RESUMO
Este artigo aborda conceitos emergentes de bioeconomia envolvendo negócios preocupados em manter a floresta amazônica em pé. A pesquisa utilizou uma abordagem descritiva para discorrer sobre o caso da empresa Filha do Combu, uma fábrica de chocolate localizada em Belém do Pará, que verticaliza e comercializa o cacau da ilha do Combu. As principais descobertas foram as evidências de êxito da empresa, que demonstraram a viabilidade sustentável e econômica de negócios, e possibilitaram o respeito à biodiversidade no uso ético dos recursos naturais, da colheita até a venda dos chocolates. Além disso, o estudo oferece entendimentos sobre um exemplo de bioeconomia no território amazônico, que obteve crescimento significativo no período analisado e contribui para a literatura sobre articulações de negócios da floresta em pé, assim como produz implicações gerenciais sobre a aderência às premissas da bioeconomia e empreendedorismo sustentável.
Palavras-chave:
bioeconomia; negócios da floresta; Ilha do Combu; cacau; Amazônia.
ABSTRACT
This paper explores emerging bioeconomy concepts involving businesses committed to protecting the Amazon rainforest, known as “standing forest businesses.” The research used a descriptive approach to discuss the case of Filha do Combu, a chocolate factory in Belém do Pará, Brazil, that verticalizes production and sells cocoa from Combu Island. The study confirms the venture’s success, showing its sustainable and economic viability while respecting biodiversity by ethically using natural resources, from harvesting cacao to selling chocolate. This research provides insights into the growing bioeconomy in the Amazon, contributing to the literature on standing forest businesses. It also has managerial implications regarding businesses’ adherence to bioeconomy and sustainable entrepreneurship principles.
Keywords:
bioeconomy; standing forest businesses; Combu Island; cocoa; Amazon rainforest.
RESUMEN
Este artículo aborda conceptos emergentes de bioeconomía que involucran a empresas preocupadas por mantener en pie el bosque amazónico. La investigación utilizó un enfoque descriptivo para discutir el caso de la empresa Filha do Combu, una fábrica de chocolate ubicada en Belém do Pará, que verticaliza y comercializa cacao de la Isla de Combu. El principal hallazgo fue la evidencia del éxito de la empresa, que demostró la viabilidad económica y sostenible de los negocios, y permitió el respeto a la biodiversidad mediante el uso ético de los recursos naturales, desde la cosecha hasta la venta de los chocolates. Además, el estudio ofrece conocimientos sobre un ejemplo de bioeconomía en el territorio amazónico, que logró un crecimiento significativo en el período analizado, y contribuyó a la literatura sobre las articulaciones empresariales en el bosque en pie, además de producir implicaciones gerenciales sobre la adhesión a las premisas de la bioeconomía y emprendimiento sostenible.
Palabras clave:
bioeconomía; negocio forestal; Isla Combu; cacao; Amazonia.
INTRODUÇÃO
O tema sustentabilidade ganhou centralidade nas discussões globais acerca do desenvolvimento das nações. O nível de adoção de práticas sustentáveis nas relações entre mercado, governos e sociedade não tem sido suficiente para implementar modelos viáveis para assegurar a eficiência econômica na preservação e conservação dos recursos naturais.
Nasce, então, o conceito de bioeconomia que, inicialmente, se mantinha no âmbito da junção de tecnologia com ativos biológicos para a produção de conhecimento sobre energia renovável. No entanto, a bioeconomia evoluiu para um patamar integrativo, amparado pelas premissas do desenvolvimento sustentável e se tornou uma proposição de modelo econômico fundamentada no respeito à biodiversidade.
A união entre preservação e desenvolvimento possibilita mudanças transformacionais no uso da terra, promove a conservação e a regeneração de áreas degradadas, vetores de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, fundamentado nas vantagens comparativas que podem fazer dela a protagonista da bioeconomia. Infelizmente, ainda persiste a ideia de que a Amazônia é um grande vazio demográfico e que, portanto, há margem para uso dos recursos em larga escala, sem que isso comprometa o equilíbrio do bioma e da vida das pessoas que lá habitam (Enríquez, 2021).
O estado do Pará, localizado na região Norte do Brasil, é o maior produtor de cacau no território brasileiro, sendo responsável por um pouco mais da metade da produção total do país. No entanto, 95% das amêndoas de cacau produzidas no estado são destinadas a fábricas de chocolate de grandes companhias multinacionais e apenas uma pequena parte abastece produtores locais de chocolate artesanal.
Com o aumento do movimento da amêndoa à barra (bean to bar), que se preocupa com a fabricação sustentável do chocolate desde o cultivo do cacau até a venda de barras prontas para o consumidor final, é necessário analisar os empreendimentos que emergem na Amazônia baseados na bioeconomia.
Nesse contexto, este trabalho busca responder a seguinte pergunta: ‘Como é possível que empreendimentos amazônicos, baseados na bioeconomia, conciliem as premissas de um negócio sustentável que mantém a floresta em pé com o seu êxito econômico?’. O objetivo principal deste artigo é evidenciar a viabilidade de um negócio estruturado sob as premissas da economia da floresta em pé, ou seja, que orquestra suas atividades respeitando a finitude dos recursos naturais e obedece a práticas de sustentabilidade nas suas dimensões amplamente reconhecidas: ambiental, econômica e social.
Para isso, foi analisada a fábrica de chocolate Filha do Combu, localizada em uma das ilhas de Belém do Pará. A escolha de tal empreendimento foi feita a fim de investigar uma operação no território amazônico que caminha na contramão da principal utilização econômica do cacau, que é um produto primário para abastecer grandes players nacionais e internacionais.
Além disso, o trabalho busca contribuir com a literatura sobre bioeconomia e desenvolvimento local, visto que o conceito teórico pode ser verificado de maneira prática nas operações do empreendimento em análise, que se enquadra nas premissas de sustentabilidade e economia biodiversificada, sendo uma alternativa para a economia focada apenas na exportação dos frutos. Ademais, há a contribuição prática para os gestores de chocolaterias artesanais, que empreendem na cacauicultura, de que o modelo bean to bar pode proporcionar qualidade de vida e desenvolvimento sustentável de uma comunidade.
