Open-access FIQUE EM CASA! O DESEMPENHO DOS TRABALHADORES DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19

¡Quédate en Casa! El desempeño de los trabajadores durante la pandemia de COVID-19

RESUMO

O cenário pandêmico da Covid-19 tornou a adesão ao teletrabalho uma medida imperativa, e inúmeras empresas o fizeram em caráter de urgência, portanto, sem planejamento. Esta pesquisa tem como objetivo identificar, a partir da percepção dos funcionários do Serpro, os fatores que impactaram no desempenho do teletrabalho durante o surto da Covid-19. Realizou-se um estudo de caráter quali-quantitativo, recorrendo à aplicação de questionário online, utilizando Análises Fatorial e de Cluster, bem como entrevistas semiestruturadas, por meio de Análise de Conteúdo. Os resultados demonstraram que o teletrabalho pode não ser benéfico em alguns contextos e até diminuir o rendimento do funcionário, a depender principalmente do ambiente de trabalho em casa e da natureza da tarefa realizada. Os achados evidenciaram uma série de fatores que afetam o desempenho no teletrabalho, colaborando, nesse sentido, para avaliações futuras acerca da aplicabilidade e efetividade desse regime no Serpro e em outras empresas.

Palavras-chave:
desempenho; trabalhadores; teletrabalho; Covid-19; Serpro.

ABSTRACT

The COVID-19 pandemic has made telework an imperative measure, and countless companies have adopted it urgently, without planning. This research aims to identify, from the perception of the employees of the Brazilian state-owned enterprise Serpro, the factors that impacted telework performance during the COVID-19 pandemic. A quali-quantitative study was carried out, using an online questionnaire and data systematization through factor and cluster analysis, and semi-structured interviews interpreted through content analysis. The results showed that telework may not be beneficial in some contexts and may even reduce employee performance, depending on the work environment at home and the nature of the task performed. The findings showed several factors that affect performance in telework, collaborating for future evaluations about the applicability and effectiveness of this regime at Serpro and other companies.

Keywords:
performance; workers; telework; COVID-19; Serpro.

RESUMEN

El escenario de pandemia de COVID-19 ha convertido el teletrabajo en una medida imperativa e innumerables empresas lo han implementado con carácter de urgencia y, por tanto, sin planificación. Esta investigación tiene como objetivo identificar, a partir de la percepción de los funcionarios del Serpro, los factores que impactaron el desempeño del teletrabajo durante el brote de COVID-19. Se realizó un estudio cuali-cuantitativo, con la aplicación de un cuestionario en línea, utilizando análisis factorial y de conglomerados, así como entrevistas semiestructuradas, mediante análisis de contenido. Los resultados mostraron que el teletrabajo puede no ser beneficioso en algunos contextos e incluso reducir el desempeño del empleado, dependiendo principalmente del ambiente de trabajo en el hogar y de la naturaleza de la tarea realizada. Los hallazgos mostraron una serie de factores que afectan el desempeño en el teletrabajo, colaborando así con futuras evaluaciones sobre la aplicabilidad y efectividad de este régimen en el Serpro y otras empresas.

Palabras clave
desempeño; trabajadores; teletrabajo; COVID19; Serpro.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o debate sobre eficiência e desempenho na administração pública tomou visibilidade com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995), que enfatizou a necessidade de diminuir custos e aumentar a agilidade dos serviços, o que incentivou o maior uso da tecnologia da informação e abriu espaço para formas mais flexíveis de trabalho. A primeira empresa pública a adotar o teletrabalho no Brasil foi o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), por meio de um projeto-piloto com dezoito funcionários, realizado em 2005 (Filardi, Castro, & Zanine, 2020).

Com cerca de 8.000 funcionários e menos de 3% deles em teletrabalho (Serpro, 2021), a empresa teve de repensar esse percentual como reação à pandemia de Covid-19 e, em março de 2020, determinou que todos os funcionários passassem a trabalhar em regime home office como forma de prevenção ao contágio durante o surto da doença.

