua definição, formato e características (Melo, Tavares, Felix, & Batista-dos-Santos, 2019), podendo, por vezes, vários indivíduos imersos nesse contexto darem respostas diferentes sobre sua definição (Rocha, 2022). Tal diversidade de interpretações pode ser um indicador da complexidade das startups, principalmente por representarem novas possibilidades de empreender e, consequentemente, de gerenciar pessoas e recursos (Rocha, 2022).
Mesmo diante da multiplicidade de definições, existem aspectos que auxiliam a caracterização das startups e suas dinâmicas. Elas são consideradas, pelo mainstream, empresas de base tecnológica, em estágio inicial, que se diferenciam pela orientação para inovação e busca de um modelo de negócio pautado em recorrência, escalabilidade e lucratividade (Ries, 2011; Blank & Dorf, 2012; Blank, 2013), operando com altos riscos, níveis de incerteza e mudanças nas suas equipes (Brattstrom, 2019), o que dificulta seu gerenciamento e aumento da probabilidade de fracasso (Munir & Beh, 2019).
Recorrência, lucratividade e escalabilidade se desdobram em dinâmicas próprias no contexto das startups, como proposto por Blank (2013), ao diferenciar as lean startups das empresas tradicionais, em aspectos como estratégia, organização e forma de lidar com erros. No tocante à estratégia, a dinâmica é a da busca por um peculiar modelo de negócios, diferentemente das empresas tradicionais que estabelecem e executam planos de negócios.
Quanto à organização, enquanto as empresas tradicionais se estruturam em departamentos funcionais, sendo as pessoas contratadas pela experiência e capacidade, nas startups, a lógica organizativa se dá em torno de equipes ágeis e as contratações são feitas focando-se em aprendizagem, agilidade e velocidade, tendo no envolvimento das pessoas uma marca essencial (Ries, 2011).
Outra característica distintiva está na forma de lidar com erros. Enquanto nas empresas tradicionais o erro deve ser visto como exceção e resolvido com demissão, nas startups, as falhas são esperadas e sua correção demanda iteração de ideias e abandono daquelas que não funcionam (Blank, 2013).
Em nível macro, as startups exemplificam a fase atual do capitalismo flexível (Oliveira & Ribeiro, 2018), possuindo foco no desenvolvimento e na produtividade para sustentar um crescimento acelerado (Oliva, Couto, Santos, & Bresciani, 2019), destacando-se pelo atributo da flexibilidade, associando-se às mudanças que a transformação digital produz sobre o trabalho (Rodriguez-Lluesma, García-Ruiz, & Pinto-Garay, 2021).
Oliveira e Ribeiro (2018) entendem que o contexto laboral das startups hospeda contradições e desafios próprios à fase flexível do capitalismo, pois, ao propiciar condições de trabalho flexíveis associadas a novos tipos de influência sobre as subjetividades dos trabalhadores, esses sujeitos passam a se ver diante de perfis profissionais até então desconhecidos e, por vezes, permeados por demandas sobre-humanas.
Diante de um contexto de trabalho cada vez mais mutável, a partir de perspectivas positivas, ou não, Faria (2019) aponta que muitos sujeitos enxergam nas startups a oportunidade de construir sua autoimagem e de estabelecer seu lugar no mundo.
Os Sentidos do trabalho e seus paradoxos
Nesta pesquisa, pressupõe-se que os sentidos do trabalho guardam relação com a qualidade dos vínculos que o trabalhador estabelece com o que produz, com quem produz, como produz, quanto produz, onde produz e, consequentemente, como elabora subjetivamente tais vínculos. Entende-se que, a partir disso, o trabalhador consegue comunicar quem é, para si e para os outros, sendo o trabalho com sentido tanto um meio para a satisfação de necessidades materiais, como também um importante fator identitário e de inserção social (Irigaray et al., 2019; Dejours, 1998).
Contemporaneamente, o capitalismo flexível tem contribuído para que a identidade profissional torne-se flexível, a qual se adapta às diferentes perspectivas de ascensão laboral (Rohm & Lopes, 2015). As profundas transformações na natureza do trabalho, associadas às reestruturações da lógica produtiva e dos formatos organizacionais, geram impactos objetivos, subjetivos e relacionais (Rodriguez-Lluesma, García-Ruiz, & Pinto-Garay, 2021), alterando os sentidos do trabalho construídos nas vivências laborais (Neves, Nascimento, Felix, Silva, & Andrade, 2018).