MÉTODO
A presente pesquisa adotou uma abordagem metodológica qualitativa e está estruturada em três fases: revisão de literatura; história da fundação da Filha do Combu e o manejo de seus principais subprodutos de cacau; e uma análise das quantidades faturadas dos principais produtos da empresa Filha do Combu. De início, foi feita uma revisão de literatura sobre os conceitos de sustentabilidade e bioeconomia, a fim de estabelecer uma base para o debate sobre negócios sustentáveis e emergentes na Amazônia. A construção do referencial teórico com discussões mais recentes sobre bioeconomia foi almejada com o intuito de expor ideias atualizadas. Após a construção desse referencial, foi feita a relação entre a bioeconomia, a economia do cacau na região amazônica e o movimento “bean to bar”, para demonstrar teoricamente as aproximações com a emergente realidade amazônica.
A segunda fase é iniciada com o referenciamento da Ilha do Combu, local onde se encontra a fábrica de chocolate, com a contextualização dessa Área de Proteção Ambiental e as particularidades que a tornaram um destino turístico concorrido. A história da fundadora da empresa Filha do Combu, Izete Costa, mais conhecida como Dona Nena, é contada, assim como o aperfeiçoamento que realizou para lançar os produtos de cacau fino.
Além disso, é descrito o processamento do cacau dentro da fábrica e o preparo dos principais produtos de chocolate comercializados na ilha. Os insights da empresa e os relatórios em formato de planilha foram solicitados e enviados pelo gerente da empresa, Mário César dos Santos de Carvalho, coautor desta pesquisa.
Na terceira e última fase, foi feita uma análise de conteúdo dos dados quantitativos dos principais produtos vendidos, que foram fornecidos pela própria empresa por meio de uma planilha no modelo de Curva ABC. Eles foram apresentados em quadros e figura, o que possibilitou observar a evolução dos produtos de chocolates produzidos na fábrica com maior importância entre 2021 e 2024 (até junho), assim como as quantidades de frutos utilizados em cada ano.
A discussão é finalizada com uma comparação entre as possibilidades de faturamento do cacau fino, diante do aumento significativo do preço do cacau commodity e do atendimento da demanda de um emergente nicho de chocolate. Por fim, são apresentadas as conclusões com o resgate do problema de pesquisa e a relação das evidências de um êxito produtivo com as premissas do desenvolvimento sustentável e bioeconomia.
SUSTENTABILIDADE E BIOECONOMIA
A questão da sustentabilidade não é um assunto novo na literatura. Popularizado a partir de 1987 no Relatório de Brundtland da Organização das Nações Unidas (ONU), o termo desenvolvimento sustentável foi conceitualizado como “um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas” (Nações Unidas - Brasil, 2020).
Com a sustentabilidade se tornando foco mundial, surgem modelos como o Triple Bottom Line (TBL), idealizado por Elkington (1997), que aborda as dimensões ambiental, econômica e social. A pretensão inicial era que o TPL fosse uma espécie de código genético, uma hélice tripla de mudança para o capitalismo do futuro, com foco em uma mudança revolucionária que levasse ao isolamento de negócios não sustentáveis e à produção em escala de soluções next-generation (Elkington, 2018). Mesmo com a retratação do próprio autor, na qual alega que o TBL já não é mais suficiente para implementar a sustentabilidade em negócios (Elkington, 2018), as dimensões apresentadas ainda são amplamente aceitas.
A sustentabilidade ambiental, social e econômica envolve a interação equilibrada entre o desenvolvimento humano e a preservação dos recursos naturais (Sachs, 2002; Barbier, 1987). A dimensão ambiental foca na conservação dos ecossistemas, diminuição dos impactos das atividades humanas por meio de práticas que promovam o uso sustentável dos recursos naturais para futuras gerações (Sachs, 2002).
Na dimensão social, busca-se garantir equidade, justiça e inclusão, com a orientação de ações de redução da pobreza, acesso universal a direitos básicos e fortalecimento da coesão social (Barbier, 1987).
Na dimensão econômica, o destaque está na eficiência do uso dos recursos, e na criação de modelos de produção e consumo sustentáveis que assegurem o bem-estar das gerações presentes e futuras (United Nations, 2015). Esse equilíbrio entre as três dimensões é fundamental para alcançar as metas da agenda global de sustentabilidade para 2030, conhecida comumente como Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Em 2015, foram propostos os dezessete ODS, com medidas de sustentabilidade a serem cumpridas até 2030. Eles buscam assegurar os direitos humanos, acabar com a pobreza, lutar contra a desigualdade e a injustiça, alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, agir contra as mudanças climáticas, bem como enfrentar outros grandes desafios de nossos tempos (ODS - Rede Brasil, 2022).
Abordando questões como fome, pobreza e gênero, a ONU formalizou esse guia de objetivos para direcionar governos, sociedade e empresas a um caminho sustentável e igualitário. Cada ODS possui metas para a redução de impactos negativos de cada tema apresentado, seguindo as premissas do desenvolvimento sustentável, nas dimensões social, ambiental e econômica.
Portanto, a existência de uma agenda global para o alcance de metas dos mais variados temas implica mudanças no comportamento individual de consumo e na operação das indústrias globais, em prol do bem coletivo. A bioeconomia emergente é promovida por uma política de alto nível de mudança das abordagens atuais de produção, consumo e descarte de recursos biológicos e, dessa forma, o avanço do alcance dos ODS (Wilde & Hermans, 2021).
Inicialmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), órgão da ONU, definiu em 2009 que a bioeconomia seria um mundo no qual a biotecnologia contribuiria fortemente para a economia, apoiando-se em três elementos: conhecimento biotecnológico, biomassa renovável e integração pelas aplicações.
Com um panorama global dinâmico, a bioeconomia é um conceito em construção e em disputa internacional (Costa et al., 2022), por isso, este trabalho adota o conceito central de bioeconomia como a produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos - incluindo conhecimento relacionado, ciência, tecnologia e inovação - para fornecer soluções sustentáveis (informações, produtos, processos e serviços) em todas as áreas econômicas, de forma a possibilitar a transformação para uma economia sustentável (IACGB, 2020).
Apesar de a conceituação estar fundamentada em premissas de desenvolvimento sustentável - principalmente no que se refere a boas condições e preservação de fatores ambientais essenciais à vida - novas discussões teóricas e práticas da bioeconomia, assim como o mapeamento de empreendimentos baseados em operações com foco na sociobiodiversidade evidenciam a construção do conceito e o entendimento de viabilidade da bioeconomia nos dias presentes para além da utilização de fontes e recursos renováveis de energia.
