Open-access HIV, sífilis, hepatite B e C, entre mulheres privadas de liberdade: prevalência e fatores associados*

Resumo

Objetivo:  Verificar a prevalência de infecções por HIV, hepatites B e C e sífilis e analisar os fatores associados em mulheres privadas de liberdade de um município de Minas Gerais - Brasil.

Método:  Censo realizado entre setembro/2021 e janeiro/2022 com a população feminina reclusa, por entrevistas, testes rápidos, coleta de exames confirmatórios e encaminhamentos. Foi realizada análise bivariada e multivariada de regressão logística.

Resultados:  De 206 mulheres, 171 (83%) foram rastreadas. Destas, 57 (33,3%) foram reagentes para algumas das infecções e, posteriormente, 20,5% (n=35) confirmaram a soroprelavência. A sífilis foi a infecção mais presente. Na análise multivariada foram significativas as variáveis: baixa escolaridade, violência dentro ou fora do sistema prisional.

Conclusão:  Desfecho positivo para alguma das infecções associou-se a menores níveis de escolaridade, exposição a violência e histórico de doenças infectocontagiosas. Estes achados apontam caminhos para o efetivo acompanhamento através do rastreio, diagnóstico e tratamento adequados.

Descritores:
População Privada de Liberdade; Soropositividade para HIV; Sífilis; Hepatite B; Hepatite C.

HIGHLIGHTS

1. Reconhecimento da população carcerária feminina acometida por infecções.

2. Apontamento de caminhos para assistência no controle de infecções.

3. Dar efetividade ao itinerário de diagnóstico e tratamento.

4. Identificação de demandas e planejamento de futuras ações.

Abstract

Objective:  Check the prevalence of infections by HIV, hepatitis B and C, and syphilis, and analyze the associated factors in women deprived of liberty in a municipality in Minas Gerais - Brazil. Method:Census conducted between September 2021 and January 2022 with the incarcerated female population, through interviews, rapid tests, collection of confirmatory exams, and referrals. Bivariate and multivariate logistic regression analysis was performed.

Results:  Out of 206 women, 171 (83%) were screened. Of these, 57 (33.3%) were reactive for some of the infections; subsequently, 20.5% (n=35) confirmed the seroprevalence. Syphilis was the most prevalent infection. In the multivariate analysis, the significant variables were low education and violence inside or outside the prison system.

Conclusion:  A positive outcome for some of the infections was associated with lower levels of education, exposure to violence, and a history of infectious diseases. These findings point to ways for effective monitoring through appropriate tracking, diagnosis, and treatment.

Keywords:
Deprived of Liberty Population; HIV Seropositivity; Syphilis; Hepatitis B; Hepatitis C.

HIGHLIGHTS

1. Recognition of the female prison population affected by infections.

2. Pathway pointing for assistance in infection control.

3. Make the diagnostic and treatment itinerary effective.

4. Identification of demands and planning of future actions.

Resumen

Objetivo:  Verificar la prevalencia de infecciones por VIH, hepatitis B y C y sífilis y analizar los factores asociados en mujeres privadas de libertad de un municipio de Minas Gerais - Brasil.

Método:  Censo realizado entre septiembre/2021 y enero/2022 con la población femenina recluida, por entrevistas, pruebas rápidas, recolección de exámenes confirmatorios y derivaciones. Se realizó un análisis bivariado y multivariado de regresión logística.

Resultados:  De 206 mujeres, 171 (83%) fueron rastreadas. De estas, 57 (33,3%) fueron reactivas para algunas de las infecciones y, posteriormente, 20,5% (n=35) confirmaron la seroprevalencia. La sífilis fue la infección más presente. En el análisis multivariado, fueron significativas las variables: baja escolaridad, violencia dentro o fuera del sistema penitenciario.

Conclusión:  El desenlace positivo para alguna de las infecciones se asoció con niveles más bajos de escolaridad, exposición a la violencia y antecedentes de enfermedades infectocontagiosas. Estos hallazgos apuntan caminos para el efectivo seguimiento a través del rastreo, diagnóstico y tratamiento adecuados.

Descriptores:
Población Privada de Libertad; Soropositividad para VIH; Sífilis; Hepatitis B; Hepatitis C.

