Open-access Influência das forças familiares: percepção das mães no período de situação pandêmica

RESUMO

Objetivo:  Identificar de que forma as forças familiares influenciaram a vivência da situação pandêmica entre mães de crianças e adolescentes.

Método:  Estudo retrospetivo, de carácter quantitativo, realizado com uma amostra de 389 mães de crianças e jovens, entre 2021 e 2022. O instrumento de coleta de dados contemplou informações sociodemográficas e o questionário de forças familiares. Para a análise dos dados utilizou-se um programa estatístico, sendo realizadas análises descritiva e inferencial.

Resultados:  As forças familiares em contextos de pandemia são muito valorizadas por mães de diferentes países (IC95%: 111-115). Verificou-se que as forças familiares são influenciadas pela escolaridade, estado civil e percepção do funcionamento familiar das mães que vivenciaram uma situação pandêmica (p<0.001).

Conclusão:  Importa implementar políticas de intervenção em contextos de pandemia, que potenciem as forças familiares, valorizando a percepção da funcionalidade familiar, a escolaridade e o estado civil das mães. As forças familiares parecem influenciar uma vivência mais saudável de situações adversas, como foi o caso da pandemia pela COVID-19.

DESCRITORES:
Relações Familiares; Relação Mãe-Filho; Saúde Materna; Pandemias; COVID-19.

HIGHLIGHTS

1. As forças familiares influenciam positivamente as vivências numa situação pandêmica.

2. Mães de diferentes países classificaram como elevadas as forças familiares.

3. A organização familiar positiva é mais valorizada nas forças familiares.

4. Escolaridade, estado civil e funcionamento familiar, influenciam as forças familiares.

ABSTRACT

Objective:  To identify how family strengths influenced the experience of the pandemic among mothers of children and adolescents.

Method:  A retrospective, quantitative study was conducted with a sample of 389 mothers of children and young people between 2021 and 2022. The data collection instrument included sociodemographic information and the family strengths questionnaire. A statistical program was used for data analysis, and descriptive and inferential analyses were performed.

Results:  Family strengths in pandemic contexts are highly valued by mothers from different countries (95% CI: 111-115). It was found that family strengths are influenced by the education level, marital status, and perception of family functioning of mothers who experienced a pandemic situation (p<0.001).

Conclusion:  It is important to implement intervention policies in pandemic contexts that enhance family strengths, valuing the perception of family functionality, education, and mothers’ marital status. Family strengths seem to influence a healthier experience of adverse situations, as was the case with the COVID-19 pandemic.

DESCRIPTORS:
Family Relations; Mother-Child Relations; Maternal Health; Pandemics; COVID-19.

HIGHLIGHTS

1. Family strengths positively influence experiences in a pandemic situation.

2. Mothers from different countries rated family strengths as high.

3. Positive family organization is more valued in family strengths.

4. Education, marital status, and family functioning influence f amily strengths.

RESUMEN

Objetivo:  Identificar de qué manera las fuerzas familiares influyeron en la experiencia de la pandemia entre las madres de niños y adolescentes.

Método:  Estudio retrospectivo, de carácter cuantitativo, realizado con una muestra de 389 madres de niños y jóvenes, entre 2021 y 2022. El instrumento de recopilación de datos incluyó información sociodemográfica y el cuestionario sobre las fuerzas familiares. Para el análisis de los datos se utilizó un programa estadístico, y se realizaron análisis descriptivos e inferenciales.

Resultados:  Las fuerzas familiares en contextos de pandemia son muy valoradas por las madres de diferentes países (IC95 %: 111-115). Se ha comprobado que las fuerzas familiares están influenciadas por el nivel educativo, el estado civil y la percepción del funcionamiento familiar de las madres que han vivido una situación de pandemia (p<0,001).

Conclusión:  Es importante implementar políticas de intervención en contextos de pandemia que potencien las fuerzas familiares, valorizando la percepción de la funcionalidad familiar, la escolaridad y el estado civil de las madres. Las fuerzas familiares parecen influir en una experiencia más saludable de situaciones adversas, como fue el caso de la pandemia de COVID-19.

DESCRIPTORES:
Relaciones Familiares; Relación Madre-Hijo; Salud Materna; Pandemias; COVID-19.

