Open-access GESTÃO PARTICIPATIVA E AS INTERAÇÕES DOS CONSELHOS MUNICIPAIS COM OS MOVIMENTOS INSURGENTES EM CIDADES DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Participatory management and the interactions between municipal councils and insurgent movements in the municipalities of the Brazilian Semi-arid region

Gestión participativa e interacciones de los consejos municipales con los movimientos insurgentes en las ciudades del Semiárido brasileño

RESUMO

As cidades são moldadas pelo seu contexto cultural, exigindo uma gestão inovadora que enfatize a participação ativa dos seus cidadãos. Entre as várias iniciativas de participação colegiada, os conselhos municipais destacam-se na formulação e definição de prioridades de políticas públicas. Contudo, observa-se que, na escala municipal, os governos ainda exercem uma centralidade aceita pelos cidadãos. Nesse contexto, essa pesquisa busca investigar os modelos de participação de cidadãos nos conselhos gestores de políticas públicas municipais, analisando sua interação com os movimentos insurgentes de suas localidades e como estes influenciam a gestão municipal, em cidades no estado do Ceará. Concluiu-se que as interações entre os conselhos gestores e os movimentos insurgentes ainda são tênues, pois apresentam modelos tradicionais que dificulta a cogestão. Notou-se ainda uma força de organização e deliberação desses movimentos que preferem atuar junto à comunidade, mesmo que isso mitigue sua colaboração na administração pública.

Palavras-chave:
gestão participativa; gestão de cidades; conselhos municipais; movimentos insurgentes; Semiárido brasileiro

ABSTRACT

Cultural contexts shape municipalities, requiring innovative management that emphasizes citizens’ active participation. Municipal councils stand out in formulating and defining public policy priorities and are an example of participatory initiatives at the local level. However, local governments still play a leading role, which is accepted by citizens. This research investigates citizen participation models in municipal councils, analyzing the interaction between these councils and local insurgent movements, as well as how they influence the local governments in the Brazilian state of Ceará. The study observed that interactions between municipal councils and insurgent movements are still fragile, as the councils adopt traditional models that hinder co-management. Additionally, the movements are strong in terms of organization and deliberation, preferring to work closely with the community, even if this behavior jeopardizes collaboration with the local public administration.

Keywords:
participatory management; local management; municipal councils; insurgent movements; Brazilian Semi-arid region

RESUMEN

Las ciudades están moldeadas por su contexto cultural, lo que requiere una gestión innovadora que destaque la participación activa de sus ciudadanos. Entre las diversas iniciativas de participación colegiada, destacan los consejos municipales en la formulación y priorización de las políticas públicas. Sin embargo, se observa que los gobiernos municipales siguen ejerciendo una centralidad aceptada por los ciudadanos. En este contexto, esta investigación se propone indagar sobre los modelos de participación ciudadana en los consejos municipales de gestión de políticas públicas, analizando su interacción con los movimientos insurgentes locales y cómo influyen en la gestión municipal en ciudades del estado de Ceará. Se concluye que las interacciones entre los consejos gestores y los movimientos insurgentes aún son tenues, ya que tienen modelos tradicionales que dificultan la cogestión. También se constata la fuerza organizativa y deliberativa de estos movimientos, que prefieren trabajar con la comunidad, aunque esto mitigue su colaboración con el gobierno.

Palabras clave
gestión participativa; gestión de ciudades; consejos municipales; movimientos insurgentes; región semiárida brasileña

INTRODUÇÃO

As cidades diferem-se das entidades naturais por serem, em sua essência, artefatos, isto é, sistemas formatados na arte e na cultura humana, pois seus principais elementos são os seres humanos, portanto capazes de “pensar, aprender, planejar, esquecer, mudar de ideia; e suas ações e comportamentos são produtos de intenções, planos, normas sociais e culturais, de pressão política e assim por diante” (Portugali, 2012, p. 57). Por isso, a gestão do aglomerado urbano requer inovações, as quais devem dar ênfase à participação ativa de seus verdadeiros donos, usuários e transformadores, ou seja, de seus cidadãos.

Vista por esse prisma, a decisão sobre o futuro da cidade não pode mais ter como suporte somente as teorias clássicas de urbanismo e de administração, que a consideram uma estrutura fechada e previsível, a qual pode ser controlada e planejada, com tendência ao equilíbrio e à máxima entropia.

Sem embargo, seguindo-se a promulgação da chamada “Constituição Cidadã” no Brasil, foram inúmeras as formas de efetivação dessa participação cidadã. A mais evidente foi a criação de conselhos gestores, todos institucionalizados pelo poder público, assim como as conferências temáticas municipais, estaduais e nacionais realizadas periodicamente, como parte do sistema brasileiro de gestão democrática e participativa, abrindo caminho para experiências de caráter democrático e popular no âmbito das políticas públicas. Vale destacar que, nos anos 1990, o movimento mais simbólico de participação realizado no Brasil, o Orçamento Participativo, a partir da experiência de Porto Alegre, disseminou-se pelo País como proposta de inovação social, reacendendo a discussão sobre democracia participativa e a participação dos cidadãos na gestão das cidades (Allegretti, 2010).