O construto sentidos do trabalho não é teoricamente consensual, sendo diversas as concepções e perspectivas epistemológicas como, por exemplo, as correntes: cognitivista, existencialista, sócio-histórica, construcionista e a Psicodinâmica do Trabalho (Pereira & Tolfo, 2017; Rocha, 2022). Em termos de variáveis correlacionadas aos sentidos do trabalho, tem-se, nos mais diversos estudos: necessidades, autonomia, legitimação social, aprendizagem, expectativas profissionais, realização, impacto social etc. (Costa et al., 2023; Drencheva et al., 2023; Ferraz & Fernandes, 2019; Morin et al., 2007).
Em face dessa rica complexidade do tema, autores como Bailey et al. (2019) questionam relatos científicos estáticos sobre os sentidos do trabalho, argumentando que há sempre tensões conceituais que demandam abertura para explicações intertemporais e interespaciais mais amplas dos sentidos do trabalho.
Para Bailey et al. (2019), há perguntas ainda sem respostas que podem se desvelar como paradoxos sobre os sentidos do trabalho. Um primeiro paradoxo seria o de que os trabalhadores têm um impulso natural para procurar um trabalho com sentido para satisfazer as suas necessidades internas, mas o mesmo impulso pode levá-los a excessos prejudiciais. O segundo paradoxo se relaciona ao fato de que o sentido do trabalho surge ligado à autorrealização e auto-atualização, mas depende do outro para sua efetivação.
O terceiro paradoxo está relacionado à ideia de que, ao mesmo tempo em que o sentido do trabalho se dá a partir de uma avaliação subjetiva, também se baseia no contexto externo e objetivo que molda o que pode ser considerado com sentido pelo trabalhador. Pelo quarto paradoxo, tem-se que, sendo o sentido “encontrado” subjetivamente, não é passível de controle gerencial, mas, ao mesmo tempo, também é regulado normativamente, por exemplo, através da estrutura de cargos (Bailey et al., 2019).
Finalmente, o quinto paradoxo é posto por Bailey et al. (2019) como o sentido do trabalho relacionado a um sentido generalizado do valor do trabalho de alguém, ligado a contextos espaciais, temporais e materiais que podem ser temporários, parciais ou episódicos. Tais paradoxos se mostram pertinentes para uma compreensão aprofundada dos sentidos do trabalho em novos contextos como as startups.
METODOLOGIA: ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS
Uma pesquisa qualitativa do tipo exploratório-descritiva foi conduzida visando a acessar o dinamismo de uma realidade social específica como as startups, a partir das vivências dos atores imersos em tal especificidade (Kloep, Roese, & Peifer, 2023). Foram realizadas entrevistas orientadas por tópicos guia, após validação do roteiro em entrevista piloto, viabilizando o acesso a narrativas que se desdobraram em textos passíveis de compreensão, revelando valores, normas, símbolos e representações de grupos em conjunturas específicas (Minayo, 2009).
As entrevistas realizadas foram áudio-gravadas, após os entrevistados assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em conformidade com os protocolos do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de filiação dos pesquisadores, estando em consonância com a resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil.
Para escolha dos entrevistados, utilizou-se o critério de diversificação dos portes e segmentos de startups (Quadro 1). A pesquisa de campo foi encerrada após saturação empírica, alcançada na oitava entrevista (Pires, 2008).
Após repetidas leituras das 81 páginas de transcrições, o conteúdo foi analisado por meio da técnica de análise e interpretação dos núcleos de sentido (ANS), adaptação de Mendes (2007) da análise de conteúdo de Bardin (2011). O processo analítico, feito com auxílio do Software AtlasTI, foi customizado nas seguintes etapas: i) leitura completa do material; ii) leitura seletiva de unidades de contexto; iii) identificação de núcleos de sentido; iv) codificação; v) categorização. Os temas foram categorizados pelo critério de semelhança de significado semântico, lógico e psicológico (Mendes, 2007).
O resultado do processo de categorização foi submetido à validação por pares (Eastwood, Davies, & Rees, 2023), em três rodadas com pesquisadores qualitativos das áreas de gestão de pessoas, relações de trabalho e estudos organizacionais, além de auditoria dos processos informacionais, feita por consultor licenciado pela empresa proprietária do AtlasTI.
RESULTADOS
Diálogos entre teoria e empiria
Cinco temas foram identificados no processo analítico: aprendizagem; crescimento e autonomia; valorização das relações interpessoais; contribuição social; utilidade organizacional.
A Aprendizagem emerge como importante estímulo para os entrevistados. Helena, para falar do sentido que atribui ao trabalho em startups, evoca como primeiro conteúdo a aprendizagem, destacando-se sua visão abrangente (aprendizagem intersetorial) em lugar do aprendizado de atividades específicas, próprio às empresas tradicionais funcionalmente departamentalizadas. Alan destaca a velocidade das mudanças do aprendizado em startups, narrando essas organizações dentro de uma espacialidade mercadológica peculiar.
