RESUMO
Objetivo: Analisar o perfil epidemiológico dos casos de coinfecção tuberculose/vírus da imunodeficiência humana em menores de 18 anos associados com a situação de encerramento no estado do Paraná, Brasil.
Método: Estudo transversal dos casos notificados de coinfecção tuberculose/vírus da imunodeficiência humana no período de 2002 a 2022. Realizaram-se análise descritiva, taxa de incidência e teste qui-quadrado.
Resultados: Foram registrados 62 casos de coinfecção com instabilidade no número de casos e na taxa de incidência por ano, com aumento em (0,29) 2003-2004, (0,18 a 0,25) 2008-2010, (0,18 a 0,11) 2012-2014 e (0,07) 2016-2017, e declínio dos casos entre (0,04) 2020-2021. Não houve confirmação de casos entre os anos de 2018, 2019 e 2022. A maioria dos casos ocorreu na faixa etária adolescente, seguida da escolar. Houve significância estatística para a zona urbana (p=0,013).
Conclusão: Esses achados, além de trazerem um alerta, podem incorporar planejamento para o controle da coinfecção.
DESCRITORES:
Atenção Integral à; Saúde da Criança e do Adolescente; Tuberculose; Coinfecção pelo HIV; Epidemiologia; Estudos Transversais.
HIGHLIGHTS
1. Oscilação, casos de coinfecção tuberculose/HIV nos últimos 20 anos.
2. O maior número de casos ocorreu em adolescentes.
3. Predomínio de casos na forma pulmonar com evolução para cura.
4. A zona urbana foi significativa em relação aos desfechos.
ABSTRACT
Objective: To analyze the epidemiological profile of cases of tuberculosis/human immunodeficiency virus co-infection in children under 18 years of age associated with the closure situation in the state of Paraná, Brazil.
Method: Cross-sectional study of notified cases of tuberculosis/human immunodeficiency virus co-infection from 2002 to 2022. Descriptive analysis, incidence rate and chi-square test were carried out.
Results: 62 cases of co-infection were recorded with instability in the number of cases and the incidence rate per year, with an increase in (0.29) 2003-2004, (0.18 to 0.25) 2008-2010, (0.18 to 0.11) 2012-2014 and (0.07) 2016-2017, and a decline in cases between (0.04) 2020-2021. There were no confirmed cases between 2018, 2019 and 2022. The majority of cases occurred in the adolescent age group, followed by the school age group. There was statistical significance for the urban area (p=0.013).
Conclusion: These findings, in addition to providing a warning, can incorporate planning for the control of co-infection.
DESCRIPTORS:
Comprehensive Health Care; Tuberculosis; HIV Infections; Epidemiology; Cross-Sectional Studies.
HIGHLIGHTS
1. Oscillation in tuberculosis/HIV co-infection cases over the last 20 years.
2. The highest number of cases occurr ed in adolescents.
3. Predominance of cases in the pulmonary for m with progression to cure.
4. The urban area was significant in relation to the outcomes.
RESUMEN
Objetivo: Analizar el perfil epidemiológico de los casos de coinfección tuberculosis/virus de la inmunodeficiencia humana en menores de 18 años asociados a evento de cierre en el estado de Paraná, Brasil.
Método: Estudio transversal de casos notificados de coinfección tuberculosis/virus de la inmunodeficiencia humana entre 2002 y 2022. Se realizó análisis descriptivo, tasa de incidencia y test de Chi cuadrado.
Resultados: Se registraron 62 casos de coinfección, con inestabilidad del número de casos y de tasa de incidencia anual, con aumentos de (0,29) 2003-2004, (0,18 a 0,25) 2008-2010, (0,18 a 0,11) 2012-2014 y (0,07) 2016-2017, y descenso de casos de (0,04) 2020-2021. No hubo casos confirmados entre 2018, 2019 y 2022. La mayoría de casos se presentaron en franja etaria adolescente, seguida por la escolar. Hubo significancia estadística para el área urbana (p=0,013).