No Brasil, constata-se empiricamente que o contexto político importa para a compreensão do nível de influência que a participação social, por meio de iniciativas da sociedade civil, possui sobre a aplicação das políticas públicas e os resultados que alcançam nesse processo, remetendo principalmente às dimensões dos regimes e subsistemas (Abers et al., 2018). Partindo disso, este artigo pretende aprofundar-se no estudo de instituições participativas, como os conselhos gestores de políticas públicas, bem como daquelas organizadas pela população, mas que continuam à margem do reconhecimento público - definidas aqui como movimentos insurgentes, verificando se essas organizações foram capazes de traduzir os anseios da sociedade na condução de temas relevantes para o desenvolvimento da cidade, e se, dessa forma, influenciam efetivamente a gestão municipal.

Em várias iniciativas de participação colegiada, o governo acaba exercendo uma centralidade aceita pelos cidadãos, tornando-o mais ativo na definição de prioridades e de políticas públicas, notadamente nos conselhos municipais (Pismel & Tatagiba, 2023; Tatagiba, 2002). Por outro lado, como as cidades brasileiras são ambientes de acentuadas desigualdades econômicas e sociais, é comum o surgimento de movimentos insurgentes de diversas matizes, os quais podem estar sendo colocados à margem dessa dinâmica de conselhos e os impedindo de interferir de alguma forma na gestão participativa institucionalizada.

Investigar a inserção de movimentos sociais no processo de produção das políticas públicas, de outros atores ou redes no contexto do Estado e as condições que interferem na sua influência em políticas públicas demonstra-se uma agenda em franco desenvolvimento (Abers et al., 2018; Dau et al., 2019; Loddi & Lima, 2019). O que ora se questiona é se esses mecanismos já mostraram a sua influência na gestão das cidades, e, mais importante, o quanto eles representam o pensamento da população, principalmente daquele segmento que já se auto-organizou em defesa de causas que expressam o cotidiano da pólis, como é o caso dos movimentos insurgentes.

Conforme elencam Pismel e Tatagiba (2023), diversos estudos já avançaram na produção de modelos explicativos acerca da participação dos atores coletivos junto às instituições públicas, seus mecanismos e participação no processo decisório. Outros também analisam como os conselhos gestores são criados muitas vezes para o cumprimento formal da lei, e não para buscar atender aos interesses e demandas sociais locais, apropriando-se de práticas advindas do clientelismo e patrimonialismo (Lima et al., 2020). No entanto, o tema merece uma discussão mais ampla sob o enfoque dos movimentos emergentes da sociedade civil, a fim de identificar em que nível eles interagem com a instância de participação institucionalizada.

No sentido de oferecer uma adequada resposta para a questão, o estudo elegeu como objetivo geral investigar os modelos de participação de cidadãos nos conselhos gestores de políticas públicas municipais, observando a sua interação com os movimentos de insurgência presentes nas cidades e analisando a influência dessa participação na gestão municipal. Para isso, o artigo estrutura-se em seções principais que discutirão a literatura sobre o tema (segundo e terceiro), os procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa (quarto tópico), as análises dos resultados encontrados nessa investigação (quinto tópico), e, por fim, apesenta as considerações finais sobre os resultados alcançados.

O AMBIENTE COMPLEXO DAS CIDADES: IMPLICAÇÕES NA GESTÃO

No início da década de 1960, quando ainda não se vivia por debaixo da soberania neoliberal, Jacobs (2011) lançava o seu manifesto contra o planejamento urbano, ensejando uma discussão sobre a complexidade organizada das cidades, o que veio a ser aprofundado pelos estudiosos da Teoria da Complexidade de Cidades (Portugali, 2012). Uma abordagem sobre sistemas complexos, mostrando que as cidades estão sempre em estado de emergência, longe do equilíbrio, exibindo fortes componentes de não linearidade, e que não podem ser estudadas ou administradas levando-se em conta paradigmas próprios de sistemas mecanicistas.

Com efeito, os fenômenos que acontecem nas cidades - como o desenvolvimento espacial - surgem muito mais de maneira espontânea do que de modo planejado, já que resultam de combinações de fatores, e que, portanto, deveriam ser analisados pela perspectiva de um crescimento evolutivo, e não pela criação de espaços artificiais. Como afirmam Loddi e Lima (2019), o “pensamento e prática do urbanismo influenciam decisivamente no agenciamento dos lugares, na distribuição das populações, nos fluxos de pessoas e de capitais” (p. 297).

Diante dessas constatações, é de se supor que um modelo de gestão de cidades deve ser elaborado para além das dimensões administrativas que estejam voltadas para a centralidade dos mecanismos de controle aplicados aos modelos tradicionais, valendo dizer que a gestão municipal deve ser pautada considerando-se a incorporação da complexidade de cidades. Assim, as dimensões de controle baseadas nos modelos tradicionais pedem equivalentes no universo da complexidade. Essa tarefa não é trivial, já que as funções de controle são relacionadas com o modo como se pensa o processo de gestão, e a questão que emerge desses pressupostos é como pensar em um modelo de gestão diferente, que leve em conta a inclusão e a integração com a comunidade (Pinto et al., 2014).