O sentido de trabalhar na startup pra mim é, primeiro, ter muita possibilidade de aprendizado, ter essa flexibilidade. Então assim, hoje eu consigo conversar com todos os setores e aprender um pouquinho de cada um deles (Helena).
Outro objetivo (de trabalhar em startup) é o aprendizado. Como é um mercado que é muito atento a atualidade, as mudanças, é um aprendizado diário (Alan).
Os relatos de Tom e Ivana confirmam as prescrições teóricas de que, no processo de aprendizagem em startups, deve-se ter permissão ao erro, quando comparado às empresas tradicionais, desde que sejam sempre novos erros, numa espécie de diversificação do errar:
Sempre me falavam “Pode errar”. [...] Até que você entenda o erro como parte de um processo e que você não vai ser punido por isso, e você ter a capacidade de ser ousado, de arriscar, de botar as cartas na mesa e tentar fazer alguma coisa [...] você vai ter que ir quebrando várias coisas na sua cabeça. [...] O seu erro não vai ser o problema, o problema vai ser você não errar coisas diferentes (Tom).
Por mais que a permissão do erro pareça ser maior no discurso do que na realidade, ainda existe mais permissão ao erro do que em um negócio mais tradicional (Ivana).
Ainda que, conforme Ivana, a permissão ao erro seja maior no discurso do que na prática, os entrevistados identificam que ela existe, fato que pode contribuir para que o sujeito se sinta livre para desempenhar atividades e aprender com elas, assumindo os riscos e possibilidades de inovar. De fato, a aprendizagem associada ao erro é pressuposta na literatura de referência sobre startups (Blank & Dorf, 2012) e, segundo Ferraz e Fernandes (2019), a aprendizagem favorece a atribuição de sentidos ao trabalho, pois, a partir da aquisição de diferentes habilidades e conhecimentos, o sujeito tende a aspirar novas oportunidades de evolução na carreira.
Outro aspecto que coopera com a aprendizagem é a facilidade com a qual os trabalhadores podem participar de processos de construção nas startups, estruturando processos e setores, cenário incomum em organizações tradicionais:
Meu amigo trabalha em uma startup e eles estavam desenvolvendo um processo seletivo. Isso você não vai ver tão fácil em uma empresa tradicional, porque você não tem tanto essa “ah, não tem processos estruturados, vamos aqui juntos construir”. Então, assim, não acontece de forma tão simples (Ivana).
Na verdade, foi outro desafio enorme, era um setor lá dentro da empresa que não existia, então a gente criou do zero, eu e mais duas pessoas (Emily).
Aqui na empresa muita coisa foi criada do zero, né? Então é coisa clássica, quando eu tava como líder de pré-vendas não existia processo de vendas muito bem definido, né? Existia um mapa ali, mas a especificação de como é que seria aquele procedimento não existia. Então a partir da leitura que eu fiz, estudos, bate-papo com outras pessoas, a gente foi criando o modelo de vendas em si e a gente conseguiu captar mais do que era possível antes, né? Ou seja, a gente conseguiu impactar ali o resultado final (Rafael).
Ao conceder a chance de aplicar conhecimentos e habilidades na estruturação de novos processos e setores, as startups influenciam positivamente a percepção dos sentidos do trabalho por parte dos trabalhadores, corroborando a visão de Henry (2020) de que é fundamental que os trabalhadores possam testar suas capacidades em tarefas variadas, potencializando aprendizados através de novas descobertas e soluções inovadoras.
No segundo tema, Crescimento e Autonomia emergem de maneira fortemente associados, onde a autonomia é evocada em função de várias flexibilidades nas startups, mas também como resultado do rápido crescimento que os trabalhadores tiveram.
No tocante ao que os entrevistados narram como crescimento profissional, há peculiaridades emergentes: a) relação do crescimento com variadas aprendizagens (Helena); b) quantidade e velocidade das mudanças entre cargos (Helena, Julie, Rafael); c) mudanças horizontais (Helena, Julie); d) mudanças verticais radicais (Julie, Rafael); além de uma e) despadronização na natureza das nomenclaturas dos cargos (Helena, Julie). Essa última característica sugere uma equivalência indiscriminada entre gerenciar coisas e pessoas (Julie), bem como uma imprecisão do tipo de conteúdo do cargo: líder e especialista (Helena).
Durante um pouco mais de um ano eu mudei três vezes de cargo e isso é uma mudança que, apesar de um deles ter sido na mesma área, de líder para especialista, eu tive focos diferentes e tive que ter aprendizados diferentes (Helena).
Eu entrei lá como estagiária, passei menos de um ano como estagiária e daí eu já virei gerente de projetos, gerente do time de engenharia [...] Eu devo ter passado uns seis meses com isso e mudei pra gerência de produto. […] Esse salto (de estágio para gerência) não é tão condizente quando eu saio da bolha startup (Julie).