Esse cenário de implantação urgente do teletrabalho impôs a trabalhadores e gestores o desafio adicional de manter o compromisso com as entregas e com bons resultados das demandas organizacionais. Cabe ressaltar que, obter bons resultados no setor público, ambiência deste estudo, significa atender a demandas no prazo, o que depende do desempenho individual, bem como contribuir para alinhar as expectativas da sociedade em relação à qualidade dos serviços prestados (Bezerra et al., 2017).

A relação entre teletrabalho e desempenho individual tem sido tema de crescente interesse nas últimas pesquisas, especialmente após a pandemia de Covid-19. Estudos recentes abordam como o teletrabalho impacta o bem-estar e a produtividade dos funcionários. Por exemplo, um estudo de 2023 revelou que fatores como a intensidade do teletrabalho e a preferência dos empregados por esse modelo de trabalho afetam positivamente o bem-estar, o que, por sua vez, pode influenciar o desempenho individual (Urien, 2023). Outros estudos mostraram que o trabalho remoto pode resultar em maior satisfação e motivação, especialmente quando os trabalhadores percebem suas condições de teletrabalho como favoráveis (Anakpo, Nqwayibana & Mishi, 2023). No entanto, também existem estudos que apontam desafios no teletrabalho, como aumento do estresse e da carga de trabalho, que podem diminuir a produtividade de alguns indivíduos (Anakpo, Nqwayibana & Mishi, 2023).

Esses resultados demonstram que a relação entre teletrabalho e desempenho individual é multifacetada e depende de diversos fatores contextuais e individuais. A escassez de estudos conceituais sobre essa relação, focando em como as variáveis influenciam o desempenho em vez de avaliar diretamente a produtividade, ainda é um ponto relevante na literatura. Este estudo tem como objetivo identificar, a partir da percepção dos funcionários do Serpro, os fatores que impactaram o desempenho do trabalho em regime de teletrabalho (home office) durante o surto da Covid-19.

Com vistas a cumprir o objetivo da pesquisa, além de revisão de literatura e pesquisa documental, realizou-se um estudo no Serpro, com o intuito de aprofundar o fenômeno estudado e provocar reflexões acerca da viabilidade do teletrabalho considerando diferentes contextos dos participantes da pesquisa, o que serviu de insumo para decisões futuras sobre sua manutenção e expansão no Serpro e em outros órgãos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Desempenho individual no trabalho

Segundo Bendassolli (2012), o desempenho possui relevância prática e acadêmica: no contexto organizacional, está ligado à geração de valor; já na perspectiva acadêmica, abrange dimensões psicossociais individuais, interpessoais e situacionais. No entanto, a literatura científica historicamente priorizou a dimensão avaliativa do desempenho e suas métricas, e negligenciou uma definição conceitual mais ampla. Essa lacuna destaca a necessidade, especialmente na literatura brasileira, de pesquisas que aprofundem o desempenho como um construto substantivo.

É importante trazer três grandes perspectivas conceituais sobre o desempenho no trabalho apresentadas por Sonnentag e Frese (2002): perspectiva individual, perspectiva situacional ou contextual e perspectiva de regulação do desempenho (Tabela 1). Tais visões permitem avaliar o desempenho sob aspectos diversos, uma vez que não são exclusivas, mas complementares.