HIGHLIGHTS

1. Reconocimiento de la población carcelaria femenina afectada por infecciones.

2. Apuntes de caminos para asistencia en el control de infecciones.

3. Dar efectividad al itinerario de diagnóstico y tratamiento.

4. Identificación de demandas y planificación de futuras acciones.

INTRODUÇÃO

A População Privada de Liberdade (PPL) é estimada como de elevado risco para aquisição de infecções relacionadas às condições de confinamento, entre estas infecções estão as sexualmente transmissíveis, hepatites virais B e C, HIV, sífilis e tuberculose1. Potencializam seu agravo a magnitude com que acometem certos grupos populacionais e a dificuldade de acesso ao tratamento adequado2. A rotina de testagem nas prisões precisa ser ampliada para promover prevenção a uma população com acesso limitado3.

O aumento das taxas de aprisionamento feminino e a invisibilidade das mulheres presas ou egressas do sistema prisional justificam a necessidade de compreender sua situação nas prisões brasileiras, sobretudo relacionada às condições de vulnerabilidade e adoecimento, uma vez que temos um sistema prisional pensado e voltado para homens4-7. Atribui-se ainda como justificativa, a necessidade de estudos no campo do saber da enfermagem que possam dar visibilidade às infecções sexualmente transmissíveis, sobretudo, quando essas impactam grupos minoritários e/ou em situação de vulnerabilidade, no intuito de evitar que as infecções potencializem situações de vulnerabilidade desses grupos pela dificuldade de acesso a bens e serviços.

As mulheres enfrentam um contexto multifatorial de vulnerabilidade, incluindo: acesso limitado a bens e serviços de saúde; violência sexual; e, percepções distorcidas sobre o risco e transmissão de infecções8-9.

Um relatório do Departamento Penitenciário Nacional10 aponta que 1.204 mulheres privadas de liberdade apresentam agravos transmissíveis, sendo que 46,9% têm HIV, 35% sífilis, 6,8% hepatites e 4,8% tuberculose. A hipótese é de que seja também significativa a ocorrência destas infecções entre a PPL feminina do município de Juiz de Fora/Minas Gerais e alguns fatores são associados a positividade para essas infecções. Face ao exposto, objetivou-se verificar a prevalência de infecções por HIV, hepatites B e C e sífilis e analisar os fatores associados em mulheres privadas de liberdade de um município de Minas Gerais, Brasil, com o propósito de tornar mais efetivos o rastreio, a identificação precoce e o tratamento oportuno de casos existentes e suas coinfecções entre as mulheres no contexto carcerário.

METODOLOGIA

Trata-se de um censo com toda a PPL feminina no município de Juiz de Fora/Minas Gerais, entre setembro/2021 e janeiro/2022. Foram realizadas entrevistas, testes rápidos para rastreio das infecções e aconselhamento (pré e pós-testes). Realizou-se ainda coleta de exames confirmatórios e encaminhamento ao serviço de referência do município, quando necessário.

O direcionamento do estudo seguiu as diretrizes da iniciativa Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology - Strobe11, cujos itens foram elaborados por pesquisadores nas áreas de epidemiologia, estatística e metodologia de pesquisa, além de editores de diversas revistas científicas12.

Minas Gerais conta com a segunda população carcerária do país, e Juiz de Fora possui um dos maiores números de estabelecimentos e a maior concentração de detentos, considerando as demais regionais do estado13, incluindo o anexo prisional feminino.

Como critérios de inclusão, poderiam participar todas as mulheres acauteladas no anexo prisional feminino com idade mínima de 18 anos. Como critérios de exclusão, mulheres que entraram no sistema prisional após a disponibilização da lista inicial fornecida pela penitenciária para a pesquisa e ausentes na penitenciária no período da coleta de dados.

De uma amostra total de 206 mulheres, 171 (83% da população) aceitaram o convite para participar da etapa de rastreio com os testes rápidos. As mulheres que apresentaram positividade no rastreio foram encaminhadas para coleta de exames confirmatórios. Sete (12,2%) foram consideradas como perda, por motivo de recusa, transferência ou estar em tratamento no serviço de tratamento para HIV.