Conclusión: Estos hallazgos, además de constituir una advertencia, sugieren incorporar la planificación al control de la coinfección.
DESCRIPTORES:
Atención Integral de Salud del Niño y del Adolescente; Tuberculosis; Coinfección por el VIH; Epidemiología; Estudios Transversales.
HIGHLIGHTS
1. Oscilación, casos de coinfección tuberculosis/VIH en los últimos 20 años.
2. La mayor cantidad de casos ocurrió en adolescentes.
3. Predominio de casos en la forma pulmonar con evolución a curación.
4. La zona urbana resultó significante en relación a los desenlaces.
INTRODUÇÃO
Em 2022, o relatório global da tuberculose (TB) da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em novembro de 2023, publicou que cerca de 1,25 milhão de crianças e jovens adolescentes (de 0 a 14 anos) adoeceram com TB, o que representa 12% da carga global da doença, em que, praticamente, quase a metade tinha menos de cinco anos de idade1.
No mesmo ano, houve mais de 200.000 casos de morte por TB, representando 16% de todas as mortes por este agravo. Entre os óbitos com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) negativo, 76% ocorreram em crianças com menos de cinco anos. Praticamente, quase todos os casos não tiveram acesso ao diagnóstico e ao tratamento1-2.
Uma análise do período entre 2018 e 2022 em relação às metas definidas na declaração política da primeira reunião de alto nível das Nações Unidas sobre a luta contra a TB destaca que apenas 71% da meta de fornecer tratamento para 3,5 milhões de crianças e jovens adolescentes foi alcançada (em comparação com 84% da meta para 40 milhões de pessoas de todas as idades). A lacuna para diagnóstico e tratamento é ainda maior, com uma conquista de apenas 19% da meta de fornecer tratamento para 115.000 casos de TB Multirresistente (MDR) e TB Resistente à Rifampicina (RR). Isso significa que quatro em cada cinco crianças e jovens adolescentes com TB-MDR/RR, nos últimos cinco anos, não tiveram acesso ao tratamento1-2. Tais indicadores mostram que precisamos acelerar nossos esforços para prevenir e controlar a TB em crianças e adolescentes2.
No entanto, a coinfecção TB/HIV em crianças e adolescentes é um grande desafio para a saúde pública no Brasil. O diagnóstico tardio dessas doenças, associado aos fatores socioeconômicos que ajudam na subnotificação, dificulta o tratamento correto e a implementação de políticas públicas eficazes, prejudicando o controle dessas condições na população infanto-juvenil3.
Observa-se que há publicações nacionais relacionadas a coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos em Porto Alegre4, Rio Grande do Sul5, no Acre6, Sergipe7, em Pelotas8 e apenas em Curitiba/Paraná9. Diante disso, há uma defasagem na literatura, em se tratando do estado do Paraná, para a compreensão da dinâmica desse evento, o que torna este estudo relevante e inédito. Diante disso, este estudo objetiva analisar o perfil epidemiológico dos casos de coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos associados à situação de encerramento no estado do Paraná, Brasil.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal desenvolvido no estado do Paraná, localizado ao norte da região Sul do Brasil, que possui 399 municípios, totalizando 199.298.981 km2 e uma população estimada de 10.439.601 habitantes, ocupando o 5º lugar no ranking dos estados mais populosos do país10-11.
Os dados foram disponibilizados pela Secretaria de Saúde do Estado (SESA) do Paraná, por meio de planilha Microsoft Excel®, referente às notificações de coinfecção de TB/HIV, do Sistema de Informação de Agravos de Notificações (SINAN) no período de janeiro de 2002 a dezembro 2022, disponibilizados em abril de 2023.
A população foi composta por todos os casos notificados, no estado do Paraná, por TB com idade de zero a 18 anos, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, décima revisão (CID-10: A 15.0 a 16.9), totalizando 3.583 casos.