Tabela 1
Investigação de desempenho no trabalho

Teletrabalho e desempenho

O teletrabalho surgiu na década de 1970 durante a crise do petróleo, e visava reduzir o consumo de gasolina associado a congestionamentos e longos deslocamentos (Bailey & Kurland, 2002). Inicialmente, acreditava-se que os principais benefícios estavam relacionados ao transporte dos funcionários. No Brasil, o teletrabalho começou na iniciativa privada e, nos últimos dez anos, vem se expandindo para o setor público (Haubrich & Froehlich, 2020). A primeira adoção dessa prática no setor público ocorreu em 2006 pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

Apesar das vantagens do teletrabalho, ele traz desafios como menores oportunidades de crescimento profissional, aumento dos custos domésticos com energia, vulnerabilidade dos dados e isolamento social (Hau & Todecast, 2018). Para enfrentar esses problemas, é essencial que as lideranças adotem práticas adequadas ao trabalho remoto. Contreras, Baykal e Abid (2020) destacam que cabe aos gestores adaptar-se ao ambiente virtual para garantir um desempenho sustentável, de forma a criar um espaço produtivo e colaborativo, mesmo à distância. Nesse sentido, o conceito de e-Leadership é fundamental, e enfatiza o uso de tecnologias para motivar e orientar equipes remotamente, promovendo engajamento e produtividade.

Teletrabalho na pandemia

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a Covid-19 como uma pandemia, recomendando medidas preventivas urgentes para conter o vírus, que incluíam o teletrabalho como estratégia essencial (WHO, 2020). Diversas organizações adotaram essa prática em larga escala globalmente (Contreras, Baykal & Abid, 2020). Segundo Bouziri et al. (2020), mais de 3,4 bilhões de pessoas em 84 países ficaram em isolamento domiciliar, levando milhões a trabalhar remotamente. Os autores destacam a necessidade de avaliar os riscos e benefícios dessa transição abrupta, considerando as particularidades e desafios específicos desse contexto.

Durante a pandemia, o teletrabalho expôs muitos empregados à falta de um ambiente doméstico adequado, tanto em termos de ergonomia quanto de infraestrutura tecnológica. Com o fechamento das escolas, muitas famílias tiveram de conciliar o cuidado com os filhos e as atividades profissionais, aumentando os riscos de sobrecarga e ansiedade (Bouziri et al., 2020). Esse cenário de múltiplas responsabilidades e falta de estrutura amplificou os riscos psicossociais, e levou a quadros de estresse e desgaste mental.

Pires et al. (2021) apontam que o isolamento pode causar ansiedade, depressão, solidão e instabilidade emocional, agravadas pelo medo de contaminação. As empresas devem adotar estratégias contínuas para maximizar os benefícios do teletrabalho e mitigar seus impactos negativos. Isso inclui oferecer suporte psicológico, criar canais de comunicação eficazes e disponibilizar espaços de escuta qualificada com profissionais capacitados para ajudar os empregados a enfrentar cenários de crise (Bouziri et al., 2020).

A fim de viabilizar o trabalho remoto, as empresas implementaram mudanças na segurança da informação, além de investir em equipamentos e ferramentas de comunicação remota. Os trabalhadores, por sua vez, tiveram de adquirir rapidamente habilidades nas novas tecnologias, além de se adaptarem a diferentes formas de comunicação em equipe e terem sua rotina pessoal entrelaçada com a profissional. O ambiente familiar passou a dividir o mesmo espaço com o trabalho, atividades escolares, domésticas e de lazer (Losekann & Mourão, 2020).

MÉTODO

A pesquisa adotou um viés explicativo para identificar e justificar fatores que impactaram o desempenho no teletrabalho dos funcionários do Serpro durante a pandemia. Também tem caráter descritivo, por apresentar características teóricas de estudos anteriores (Vergara, 2016). Combinando abordagens quantitativas e qualitativas, a avaliação do desempenho baseou-se na autopercepção dos colaboradores sobre sua produtividade, em vez de usar apenas indicadores específicos.

Etapa quantitativa

Esta pesquisa adota uma abordagem quantitativa, utilizando técnicas estatísticas como a Análise Fatorial Exploratória (AFE) e a Análise de Cluster para simplificar a análise do questionário online. A AFE reduz a quantidade de variáveis observadas em fatores correlacionados, enquanto a Análise de Cluster agrupa respostas em grupos homogêneos, facilitando a identificação de padrões (Malhotra, 2001). O questionário, composto por 25 afirmativas e uma escala Likert de cinco pontos, foi aplicado por meio de Formulários Google entre agosto e setembro de 2021.