HIGHLIGHTS

1. Las fuerzas familiares influyen positivamente en las experiencias vividas en una situación de pandemia.

2. Las madres de diferentes países calificaron como elevadas las fuerzas familiares.

3. La organización familiar positiva es más valorada en las fuerzas familiares.

4. El nivel educativo, el estado civil y el funcionamiento familiar influyen en las fuerzas familiares.

INTRODUÇÃO

A saúde das mães durante a pandemia da COVID-19 foi um tema de grande relevância, destacando os desafios e as adaptações necessárias para garantir o cuidado adequado às gestantes, puérperas, mães e seus filhos.

O isolamento social a que a população em geral foi submetida, a falta de suporte presencial de familiares e amigos, e a dificuldade em conciliar teletrabalho com as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos foram muitas vezes mencionados pelas mulheres como uma forma de sobrecarga, evidenciando a falta de tempo para cuidarem de si1.

Muitas mulheres assumiram responsabilidades adicionais, como os cuidados com os filhos em casa devido ao fechamento de escolas e creches, ao mesmo tempo em que gerenciavam o trabalho remoto ou a perda do emprego. Essa sobrecarga parece estar relacionada a altos níveis de estresse, burnout e problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Sabe-se, portanto, que fatores com baixa escolaridade, dificuldades econômicas, problemas de saúde mental preexistentes e o fato de viver sozinha ou com as crianças foram identificados como fatores de risco para níveis mais altos de ansiedade e depressão2-3.

Mães infectadas pelo SARS-CoV-2 enfrentaram desafios na gestão dos cuidados familiares durante a recuperação. A necessidade de isolamento de outros membros da família, incluindo crianças pequenas, trouxe dificuldades emocionais e logísticas. As mães frequentemente assumiram o papel de professoras durante o ensino remoto, o que foi desafiador ao tentar equilibrar com outras responsabilidades, além das preocupações constantes sobre como proteger os filhos, especialmente em famílias com crianças pequenas ou imunossuprimidas. A pandemia agravou ainda as desigualdades de gênero, destacando como as mães muitas vezes ficam com a maior parte das responsabilidades domésticas3.

As forças familiares são os recursos, capacidades e qualidades que ajudam as famílias a enfrentar desafios, construir relacionamentos saudáveis e promover o bem-estar de seus membros. Essas forças podem ser internas (relacionadas à dinâmica e às habilidades da própria família) ou externas (suporte social e recursos comunitários) e, quando cultivadas e reconhecidas, ajudam as famílias a enfrentar crises, fortalecer relacionamentos e crescer juntas.

As forças familiares nas quais a mulher/mãe está inserida podem ser importante nos processos de adaptação e resiliência familiar. As forças familiares, enquanto processos de funcionamento familiar, podem contribuir para resultados desenvolvimentais mais favoráveis para os indivíduos e as famílias, particularmente em situações de alto estresse, como foi o caso da pandemia da COVID-194-5.

Tem havido um enorme interesse em definir as forças das famílias, embora ainda existam poucos estudos sobre o assunto, especialmente no contexto pandêmico. As forças familiares estão intimamente relacionadas com a resiliência que a família possui para lidar com situações adversas. As famílias seguem vias de resposta ao estresse, procurando processos adaptativos com recurso às suas forças e competências individuais e coletivas. O modelo montanha-russa (“The roller coaster model”) fornece um quadro teórico para explicar as respostas das famílias perante situações de crise6-8.

Face ao exposto, as forças familiares das mulheres podem ser uma ferramenta útil para identificar recursos internos e externos que apoiam o seu próprio bem-estar emocional, relacional e social9. A comunicação eficaz e o tempo de qualidade juntos foram identificados como forças-chave nas famílias durante a pandemia. Alguns estudos mostraram que a comunicação aberta, a cooperação e a resolução conjunta de problemas contribuem para a resiliência e o bem-estar familiar. Essas práticas ajudam a manter um senso de união e confiança, que são cruciais em tempos de crise.

Assim, este estudo tem como objetivo identificar de que forma as forças familiares influenciaram a vivência da situação pandêmica por parte de mães de crianças e jovens adolescentes.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, descritivo e inferencial, transversal, teve como objetivo conhecer as características sociodemográficas de mães de crianças e adolescentes até 18 anos de idade no período da situação pandêmica por SARS-CoV-2 e verificar a possível associação de variáveis independentes (idade, país de origem, estado civil, escolaridade, situação laboral, situação econômica e condições habitacionais) com a variável dependente forças familiares.