Pegando a minha trajetória, eu entrei como estagiário e dentro de três anos consegui a gerência. Tem o nosso CEO, que entrou como estagiário, há uns cinco anos, e hoje é CEO, então é um crescimento muito rápido (Rafael).
Brattstrom (2019) afirma que é comum, ao longo do tempo, startups realizarem mudanças nas equipes, alterando funções de alguns membros ou especializando-os. Crescimento das startups e crescimento dos funcionários emergem, assim, como positivamente correlacionados, beneficiando principalmente os funcionários antigos, por meio de promoções, tendo em vista que já conhecem as práticas da empresa e têm relações de confiança estabelecidas.
A autonomia destaca-se tanto na recompensa monetária fruto do crescimento, como na flexibilidade na gestão do horário de trabalho.
Tom afirma que permanece trabalhando em startups porque ganha um bom salário para fazer algo que gosta, o que não necessariamente ocorreria caso mudasse de emprego. Semelhantemente, Julie também evoca a autonomia financeira que o trabalhar em startup lhe permite, mas, sua fala também desvela um tipo de dialética da autonomia em startups. Ela, uma jovem de 21 anos, entende ter uma senioridade laboral apenas no contexto das startups, já que está há seis anos na mesma e já deu saltos radicais de crescimento. Contudo, entende que, em empresas “mais abertas”, seria tida como iniciante.
E hoje também é muito pela carreira mesmo, assim, porque pra eu conseguir um outro cargo, um outro salário... sabe? [...] Eu ganho bem e faço uma coisa legal. É isso (Tom).
O sentido também é pagar as contas [...] Por eu ainda estar na faculdade, esse salto (de estágio para gerência) não é tão condizente quando eu saio da bolha startup. Então, se por um lado ajudou muito na carreira em empresas startups, por outro lado prejudicou muito a minha carreira porque, para uma empresa mais aberta, eu não tenho uma referência de senioridade e de tempo, então eu acabo sendo vista como júnior ou estagiária. Hoje eu tenho um perfil que é extremamente cobiçado entre startups, mas que dificilmente eu vou conseguir pegar um cargo de mesmo nível em uma empresa maior ou até mesmo numa startup mais estabilizada. [...] Eu vejo isso se repetindo com colegas que também ficaram dando esses saltos (Julie).
Conforme apontam Morin et al. (2007), a autonomia faz referência, de forma predominante, à independência financeira que a remuneração proporciona ao trabalhador. É interessante salientar que, no caso de Tom e de Julie, ambos exercem cargos de liderança, o que possibilita retribuições financeiras satisfatórias.
Além do incentivo monetário, para que o trabalho seja dotado de sentido, alguns entrevistados mencionaram a importância da flexibilidade propiciada pelas startups, favorecendo a autonomia para organizarem seus horários de trabalho e conseguirem dar conta de outras demandas da vida.
(Trabalho em startup) não é nem pelo fato de ser dinâmico, de ser diferente e você vai aprender o tempo todo, de ser um desafio. É pelas qualidades de trabalho mesmo, pelo bem-estar. Eu trabalho home office, então eu tenho uma qualidade de vida muito grande, eu consigo fazer meu horário, é muito flexível (Emily).
Me oferece a flexibilidade que eu preciso pra poder levar minha vida. Se eu precisar, eu coloco no meu status aqui que eu estou ausente e aí eu não preciso tá respondendo ninguém naquela hora, entendeu? Vou fazer coisas aqui em casa que eu não poderia fazer em outros momentos, que é ficar com os animais, participar um pouco mais da educação da minha irmã, então hoje eu estudo com ela, ela fazendo EaD, né? Então, assim, tem muitas coisas que não daria pra eu fazer se eu não tivesse trabalhando nesse formato (Helena).
Helena destaca que tal flexibilidade existe, principalmente, como uma vantagem do cargo de liderança que ocupa, pelo crescimento que teve na startup, assim como para Tom, que acrescenta a satisfação de não se sentir preso a um lugar específico, ecoando, neste caso dos horários, a imagem social de liberdade de ações em startups (Barbosa & Mansano, 2023).
Eu gosto muito de ter algumas liberdades, como fazer um pouquinho do seu horário de trabalho. Então eu tenho alguns horários que são fixos, onde eu preciso estar trabalhando, mas tem outros que eu consigo flexibilizar, então eu consigo “não, de manhã eu vou precisar ficar off, então eu vou trabalhar de tarde e a noite”. E, claro, essas são todas vantagens do meu cargo, porque tem pessoas na empresa com cargos diferentes, que não tem a liberdade que eu tenho, por causa do cargo delas, então isso é, pra mim, o que faz sentido hoje (Helena).