Foram incluídos os casos com diagnóstico confirmado de TB e de sororreagentes para HIV, independentemente de terem desenvolvido a Síndrome da Imunodeficiência Humana (Aids). Excluíram-se os casos cuja variável ‘HIV’ foi preenchida como negativa (2.096 casos), não realizada (1.031 casos), em andamento (10 casos), com registros em brancos (164 casos), registros duplicados (88 casos), ou seja, aqueles que apresentaram os mesmos dados de identificação e data do diagnóstico, casos com situação de encerramento com mudança de diagnóstico descartado para TB (121).
As variáveis independentes foram: faixa etária: recém-nascido/neonato (de 0 a 28 dias), lactente (de 29 dias a 1 ano, 11 meses e 29 dias), pré-escolar (de 2 a 4 anos), escolar (de 5 a 10 anos) e adolescente (de 11 a 18 anos); sexo (masculino e feminino); raça branca e não branca (preta, amarela, parda e indígena); porte do município de residência (pequeno, médio e grande); macrorregional de saúde de residência (Leste, Oeste, Norte e Noroeste) e zona (urbana e rural)12-13. Em relação à variável porte do município de residência, foi recategorizada em: pequeno porte (municípios com até 99 mil habitantes), médio porte (entre 100 mil e 499 mil habitantes) e grande porte (acima de 500 mil habitantes)10.
A variável macrorregional de residência foi recategorizada em: Leste (regionais de saúde de Paranaguá, Curitiba, Ponta Grossa, Irati, Guarapuava, União da Vitória e Telêmaco Borba), Oeste (regionais de Pato Branco, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Cascavel e Toledo), Norte (regionais de Apucarana, Londrina, Cornélio Procópio, Jacarezinho e Ivaiporã) e Noroeste (regionais de Campo Mourão, Umuarama, Cianorte, Paranavaí e Maringá)14.
Quanto ao perfil operacional da TB, foram utilizadas as variáveis: tipo de entrada (caso novo, recidiva, reingresso após interrupção do tratamento, não sabe, transferência e pós óbito) e forma clínica (pulmonar, extrapulmonar e pulmonar + extrapulmonar).
Como variável dependente foi considerada a situação de encerramento (cura, interrupção do tratamento “abandono + abandono primário”, óbito por outras causas e transferência).
O cálculo da taxa de incidência/ano foi realizado de acordo com a fórmula: numerador: número de casos existente em determinado período; denominador: número total de pessoas na população no mesmo período; fator de multiplicação: 100.000 habitantes. Para definição da base populacional utilizada no denominador, foram utilizados os dados do censo do IBGE de 2022 de zero a 18 anos11,15. Para esse cálculo, foram excluídos os casos de recidivas, transferências e reingressos.
Para a análise descritiva, realizou-se a frequência absoluta e relativa. E, para a inferencial, foram desenvolvidas análises policotômicas a partir do teste qui-quadrado, em que se considerou o nível de significância (5%) com Intervalo de Confiança (IC 95%) e p-valor. Todas as análises foram realizadas no programa IBM Software Statistical Package for the Social Science (SPSS) para o Windows, versão 22® (IBM Corp., 2013).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (CEP/UEL), com o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE:38855820.6.0000.5231), com o número do parecer 4.374.235, aprovado em 01 de novembro de 2020.
RESULTADOS
Foram notificados/confirmados 62 casos novos de coinfecção TB/HIV entre crianças e adolescentes no período de 2002 a 2022. Conforme mostra a Figura 1, no ano de 2003, o coeficiente de incidência foi de 0,29/100 mil habitantes. Nos anos de 2011, 2015, 2020 e 2021, o coeficiente foi de 0,04/100 mil habitantes, respectivamente em cada ano. Quanto à faixa etária, no período de 2002 a 2004, houve predomínio de casos em lactentes, seguidos por pré-escolares e adolescentes. Além disso, independentemente do ano, a maioria dos casos ocorreu entre adolescentes, escolares, lactentes, pré-escolares e recém-nascidos.