Utilizou-se, para a seleção da amostra, o método de amostragem não probabilística de conveniência, segundo a técnica da bola de neve. A técnica da bola de neve consiste na identificação de um membro, solicitando-se que este identifique outros membros da população. Uma das maiores vantagens dessa técnica é o alcance de populações difíceis de identificar10. Foram tidos como critérios de inclusão as mães de crianças e adolescentes até aos 18 anos de idade que aceitaram voluntariamente participar no estudo. Por sua vez, como critérios de exclusão, foram selecionadas mulheres que não tinham filhos, aquelas cujos filhos tinham todos mais de 18 anos de idade, e mães que não aceitaram voluntariamente participar do estudo.

A escala utilizada na coleta de dados foi um questionário com questões relacionadas à idade, país de origem, estado civil, escolaridade, situação laboral, rendimento, situação econômica e condições habitacionais e o Questionário de Forças Familiares (QFF).

O Questionário de Forças Familiares9 visa à identificação das forças e dos processos de resiliência familiar, a partir da autoavaliação das famílias. É um instrumento de autorrelato constituído por 29 itens, avaliados em uma escala de Likert de cinco pontos (1 = nada parecidas, 2 = pouco parecidas, 3 = mais ou menos parecidas, 4 = bastante parecidas e 5 = totalmente parecidas). Os itens agrupam-se em quatro fatores: Fator 1) Organização Familiar Positiva, que diz respeito à organização dos papéis familiares e à interação familiar adequada (itens 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 13); Fator 2) Crenças Familiares Positivas, que se relaciona com o forte sentido de orgulho, a persistência e a capacidade de resistência às dificuldades (itens: 12, 16, 21, 24, 25, 28 e 29); Fator 3) Gestão Positiva e Suporte Familiar, que se refere à adequada partilha de recursos, diálogo e resolução conjunta de problemas (itens: 17, 18, 19, 20, 22, 23 e 27); Fator 4) Emoções Positivas, que diz respeito ao domínio da gestão das emoções e do controle dos comportamentos (itens: 1, 11, 14, 15 e 26). A pontuação é obtida pela soma das respostas de todos os itens.

No que diz respeito à consistência interna do instrumento, este apresenta um Alfa de Cronbach de 0,976, valor superior ao encontrado no estudo realizado por Melo e Alarcão (2011)9, em que o Alfa de Cronbach foi de 0,95.

Nesta investigação, obtiveram-se os seguintes resultados relacionados à consistência interna: Fator 1 apresentou um Alfa de Cronbach de 0,95, o Fator 2 de 0,93; o Fator 3 de 0,92; e o Fator 4 de 0,91. Verifica-se que os resultados da investigação de Melo e Alarcão (2011)9 foram inferiores, em comparação com este estudo, sendo que o Fator 1 tem um Alfa de Cronbach de 0,90; o Fator 2 de 0,87; o Fator 3 de 0,84; e o Fator 4 de 0,84).

A análise dos dados foi realizada com o uso da versão 29 do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc. Chicago, Illinois).

Como primeira abordagem foi feita a análise descritiva das principais variáveis independentes: idade (em anos), escolaridade, estado civil, situação profissional, número de filhos sob responsabilidade, nível de rendimento, percepção de satisfação com a família, e percepção de funcionalidade familiar. Em seguida, foi caraterizada a variável dependente Forças Familiares, bem como realizada a análise inferencial quanto à possível associação das variáveis independentes de caráter sociodemográfico com a variável dependente Forças Familiares. Nessa etapa, a análise foi estratificada pelos quatro países participantes do estudo: Portugal, Cabo Verde, Brasil e São Tomé.

Com o objetivo de testar a normalidade da amostra, foi utilizado o teste Kolmogorov-Smirnov, recomendado para amostras superiores a 50 elementos, o qual revelou distribuição normal das variáveis dependentes analisadas. Adicionalmente, foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk e Levene, sendo os intervalos de confiança definidos em 95% (Tabela 1).