Para garantia do rastreamento de todas as acauteladas, a população foi recrutada no momento que era escoltada a algum tipo de atendimento no núcleo de saúde ou no pavilhão por cela, a partir de listagem nominal fornecida pela administração da Unidade Prisional, respeitando critérios de organização, segurança, disponibilidade das agentes prisionais em escoltá-las e, principalmente, o aceite dessas mulheres para participação na pesquisa. As mulheres que consentissem participar eram escoltadas a uma cela para o atendimento com as pesquisadoras (enfermeiras capacitadas pelo serviço de testagem do município).

A consulta e a coleta foram conduzidas em local privado, preservando a individualidade das mulheres, mantendo sigilo e privacidade sobre suas falas e resultados. Nesse sentido, ainda que houvesse questões de segurança implicadas, foi solicitado à responsável pela equipe de agentes penitenciárias que as pesquisadoras ficassem sozinhas com as mulheres em uma sala reservada - núcleo de saúde ou no próprio pavilhão - a fim de manter o sigilo dos dados e resultados, conforme orienta o protocolo de rastreio para infecções transmissíveis. Essa conduta foi seguida em todas as consultas, ainda que algumas precisassem ser mantidas algemadas, considerando a periculosidade relatada pelas agentes.

No atendimento, eram submetidas a uma entrevista (face a face), com um momento de pré-aconselhamento, utilizando um roteiro estruturado. O roteiro foi construído com base no protocolo nacional para investigação e controle das doenças infectocontagiosas14 e protocolos de vigilância e controle de agravos infectocontagiosos prevalentes no Brasil15, buscando considerar o contexto de vulnerabilidade a que estariam sujeitas as mulheres em privação de liberdade. Em seguida, eram convidadas a realizar os testes rápidos. Os testes baseiam-se na técnica de imunoensaio e detecção de anticorpos qualitativos.

No caso de laudos de resultado de teste rápido positivo, em consenso com as mulheres privadas de liberdade, anexava-se este laudo ao seu prontuário no núcleo de saúde e esclarecia-se que era um documento sigiloso, assim como os dados de seu prontuário e somente elas e/ou eventualmente os profissionais de saúde teriam acesso em caso de tratamento ou encaminhamento. Enfatiza-se que esse posicionamento foi dado em consenso, uma vez que foi recorrente o fato de as acauteladas relatarem constrangimento em levar os “laudos” com resultados para dentro da cela, temendo risco ao sigilo e preconceito em caso de resultados positivos.

Além disso, em situações em que a mulher privada de liberdade apresentou resultado de exame positivo “reagente”, seja para HIV/aids, hepatites B e C e sífilis após o rastreio, foram aconselhadas e encaminhadas a um exame complementar, como infecções que demandavam confirmação ou com resultado indeterminado. Confirmando o resultado positivo, a acautelada foi encaminhada para tratamento no núcleo de saúde prisional ou no serviço de referência, para acompanhamento e tratamento. Encaminhamentos ao serviço de referência, externos ao presídio, demandavam agendamento ou transporte com escolta aos serviços da rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

O roteiro adaptado de entrevista constava de perguntas sobre o perfil; condição de saúde e adoecimento, e acesso aos bens e serviços de saúde dentro do sistema; além de dados comportamentais e rotina no sistema prisional. Com base nessas perguntas, foi proposto um modelo teórico com três eixos de grupos (Figura 1).

Figura 1
Diagrama representativo das variáveis - Infecções transmissíveis. Sistema Prisional feminino em Juiz de Fora, Minas Gerais, 2021/2022. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2023

Para análise de dados foi utilizado o software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 29.0. Inicialmente, os dados foram submetidos à análise descritiva para obtenção das medidas de frequência absolutas e relativas das variáveis. Posteriormente, foram realizadas medidas de associação entre as características/variáveis da população privada de liberdade feminina e os desfechos de positividade para as doenças de investigação neste estudo.

Variáveis quantitativas foram analisadas conforme suas médias ou medianas, por testes paramétricos ou não (conforme padrão de distribuição). Comparações de proporções foram feitas pelo teste qui-quadrado, ajustado pelo teste de Fischer, quando necessário. Foram obtidas medidas de associação (odds ratio) brutas e ajustadas por regressão logística para construção de modelos de predição com controle de variáveis de confusão. Na análise bivariada e multivariada de regressão logística, foram realizados os controles das variáveis, adotando nível de significância de 5% (p≤0,05).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sob o Parecer 3.784.839 de 19/12/2019. Apresentado ao Ministério da Justiça do Estado de Minas Gerais, pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (aprovado formalmente) de Minas Gerais - Sejusp/MG e à Secretaria de Saúde do município e autorizada a realização.