Taxa de incidência de casos de coinfecção tuberculose/HIV por ano e faixa etária. Londrina, PR, Brasil, 2025 Legenda: *Foram excluídos os casos de recidiva, reingresso e transferências totalizando 62 casos novos. Fonte: Elaborado pelos autores segundo a fonte de dados do SINAN (2025)
Ao analisar o perfil sociodemográfico, nota-se o maior número de casos nas variáveis: faixa etária de adolescente 28 (38,4%), sexo masculino 41 (56,2%), raça branca 44 (68,8%), municípios de grande porte 50 (68,5%), macrorregional de saúde Leste 44 (60,3%) e zona urbana 69 (95,8%). Quanto aos dados operacionais da TB, evidencia-se uma predominância de casos novos 62 (84,9%), na forma clínica pulmonar 47 (64,4%) e que evoluíram para a cura 45 (62,5%), conforme descrito na Tabela 1.
Características sociodemográficas e epidemiológicas dos casos de coinfecção tuberculose/HIV em menores de 18 anos. Londrina, PR, Brasil, 2025
A Tabela 2 apresenta a análise do teste qui-quadrado para a associação entre a variável “situação de encerramento” e as variáveis sociodemográficas dos casos de coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos. Os resultados mostram que a zona urbana foi estatisticamente significativa, estabelecendo uma associação relevante entre o local de residência e a situação de encerramento dos casos. Isso sugere que crianças e adolescentes residentes em áreas urbanas têm uma maior probabilidade de cura em comparação com aqueles que residem em áreas rurais.
Distribuição das variáveis sociodemográficas dos casos de coinfecção tuberculose/HIV em menores de 18 anos, associada à situação de encerramento dos casos de tuberculose. Londrina, PR, Brasil, 2025
Em relação ao perfil operacional, não houve uma associação significativa entre as variáveis, conforme observado na Tabela 3.
Distribuição das variáveis epidemiológicas dos casos de coinfecção tuberculose/HIV em menores de 18 anos, associada à situação de encerramento dos casos de tuberculose. Londrina, PR, Brasil, 2025
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo revelaram uma instabilidade significativa no número de casos e nas taxas de incidência anuais, ao longo das duas décadas analisadas. Essa variação foi particularmente notável nas diferentes faixas etárias, com uma predominância de casos entre adolescentes do sexo masculino, raça branca, em municípios de grande porte, na macrorregião Leste, zona urbana e com predomínio de novos casos na forma pulmonar, em que a maioria evoluiu para cura.
Esses resultados são consistentes com a literatura disponível sobre a coinfecção TB/HIV no Brasil, que aponta para uma tendência de redução na incidência ao longo da última década no país e em alguns estados brasileiros, incluindo o Paraná. Essa diminuição pode ser atribuída a vários fatores, como o avanço das políticas de saúde pública, a melhoria no acesso a diagnósticos e tratamentos, além do aumento da conscientização sobre a importância da testagem e do tratamento precoce16-17.
A estratégia End TB e o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCTB) no Brasil têm como objetivo erradicar a TB, mas a realidade é que ainda enfrentamos desafios significativos, especialmente no que diz respeito à população menor de 18 anos. Esses desafios podem ser atribuídos a diversos fatores. Primeiramente, a detecção precoce da TB em crianças e adolescentes é um grande obstáculo, pois os sintomas da doença podem ser menos evidentes nessa faixa etária, o que atrasa o diagnóstico e o tratamento18. Além disso, a falta de conscientização sobre a TB e suas formas de transmissão entre pais, responsáveis e profissionais de saúde podem levar a um subdiagnóstico17-19.
Em um estudo internacional de revisão que buscou evidências sobre prevenção, diagnóstico e tratamento da coinfecção TB/HIV em crianças constatou que a maioria dos avanços nas pesquisas em relação a esses dois agravos não foi realizada na população pediátrica, que continua sofrendo com os acessos precários, os esquemas onerosos e o subdiagnóstico da TB20.
Além disso, segundo a OMS, em 2020, houve uma redução drástica no número de casos diagnosticados, com aproximadamente 1,5 milhão de mortes por TB registradas, representando um aumento em relação aos anos anteriores. Isso indica um retrocesso nos progressos feitos na luta contra a TB, retornando ao nível de casos e mortes não vistos em cerca de 20 anos21.