O confronto do modelo clássico de gestão urbana com a discussão trazida pela corrente que defende a Teoria da Complexidade de Cidades leva a uma instigante reflexão, pois coloca em evidência a importância dos cidadãos nos processos de modelagem da cidade, na forma preconizada por Jacobs (2011) no início da década de 1960.

Nesse sentido, Sintomer e Gret (2003) questionam se a iniciativa democrática-cidadã de Porto Alegre, com a implantação do Orçamento Participativo, teve motivações semelhantes àquelas efetivadas na Europa, ao compararem com o modelo adotado pela França, nos conselhos de bairros. Os autores concluem que a experiência de Porto Alegre foi marcante naquilo que corresponde aos objetivos sociais e políticos. Contudo, a gestão não teria sido considerada em sua totalidade, mas apenas em parte, como se manifesta nas modificações da estrutura organizacional, constatando assim que o modelo adotado por Porto Alegre pode ser considerado uma tentativa de mudança de método e de ação, mas ainda não enfrenta a necessidade de se estabelecerem novos princípios para a gestão da cidade.

O protagonismo cidadão, que influencia e determina o destino da cidade, foi empiricamente detectado por meio de pesquisas realizadas anteriormente (Carvalho, 2019; Pinto et al., 2014), ao ousar propor novos princípios para os ambientes complexos, como as cidades. Buscava-se complementar e, em alguns aspectos, modificar aqueles arranjos estabelecidos no modelo clássico proposto por Fayol, que permeou a forma de se estruturarem as organizações públicas e privadas na Era Industrial e perdura fortemente até os dias atuais.

No entanto, o que merece ser destacado, aqui, é que esse protagonismo cidadão, que pode ser detectado nos movimentos auto-organizados e emergentes, induz, de modo contundente, a ideia de que será ineficaz qualquer esforço de gestão para a cidade que não leve em conta a participação do cidadão, cujas formas deverão ser buscadas independentemente de qualquer pensamento ideológico do poder local. Deve-se considerar que a questão da participação social, conforme alertam Paula et al. (2021), é um aspecto de contexto interdisciplinar, que envolve “domínios como a administração pública, a ciência política e a psicologia social e política” (p. 2).

A dinâmica dos movimentos auto-organizados e emergentes realizados pelos cidadãos, independentemente do controle da administração pública local, é que, em última instância, determina os destinos da cidade, tanto nos seus aspectos positivos quanto nos negativos. Dessa forma, deixar de entendê-los, de integrá-los e de observá-los significa colocar a gestão da cidade sempre em uma posição reativa, sendo surpreendida periodicamente com fenômenos sociais não incluídos em seus planos, e que, portanto, vão exigir o dispêndio de recursos não previstos em seus orçamentos.

A PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONALIZADA E A INSURGÊNCIA CIDADÃ

Participação institucionalizada: Peculiaridades brasileiras

Segundo Faria (2010), é crença comum, entre estudiosos como Habermas, Putnam, Rogers e Tocqueville, que a participação cívica é condição fundamental para o fortalecimento dos sistemas democráticos, em suas diversas dimensões, sejam as de cunho sociocultural, sejam as de natureza político-institucional, funcionando como um processo de capacitação para oferecer autonomia e noção de compartilhamento do poder político.

Essa participação cidadã tem-se tornado o elemento inovador na dinâmica da democratização, pois possibilita a inclusão de temáticas muitas vezes desconhecidas do sistema político nas discussões sobre o processo decisório das políticas públicas, principalmente no âmbito local (Santos, 2002).

Na visão de Miraftab (2009), no entanto, a utilização dos espaços institucionalizados ou, como ela denomina, dos “espaços convidados”, não possibilita necessariamente a criação de um espaço mais democrático. Esses locais acabam servindo como um instrumento de “pacificação” dos conflitos e de cooptação instrumental de movimentos e ativismos urbanos. Para a autora, o que deveria ocorrer seria uma interação em conjunto com os “espaços inventados” (aqueles utilizados para a realização de ações efetivas por parte dos cidadãos e suas organizações), e tornar ambos espaços válidos de mudança social. Esses “espaços de resistência” são inovativos e possuem práticas contra-hegemônicas, transgressivas e imaginativas (Miraftab, 2016).

Apesar das dificuldades que ainda se apresentam quando se fala em participação cidadã, haja vista que ainda “acarretam o tensionamento das estruturas governamentais [...] do aparato burocrático-administrativo e de suas lógicas” (Brasil, 2004, p. 49), muitas iniciativas (como o orçamento participativo, organizações sociais, entre outras) indicam que os cidadãos se mostram dispostos a participar quando são convocados, já que a melhoria da cidade é um anseio de todos.