Ollinaho e Kröger (2023) propõem que o primeiro passo para entender a bioeconomia é desintegrar o conceito de bioeconomia em dois tipos: um que explora e queima a biodiversidade e outro que é fundado na biodiversidade. Os autores afirmam que, apesar desses dois tipos de economia terem como natureza a utilização de organismos vivos ou recentemente mortos, múltiplos aspectos os separam em categorias fundamentalmente distintas, pois o próprio conceito de “economia” dentro desses tipos difere radicalmente.
Logo, este trabalho também adota a compreensão de que a bioeconomia surge como uma alternativa da agricultura tradicional, capaz de gerar insumos, produtos e serviços pautados na sustentabilidade e minimização dos impactos ambientais negativos comumente associados à produção industrial e ao desmatamento. No Brasil, a bioeconomia tem potencial para utilizar e aprimorar toda a multifuncionalidade da agricultura em prol da produção de alimentos, fibra, energia, prestação de serviços ambientais e ecossistêmicos, química verde e novos insumos. A tendência é buscar soluções inovadoras e sustentáveis, que assegurem a biodiversidade e a proteção ambiental (Embrapa, 2024).
No Brasil, o desbalanço entre contribuição produtiva e danos ambientais pode ser observado diretamente, já que o país está entre os maiores produtores e exportadores mundiais de produtos agrícolas, em particular as commodities (a exemplo de soja, açúcar, carnes de frangos e suínos, café e carne bovina) e, ao mesmo tempo, é uma das regiões com as maiores taxas de desmatamento, um dos fatores que mais impulsionam a emissão global de gases de efeito estufa (Pellenz, Almeida & Lirio, 2021).
Diretamente desse modo de produção de commodities para exportação derivam externalidades negativas que envolvem desmatamento, monoculturas, organismos geneticamente modificados, utilização de insumos químicos (agrotóxicos, fertilizantes químicos). Os impactos ambientais e sociais de tais processos são extensos e precisam ser considerados na continuidade da sociedade e dos seus modos de produção (Derani & Scholz, 2017).
Seguindo a lógica de adoção das premissas do desenvolvimento sustentável e das novas perspectivas sobre bioeconomia, é necessário destacar formas de produção e empreendimentos que surgem sob a luz da economia circular, capazes de mitigar os efeitos negativos da produção industrial tradicional e que conseguem ter rendimentos positivos na qualidade de vida dos atores envolvidos.
Atualmente, a Amazônia é produtora de mais da metade do cacau no país, no Estado do Pará. O cultivo de cacau constitui uma atividade chave para aumentar a cobertura florestal, reduzir a degradação e promover a recuperação de solos e gerar renda para os agricultores familiares, tratando-se de uma cultura agrícola com alto potencial de inclusão social e provisão de serviços ecossistêmicos (Solidaridad, 2020). Compreendendo que a bioeconomia é um conceito global, mesmo que em construção, é necessário entender as discussões sobre o tema em territórios que utilizam os recursos florestais como subsistência, principalmente quando se trata das idiossincrasias das florestas amazônicas:
(...) entende-se que a bioeconomia em florestas tropicais como a Amazônia deve, principalmente, ter por fundamento a conservação integral do bioma - entendido como um sistema vivo, diverso e livre de desmatamento - e, ao mesmo tempo, integrar-se tanto a um sistema econômico como a uma paisagem socioecológica marcada pela interação com sociedades humanas e a floresta. Do ponto de vista socioecológico, a ideia de bioeconomia inclui a valorização dos conhecimentos dos povos tradicionais não linearmente acoplados aos conhecimentos científicos e tecnológicos. E mais que isso: contém a criação de uma parceria de alteridade, confiança e respeito recíproco entre as partes (Costa et al., 2022).
ECONOMIA DO CACAU
A cacauicultura é um exemplo de atividade produtiva que se diferencia da monocultura para a exportação. Da busca pelas “Drogas do Sertão” no século XVII até o complexo sistema agroindustrial envolvido na produção do cacau e industrialização de seus derivados (principalmente o chocolate) nos dias atuais, a cadeia cacaueira alcançou uma posição de rara ocorrência: somos grandes produtores agrícolas, com disponibilidade de pacote tecnológico e áreas; temos um parque industrial desenvolvido para o beneficiamento; e um mercado consumidor interno consolidado e com potencial de crescimento (Gontijo, 2020).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontam que o estado do Pará é o maior produtor de cacau do país, com 51,80% da produção brasileira, em 2022. Com a produção de 150 mil toneladas de amêndoas e valor bruto de R$ 2,4 bilhões em 2023, o estado consolida a produção de cacau como de alta relevância. Ele destina 95% da produção para indústrias multinacionais na Bahia, das quais 5% são absorvidas pelas indústrias artesanais de chocolate paraenses ou são exportadas para outros países (Agência Pará, 2024).
No tocante à sustentabilidade ambiental das cadeias produtivas cacaueiras, resta claro que elas são alternativas viáveis de geração de renda com preservação dos ecossistemas e disponibilizam diversos pacotes tecnológicos a custos de implantação variados para a produção baseados em práticas conservacionistas. Entre eles incluem-se os Sistemas Agroflorestais (SAF) que fomentam a diversidade de espécies e extratos biológicos, a preservação de solos e o resgate de carbono em comparação às monoculturas (Gontijo, 2020).
Venturieri et al. (2022) analisaram a relação entre plantação de cacau e desmatamento, entre 2004 e 2020, em um total de 69.904 mil hectares de terra distribuídas no estado do Pará. Os dados apontaram que 52.778 mil hectares de área plantada de cacau já haviam sido desmatados até 2008 (ano marcado pelo Código Florestal Brasileiro), ou seja, mostrou a tendência de conversão de áreas de pasto para plantações de cacau. Isso indica que a cacauicultura é importante para a recuperação de áreas degradadas, redução de emissão de gases estufa e geração de renda.
No entanto, relações assimétricas podem ser observadas no repasse das amêndoas de cacau pelos produtores rurais aos comerciantes de grandes indústrias. Há apontamentos que os produtores de cacau na região amazônica enfrentam dificuldades para obter preços justos e condições dignas de trabalho, como:
(...) a submissão do produtor de cacau aos preços estabelecidos “de cima para baixo” na cadeia do chocolate restringe sua capacidade de negociar com intermediários e as grandes empresas compradoras. Esse é um fator determinante para as condições de pobreza, trabalho infantil, trabalho escravo e vulnerabilidade social nos polos de cacauicultura. (International Labor Organization, 2016).