As questões foram oriundas de estudos relacionados e foram validadas em um pré-teste com treze participantes. A técnica de AFE busca agrupar variáveis correlacionadas, enquanto a Análise de Cluster segmenta os respondentes em grupos com características semelhantes, o que permite uma compreensão mais detalhada dos fatores que impactam o desempenho no teletrabalho, como bem-estar, distância e infraestrutura. A análise foi realizada com o apoio dos softwares SPSS (v25), Google Sheets e Excel.

Etapa qualitativa

Este estudo adota também uma abordagem qualitativa, com entrevistas semiestruturadas para entender as percepções comportamentais e emocionais dos funcionários do Serpro sobre o teletrabalho durante o surto de Covid-19. A análise dos dados foi feita por meio de transcrições, considerando contextos e repetições das falas, a fim de aprofundar a compreensão do fenômeno. O estudo focou nos funcionários da regional de Fortaleza, devido à proximidade e acessibilidade do fenômeno (Vergara, 2016), sendo quinhentos funcionários considerados para a pesquisa. A coleta de dados incluiu pesquisa documental, questionário online e entrevistas.

Na etapa qualitativa, utilizou-se a Análise de Conteúdo (Bardin, 1977), que envolve leitura flutuante, organização do material, codificação e interpretação dos resultados. Os softwares Atlas.ti (v9) e Web Captioner foram usados para apoiar a transcrição e análise do material. A análise qualitativa proporcionou insights mais profundos sobre os sentidos e relações expressos nas entrevistas.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas compostas por nove itens (funcionários sem cargo de chefia) ou dez itens (funcionários com cargo de chefia), por encontros virtuais viabilizados pela ferramenta Google Meet. Antes da aplicação, o roteiro de entrevista passou ainda por uma fase de pré-teste, sendo revisado por seis funcionários do Serpro, a partir da qual foram realizados alguns ajustes até a versão final. Para a elaboração das perguntas, o roteiro de entrevista semiestruturada considerou os aspectos elencados na Tabela 2. Todas as entrevistas foram gravadas com a anuência prévia dos entrevistados, os quais assinaram, para tal, o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. A utilização de um método qualitativo é justificada porque permite capturar nuances, significados e contextos que não podem ser facilmente quantificados, e fornece uma compreensão mais rica e detalhada das experiências dos funcionários.

Tabela 2
Aspectos-base do roteiro de entrevista

RESULTADOS

Análise de resultados quantitativos

Os resultados obtidos por meio do questionário online com os 162 participantes apresentaram amostra composta por 102 pessoas do sexo masculino (63,0%) e 60 do sexo feminino (37,0%). A verificação preliminar dos dados não identificou nenhum valor omisso (missing value). No que concerne ao tempo de empresa, predominaram os períodos: (a) entre 6 e 15 anos (79 respondentes, 48,8%); e (b) acima de 25 anos de empresa (44 respondentes, 27,2%). Quanto ao nível de formação concluído, a maior parte dos funcionários afirmou ter especialização lato sensu (71 respondentes, 43,8%).

Quanto à distância, pouco mais da metade dos funcionários declarou gastar somente até 15 minutos para chegar à empresa (55,6%). No que concerne ao ambiente de trabalho, 80,2% dos respondentes consideram que têm um ambiente adequado ao teletrabalho. A maioria dos respondentes (96,9%) declarou que não estava em regime de teletrabalho antes da pandemia. Quanto às variáveis diretamente ligadas à pandemia, a pesquisa apontou que 35,8% dos respondentes são do grupo de risco para Covid-19, e 45,1% declararam morar com pessoas do grupo de risco. São considerados grupo de risco para agravamento da Covid-19 os portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica; e indivíduos fumantes, acima de 60 anos, gestantes, puérperas e crianças menores de 5 anos.