RESULTADOS

De um total de 206 mulheres, 171 (83%) foram rastreadas com testes rápidos imunocromatográficos, resultando em 57 (33,3%) com sorologia reagente para algumas das infecções. Na etapa confirmatória dos exames, 20,5% (n=35) confirmaram a positividade para qualquer uma das infecções. A prevalência do HIV foi 7% (n=12) na etapa confirmatória; sífilis 12,9% (n=22); hepatite C teve prevalência de 2,9% (n=cinco) casos confirmados. Não foram detectados casos de hepatite B (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência de HIV, sífilis e hepatites B e C na população feminina privada de liberdade em Juiz de Fora, Minas Gerais, 2021/2022. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2023

Sobre a descrição da população feminina do estudo, a Tabela 2 apresenta as principais características da população feminina positiva para alguma das infecções. Entre elas, a idade variando de 18 a 63 anos, com média de 32 anos e mediana 34 anos, cor/raça predominante preta, 84,2% (n=48); baixa escolaridade, no máximo até oito anos de estudo, 64,9% (n=37); natural da própria sede do sistema, 47,4% (n=27); e autodeclaradas solteiras ou sem companheiro(a), 50,9% (n=29); sem vínculo/ocupação, 63,2% (n= 36), antes do aprisionamento.

Tabela 2
Caracterização das mulheres privadas de liberdade com desfecho positivo para alguma das infecções: HIV, sífilis, hepatites B e C em Juiz de Fora, Minas Gerais, 2021/2022. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2023

A maior parcela das acauteladas informou não compartilhar agulhas e/ou seringas, 73,7% (n=42), mas fazem uso de drogas lícitas como cigarro, 84,2% (n=48); bebida alcoólica, 49,1% (n=28) e drogas ilícitas, sendo o crack a principal autorrelatada, 49,1% (n=28). A presença de tatuagens é expressiva, em 82,5% (n=47) das mulheres e piercings em 50,9% (n=29) delas. Questionadas sobre o uso do preservativo, 40,4% (n=23) afirmaram “que nunca usam” e 61,4% (n=35) já tiveram alguma relação desprotegida (sem camisinha) nos últimos 12 meses. Sobre as características relacionadas a sua condição de saúde, 80,7% (n=46) fazem uso de medicações continuadas, principalmente aquelas que atuam no sistema nervoso central, 59,6% (n=34). Quase a totalidade da amostra declara não ter recebido ao menos uma consulta direcionada à saúde da mulher (ginecológica), 96,5% (n=55), ainda assim, 54,4% (n=31) percebem sua saúde como “boa”.

A Tabela 3 apresenta a análise bivariada realizada entre as variáveis, considerando o desfecho positivo para alguma das infecções no rastreio e confirmação.

Tabela 3
Análise bivariada entre as características da população feminina em relação aos desfechos positivos nos testes de rastreio e exames confirmatórios para infecções HIV, sífilis e hepatites B e C em Juiz de Fora, Minas Gerais, 2021/2022. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, 2023

Mulheres com menor escolaridade (até oito anos de estudo) apresentaram quase três vezes mais chance para qualquer uma das infecções em comparação a mulheres com 12 anos ou mais de estudo (OR bruta= 2,97; IC 95%1,16-7,57; p=0,019). E aquelas com algum tipo de vínculo ou profissão antes do cárcere possuíam 53% menos chance para o desfecho positivo de qualquer uma das infecções em comparação com aquelas que não possuíam profissão/ocupação (OR bruta= 0,47; IC 95%0,22-0,99; p=0,047). Na etapa de exames confirmatórios, foi observada uma associação significativa entre mulheres naturais da própria sede do sistema prisional, com quase cinco vezes mais chances de desfecho para uma das infecções, comparando com mulheres naturais de outros estados ou municípios (OR bruta= 4,76; IC 95%0,99-22,49; p=0,036).