Embora atualmente o setor de chocolates do Brasil seja dominado pelas grandes corporações, nota-se forte movimentação por parte dos chamados ‘chocolateiros’, um conjunto de pequenos produtores que não concordam com o conceito de produção em massa e buscam meios viáveis para o desenvolvimento de um produto alternativo, a partir da transformação artesanal das amêndoas de cacau (Andrade-Matos, Funo & Pimentel, 2022). O movimento denominado bean to bar representa uma operação emergente na economia do cacau, capaz de promover a subsistência de produtores locais e a sustentabilidade da produção do chocolate, desde seu cultivo até o produto final.
De acordo com a Associação Bean to Bar Brasil (2024), o processo de produção do chocolate de uma empresa bean to bar parte da amêndoa integral do cacau seco, desde a seleção das amêndoas até a moldagem final da barra de chocolate. Para aderir a esse movimento, os produtores de chocolate não podem apoiar práticas de trabalho infantil, nem trabalho escravo ou análogo à escravidão. Eles devem comprar amêndoas de produtores rurais que trabalhem em condições dignas, de acordo com as leis trabalhistas e com a Norma Regulamentadora Número 31 (NR31). As empresas rurais devem ter respeito absoluto à biodiversidade local, e priorizar o cacau orgânico, biodinâmico, selvagem ou em Sistema Cabruca (o que não invalida a origem de cacau a pleno sol).
Quando conectado à realidade e ao potencial do território, o empreendedorismo pode ser um aliado para desenvolver a economia da floresta em pé. Essa abordagem valoriza os recursos da floresta em sua sociobiodiversidade e tem como protagonistas as populações tradicionais, fundamentando-se no uso inteligente das riquezas naturais e no compromisso com o bem-estar dessas populações (Fernandes, Comini & Rodrigues, 2022). Sob a ótica da bioeconomia e entendendo que a Amazônia é grande exportadora de cacau, identificar negócios amazônicos que surgem no contexto da bioeconomia é fulcral para a difusão de práticas sustentáveis.
A ILHA DO COMBU
A Ilha do Combu é uma Área de Proteção Ambiental (APA) localizada em Belém, capital do estado do Pará. A maior parte de sua população, de cerca de 2.500 habitantes, está concentrada no interior da ilha, nos igarapés Combu e Periquitaquara (IDEFLOR-BIO, 2018). A maioria dos moradores vive da pesca e do extrativismo dos recursos da floresta, principalmente frutas.
Em 1997, a Ilha do Combu foi elevada à categoria de Área de Proteção Ambiental, pela Lei Estadual nº 6.083 de 13.11.1997, que, segundo a Lei Federal nº 9.985 de 2000, dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), tem o objetivo de proteger e restaurar a diversidade biológica, os recursos genéticos e as espécies ameaçadas de extinção, bem como promover o desenvolvimento sustentável, por meio do ordenamento dos recursos naturais e da melhoria da qualidade de vida da comunidade local (SEMAS, 2021).
A partir da década de 1990, operadoras de turismo receptivo incluíram a APA em roteiros turísticos fluviais voltados à contemplação da natureza e das habitações dos ribeirinhos. Nessa época, não se vislumbrava uma relação intensa dos turistas com as comunidades, tampouco que os benefícios do turismo pudessem chegar à maioria dos moradores. Isso era restrita aos moradores proprietários de restaurantes localizados à beira do rio, que costumavam oferecer almoço em passeios promovidos pelas operadoras de turismo e para clientes paraenses atravessavam para almoçar e contemplar a natureza.
FILHA DO COMBU
Izete dos Santos Costa, conhecida como Dona Nena, começou a fabricar produtos com o cacau de seu sítio, na ilha do Combu, no ano de 2006. Ela e outros quatorze produtores rurais haviam sido convidados por uma escola particular de Belém para participar de uma feira por ocasião da Semana do Meio Ambiente. Formou-se, então, o grupo Filhos do Combu, que fabricava biojoias (colares, brincos, pulseiras) feitas com folhas e sementes da floresta. Apesar do êxito inicial, o grupo não se consolidou, pois os ganhos de cada produtor não eram suficientes para equilibrar as finanças de suas casas.
Enquanto estava na feira, Dona Nena observava o comportamento dos clientes e notava especial interesse com os produtos da agricultura familiar, difíceis de encontrar em supermercados. Então, ela se lembrou da paixão de seu sogro pelo cacau e que ele sempre guardava em casa uma barrinha de chocolate, feita no pilão, com amêndoas torradas. Essa receita saudável e rara para os que residem na capital chamava a atenção de quem passava na barraca de Dona Nena. Eles pensavam, a princípio, que era pamonha ou sabonete. Quando ela dizia que era chocolate, todos se admiravam.
As vendas cresceram gradativamente e Dona Nena passou se dedicar mais à produção de barrinhas rústicas (massa de cacau). A cada feira ou evento para o qual era convidada, vendia entre 15 e 20 barrinhas de 100 gramas. Nena, junto com outros produtores rurais, ajudou a fundar a Associação Pará Orgânico. Essa, por meio de parceria com a Prefeitura de Belém, conseguiu regularizar a feira orgânica todos os sábados nas praças Brasil e Batista Campos. As vendas aumentavam e Dona Nena diversificava sua linha, e passou também a vender os nibs de cacau (sementes de cacau fermentadas e trituradas) e a massa de cacau em pó.
Em 2011, ela buscou a formalização como Microempreendedora Individual (MEI). Em 2013, com o crescimento das vendas, transformou seu negócio em uma microempresa. Nena é filha de produtores rurais e se dedicou a aprender sobre o cacau, em especial sobre a tradição de fazer chocolate. Atualmente, possui uma fábrica de chocolates dentro da floresta amazônica e realiza todas as etapas desde a colheita do fruto até a comercialização do chocolate refinado.
Por ser moradora da ilha e guardiã de suas raízes, a proprietária realiza atividades sustentáveis, compatíveis com a presença dentro da área de proteção ambiental em que vive. Logo, a Filha do Combu opera nas premissas da economia da floresta em pé e desenvolve estratégias que garantem trabalho e renda para os atores envolvidos.
Em 2016, Dona Nena construiu uma pequena cozinha industrial e uma loja. Ela também passou a contar com uma gestão profissional, e contratou a empresa Biocultura Consultoria e Gestão de Negócios para cuidar das áreas administrativa, financeira, logística, marketing e inovação. Ainda no escopo do desenvolvimento da Filha do Combu, era necessário investir em conhecimento e, junto com o gerente da empresa, Mário César Carvalho, decidiu estudar os fundamentos da produção do cacau fino e da chocolataria. O curso durou nove meses; ambos se formaram em fevereiro de 2019 e trouxeram para a empresa os saberes que precisavam para elevar os produtos da Filha do Combu a um patamar mais alto.