Eu tô em um cargo de liderança, então isso facilita, dá uma flexibilidade a mais. [...] Aqui se eu quero mudar alguma coisa, eu digo pra mim mesmo, “Hum, vamos mudar aqui” e a gente muda. Eu penso assim “o que é que eu vou fazer amanhã? Amanhã tô afim de fazer tal coisa” então vamos fazer, entendeu? [...] Tipo assim “ah, eu tô sendo super improdutivo agora e eu vou dar uma volta. Quando eu voltar eu continuo tentando fazer, porque não é nada urgente” ou de poder “ah, quarta-feira eu vou folgar”. Então isso é legal, essa flexibilidade de horários me ajuda bastante, essa autonomia de você não se sentir preso, né? Você não está preso a nenhum lugar (Tom).
Segundo Henry (2020), a autonomia também está relacionada à liberdade que o trabalhador possui de se planejar e se expressar, bem como à possibilidade de prestar contas do próprio trabalho, oportunizando a conquista de um lugar na sociedade através de um trabalho com sentido.
Alguns entrevistados também apresentaram convicções de que o trabalho é uma parte importante da vida, mas que não representa sua totalidade:
Eu quero também ter a possibilidade de não fazer desse trabalho tudo que eu tenho, né? O trabalho é uma parte muito importante da minha vida, eu não tenho como dizer que tipo assim “ah, eu viveria feliz se hoje eu ganhasse uma folga e não precisasse mais trabalhar”, não ia ser feliz, eu gosto de trabalhar. Mas ao mesmo tempo a possibilidade de colocar limites e de ter outros focos também é muito importante pra mim. Então ele deve atuar muito mais como complemento do que como a única coisa na qual eu tô focada (Helena).
Aprender sobre o que é trabalho eu acho que é o primeiro passo. Hoje em dia eu sei que o trabalho é parte do meu estilo de vida e é isso, não é a minha fonte suprema de sabedoria e do meu ser, entendeu? Tipo assim, é uma parte em mim, importante, mas parte (Ivana).
Os relatos de Helena e Ivana demonstram que o trabalho é tratado como parte da vida, e não como o todo, no sentido de não ser o caminho principal na busca pela felicidade. Observa-se que as duas encaram o trabalho numa perspectiva que favorece a autorrealização, pois, de acordo com Rohm e Lopes (2015), se as pessoas buscam o sentido de suas vidas apenas no trabalho, estão comprometendo seu potencial de autorrealização.
O terceiro tema - Valorização das relações - lança luz sobre a harmonia entre os trabalhadores, a partir de aspectos como alinhamento de valores, relações de confiança e conexão entre as pessoas, que segundo os entrevistados, corroboram para a concepção de significância do trabalho. Para Rafael, praticamente todas as pessoas da startup onde trabalha, aderem à cultura da empresa e têm no crescimento um valor compartilhado, fatos que o motivam a estar junto.
As pessoas são muito boas, realmente respeitam os valores da empresa. [...] Então, todas as pessoas, praticamente todas, são muito adequadas aos valores. E isso é o que mais motiva, né? Porque o pessoal é realmente aderente ali à cultura e são muito focados em crescimento, né? (Rafael).
Tom fala da confiança entre as pessoas, a qual contribui para que o sujeito se sinta livre para ser ele mesmo no ambiente de trabalho, evocando metaforicamente a ideia de segurança na transparência:
Você está num ambiente onde você se sente seguro e as pessoas confiam em você. [...] É muito positivo por eu poder ser quem eu sou, né? Sem nenhuma barreira, nenhuma máscara e tal, então isso é muito legal (Tom).
Os relatos apontam a existência de fortes conexões entre os trabalhadores nas startups, mencionando-se aspectos geracionais, sugerindo uma compreensão de visão de mundo compartilhada (Helena), bem como um tipo de reconhecimento do igual (Ivana).
A interação com pessoas, por ser, muitas vezes, composta por pessoas jovens, pessoas que também tem um pensamento parecido comigo, ou então até pra complementar essa parte de aprendizado (Helena).
Em startup é muito mais fácil você olhar para o seu lado e dizer “essa pessoa tem algo como eu. Essa pessoa se conecta comigo”, então eu acho que tem isso, que pra mim startup é absurdo assim, é realmente essencial (Ivana).
De acordo com Henry (2020), a qualidade das relações no contexto laboral é uma característica que influencia consideravelmente na construção dos sentidos do trabalho. Ao estabelecer boas relações profissionais, o indivíduo pode se inspirar em novas formas de se expressar, de pensar e de reagir às situações laborais, criando sentidos interpessoais e contemplando novas percepções referentes aos sentidos produzidos no trabalho.