Tabela 1
Testes da Normalidade (Kolmogorov-Smirnov; Shapiro-Wilk; Levene). Leiria, Portugal, 2025

Foram utilizados testes paramétricos, nomeadamente teste de Anova com análise de comparação múltipla de Tukey, e o teste não paramétrico de independência qui-quadrado (X2).

Para prever a possível associação das variáveis independentes com a variável dependente: “Questionário de Forças Familiares”, foram aplicados modelos de regressão linear simples e múltipla, com o respectivo estudo de colinearidade por meio da estatística de Durbin-Watson e a análise dos respectivos resíduos.

Na realização do estudo, foram respeitados todos os preceitos éticos, em conformidade com a Declaração de Helsinque, incluindo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todos os participantes. O estudo também foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Parecer nº 676/06-2020).

RESULTADOS

Caracterização sociodemográfica de mães de crianças e adolescentes até 18 anos durante o período pandêmico de SARS-CoV-2

Pela análise dos resultados obtidos, verifica-se que, das 389 mulheres participantes do estudo, a média de idade foi de 37,40 anos (desvio-padrão = 7,36), com valor mínimo de 18 anos e máximo de 62 anos de idade. Em relação ao país de origem, 337 (86,6%) das participantes eram portuguesas, 36 (9,3%) cabo-verdianas, 6 (1,5%) brasileiras e 10 (2,6%) naturais de São Tomé e Príncipe. Ressalta-se que, no momento da coleta de dados, todas as 389 mulheres residiam em Portugal. Quanto ao estado civil, 319 (82%) informaram estar casadas ou vivendo em união estável, 48 (12,3%) solteiras, 18 (4,6%) separadas ou divorciadas e 4 (1%) viúvas.

Em relação ao nível de escolaridade, verifica-se que 202 (51,9%) mulheres possuíam graduação, 84 (21,6%) Ensino Médio (até ao 12º ano de escolaridade), 62 (15,9%) mestrado, 22 (5,7%) Ensino Fundamental II (até ao 9º ano), 13 (3,3%) doutorado, 4 (1%) o Ensino Fundamental I (até ao 6º ano) e 2 (0,5%) o Ensino Básico (até ao 4º ano). Quanto à situação laboral, 318 (81,7%) dessas mães estavam empregadas com carteira assinada, 55 (14,1%) estavam desempregadas e 16 (4,1%) encontravam-se em regime de ‘lay off’ (redução temporária da jornada de trabalho).

Quando questionadas sobre como avaliaram a sua situação econômica em relação ao rendimento mensal, 164 (42,2%) declararam ser-lhes indiferente, 114 (29,3%) afirmaram estar satisfeitas, 64 (16,5%) insatisfeitas, 36 (9,3%) muito insatisfeitas e 11 (2,8%) muito satisfeitas. Observa-se ainda que 213 (54,8%) participantes consideraram que a sua situação econômica não piorou em virtude da pandemia do SARS-CoV2, enquanto 175 (45,2%) afirmaram que sim, que a sua situação econômica foi negativamente afetada pela pandemia.

Relativamente às condições habitacionais durante o isolamento decorrente da pandemia do SARS-CoV2, 194 (49,9%) das participantes residiam em moradia, com espaço adjacente (por exemplo, terraço ou jardim) no exterior, 103 (26,5%) viviam em apartamento, sem espaço adjacente (por exemplo, terraço) no exterior, 76 (19,5%) moravam em apartamento com espaço adjacente (por exemplo, terraço) no exterior; e 16 (4,1%) residiam em moradia sem espaço adjacente (por exemplo, terraço ou jardim) no exterior.

Predição da possível associação entre as variáveis independentes de caráter sociodemográfico e a variável dependente “Forças Familiares”

No que se refere às variáveis preditivas, detalhadas na Tabela 2, observa-se que apenas nas variáveis “Número de filhos sob responsabilidade” e “Satisfação com a família” não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as mulheres participantes oriundas dos quatro países incluídos no estudo (Tabela 2).