No mesmo ano, foi lançada a primeira linha de chocolates refinados em quatro intensidades: Samaúma, 55% cacau; Aroma do Combu, 70% cacau; Ribeirinho, 85% cacau; e Caboco, 100% cacau. Os ingredientes utilizados nessas receitas são apenas nibs de cacau e açúcar orgânico, sem adição de conservantes, aromatizantes ou outro produto químico. Entre os incentivos praticados por Izete Costa na Fábrica de Chocolate Filha do Combu está a compra e valorização de fornecedores que procuram adotar práticas de cultivo de cacau para ofertar amêndoas de melhor qualidade. Para esses fornecedores, Izete paga um valor diferenciado para que os fornecedores agreguem valor a esse cacau e valorizem o próprio produtor.
O processo de transformação dos frutos em amêndoas de cacau é feito em etapas. De início, cada fruto que chega à Casa do Chocolate passa por um critério de seleção rigoroso, no qual só podem ser utilizados frutos maduros, predominantemente na cor amarelo ouro. Depois de selecionados, os frutos são lavados e é feita a abertura manual usando uma faca grande. As pessoas calçam luvas e, com as mãos protegidas, começam a retirar as amêndoas, separando o talo, que é o nome popular dado à cibirra, uma espécie de cordão que prende as amêndoas de cacau dentro do fruto.
Em seguida, começa o processo de extração do suco de cacau, que se dá separando a parte líquida da polpa, da parte mais gelatinosa, que permanece com o açúcar que será necessário para iniciar a fase de fermentação nos cochos de madeira. Esse processo leva seis dias e ocorre a formação de substâncias que ajudam a formar os precursores de sabor e aroma do cacau fino.
A etapa posterior é a secagem, que pode levar de quatro a oito dias em estufas, feitas em estrutura de madeira e cobertas com filme agrícola, um tipo de plástico transparente, grosso e resistente. As amêndoas, que já perderam seu poder de germinação após a fermentação, repousam sobre uma tela de náilon bem fechada, mas que permite a circulação de ar.
As amêndoas ficarão, ao final da secagem, com cerca de 8% de umidade na parte interna e terão perdido cerca de dois terços do peso inicial, quando comparado ao início da fermentação. Depois desse processo de secagem, as amêndoas passam por uma nova seleção para que sejam trabalhadas apenas aquelas que ficaram mais arredondadas, que não apresentam defeitos aparentes. Assim, somente as amêndoas que já demonstram potencial para um bom chocolate é que seguem para a etapa da torra, quando elas ainda perdem peso.
Em seguida, as amêndoas vão para uma máquina chamada beneficiadora de nibs, que as quebra e separa os nibs da testa (nome técnico da casca da semente), por meio de um processo de sucção de ar. Nessas etapas pós-secagem ocorre uma perda de 25% a 30% do peso. Esses nibs de cacau seguem, então, para o processo de moagem manual em moedores de cereais ou são refinados em moinhos de pedra, conhecidos como melangers.
As barras rústicas 100% cacau são feitas pela moagem manual dos nibs, o que resulta na massa de cacau, uma pasta maleável embalada na folha do cacaueiro vendida em opções de 50, 100 ou 200 gramas. Uma parte dessas barras é preparada para endurecer novamente, para serem raladas, o que resulta na massa de cacau em pó. A partir dos nibs e da massa de cacau em pó pode-se fazer toda a linha de doces artesanais, inclusive os brigadeiros.
Para preparar os brigadeiros, o leite condensado é aquecido e misturado com a massa de cacau. Depois de acertar o ponto, aguarda-se o esfriamento da massa para a moldagem das bolinhas de 30 gramas. Por fim, cobrem-se os brigadeiros com cinco gramas de nibs e assim, é finalizado o brigadeiro da floresta. No final das contas, em termos de peso, ele tem a proporção de cerca de 70% de leite condensado e 30% de cacau (nas formas de massa de cacau em pó e nibs). O brigadeiro de colher segue uma proporção semelhante à do brigadeiro da floresta.
Para fabricar os tabletes de chocolate e as trufas, que são as linhas mais elaboradas do portfólio de produtos, o processo tem que ser feito nos moinhos grandes de pedra. Os nibs de cacau ficam de dois a três dias nesse processo de moagem e conchagem, de acordo com a intensidade que se almeja.
No chocolate refinado 100% cacau, que não leva açúcar na sua formulação, a moagem leva no máximo dois dias. Nos demais, o tempo é maior: o Ribeirinho é composto de 85% de cacau e 15% de açúcar; o Aroma do Combu tem 70% de cacau e 30% de açúcar; e o Samaúma leva 55% de cacau e 45% de açúcar. No caso das trufas, existem outros ingredientes que também são utilizados, como doce de bacuri, doce de cupuaçu, castanha do Pará e a própria massa de brigadeiro.
RESULTADOS
Assim, a economia da floresta em pé abrange a necessidade de uma orquestração para envolver diferentes atores a partir de uma visão sistêmica do contexto amazônico (Fernandes, Comini & Rodrigues, 2022). É importante reiterar que a diversidade se refere à imensidão de relações e práticas e coevolução de práticas sociais e organizacionais relacionadas ao uso da terra (Ollinaho & Kröger, 2023)
Compreendendo que a Filha do Combu traz evidências de ser um empreendimento baseado na bioeconomia e que segue práticas sustentáveis de respeito da biodiversidade, é importante fazer uma análise para além das características ambientais de um negócio que mantém a floresta em pé. A conjugação entre preservação e desenvolvimento promove a conservação e regeneração de áreas degradadas, vetores de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, fundamentado nas vantagens comparativas que podem fazer dela a protagonista da bioeconomia (Fernandes, Comini & Rodrigues, 2022). Logo, contando com o entendimento de que a empresa analisada cumpre requisitos sustentáveis ambientais e sociais, é importante pontuar as demonstrações de sustentabilidade econômica, a fim de fornecer uma abordagem integrativa do empreendimento.