Em algumas iniciativas, até mesmo os movimentos populares sentem-se representados e respeitados nos foros de discussão, na medida em que realizam reuniões em bairros da cidade, muitas vezes por sugestão dos movimentos comunitários, o que se considera de longo alcance, pois políticos, empresários, técnicos e membros da elite intelectual são levados a ouvir e discutir os problemas urbanos com a população da periferia (Carvalho, 2004).

Nesse sentido, além da dinâmica institucional, é importante o reconhecimento da dinâmica societária, que poderá ser demonstrada na ação de uma plêiade de movimentos, organizações e associações que ampliem e disseminem uma cultura política que venha a influir nas ações da esfera política institucional, como o parlamento e as estruturas do Poder Executivo (Faria, 2010).

Mesmo considerando o pouco tempo de maturação da experiência brasileira, Leal (2003) levanta também a preocupação com as práticas participativas, principalmente pela prevalência das maneiras tradicionais de se fazer política no País, marcadas pelo clientelismo e pelo patrimonialismo, o que viria a contaminar o exercício da democracia nesses fóruns, pois não haveria o sentido de igualdade entre os atores sociais a serem envolvidos nas negociações que são necessárias nos processos que englobam interesses múltiplos, e até antagônicos.

Na outra mão, o poder público passa a estimular essas iniciativas pessoais, pois aproveita-se dos laços que são formados, desestabilizando o poder de representação das organizações, tornando as parcerias entre o público e o privado uma mera troca de interesses, e voltando-se para o modelo de “interpenetração dos interesses privados no espaço público estatal (que) sempre foi um fator que corroeu a ação do Estado brasileiro na direção de um projeto de desenvolvimento voltado aos interesses nacionais” (Leal, 2003, p. 62).

Além disso, instituições públicas como os conselhos municipais voltam-se apenas ao cumprimento da legislação federal e de repasse de recursos, sem incorporar de maneira concreta as formas não institucionais de ação coletiva, tampouco os espaços públicos que essas constroem no interior da sociedade civil (Brasil, 2004). Dessa forma, baseando-se em Leal (2003), pode-se concluir que a força da democracia participativa em uma sociedade local será proporcional à “capacidade de expressão e de organização política dessa sociedade, das condições socioeconômicas, territoriais e culturais e da própria capacidade de organização institucional” (p. 65) do município onde esteja localizada.

A autora destaca ainda a falta de interação das diversas instâncias de participação, o que estimula o surgimento dessas distorções no seio desses movimentos, resultando na apresentação de proposta de cunho corporativo, sem representar as verdadeiras aspirações da sociedade, notadamente aquelas presentes em movimentos espontâneos surgidos na cidade, e que não são considerados no contexto de participação institucionalizado pelo poder público (Leal, 2003).

Esses movimentos emergentes que se auto-organizam na cidade e aumentam a complexidade para a gestão pública serão devidamente estudados para se identificar em que nível eles interagem com a instância de participação institucionalizada. São os aqui chamados movimentos de insurgência cidadã.

Movimentos de insurgência cidadã

Holston (2013) enfatiza que as democracias que não conseguem oferecer proteção aos cidadãos, nem cidades justas, estão hoje em número superior ao daquelas que o conseguem, valendo dizer que as políticas denominadas democráticas convivem com a violência e a injustiça contra os cidadãos, significando que estamos diante de uma disjunção.

Populações minoritárias possuem um sentimento de reação quando se encontram enquadradas em situações de violência ou injustiça, geradas por um contexto urbano supressivo, que, por não enxergar as comunidades locais como parte do projeto de cidade a ser almejado, pouco considera suas demandas e experiências (Loddi & Lima, 2019). Dessa forma, a democracia não se resolve apenas na esfera política, mas deve também levar em conta as complexidades que possibilitam a realização da cidadania em contextos históricos diferentes. Daí ser necessário que o entendimento do sentido de cidadania seja estendido aos “aspectos civis, socioeconômicos, legais e culturais da cidadania” (Holston, 2013, p. 398).

Esse caldo cultural, ou seja, esse forte e diverso intercâmbio de influências culturais no comportamento social, afetou fortemente as cidades brasileiras, haja vista a clara segregação que se observou, de maneira mais acentuada, após a alocação dos trabalhadores e imigrantes nas periferias urbanas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), essas regiões sofreram um grande inchamento entre 1930 e 1980, período em que igualmente crescia a institucionalização dos direitos do trabalho urbano, criando-se uma centrifugação entre essas duas situações, daí resultando a modernização nacional (Costa, 2017).

Essa é a fonte do fenômeno denominado cidadania diferenciada, que ocorre a partir da forma marginal como são tratados grupos de cidadãos, seja por classe social ou econômica, orientação sexual ou de ordem religiosa, além da origem de suas nacionalidades e naturalidades, presentes em especial entre os imigrantes (Holston, 2013). Esses cidadãos, cujos direitos e obrigações lhes são atribuídos de maneira diferenciada em relação a outros grupos, tendem a se insurgir contra os ditames sociais impostos pelas classes e pelo poder dominantes, organizando-se em torno de projetos que afrontam o status quo, e são muitas vezes ilícitos ou ilegais. Para Holston (2013), foi justamente essa centrifugação de desigualdades e ilegalidade, tornando a cidade cada dia mais injusta, que estimulou o processo de insurgência cidadã.