Sobre o quarto tema - Contribuição social - muitos entrevistados destacaram, com satisfação, que seus trabalhos nas startups geram impactos na vida de outras pessoas, associando-os a um propósito e ressaltando a forma ética e a velocidade do impacto social como algo importante:
Eu sinto que eu participo efetivamente da solução de um problema da sociedade. Principalmente por ser na área da saúde, eu tenho esse sentimento de que eu não tô só ajudando em qualquer coisa, eu ajudo a salvar vidas, é um dos nossos valores e a gente consegue ver isso na prática (Emily).
A gente consegue ajudar pessoas que não tem comida dentro de casa, pessoas que, às vezes, precisam daquele dinheiro pra sobreviver mesmo, porque tem gente que precisa comprar morfina pra viver, sabe? [...] O que mais me motiva é, de fato, contribuir com esse propósito que todos nós estamos buscando atender (Alan).
É como se fosse um senso de importância pra sociedade, se liga? Eu me sinto importante em estar transformando alguma coisa na sociedade. Então acho que isso é o principal ponto, o cara olhar pra mim e “pô, ele tá fazendo alguma coisa que vai impactar a sociedade de forma ética, de forma rápida também, né? (Rafael).
O trabalho dos sujeitos passa a adquirir sentido na medida em que percebem o quanto são capazes de impactar positivamente a sociedade, a organização e a si mesmos (Irigaray et al., 2019). Sobre esse último tipo de impacto, Ivana expõe que a sua atuação em startups educacionais, as chamadas edtechs, contribui para que não apenas acredite num propósito, mas também tenha o seu ego suprido:
Eu trabalhei em duas edtechs, porque, por mais que eu não entregasse direto ali, estar dentro desse mercado é como se, de alguma forma supre seu ego. Você acredita em um propósito, você trabalha próximo dele de algum jeito é como se eu estivesse suprindo uma energia, uma coisa que eu estou sentindo. Então acho que isso foi muito forte, é triste de você dizer, mas é verdade (Ivana).
Chama atenção a incerteza valorativa de Ivana quanto a “suprir seu ego” por trabalhar com educação. No entanto, o sentido do trabalho está também associado à dinâmica de realização do ego (Dejours, 1998), uma vez que é fonte identitária. O trabalho é fonte de vinculação do trabalhador com seus sentimentos e tem o potencial de comunicar sua identidade para os outros e também para si.
Segundo Alan, o propósito da empresa guarda relação também com o público interno, e isto o motiva a estar na startup e contribuir da melhor forma com o bem-estar dos demais funcionários:
Me motiva o propósito da empresa, me motiva tá lá no meu trabalho a questão de ter essas demandas, principalmente em relação aos colaboradores, já que eu sou RH, de fazer com que o trabalho deles se torne mais leve, que tudo que eles planejaram e almejam aconteça (Alan).
Entretanto, Tom ressalta que é importante desmistificar alguns aspectos relacionados ao trabalho, como a busca pelo emprego dos sonhos, narrando que nem todas as pessoas vão trabalhar com propósito, algumas delas trabalharão “fazendo parafuso”, sendo a existência de ambos os casos algo fundamental para o mundo:
Eu acho que a gente precisa desmistificar, na verdade, o emprego como um todo. Acho que a galera mistifica muito o que é trabalhar, ter um emprego. Eu acho que não é pra ser uma coisa legal. Se for legal, já é um grande lucro. Se não for ruim, já é um lucro, sabe? Eu acho que tem outras coisas que é pra ser legal. Se você ganhar pra fazer uma coisa que é super legal, talvez é querer muito (risos). Tem uma frase de um livro “um trabalho pra amar”, que fala que nem todo mundo vai trabalhar com propósito, alguém precisa fazer parafuso. E o mundo precisa disso pra acontecer, né? (Tom).
Nesse sentido, Ivana demonstra que, embora as startups consigam encantar e convencer muitos trabalhadores a aderirem ao propósito da empresa como se fossem seus, é importante que o sujeito identifique seu propósito pessoal, tendo em vista que a adesão apenas ao propósito de uma organização não é algo funcional, diante da possibilidade de que, a qualquer momento, o trabalhador pode ser demitido e seu propósito ser perdido:
Eu acabei comprando a ideia por um tempo de que o meu propósito era aquilo. [...] E quando você tá órfão dessa paixão, desse brilho no olho por alguma coisa e você não consegue ver que você pode encontrar isso na sua vida, independente de trabalho, você vai procurar num canto que parece mais o próximo disso, e uma startup consegue trazer essa mensagem de forma mais simples e clara. [...] Eu entendo que o seu propósito tem que casar com a empresa, mas essa proposta de você comprar o propósito da empresa não é tão funcional. Até porque quando você é demitido ou quando você tem que sair, o que é o seu propósito, né? Eu acho que as empresas que tão nesse ramo ainda não entenderam bem como distinguir, elas utilizam isso como forma de encanto, mas elas não conseguem sustentar porque não é sustentável (Ivana).