A Tabela 1 apresenta a quantidade faturada anual dos 21 principais produtos de chocolate produzidos pela empresa Filha do Combu. Esses dados foram fornecidos em formato de planilha diretamente de relatórios financeiros adaptados pela própria empresa para a finalidade desta pesquisa. Utilizou-se o modelo de Curva ABC, ferramenta de gestão que classifica os itens em ordem de importância para o faturamento de uma empresa em itens do tipo A (20% do total de itens, que detém 80% do faturamento), B (30% do total de itens, que detém 15% do faturamento) e C (50% do total de itens, que detém 5% do faturamento). Esse trabalho desconsiderou as atividades da empresa em 2019, por ser o ano inicial da produção de chocolates. Tampouco foi considerado o ano de 2020, que marcou o início da crise da pandemia de Covid-19 no Brasil, e determinou a interrupção de atividades turísticas, o que impediu a visitação na fábrica de chocolate e na loja da Filha do Combu.
Com o intuito de demonstrar clareza, também foram excluídos dos quadros a totalidade dos SKU (stock keeping units), visto que, entre 2021 e 2024, a empresa ofereceu 228 e 332 produtos, respectivamente. Portanto, para fins de demonstrar o argumento da discussão, apenas os principais itens de subprodutos do cacau foram selecionados, sendo eles: Brigadeiro da Floresta, Brigadeiro de Colher, Trufas, Barra Refinada, Nibs, Massa de Cacau em Barra e Massa de Cacau em Pó. Além do grande volume de itens na loja, nem todos os produtos comercializados são feitos a partir de cacau, sendo observada a presença de itens como água, óleos vegetais e souvenirs da marca, como canecas e bonés.
Para elaboração deste artigo, buscou-se verificar a quantidade de cacau utilizada no processo de fabricação e não os outros ingredientes para a comparação anual da produção da fábrica de chocolate, com o propósito de fazer um dimensionamento da importância do crescimento da cadeia do cacau para a verticalização de um produto da bioeconomia da ilha. Na Tabela 2, é possível acompanhar a quantidade de frutos de cacau necessária para promover o crescimento das linhas de produtos Filha do Combu. Os itens da Tabela 1 foram classificados em quatro categorias na Tabela 2: Brigadeiros (brigadeiro da floresta e todas as gramaturas de brigadeiro de colher); Trufas recheadas (todas as variações de sabores de trufas); Tabletes de chocolate (todas as variações de sabor da Barra Refinada de 40g); e Linha rústica (todas as gramaturas de nibs, massa de cacau em barra e massa de cacau em pó).
Com os dados apresentados, é possível observar um crescimento significativo na quantidade de frutos necessários para a produção dos itens da empresa, com a projeção para 2024 sendo maior que o dobro da quantidade de cacau utilizada em 2021, após apenas três anos. A quantidade faturada também acompanha esse crescimento em proporções similares, o que evidencia que há manutenção ou até mesmo melhora do processo de manejo do cacau, desde a sua colheita até as etapas finais da moagem das amêndoas. Logo, os resultados apontam que o crescimento significativo da utilização de frutos, assim como a quantidade comercializada pela empresa, possibilita analisar a empresa Filha do Combu como um empreendimento que prospera economicamente, estando inserido no contexto bioeconômico da Amazônia.
Em relação à abordagem da bioeconomia e dos negócios da floresta em pé em contrapartida com a economia tradicional do cacau, que é a exportação para grandes fábricas, é fundamental compreender a noção de valores do cacau commodity em relação ao cacau fino na cotação da Bolsa de Valores de Nova York. Entre 2021 e 2023 houve uma estabilização dos preços do quilo do cacau commodity, com preços entre US$2.2427 e US$3.280 por tonelada métrica, ao longo dos referidos anos. Já em 2024, esses valores dispararam, fazendo com que o cacau commodity chegasse a US$8.539 (Index Mundi, n.d.).
Apesar de o Brasil ser um grande exportador de cacau, principalmente na Amazônia, ainda há a imagem no mercado mundial de que o cacau brasileiro é do tipo forasteiro, e o país produz um cacau commodity padrão, equivalente àqueles do oeste-africano e que, por isso, não serve para a produção de cacau fino. Essa é uma visão totalmente equivocada, prejudicial ao cacau brasileiro e não corresponde à realidade (Santos et al., 2015).
Com o aumento expressivo do preço da cotação de cacau em 2024, a tendência com relação a esses preços é que o cacau fino assuma o dobro ou, no máximo, o triplo do valor da bolsa, de acordo com a qualidade da fermentação alcançada pelo produtor rural. Isso gera um impacto positivo para a economia da Ilha do Combu e para todas as áreas onde se planta e colhe cacau fino. A agregação de valor com essa finalidade de produção de cacau fino possibilita que o dinheiro investido nesse produto seja direcionado efetivamente para a comunidade, enquanto que, na cadeia de cacau commodity, o valor do chocolate pago, que é mais barato, faz com que haja uma pressão para pagar barato também para o produtor rural.
O projeto empreendedor da Dona Nena é mais interessante ainda porque os nibs de cacau, por exemplo, chegam a ser vendidos por R$200 a R$250 o quilo, diretamente para o cliente final. Quando são transformados em chocolate, o valor do quilo vai de R$400 a R$600, dependendo do tipo da barra, do que tem incluído nela ou até da safra. O que se busca recentemente nas estratégias da empresa é chegar a qualidades de fermentação superiores e produção de chocolates em lotes exclusivos, principalmente aqueles oriundos do sítio da Dona Nena.
Fazendo o resgate do objetivo principal deste trabalho, que é evidenciar a viabilidade de um negócio estruturado sob as premissas da economia da floresta em pé enquanto busca obter uma performance financeira positiva, os resultados da figura e dos quadros acima apontam para um crescimento expressivo na quantidade faturada do empreendimento que adota as premissas da bioeconomia e do movimento bean to bar. Com isso, é possível orquestrar uma empresa que não apenas valoriza os saberes tradicionais e respeita o meio ambiente, mas também apresenta possibilidades de rentabilidade para além da venda do cacau commodity.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa teve o objetivo de evidenciar a potencialidade de um negócio orquestrado sob a ótica da floresta em pé, ou seja, que visa uma rentabilidade econômica, mas respeita a biodiversidade dos recursos naturais a serem utilizados. Destaca-se a empresa Filha do Combu que alia a sustentabilidade das suas operações pois tem uma cadeia produtiva que respeita a biodiversidade da floresta amazônica desde o cultivo do cacau até o seu refinamento, prioriza a compra de fornecedores locais e garante a boa remuneração pelo quilo de cacau adquirido.