Tabela 2
Análise descritiva das potenciais variáveis associadas às forças familiares durante o período de isolamento pelo SARS-CoV2, entre as mulheres participantes do estudo pertencentes a quatro países diferentes. Leiria, Portugal, 2025

As pontuações obtidas na aplicação do “Questionário das Forças Familiares” variaram entre 36 e 145 pontos, com média de 113 pontos nos quatro países de origem das mães analisadas. Metade das respostas situou-se entre 104 e 130 pontos (percentis 25 e 50). A média das “Forças Familiares”, não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os quatro países, tanto na escala total (p=0,147), quanto nos fatores que a compõem (p>0,05). O país com as melhores pontuações foi São Tomé e Príncipe (Tabela 3).

Tabela 3
Caraterização da variável “Forças familiares”, considerando a escala total e sua decomposição por fatores, entre as mulheres participantes do estudo pertencentes a quatro países diferentes. Leiria, Portugal, 2025

Nos modelos de regressão linear univariada, as variáveis escolaridade, estado civil, nível de rendimento, percepção da satisfação com a família e percepção da funcionalidade familiar, se associaram às pontuações mais elevadas na escala de avaliação das forças familiares (p<0,05) nas mulheres analisadas oriundas dos quatro países estudados.

No modelo intermédiário (incluindo apenas as variáveis significativas no modelo univariado) e no modelo final, apenas escolaridade, estado civil, nível de rendimento e percepção da funcionalidade familiar se associaram positivamente à elevação das pontuações (p< 0,05). As demais variáveis não apresentaram associação significativa com pontuações mais elevadas na escala de avaliação das forças familiares nos quatro países analisados (p>0,05).

Ou seja, maior escolaridade, estado civil de casada/união estável e boa percepção da funcionalidade familiar parecem ser preditivos de níveis mais elevados nas pontuações das forças familiares (Tabela 4).

Tabela 4
Modelo de regressão linear utilizado para predizer os fatores associados às forças familiares durante o confinamento pelo SARS-CoV2, entre as mulheres que participaram no do estudo e pertenciam a quatro países diferentes. Leiria, Portugal, 2025

DISCUSSÃO

A média da variação das “Forças Familiares”, não apresentou diferenças nos quatro países de origem das mulheres em análise. Na escala total, a maioria das mulheres independentemente do país, pontuou as forças familiares de forma elevada, embora o país onde se obtiveram as melhores pontuações tenha sido foi São Tomé e Príncipe. As variáveis que impactam pontuações mais elevadas das forças familiares das mulheres estudadas são a idade, a escolaridade, o estado civil, a situação profissional, o rendimento e a funcionalidade familiar.

Alguns estudos revelaram, que mães imigrantes latinas (N=124), de origem espanhola ou ibérica, provenientes de seis comunidades rurais da Região Centro-Oeste dos Estados Unidos da América (EUA), com idade média de 40,8 anos, uma renda familiar mensal mediana, maioritariamente casadas ou vivendo em união estável (79%) e predominantemente empregadas (52,8%) sendo que dois terços (65,7%) eram residentes temporárias ou permanentes legalizadas nos EUA ou cidadãs naturalizadas, enfrentaram desafios psicológicos e econômicos significativos, com estresse e ansiedade exacerbados por cortes econômicos (diminuição do seu rendimento) e preocupações com a exposição ao vírus10, situação que difere dos achados deste estudo.

Observa-se nesta pesquisa que níveis mais altos de escolaridade (maior literacia) parecem ser preditivos de níveis mais elevados nas pontuações das forças familiares nas mulheres que participaram no estudo. Efetivamente alguns estudos2-3 mostraram que a pandemia intensificou as tensões familiares preexistentes e alterou a dinâmica familiar, diminuindo ao longo do tempo a resiliência familiar. As mães relataram um aumento da tensão familiar devido à falta de separação entre o trabalho e a vida doméstica, agravada pelo trabalho remoto e pelo fechamento de locais de acolhimento infantil, tais como escolas ou creches2-3.

Outro estudo ressaltou que as mulheres com níveis mais elevados de escolaridade conseguiram identificar os aspectos positivos decorrentes da pandemia do SARS-CoV2, nomeadamente maior proximidade com a família, maior participação dos maridos nas atividades domésticas, maior organização e conciliação entre o trabalho e família11.