No Eixo 2, mulheres que compartilham/compartilharam agulhas e seringas apresentaram quase quatro vezes mais chance para desfecho positivo para alguma infecção em comparação às que não compartilham (OR bruta= 3,54; IC 95% 0,98-12,77; p=0,042), associação semelhante se deu na etapa confirmatória (OR bruta= 3,40; IC 95% 0,96-12,04; p=0,047). Mulheres que declararam fazer ou já terem feito uso do crack com quase seis vezes mais chance para o desfecho positivo para as infecções (OR bruta= 5,89; IC 95% 2,87-12,08; p<0,001), deu-se semelhante associação na etapa confirmatória (OR bruta= 4,66; IC 95% 2,13-10,20; p<0,001).

Entre mulheres que declaram ter sofrido violência dentro ou fora da prisão, nos últimos 12 meses, há uma razão de quase três vezes mais chances de desfecho positivo para alguma das infecções tanto na etapa rastreio como na etapa confirmatória (OR bruta= 2,97; IC 95% 1,52-5,82; p=0,001) e (OR bruta= 2,98; IC 95% 1,33-6,68; p=0,001).

No Eixo 3, foram significativos o tempo de encarceramento, sendo que mulheres que estão no sistema há menos tempo (até 11 meses) apresentam quase três vezes mais chances de desfecho positivo, quando comparadas àquelas que estão há um ano ou mais (OR bruta= 2,49; IC 95% 1,13-5,49; p=0,021). E mulheres que são portadoras de alguma patologia crônica possuem 56% menos chance para um desfecho positivo a qualquer uma das infecções (OR bruta= 0,44; IC 95% 0,20-0,98; p=0,042).

As variáveis explicativas que apresentaram p<0,05 foram incluídas em um modelo de regressão logística, permanecendo significativas para rastreio/testes confirmatórios as variáveis: escolaridade; naturalidade; sofreu violência dentro ou fora da prisão, nos últimos 12 meses; tem ou já teve alguma doença infectocontagiosa.

DISCUSSÃO

Após a análise ajustada multivariada, as variáveis que se mantiveram significativas indicam que menores níveis de escolaridade, o fato de ser natural do município, ter sofrido violência e já ser portadora de alguma infecção transmissível influencia as chances de ocorrência para as infecções HIV, sífilis e hepatite C.

A sífilis foi apontada como a infecção de maior prevalência no rastreio e exames confirmatórios, em sequência, o HIV e hepatite C. A hepatite B não foi encontrada na investigação. Achados semelhantes foram encontrados em um estudo no estado de Roraima, Brasil9.

Há esforços, em especial nas últimas décadas, para reduzir os indicadores da sífilis no Brasil, com ampliação da oferta diagnóstica e testes rápidos, entretanto, não têm sido suficientes para conter o avanço da infecção. Por vezes, relacionado à falta de associação entre prevenção, métodos diagnósticos, aconselhamento e tratamento adequados16-17.

Dados da população prisional brasileira apontam que cerca de 55% são de jovens até 29 anos. Em relação à escolaridade, cerca de 51% não concluíram o ensino fundamental, enquanto 4% eram analfabetos e outros 6% apenas alfabetizados18. Somente 9% das pessoas presas alcançam o ensino médio. São indicadores que revelam a privação da liberdade em jovens com pouca qualificação, baixa renda e reduzidas chances de ingressar no mercado de trabalho. Além disso, o predomínio de jovens, em idade produtiva, é um importante indicador da seletividade do sistema penal no país.

A prevalência evidencia a representação da população jovem nas prisões, enquanto 55% da população nas prisões é jovem, na sociedade, a população jovem tem uma representação de apenas 18%18-19. Autores20 apontam que, por se apresentarem frequentemente de forma assintomática, sendo de difícil detecção, a população jovem acaba sendo mais acometida pelas infecções21. Além disso, a baixa escolaridade também aumenta significativamente a prevalência de ISTs em relação às mulheres com ensino médio ou superior.

Outra característica demográfica significativa neste estudo foi o fato de ser natural da região. Uma busca da situação epidemiológica do município, no período de 2013-2017, revela 418 casos notificados de HIV em um total de 12.909 casos do estado22, quase no mesmo período, 2012 a 2017, 855 casos de sífilis adquirida foram notificados, destes, 50% ocorreram somente no ano de 201723-24. Pode-se inferir que a situação das mulheres acauteladas representa um reflexo da situação epidemiológica das infecções na região.