Ademais, os achados deste estudo são semelhantes aos relatados em outros países22-24. Acredita-se que as medidas adotadas para o controle da Covid-19 influenciaram diretamente nas metas estabelecidas pela OMS para redução do ônus global da TB23.
Estudo desenvolvido no Sul do Brasil evidenciou que os adolescentes do sexo masculino apresentam comportamentos que podem ser atribuídos a vários fatores, incluindo normas de gênero que incentivam os meninos a serem mais independentes e a evitarem demonstrar vulnerabilidade. Esses comportamentos incluem práticas sexuais desprotegidas e menor conscientização sobre a importância do cuidado preventivo, influenciada pelos cuidadores, sejam eles pais, responsáveis ou outros adultos significativos4-5. Destaca-se também, nessa população, a maior exposição ao convívio social comparada à de crianças, o que pode aumentar o risco de transmissão de doenças6.
De acordo com a Política Nacional de Controle da Tuberculose, as crianças e adolescentes vivendo com HIV e que são contatos domiciliares de casos de TB devem ser rastreados para investigação da doença. Além disso, aqueles diagnosticados com TB ativa devem ser testados para HIV, para que possam receber o tratamento em tempo oportuno e prevenir as complicações associadas à coinfecção17.
Quanto ao predomínio de cor/raça branca neste estudo pode estar relacionado ao perfil étnico da população do estado do Paraná, que possui cerca de 64,6% de brancos, 30,1% de pardos, 4,2% de pretos, 0,9% de amarelos e 0,2% de indígenas, e não especificamente à predisposição racial para a TB25.
No que tange ao aumento de casos na raça branca, no estado do Paraná, ocorre em razão do predomínio da etnia caucasiana “branca”. Esse fator pode ser explicado em virtude da grande diversidade de descendentes europeus presentes em toda região Sul do Brasil26.
Os resultados também apontaram que os municípios de grande porte, situados em zona urbana e na macrorregional Leste do estado, apresentaram um maior número de casos de coinfecção TB/HIV. Um estudo realizado no estado de Sergipe em 2020 que avaliou o padrão epidemiológico da TB em crianças e adolescentes demonstrou que a maioria da população infantil vive em grandes centros urbanos, e que, no Brasil, 80% da população reside em áreas urbanas. Esse cenário também pode favorecer o acesso ao diagnóstico oportuno, tratamento e acompanhamento eficaz7.
Por outro lado, ao olhar-se para as zonas rurais, o cenário é igualmente desafiador, mas de uma forma diferente. A falta de acesso a serviços de saúde, diagnóstico e tratamento precoce pode resultar em desfechos muito piores para a população rural. O isolamento geográfico e a escassez de infraestrutura dificultam a prevenção e o cuidado de diversas condições de saúde. Isso implica em maior taxa de mortalidade e complicações da doença que poderiam ser tratadas, de forma mais eficiente, em um contexto urbano, além das subnotificações nesse tipo de região7.
A macrorregional de saúde Leste do estado do Paraná possui uma localização geográfica peculiar, sendo uma região litorânea e portuária que faz divisa com outros estados, além de incluir a região metropolitana de Curitiba, capital do estado. Por ser um território com grande flutuação de indivíduos e um fluxo constante de migração de pessoas, essas características contribuem para uma maior incidência de casos novos de coinfecção TB/HIV27.
Em relação às características epidemiológicas, observa-se um maior número de casos novos na forma pulmonar de coinfecção TB/HIV entre crianças e adolescentes no estado do Paraná. A forma pulmonar na faixa etária escolar (de 5 a 10 anos) difere da observada em adultos, pois costuma ser abacilífera ou paubacilífera, ou seja, negativa para os exames de baciloscopia17. Dessa forma, as crianças acabam adquirindo a TB por meio do contato com doentes bacilíferos adultos ou adolescentes. A TB na infância é considerada um evento sentinela, pois reflete o seu potencial de disseminação por meio do contato com um adulto bacilífero9,19.