A existência de um propósito a ser seguido mostra-se importante para a percepção de utilidade social e, consequentemente, para a concepção dos sentidos do trabalho, pois, conforme apontado por Henry (2020), os sentidos do trabalho se firmam em sua utilidade e em suas contribuições para a sociedade, conferindo propósitos ao trabalho e explicitando as razões de existência não só da organização, mas, por vezes, também do próprio trabalhador.
O quinto tema - Utilidade organizacional - demonstra que os entrevistados percebem a utilidade do seu trabalho para os resultados da empresa, sendo importante para eles a constatação do impacto positivo e da serventia de cada “trabalho de formiguinha” desempenhado:
Eu conseguia ver, eu olhava pro macro e eu conseguia ver que todo o trabalho de formiguinha que a gente acabava fazendo ali afetava toda a empresa (Daniel).
Eu tenho essa participação (nos resultados), EU consigo perceber...é uma tarefa importante, né? Sinto que minha pequena contribuição ajuda (Emily).
Eu vejo que eu fui uma pecinha pra gente conseguir um resultado maior. Então hoje eu vejo de uma forma mais subjetiva e de uma forma objetiva, porque essas duas coisas são muito importantes pra mim. Se eu tiver trabalhando e não tiver gerando nada, pra mim também não faz sentido. Então é uma coisa que eu procuro avaliar constantemente (Helena).
Quando a dedicação dos trabalhadores gera frutos e resulta em impactos positivos para a organização e para a sociedade, tem-se um cenário primordial para a concepção dos sentidos do trabalho (Henry, 2020). Com isso, o reconhecimento da utilidade do trabalho desempenhado pelo sujeito, emitido pelos pares, superiores e clientes, é de fundamental importância para que o trabalhador veja a relevância dos resultados que gerou e consiga atribuir sentidos ao seu trabalho (Morin et al., 2007).
Nessa perspectiva, os entrevistados relataram a felicidade que sentem ao alcançar resultados através do desempenho de suas funções. De acordo com Ivana e Rafael, os melhores dias de trabalho são os dias em que metas e resultados são alcançados:
Os dias bons eram quando a gente alcançava resultado, sabe? Teve uma semana que eu tava muito desanimada e aí teve um dia que a gente tava quase fechando um negócio, aí fechou e eu pensei “é nesse momento que eu vejo que eu tenho felicidade no meu trabalho”. Então eu acho que quando você também alcança o resultado, são dias felizes (Ivana).
Uma das melhores coisas é ver o resultado do seu trabalho, né? Se você está mais em contato com o resultado, eu vejo isso, por exemplo, quando uma entrega sai no dia certo, o cliente não reclama do prazo ou um cliente renova o contrato dizendo que foi bem atendido, algo assim. Dá pra ver meus resultados ali (Julie).
Um dia que a gente bateu a meta de vendas, esse é o dia mais fantástico (Rafael).
Os relatos corroboram a ideia de que um trabalho dotado de sentido promove satisfação ao trabalhador quando este consegue apreciar suas atividades e os resultados que gerou por meio delas.
CONCLUSÃO
Questões emergentes sobre os paradoxos dos sentidos do trabalho em startups
Quais são os sentidos do trabalho, nos contextos laborais de startups? A essa questão, os entrevistados responderam: aprendizagem; crescimento e autonomia; valorização das relações; contribuição social; utilidade organizacional. Face ao objetivo de compreender em profundidade tais sentidos, as análises ensejam conclusões sobre os paradoxos dos sentidos do trabalho nesses contextos (rever seção 3), conclusões ora socializadas na forma de questões reflexivas para orientar estudos futuros.
No tocante ao primeiro paradoxo, o tema aprendizagem permite algumas reflexões: a relação entre erro e aprendizagem, nas startups, seria um exemplo do impulso natural de necessidades internas de sentido levado a excessos prejudiciais? Qual o limite do erro para a aprendizagem em um trabalho com sentido? Seria o “aprender a saber errar”, com erros cada vez mais diversificados, o exemplo de um limite ultrapassado, nas startups? Pressupondo que errar é do humano, constituindo-se dimensão antropológica fundamental, o que acontece, subjetivamente, quando o errar muda de condição para prescrição? Qual o sentido que se instaura subjetivamente quando se transforma uma condição ontológica, contra a qual em geral o humano luta, em condição teleológica e instrumental? Será este um excesso prejudicial no contexto das startups? Estariam esses jovens trabalhadores aprendendo a serem errantes para acertarem em suas carreiras?