A insurgência faz parte do cotidiano das cidades, já que suas produções são sempre resultantes da cultura urbana de massa, as quais se tornam mais visíveis a partir da proliferação das tecnologias de informação e comunicação. Esses instrumentos devem ser devidamente considerados tanto na elaboração dos planejamentos urbanos quanto para potencializar o empoderamento dos cidadãos e permitir a cocriação de soluções urbanas (Dörk & Monteyne, 2011). Daí ser imperioso admitir que a gestão de uma cidade se paute por observá-la sempre dentro de um processo de construção dialógica, que leve em conta as identidades coletivas e a sua participação nos processos de decisão, com vistas a torná-la mais abrangente e inclusiva.

Na análise de construção de residências e de pequenas infraestruturas realizadas pelos próprios trabalhadores nas periferias de São Paulo, Holston (2013) constatou que essas iniciativas populares representam uma “insurgência que começa com a luta pelo direito de uma vida cotidiana na cidade merecedora da dignidade de cidadão” (p. 401). Com a iniciativa de construir seus espaços residenciais, os trabalhadores não só edificam uma nova cidade, mas realizam a constituição de uma pólis, mesmo que com uma espécie diferenciada de cidadania.

Essas redes de solidariedade têm como principal força motriz a contínua difusão de saberes, assumindo sua forma insurgente pela capacidade de reunir atores heterogêneos e plurais, contribuindo para a construção de novas referências normativas (Scherer-Warren, 2008). Com as possibilidades proporcionadas por essas relações interinstitucionais, potencializa-se a possibilidade de transformar a cidade ao se criar um ambiente que estimule os processos solidários, de modo a contribuir para que as pessoas se alinhem em prol de um porvir mais equânime, influindo decisivamente na construção de um novo projeto urbano e influenciando a sua gestão (Lima, 2014).

Utilizando as abordagens relacional e pragmática, Abers et al. (2018) entendem que os movimentos com fins sociais, em vez de se relacionarem com um “contexto político” objetivado e externo, se inserem em relações de interdependência envolvendo diversos atores, redes e instituições com os quais interagem rotineiramente. Assim, esses agentes de mudança social se inter-relacionam por meio de interesses traduzidos em demandas e expectativas baseadas nas políticas inseridas no subsistema e que reverberam em discussões mais amplas sobre a organização social (Pismel & Tatagiba, 2023).

Dessa forma, Lima (2014) sugere que esses movimentos se insurgem com a finalidade de mudar paradigmas que visualizam os espaços e a sociedade como alvos e ameaças, evidenciados por meio do embate desenfreado ao tráfico de drogas e outros tipos de violência. Tais coletivos, como avalia o autor, vêm se colocando de maneira contrária à estigmatização da sociedade, possibilitando novos arranjos sociais e solidários, ao tratarem de assuntos de ordem socioeconômica, dos espaços urbanos, uso e ocupação do solo, e outros temas relevantes ligados à administração pública, por meio da promoção da solidariedade.

O AMBIENTE DA INVESTIGAÇÃO: O SEMIÁRIDO BRASILEIRO

As cidades investigadas situam-se no Estado do Ceará, pertencente à Região Nordeste, com a maior parte do seu território localizada no Semiárido brasileiro, denominado “Polígono das Secas”, o que tem marcado de maneira definitiva a história do estado, em seus aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. A escolha dos locais de estudo deu-se pelo critério de acessibilidade e disponibilidade das pessoas que formaram as equipes locais de pesquisa. Outro ponto foi a existência formal de conselhos institucionalizados que estivessem em funcionamento normal, e onde fosse possível verificar a existência de movimentos insurgentes, a fim de que a investigação pudesse alcançar os objetivos definidos no estudo.

Cinco cidades nas quais os pesquisadores conseguiram suporte das universidades locais formaram a REDE-Inovacid: Caucaia, Quixeramobim e Mauriti (Universidade Estadual do Ceará - UECE e Universidade Aberta do Brasil - UAB), Sobral (Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA) e Juazeiro do Norte (Universidade Federal do Cariri - UFCA).

Na pesquisa de campo, utilizou-se como método a pesquisa qualitativa, tendo em vista que é por meio dela que se observa o entendimento dos “significados e características situacionais apresentados pelos entrevistados” (Richardson, 1999, p. 90). Nessa primeira etapa da pesquisa, foram realizados o alinhamento dos grupos de cada região, a apresentação da metodologia da pesquisa e, ao final de cada encontro, eram sanadas as dúvidas e oficializado o convite para participação da pesquisa. Tais encontros foram realizados entre os meses de novembro de 2017 e dezembro de 2018.

O próximo passo, então, foi a identificação dos 38 movimentos insurgentes ativos em cada localidade. Assim, foram selecionados movimentos que se insurgem com o objetivo principal de mudar paradigmas de espaços e comunidades que são marginalizados e que buscam atender as demandas locais considerando seus contextos histórico, socioeconômico e cultural desfavoráveis.