Do mesmo modo, a violência triplica as chances para aquisição de uma infecção transmissível. Se, por um lado, o crescimento de índices de violência no Brasil refletiria o crescimento da população carcerária25, em se tratando das mulheres no cárcere, o próprio contexto reflete formas de violência que se agravam, a exemplo o histórico da violência familiar “doméstica” que as tornam mais vulneráveis às infecções sexualmente transmissíveis26-28. Uma análise da Organização Pan-Americana e da Organização Mundial de Saúde29 constatou que mulheres que sofreram violência de ordem física ou sexual por parte de seus parceiros eram 1,5 vez mais propensas a ter uma infecção sexualmente transmissível, sendo uma dessas infecções o HIV.

Outro agravante que se soma é ter uma infecção transmissível ou já ter tido, que pode sugerir uma maior razão de chances para aquisição de novas infecções. Isso porque são agravos que apresentam mecanismos de transmissão semelhantes (sexual, parenteral ou por via vertical). Essa associação assemelha-se a estudos sobre a coinfecção entre as mulheres, considerando rotas de transmissão semelhantes9. Por outro lado, é inegável que ter tido ou ser portadora de alguma infecção poderia levar a um maior acesso a meios de prevenção e tratamento/atendimento de saúde. Em um estudo ocorrido no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil30, foi observado que ter diagnóstico de outras ISTs apresentaria associação independente com uma maior chance de coinfecção HIV/sífilis, considerando que o conhecimento prévio sobre os fatores associados a essa coinfecção subsidiária decisões dos profissionais de saúde inseridos no cuidado, em relação a diagnóstico, acompanhamento e tratamento adequados.

Uma limitação deste estudo se relaciona ao aspecto da segurança, que se sobrepõe em vários momentos à realização dos cuidados de saúde. Limitante também foi o roteiro adaptado, pois algumas informações eram autorreferidas relacionadas a comportamento sexual, acesso a serviços e violência. Podendo ser conflitantes e até difíceis de serem expostas.

CONCLUSÃO

Finda-se este estudo reiterando a importância de expandir o mesmo para a população masculina privada de liberdade, incluindo outras infecções transmissíveis e reemergentes, principalmente no sistema prisional, como a tuberculose.

Infecções como HIV, sífilis e hepatites B e C podem acometer e gerar maior impacto sobre grupos mais estigmatizados, “à margem” de seus direitos sociais. A própria condição de saúde e adoecimento, com baixo nível de escolaridade, destituídas da liberdade para percorrer a rede de saúde do município, uma vez que estão em cárcere, vitimadas e/ou com histórico de violência, impõe às mulheres privadas de liberdade uma condição de vulneráveis em comparação à população em geral.

Como contribuições à Enfermagem, estudos como este podem elucidar aspectos do dia-a-dia de suas práticas, tais como aqueles relacionados a infecções mais prevalentes e que fatores são associados a positividade destas. O que poderia contribuir também para reflexão e melhoria na prática clínica e comunitária de enfermeiros(as) com usuários e populações em situação de vulnerabilidade ou com limitações de acesso ao serviço de saúde, reorientado práticas de abordagem destas populações e condução de casos positivos em determinados grupos e cenários, como entre as mulheres privadas de liberdade.

  • *
    Artigo extraído da tese de doutorado “HIV/aids, hepatites B e C e sífilis: prevalência e fatores associados à ocorrência dessas infecções em uma população feminina privada de liberdade”, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil, 2023.
  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
    Nascimento L, Leite ICG, Chagas DNP, Ferreira LV, Silva GA. HIV, syphilis, hepatitis B and C, among women deprived of liberty: prevalence and associated factors. Cogitare Enferm [Internet]. 2025 [cited “insert year, month and day”];30. Available from: https://doi.org/10.1590/ce.v30i0.97839

AGRADECIMENTOS

O presente estudo trata-se de uma pesquisa de doutorado contemplada pelo Programa de apoio à qualificação dos servidores, edital nº 12/2018 da Direção de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação do IF Sudeste MG - Campus São João del-Rei, Minas Gerais.

Foi concebido a partir de uma necessidade levantada pelo projeto “Avaliação do Programa de Controle da Tuberculose em Juiz de Fora-MG” apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG), financiamento concedido pelo Edital Nº001/2017 - Demanda Universal (APQ-03011-17).

REFERÊNCIAS

  • Editora associada: Dra. Tatiane Herreira Trigueiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2023
  • Aceito
    29 Ago 2024
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