Destaca-se ainda que a participação dos cuidadores no cuidado de crianças e adolescentes com coinfecção TB/HIV é um elemento central para o sucesso do tratamento e controle dessas doenças. Os cuidadores, muitas vezes membros da família, desempenham um papel essencial não só no processo de diagnóstico mas também na adesão ao tratamento, que é fundamental para garantir a eficácia das intervenções médicas28.
Os serviços de saúde e os profissionais da área devem, portanto, adotar abordagens que promovam e fortaleçam o vínculo com os cuidadores28. É fundamental que haja um trabalho colaborativo em que os cuidadores se sintam parte do processo de cuidado. Isso pode incluir a oferta de informações claras sobre o tratamento, o fornecimento de suporte psicológico e social e a promoção de espaços de diálogo onde os cuidadores possam expressar suas preocupações e necessidades28-29.
Em um estudo realizado no estado do Piauí, os autores apontaram que o acompanhamento dos casos por meio dos serviços de saúde favorece o sucesso do tratamento e, consequentemente, a cura. Porém a coinfecção TB/HIV é um fator que predispõe a interrupção do tratamento, em razão das reações adversas e interações dos medicamentos. Sendo assim, os autores destacaram o Tratamento Diretamente Observado como proposta para minimizar essa interrupção e, assim, estimular o uso correto da medicação para um desfecho favorável no tratamento30.
Ainda em relação à situação de encerramento, a maioria dos casos evoluiu para cura (54,2%); todavia, essa taxa ficou abaixo da recomendação da Organização Mundial de Saúde, que é de 85% 2. Além do mais, houve um elevado número de óbitos por outras causas. O Ministério da Saúde define como óbito por outras causas aquele que ocorre quando o óbito se dá por causas diferentes das da TB, ocorrido durante o tratamento17.
A subnotificação dos casos de TB em menores de 18 anos está relacionada à frágil busca ativa, incipiência dos registros e ao fluxo de informações, refletindo a falta de equidade no acesso aos serviços de saúde. O estudo realizado no município de Pelotas revelou que, entre as possíveis justificativas, destacam-se a descontinuidade dos processos de capacitação, inexistência de política de educação permanente e rotatividade dos profissionais de saúde, relacionadas à descontinuidade político-partidária8.
É importante destacar algumas limitações do estudo em razão da utilização de dados secundários. Esse fator pode ser limitador pela falta de completude das informações. Ressalta-se que os resultados apresentados neste estudo podem se tornar uma referência para investigações futuras destinadas à compreensão da coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos.
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo revelaram que a coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos, no estado do Paraná, apresentou períodos de oscilação seguidos de queda ao longo de 20 anos, com maior incidência entre adolescentes. Fatores sociodemográficos, como a notificação em zonas urbanas, mostraram uma influência significativa nos desfechos de tratamento, incluindo cura, interrupção do tratamento, óbito por outras causas e transferência de casos.
Este estudo destaca a necessidade de se realizarem novas pesquisas sobre a coinfecção TB/HIV em menores de 18 anos, dada a invisibilidade dessa população na literatura. Ademais, ao mostrar o panorama, evidencia-se a necessidade de intensificar políticas públicas direcionadas à saúde da criança e do adolescente, promovendo o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.
Os resultados, entretanto, podem servir de referência para futuras investigações e para o desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes na população com coinfecção TB/HIV.
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Artigo extraído da dissertação do mestrado: “Perfil epidemiológico e espacial dos casos de tuberculose em menores de 18 anos no estado do Paraná -2002 a 2022”, Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil, 2024.
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COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
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AGRADECIMENTOS
O presente estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) DEMANDA SOCIAL (DS) - Processo 88881.890927/2023-01 (AUXPE PPG Enfermagem-UEL).
REFERÊNCIAS
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Editado por
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Editor associado:
Dra. Claudia Nery Teixeira Palombo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Jun 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
09 Set 2024 -
Aceito
19 Fev 2025