Seguindo o modelo de Richardson (1999, p. 90), os formulários aplicados foram analisados um a um, como informações de modelos organizacionais dos movimentos identificadas, recortadas e reorganizadas em tópicos-chave, relidas, colocadas em ordem sequencial e escolhidas de acordo com os seus alinhamentos em relação aos resultados da pesquisa, conforme a Tabela 1:

Tabela 1
Modelos Organizacionais dos Movimentos Insurgentes Pesquisados

Os Conselhos Municipais ativos de cada cidade também foram levantados, em um total de 26 conselhos distribuídos nas cinco cidades.

Ambos os grupos de atores do estudo foram identificados por meio de pesquisas na internet ou conversas informais com pessoas de cada região. Pelo fato de existirem grupos oriundos de cada localidade, esse contato acabava sendo mais certeiro por conhecerem a dinâmica da cidade. Depois disso, foram enviados ofício-convite para solicitar a participação na pesquisa, tanto das instituições públicas como dos movimentos identificados. Os grupos focais foram realizados entre os meses de dezembro de 2018 e julho de 2019.

A essência do grupo focal reside na interação entre os participantes e o pesquisador, mediada por um moderador cujo objetivo principal é colher informações por meio de uma discussão direcionada a tópicos específicos. O moderador cria um ambiente propício para o surgimento de diferentes percepções e pontos de vista, com o intuito de se chegar a um consenso ou conclusão (Iervolino & Pelicioni, 2001).

A dinâmica de realização dos grupos focais iniciava-se com a apresentação dos objetivos da pesquisa, metodologia e os temas relevantes que seriam o suporte para as rodadas de perguntas e respostas a serem colocadas para o grupo. Todos os encontros eram gravados e duravam em média uma hora. No final, o moderador perguntava se ainda havia alguma coisa a ser dita em relação às perguntas e, logo após as manifestações, encerrava a reunião, convidando a todos para um “café de confraternização”.

Por fim, foram programadas as apresentações das devolutivas das informações sistematizadas aos participantes dos grupos focais. Esses reencontros deram-se entre os meses de novembro e dezembro de 2019. Em consonância, Joaquim e Carrieri (2018) entendem que essa etapa se torna imprescindível para a pesquisa que pretende promover uma real reflexão e uma mudança social efetiva, pois ultrapassa os muros do ambiente acadêmico. Ademais, nessas sessões invariavelmente surgiam ideias sobre soluções que poderiam ser aplicadas para sanar as deficiências encontradas.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A pesquisa de campo deste estudo foi realizada em cidades do Semiárido brasileiro, historicamente castigada pelas secas, que, por sua vez, tem importante impacto socioeconômico.

Para o tratamento das informações, foi aplicado o modelo ilustrado na figura abaixo:

Figura 1
Esquema de Análise das Informações Qualitativas

Como elencam Dau et al. (2019), diversos aspectos foram objetivos de pesquisas relacionadas à participação social no Brasil, especificamente no que diz respeito à atuação dos conselhos gestores. Nos diversos trabalhos existentes acerca do assunto, a discussão volta-se a problematizar o tema, desde a legitimidade da representação dos conselheiros, o processo de escolha dos representantes, o modus operandi dessas instituições, os desafios enfrentados pelos representantes da sociedade civil diante daqueles que representam a administração pública, até a eficácia dos conselhos, entre outras dimensões analisadas. Nesse trabalho, busca-se envolver os aspectos debatidos pela literatura, com ênfase em ampliar a discussão sob a ótica da sociedade civil, nesse caso, dos movimentos insurgentes.

Atuação dos conselhos institucionalizados

a) Motivação para formação

Os conselhos, em sua maioria, têm como principal motivação para sua institucionalização pelo poder público municipal o recebimento ou a captação de recursos financeiros. Com efeito, as instâncias de financiamento de projetos setoriais quase sempre exigem a formação desses conselhos como instrumentos de acompanhamento da aplicação dos recursos, tentando obter uma governança em relação à implementação dos projetos aprovados e à correta destinação dos recursos financeiros disponibilizados. Além dos órgãos públicos nas esferas estadual e federal, outras entidades, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), exigem a criação do Conselho de Meio Ambiente, que se encarregará de cumprir o protocolo de atividades necessárias para concorrer ao “Selo Verde”, que acaba sendo uma comenda de distinção do município, facilitando o seu trabalho junto às fontes de recursos voltadas para a área ambiental.

b) Descontinuidade na atuação dos conselhos

A atuação dos conselheiros é irregular. Em alguns casos, quando há participação de representantes da sociedade civil, são frequentes as reclamações acerca da ausência dos representantes do poder público, ao que atribuem a descontinuidade das reivindicações da comunidade submetidas à deliberação do conselho. Na outra vertente, os representantes do poder público apontam a ausência e o pouco interesse da sociedade civil em participar das reuniões do conselho como uma das causas da falta de efetividade das atividades desse colegiado.