Além disso, constata bons resultados econômicos, visto o crescimento da quantidade faturada dos principais itens de chocolataria e dobra a quantidade de frutos utilizados na produção para suprir a demanda do mercado. A partir de uma análise integrativa, tornou-se claro que há grande potencial em negócios na Amazônia baseados na bioeconomia, como a fábrica de chocolate estudada, cujo modelo de negócio articula a valorização de saberes tradicionais com performance econômica.
Podem-se verificar as contribuições teóricas para estudos sobre a bioeconomia nos dias presentes, principalmente sob a ótica de uma agenda de sustentabilidade global que tem metas até 2030, visto que o presente artigo demonstrou que os empreendimentos da bioeconomia podem e devem ser observados sob uma perspectiva abrangente. Além disso, este estudo oferece implicações práticas significativas para gestores que buscam práticas sustentáveis, principalmente aos produtores de cacau na Amazônia, uma vez que a possibilidade de sucesso econômico sem comprometer o meio ambiente atua como forte estímulo para a incorporação de operações sustentáveis.
Este estudo limitou-se à análise com os dados dos relatórios financeiros e insights da produção da empresa Filha do Combu, e não entrevistou os fornecedores de cacau da ilha ou os outros funcionários da fábrica de chocolate. Com isso, abriu espaço para um trabalho aprofundado e diagnóstico das dimensões de sustentabilidade presentes e ausentes no empreendimento e dos desafios mercadológicos enfrentados. Resgatando o problema de pesquisa apresentado ‘Como é possível empreendimentos baseados na bioeconomia conciliarem as premissas de um negócio sustentável que mantém a floresta em pé com o seu êxito econômico na Amazônia?’, a análise da referida empresa pode servir como um modelo para outros empreendimentos no ramo do chocolate, tanto na região amazônica, devido à demonstração da viabilidade econômica e prosperidade da conservação de recursos naturais, quanto pela verticalização da economia do cacau. Em resumo, conclui-se que este artigo não apenas procurou dar robustez à literatura sobre bioeconomia e negócios de floresta em pé, mas também oferece um incentivo para negócios emergentes na Amazônia.
-
Os/As avaliadores/as não autorizaram a divulgação de sua identidade e relatório de avaliação por pares.
-
Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.
NOTA/AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa que auxiliou o desenvolvimento desta pesquisa.
DISPONIBILIDADE DE DADOS
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no artigo e na seção Referências.
REFERÊNCIAS
-
Agência Pará de Notícias. (2024). Com apoio do Estado, produção e exportação do cacau paraense crescem com reconhecimento internacional https://www.agenciapara.com.br/noticia/52712/com-apoio-do-estado-producao-e-exportacao-do-cacau-paraense-crescem-com-reconhecimento-internacional
» https://www.agenciapara.com.br/noticia/52712/com-apoio-do-estado-producao-e-exportacao-do-cacau-paraense-crescem-com-reconhecimento-internacional -
Andrade-Matos, M. B. de, Monteiro Funo, L. R., & Pimentel, T. R. (2022). Chocolates Bean to Bar e a COVID-19: uma análise dos impactos da pandemia na gestão de empresas de chocolates artesanais brasileiras. Turismo: Visão e Ação, 24(2), 391-412. https://doi.org/10.14210/rtva.v24n2.p391-412
» https://doi.org/10.14210/rtva.v24n2.p391-412 -
Associação Bean to Bar Brasil (2024). Conceito Bean to Bar. https://www.beantobarbrasil.com.br/conceito
» https://www.beantobarbrasil.com.br/conceito -
Barbier, E. B. (1987). The concept of sustainable economic development. Environmental Conservation, 14(2), 101-110. https://doi.org/10.1017/S0376892900011449
» https://doi.org/10.1017/S0376892900011449 -
Costa, F. A., Nobre, C., Genin, C., Medeiros Rocha Frasson, C., Fernandes, D. A., Silva, H., Vicente, I., Santos, I. T., Feltran-Barbieri, R., Ventura Neto, R., & Folhes, R. (2022). Uma bioeconomia inovadora para a Amazônia: Conceitos, limites e tendências para uma definição apropriada ao bioma floresta tropical WRI Brasil. https://www.wribrasil.org.br/sites/default/files/2022-07/NEA-BR_Bioeconomia_PT.pdf
» https://www.wribrasil.org.br/sites/default/files/2022-07/NEA-BR_Bioeconomia_PT.pdf -
Derani, C. & Scholz, M. C. (2017). A injustiça ambiental das externalidades negativas das monoculturas para commodities agrícolas de exportação no Brasil. Revista de Direito Agrário e Agroambiental, 2(2), 1-25. https://doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0081/2017.v3i2.2281
» https://doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0081/2017.v3i2.2281 - Elkington, J. (1997). The triple bottom line. In M. V. Russo (ed.). Environmental Management: Readings and Cases (2nd ed.). Sage.
-
Elkington, J. (2018). 25 Years Ago I Coined the Phrase ‘Triple Bottom Line.’ Here’s Why I’m Giving Up on It. Harvard Business Review https://hbr.org/2018/06/25-years-ago-i-coined-the-phrase-triple-bottom-line-heres-why-im-giving-up-on-it
» https://hbr.org/2018/06/25-years-ago-i-coined-the-phrase-triple-bottom-line-heres-why-im-giving-up-on-it -
Embrapa. (2024). Sobre o tema - Portal Embrapa (n.d.). Www.embrapa.br https://www.embrapa.br/tema-bioeconomia/sobre-o-tema#:~:text=A%2520tend%C3%AAncia%2520%C3%A9%2520buscar%2520solu%C3%A7%C3%B5es
» Www.embrapa.br» https://www.embrapa.br/tema-bioeconomia/sobre-o-tema#:~:text=A%2520tend%C3%AAncia%2520%C3%A9%2520buscar%2520solu%C3%A7%C3%B5es - Enríquez, M. A. (2021). Amazônia e seus desafios para um novo modelo de desenvolvimento. Política Democrática - Revista de Política e Cultura, 59, cap. 3, 73-88.