Observa-se ainda nesta pesquisa que o fato de serem casadas ou estar em uma união estável parece também ser preditivos de níveis mais elevados nas pontuações do Questionário das Forças Familiares. Mães com maior sobrecarga e níveis mais elevados de sofrimento mental têm maior probabilidade de vivenciar diminuição da força familiar e, por conseguinte maior tensão familiar12. No entanto, outro estudo revelou que mulheres casadas ou vivendo em união estável sentiram que, durante a pandemia do SARS-CoV2, os maridos/companheiros passaram a participar mais nas atividades domésticas, aliviando a sobrecarga e criando maior proximidade entre o casal, contribuindo para o aumento das forças familiares11. Por outro lado, a comunicação clara entre o casal, a definição de estratégias construtivas de resolução de conflitos e as habilidades de resolução de problemas constituíram importantes recursos para a satisfação conjugal, durante a pandemia do SARS-CoV2, impactando positivamente a dimensão de desenvolvimento familiar13.

Ter uma boa percepção da funcionalidade familiar parece também prever níveis mais elevados nas pontuações das forças familiares nas mães. Outros estudos mostraram que os padrões de organização contribuíramd para a superação dos desafios vivenciados pelas famílias durante a pandemia, aumentando a coesão familiar e a flexibilidade dos membros da família13-14. Fatores como a autocompaixão materna, a adesão às rotinas familiares e os comportamentos parentais positivos têm sido associados aos melhores resultados no enfrentamento das exigências que a situação pandêmica impôs15. As mães empregaram diversas estratégias para mitigar o impacto da pandemia na saúde familiar13.

O impacto da pandemia foi particularmente pronunciado entre as minorias e as famílias de baixa renda. As mães imigrantes latinas nas zonas rurais enfrentaram desafios únicos devido às desigualdades sistêmicas e aos sistemas de saúde inadequados, que perpetuaram as disparidades em saúde16-18. As mães solteiras, especialmente aquelas sem redes de apoio estabelecidas, enfrentaram a dupla exigência do trabalho e dos cuidados aos filhos, e a pandemia agravou esse desafio14,19-20.

Verifica-se, neste estudo, que algumas características sociodemográficas foram importantes para uma experiência mais positiva durante a pandemia, como a escolaridade, a situação laboral e econômica, bem como o contexto habitacional. Além disso, a força familiar parece estar relacionada a uma percepção mais positiva da situação pandêmica vivenciada. Como limitação, destaca-se a escassez de estudos nacionais e internacionais que avaliem especificamente a força familiar das famílias a partir da percepção das mães em contexto pandêmico.

Assim, os achados desta pesquisa podem consubstanciar dados para uma melhor compreensão de como mães e famílias vivenciaram a pandemia do SARS-CoV2, reforçando a necessidade de se abster de uma visão redutora deste fenômeno, permitindo um entendimento baseado na integralidade e na humanização em relação às mães, para que seja possível promover o bem-estar físico e mental e mitigar o sofrimento psíquico decorrente das vulnerabilidades associadas à vivência de uma emergência de saúde pública.

Como limitação deste estudo, destaca-se que o grupo de participantes foi composto por mães residentes em Portugal no momento do preenchimento do questionário, independentemente do tempo de residência no país. Além disso, a utilização técnica da bola de neve pode ter gerado viés de seleção, uma vez que os participantes tendem a indicar pessoas que conhecem, resultando em uma amostra mais homogênea. Quanto à estratificação da amostra por país de origem, considera-se necessário realizar estudos futuros com tamanhos amostrais superiores.

CONCLUSÃO

A pandemia do SARS-CoV2 impôs uma pressão sem precedentes sobre as mães e as estruturas familiares, evidenciando a necessidade de políticas e intervenções de apoio nessas situações. As forças familiares pareciam atuar como fator protetor das estruturas familiares e da saúde psicológica das mães durante a pandemia, sendo o fator organização familiar positiva o mais valorizado por elas. Nas políticas de intervenção em situação pandêmica, para potencializar o fortalecimento das forças familiares, é importante considerar a percepção do funcionamento familiar, a escolaridade e o estado civil das mães no contexto familiar.

Disponibilidade de dados:

Os autores declaram que os dados estão disponíveis de forma completa no corpo do artigo.

  • COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
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Editado por

  • Editor associado:
    Dra. Luciana de Alcantara Nogueira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2025
  • Aceito
    05 Set 2025
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