c) Cooptação de conselheiros

Registra-se também, em alguns casos, que muitos representantes da sociedade civil, por falta de experiência nesse tipo de atividade, pela incapacidade de acompanhar as discussões feitas em termos técnicos pelos especialistas, ou mesmo por interesses pessoais, acabam assumindo as determinações oriundas do poder público, desconstituindo a representatividade da sociedade civil no conselho, que, assim, transforma-se em mera instância do Executivo.

d) Inadequada nomeação de representantes

A nomeação de representantes para o conselho é precedida de convite dirigido pela prefeitura aos órgãos públicos, no caso dos representantes da gestão, e a organizações não governamentais, entidades representativas de classes trabalhadoras e empresariais e outras organizações de diversas naturezas, no caso de representantes da sociedade civil. Em muitos casos, os representantes nomeados não têm o menor interesse nos assuntos tratados no conselho, o que provoca a ausência nas discussões, embora eles não se neguem a assinar as atas referentes às deliberações. Em outras experiências, as pessoas perdem o interesse de participar por não se sentirem valorizadas no conselho, seja por desconhecimento dos assuntos ali tratados, seja pelo pouco-caso que os membros dominantes atribuem às suas opiniões. Na Tabela 2, são sintetizadas mais informações sobre a estrutura organizacional dos conselhos participantes desta pesquisa:

Tabela 2
Modelos Organizacionais dos Conselhos de Gestão de Políticas Públicas Pesquisados

Atuação dos movimentos insurgentes

a) Independência do poder público

Existem movimentos insurgentes que, pelo apelo de sua causa e pela relevância técnica/política de seus membros, conseguem mobilizar diversas outras organizações e pessoas de notabilidade, o que lhes confere certa independência do Poder Executivo, chegando, em alguns casos, a obter mais sucesso na captação de apoio político, logístico e financeiro em instâncias estaduais e federais, razão pela qual passam a funcionar como um “poder paralelo” no município. Outros, mesmo sem esse poder de fogo, detêm o apoio pessoal de militantes para a sua causa, mantendo-se atuantes mesmo apesar da limitação de recursos.

São formas associativas com processos mais plurais e abertos, de cocriação junto à comunidade local, criando relações e possibilitando assim uma discussão mais consistente sobre questões urbanas que interessam aos atores envolvidos, como a ocupação dos espaços públicos, coletividades e violência urbana.

b) Dependência do poder público

Outros movimentos não só recebem a colaboração do poder público local, mediante disponibilização de recursos humanos, logísticos e financeiros, como alguns foram criados a partir de órgãos da própria gestão pública, embora, depois de dar início à sua atuação e mostrar resultados, recebam o apoio da sociedade civil, que presta serviços voluntários para ajudá-los a alcançar seus objetivos.

Interação conselhos/movimentos insurgentes

a) Impossibilidade de interação

A falta de normal funcionalidade do conselho acarreta duas situações: primeiro, faz com que os movimentos que detêm força política nem procurem estabelecer diálogo com uma instância sem a substância devida; e, segundo, impossibilita que os outros movimentos, mesmo necessitando de apoio, procurem o conselho, por acreditarem que o esforço será em vão, devido às motivações escusas que sustentam a atuação do colegiado.

b) Interação pessoal: duplo papel de integrantes

A interação muitas vezes só acontece quando um integrante de movimento insurgente é nomeado conselheiro. Aí a interação vai depender muito da relevância política desse conselheiro, pois ele pode apresentar com mais propriedade as reivindicações do movimento e conseguir o apoio, senão do poder público, pelo menos de outras entidades representadas no conselho. É, pois, uma interação forçada por uma situação pessoal, e não um objetivo de atuação do próprio conselho.

c) Influência na gestão da cidade

Pelas informações acima expostas, verifica-se que somente quando ocorre a tênue interação do conselho com o movimento, advinda da dupla atuação de seus integrantes, é possível alguma sinergia capaz de levar adiante as reivindicações oriundas dos movimentos populares para serem devidamente consideradas pela administração da cidade. Fora isso, essa influência inexiste.

Assim, é possível constatar, conforme sintetizam Paula et al. (2021), a existência dos três diferentes eixos analíticos identificados em seu estudo, que tratam sobre a participação social e suas manifestações, inseridos no processo relacional entre conselhos gestores e movimentos insurgentes analisado aqui: a inovação, a cidadania e a emancipação.

A inovação é o enfoque principal desta pesquisa, pois se propôs uma análise do processo interinstitucional entre Estado e sociedade civil, aqui representados respectivamente pelos conselhos gestores e movimentos insurgentes. Essa relação desafiadora ainda se desenha de maneira tímida e, em alguns casos, inexiste, pressionando ambos os lados a um maior esforço e dedicação no alcance dos fins sociais, que a princípio são objetivos de ambas as instituições.

A cidadania é exercida de maneira mais visível quando conselhos e movimentos estão em seu campo de atuação, apresentando ainda diversos desafios a serem enfrentados na efetividade e continuidade das atividades desenvolvidas em conjunto.