-
Fernandes, J. A., Comini, G., & Rodrigues, J. (2022). Bioeconomia Inclusiva na Amazônia: Como Orquestrar a Economia da Floresta em Pé. Stanford Social Innovation Review Brasil, I(2), 24-31. https://ssir.com.br/meio-ambiente/bioeconomia-inclusiva-na-amazonia-como-orquestrar-a-economia-da-floresta-em-pe
» https://ssir.com.br/meio-ambiente/bioeconomia-inclusiva-na-amazonia-como-orquestrar-a-economia-da-floresta-em-pe -
Gontijo, F. J. C. (2020). A cadeia produtiva do cacau brasileiro sob a perspectiva do desenvolvimento rural sustentável. Escola Nacional de Administração Pública. https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/6165/1/Artigo%20ENAP%20Frederico%20J%20C%20Gontijo.pdf
» https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/6165/1/Artigo%20ENAP%20Frederico%20J%20C%20Gontijo.pdf -
Index Mundi. (n.d.). Cacau - Preço Mensal - Preços das Mercadorias https://www.indexmundi.com/pt/pre%C3%A7os-demercado/?mercadoria=cacau&meses=60
» https://www.indexmundi.com/pt/pre%C3%A7os-demercado/?mercadoria=cacau&meses=60 -
International Advisory Council on Global Bioeconomy - IACGB (2020). Global Bioeconomy Policy Report (IV): A decade of bioeconomy policy development around the world https://gbs2020.net/wpcontent/uploads/2020/11/GBS-2020_Global-Bioeconomy-Policy-Report_IV_web.pdf
» https://gbs2020.net/wpcontent/uploads/2020/11/GBS-2020_Global-Bioeconomy-Policy-Report_IV_web.pdf -
International Labour Organization. (2016). Non-standard employment around the world: Understanding challenges, shaping prospects https://www.ilo.org/publications/major-publications/non-standard-employment-around-world-understanding-challenges-shaping
» https://www.ilo.org/publications/major-publications/non-standard-employment-around-world-understanding-challenges-shaping -
IDEFLOR-BIO - Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade. Área de Proteção Ambiental da Ilha do Combu. (2018). https://ideflorbio.pa.gov.br/unidades-de-conservacao/regiaoadministrativa-de-belem/area-deprotecao-ambiental-da-ilha-do-combu/
» https://ideflorbio.pa.gov.br/unidades-de-conservacao/regiaoadministrativa-de-belem/area-deprotecao-ambiental-da-ilha-do-combu/ -
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2024). Produção Agropecuária | IBGE Www.ibge.gov.br https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/cacau/br
» Www.ibge.gov.br» https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/cacau/br -
Nações Unidas - Brasil. (2020). A ONU e o meio ambiente. Brasil.un.org. https://brasil.un.org/pt-br/91223-onu-e-o-meio-ambiente
» https://brasil.un.org/pt-br/91223-onu-e-o-meio-ambiente -
ODS. UN Global Compact. Pacto Global - Rede Brasil (2022). https://www.pactoglobal.org.br/ods
» https://www.pactoglobal.org.br/ods -
Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). (2009). The Bioeconomy to 2030: Designing a Policy Agenda https://www.oecd-ilibrary.org/economics/the-bioeconomy-to-2030_9789264056886-en
» https://www.oecd-ilibrary.org/economics/the-bioeconomy-to-2030_9789264056886-en -
Ollinaho, O. I., & Kröger, M. (2023). Separating the two faces of “bioeconomy”: Plantation economy and sociobiodiverse economy in Brazil. Forest Policy and Economics, 149, 102932-102932. https://doi.org/10.1016/j.forpol.2023.102932
» https://doi.org/10.1016/j.forpol.2023.102932 -
Pellenz, J. L. V., Almeida, M. & Lirio, V. S. (2021). Eficiência técnica agropecuária e desmatamento: análise espacial para a Amazônia Legal brasileira. Estudios económicos, 38(77), 119-146. https://doi.org/10.52292/j.estudecon.2021.2200
» https://doi.org/10.52292/j.estudecon.2021.2200 -
Sachs, I. (2002). Caminhos para o desenvolvimento sustentável Rio de Janeiro: Garamond. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5825347/mod_resource/content/1/Caminhos%20para%20desenvolvimento%20sustent%C3%A1vel.%20Sachs%2C%20Ignacy%20%282002%29.pdf
» https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5825347/mod_resource/content/1/Caminhos%20para%20desenvolvimento%20sustent%C3%A1vel.%20Sachs%2C%20Ignacy%20%282002%29.pdf -
Santos, G. B. M. dos, Santos, P. B. M. dos, & Santos, A. M. dos. (2015). Mercado de cacau fino no Brasil e no mundo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/ceplac/publicacoes/chocolates-finos-e-de-aroma/mercados-de-cacau-fino
» https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/ceplac/publicacoes/chocolates-finos-e-de-aroma/mercados-de-cacau-fino - SEMAS - Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará. APA da Ilha do Combu. (2021). semas.pa.gov.br
-
Solidaridad - Latin America (2020). Agricultura de baixo carbono na Amazônia - Cenários e oportunidades no balanço de emissões de GEE na produção agrícola familiar.https://solidaridadlatam.org/brasil/publications/agricultura-de-baixo-carbono-na-amazonia-cenarios-e-oportunidades-no-balanco-de-emissoes-de-gee-na-producao-agricola-familiar/
» https://solidaridadlatam.org/brasil/publications/agricultura-de-baixo-carbono-na-amazonia-cenarios-e-oportunidades-no-balanco-de-emissoes-de-gee-na-producao-agricola-familiar/ -
United Nations. (2015). Transforming our world: The 2030 Agenda for Sustainable Development https://sdgs.un.org/2030agenda
» https://sdgs.un.org/2030agenda -
Venturieri, A. , Oliveira, R. , Igawa, T. , Fernandes, K. , Adami, M. , Júnior, M. , Almeida, C., Silva, L. , Cabral, A. , Pinto, J. , Menezes, A. & Sampaio, S. (2022). The Sustainable Expansion of the Cocoa Crop in the State of Pará and Its Contribution to Altered Areas Recovery and Fire Reduction. Journal of Geographic Information System, 14, 294-313. https://doi.org/10.4236/jgis.2022.143016
» https://doi.org/10.4236/jgis.2022.143016 -
Wilde, K., & Hermans, F. (2021). Innovation in the bioeconomy: Perspectives of entrepreneurs on relevant framework conditions. Journal of Cleaner Production, 314, 127979. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2021.127979
» https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2021.127979
Editado por
-
Editores convidados:
Raoni Fernandes Azerêdo, Mário Vasconcellos Sobrinho, Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos, Mariluce Paes de Souza, Zilma Borges de Souza
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
31 Mar 2024 -
Aceito
20 Fev 2025