O segundo paradoxo provoca reflexões relacionadas ao tema valorização das relações: considerando que os entrevistados valorizam as relações nas startups por critérios como transparência e reconhecimento do igual, estariam a auto-realização e a auto-atualização, nesses contextos, cada vez mais dependentes de um “outro-igual”? Se estaria pondo em risco processos identitários que dependem de diferenciação e não de homogeneização? Seriam as startups contextos de trabalho em que a lógica do reconhecimento está invertida? É um reconhecer-se no outro em lugar do outro me reconhecer em meus diferenciais? Estariam esses trabalhadores correndo o risco de sucumbirem ao igual?
Os temas contribuição social e utilidade organizacional ajudam a refletir sobre o terceiro paradoxo, especialmente pela relação entre as ideias de propósito e resultados. Nesses temas, os contextos externos (startups e sociedade em geral) pulsam tanto em sua objetividade, pois se demanda cada vez mais resultados, como em suas representações, pela naturalização de propósitos compartilhados, sendo possível perguntar-se: Como, ou o quanto, da avaliação subjetiva do sentido do trabalho em startups decorre dos discursos externos que associam startup a propósito e impacto social? Estariam esses trabalhadores moldando o sentido interior de suas relações com o trabalho a partir de sentidos exteriormente estereotipados?
O tema crescimento e autonomia provoca reflexões sobre os paradoxos quatro e cinco. Pelo paradoxo quatro, tem-se que, sendo os sentidos do trabalho um conteúdo localizado subjetivamente, não estaria ao alcance do controle gerencial; mas, ao mesmo tempo é alcançado por regulações normativas externas, como a estrutura de cargos. Pode-se, então, questionar: o rápido crescimento nas startups, evidenciado por saltos abruptos de cargos e aumento de ganho, pode estar atuando como um regulação normativa externa que impacta subjetivamente no sentido que esses trabalhadores associam ao trabalhar em startups e não propriamente aos seus trabalhos?
Estariam esses jovens trabalhadores reféns desse tipo de crescimento ao ponto de não conseguirem se ver em outros tipos de organizações? Seria esse um tipo de crescimento com limites de carreira muito rígidos? Nesse sentido, seria contraditória a relação entre crescimento e autonomia nas startups, tratando-se de uma autonomia restritiva, pela qual o trabalhador é livre para crescer enquanto confinado na “bolha” das startups, logo, um crescimento endógeno de carreira?
Pelo quinto e último paradoxo, o sentido do trabalho se relaciona a um sentido generalizado do valor do trabalho de alguém, mas também está ligado a contextos espaciais, temporais e materiais que podem ser temporários, parciais ou episódicos. Estariam esses trabalhadores, com crescimento e autonomia restritos à bolha das startups, perdendo o sentido generalizado do valor do seu trabalho? Estariam os contextos temporais e espaciais das startups tornando o valor do trabalho desses sujeitos muito particularizados? Como argumentam Bailey et al. (2019), há sempre tensões que demandam abertura para explicações intertemporais e interespaciais mais abrangentes dos sentidos do trabalho.
A pouca literatura envolvendo a relação entre sentidos do trabalho e startups foi tanto limitação como oportunidade para o conhecimento construído nesta pesquisa. Os resultados socializados visam, então, contribuir para o preenchimento dessa lacuna, bem como para o estabelecimento de uma agenda de pesquisa inovadora, ao abordar os paradoxos emergentes no contexto das startups no tocante aos sentidos do trabalho. Sugere-se que pesquisas futuras abordem aspectos emergentes dos resultados, como os desafios subjetivos, relacionais e de carreira que se apresentam a esta nova geração de “trabalhadores de startup”.
AGRADECIMENTOS
As autoras gostariam de agradecer ao Grupo Integra Saberes (GIS), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), por todo o apoio nesta pesquisa.
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DISPONIBILIDADE DE DADOS
Todo o conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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PARECERISTAS
Um dos revisores não autorizou a divulgação de sua identidade.
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RELATÓRIO DE REVISÃO POR PARES
O relatório de revisão por pares está disponível neste link: https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/93585/87501
Editado por
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EDITOR-CHEFE
Hélio Arthur Reis Irigaray (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9580-7859
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EDITOR-ADJUNTO
Fabricio Stocker (Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro / RJ - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6340-9127
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PARECERISTAS
Andrea Leite Rodrigues (Universidade de São Paulo, São Paulo / SP - Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8750-4679
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
21 Fev 2024 -
Aceito
12 Jul 2025


Fonte: Elaborado pelas autoras.