Por fim, a emancipação, visualizada de maneira mais clara, na própria origem e existência dos movimentos insurgentes que emergem da sociedade civil e se auto-organizam. Por parte dos conselhos gestores investigados, a emancipação ainda se demonstra difícil em se concretizar, talvez por serem esferas plurais a serem impactadas com sua coordenação e atuação, que necessitam de uma cogestão orgânica, dialógica e inclusiva. A partir disso, torna-se possível visualizar as dimensões multifacetadas que envolvem a dinâmica relacional interinstitucional, sendo possível enfrentar as barreiras e desafios ainda existentes para se alcançar uma gestão efetiva dentro da complexidade das cidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, centrou-se a atenção na atuação dos movimentos insurgentes junto aos conselhos gestores de políticas públicas, objetivando-se oferecer uma visão mais ampliada da sua atuação, a partir de como os conselhos visualizam as necessidades desses coletivos emergentes e auto-organizados, sobre diversos temas, para poder embasar seus trabalhos e influenciar de maneira mais efetiva a gestão da cidade.

Pelo estudo aqui exposto, constata-se a inadequação dos modelos de gestão urbana tradicionais, baseados em uma racionalidade instrumental, que não se conformam dentro de um processo de cogestão, haja vista que seus princípios ainda remontam ao pensamento burocrático e ao modelo fordista de administração. Dessa forma, os conselhos são tratados como extensão administrativa da máquina pública, e se justificam como instrumentos para procedimentos burocráticos e de controle.

A administração pública municipal ainda não visualiza o potencial transformador presente na criação dessas instâncias, a princípio participativas e dialógicas. Por isso, tornam-se infrutíferos seus esforços e assim, de modo similar aos estudos de Pismel e Tatagiba (2023), constata-se aqui a principal barreira para uma gestão compartilhada: uma participação efetiva entre sociedade e funcionários públicos dentro do contexto que objetiva um conselho gestor.

Por outro lado, como destacam Dau et al. (2019), embora as instituições participativas tenham alcançado um amplo espectro de possibilidades e densidade territorial dentro das três esferas do governo brasileiro, isso não significa dizer que a efetividade dessas instituições é absoluta. Pelo contrário, ainda permanecem “entraves e constrangimentos que dificultam o protagonismo dos atores societais na dinâmica de funcionamento destas instâncias plurais” (p. 200). Por esse motivo, a preocupação de Portugali (2012) em convocar as Ciências Sociais para cooperar com aportes conceituais que complementem ou substituam os modelos hegemônicos, que não cabem na forma de gerir dos aglomerados humanos auto-organizados e emergentes nem das instâncias participativas criadas para atuar conjuntamente com as organizações da sociedade civil.

Mais grave ainda é quando se detecta que a formalização do conselho tem por objetivo cumprir um pré-requisito burocrático estabelecido por órgãos governamentais, ou, também, viabilizar a obtenção de “selos ou comendas” de organismos multilaterais para captação de recursos. Em decorrência disso, os conselhos sofrem ainda a inadequabilidade de seus membros, já que muitos deles são convidados por motivos políticos, e não por competências e habilidades técnicas. Diante desse quadro, pode-se notar que as interações dos conselhos com os movimentos insurgentes são tênues, ou mesmo inexistentes.

Essas interações só tomam corpo quando um componente de um movimento insurgente, por sua formação intelectual ou de relevância na comunidade, é convidado para participar de um conselho de gestão de políticas públicas. Mesmo assim, pelo que foi possível constatar, dificilmente essa interação resulta em algum fortalecimento para as causas, haja vista que, inserido no conselho, o integrante se vê diante de uma realidade em que não encontra espaço para o diálogo, já que a composição desse colegiado foi movida por outro jaez.

Dessa forma, pode-se concluir que as interações dos conselhos gestores de políticas públicas com os movimentos insurgentes nas cidades do Ceará ainda não são significantes, e os participantes dos movimentos insurgentes preferem se estabelecer junto à comunidade, onde são bem aceitos, mas acabam não colaborando de maneira relevante com a gestão da cidade, pois seus conhecimentos não são incorporados nas discussões do conselho.

A partir dos resultados aqui elencados, foi possível contribuir para uma compreensão mais aprofundada da dinâmica relacional entre movimentos insurgentes e os conselhos gestores de políticas públicas municipais, ampliando a discussão teórico-empírica sob o enfoque da participação social, aqui representada pelos movimentos insurgentes participantes. Por ser um estudo de caráter qualitativo, e com contínua relevância no cenário nacional, sugere-se a realização de novas pesquisas (com novas metodologias), em outras localidades e com movimentos insurgentes que atuam em frentes diversas, a fim de favorecer uma discussão mais ampla sobre a gestão complexa das cidades, considerando as interações entre administração pública e sociedade civil.

  • O relatório de revisão por pares está disponível neste link
    neste link
  • Avaliadores/as: O/A primeiro/a avaliador/a não autorizou a divulgação de sua identidade e relatório de avaliação por pares. Sandra Helena Ribeiro Cruz https://orcid.org/0000-0002-9360-5759, Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Belém, PA, Brasil
  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

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Editado por

  • Editor Associado:
    Felipe Gonçalves Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2024
  • Aceito
    27 Mar 2025
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