Análise fatorial exploratória

Foi realizada a Análise Fatorial Exploratória (AFE) com os dados da pesquisa. Utilizando-se o método de análise dos componentes principais por meio da rotação ortogonal Varimax e o critério de autovalores (eigenvalues) superiores a 1 (Corrar et al., 2011), foram obtidos três fatores que explicaram 71,81% da variância total. O teste de rotação ortogonal Varimax indicou que não há correlação significativa entre os fatores obtidos, evidenciando sua independência. A estatística de confiabilidade do alfa de Cronbach revelou a necessidade de retirar treze variáveis, uma vez que tais dados apresentaram índice de confiabilidade inferior a 0,7 (Hair et al., 2009). Como a análise fatorial era exploratória, não havia uma expectativa pré-definida sobre o número de fatores a serem gerados, sendo os fatores identificados resultantes exclusivamente dos dados analisados.

O índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) alcançou o valor de 0,868, considerado bom para aplicação da AFE, e o teste de esfericidade de Bartlett também apresentou significância satisfatória (p < 0,001), o que agrupou as questões em três fatores. Essa quantidade foi ratificada por meio do gráfico Scree Plot, o qual apontou também somente três fatores com autovalores superiores a 1. A confiabilidade dos construtos atestada pelo alfa de Cronbach atingiu valores satisfatórios, e apresentou índice de 0,893 para o construto bem-estar, 0,899 para o construto distância e 0,767 para o construto infraestrutura (Corrar et al., 2011). Os construtos foram denominados de: Bem-estar (variáveis Q.1, Q.2, Q.3, Q.4, Q.24 e Q.25); Distância, (variáveis Q.6, Q.7, Q.8, Q.11 e Q.12); e Infraestrutura (variáveis Q.16 e Q.17) (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores de impacto do teletrabalho no desempenho

O exame da Tabela 3 permite constatar que todas as variáveis alcançaram cargas fatoriais satisfatórias, acima de 0,5 (Corrar et al., 2011). Observa-se que o construto Bem-estar é o mais importante da análise visto que corresponde a 29,35% da variância total. Esse construto é composto por variáveis que representam um sentimento de satisfação, que reflete um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal. O construto Distância apresenta-se como o segundo fator mais importante da análise (27,91% da variância total) e expressa o impacto de variáveis relacionadas à ausência física durante o regime de teletrabalho. O construto Infraestrutura correspondeu a 14,54% da variância total explicada e é composto por variáveis que refletem aspectos de suporte de hardware e software indispensáveis ao funcionamento e manutenção do teletrabalho.

O construto Bem-estar foi gerado a partir de variáveis com cargas fatoriais significativas voltadas para aspectos relacionados à qualidade de vida e satisfação no trabalho, as quais contemplam elementos como concentração, diminuição do estresse e equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Sonnentag e Frese (2002) abordam características do ambiente que podem estimular ou impactar o desempenho do trabalho. Esses autores chamam a atenção para o fato de que tais aspectos podem atuar como agentes positivos ou negativos; contudo, os resultados obtidos na AFE apontam esses elementos como pontos mais positivos do que negativos no contexto dos respondentes.

No que concerne ao construto Distância, as variáveis de maior relevância trataram do possível impacto da distância física no desempenho dos funcionários. Tais aspectos integram as características sociais do trabalho, tratadas por Morgeson e Humphrey (2006), as quais abordam a importância de observar a interdependência de tarefas na equipe e o suporte social, ou seja, o impacto da ausência de interações dentro da equipe e com outros times de trabalho. O construto Infraestrutura reflete a composição de variáveis relacionadas à estabilidade de serviços e ferramentas necessárias à execução do trabalho, aspecto também evidenciado no estudo de Losekann e Mourão (2020).

Análise de cluster

Com vistas a buscar similaridades entre as 162 observações (respostas) obtidas no questionário online, após a redução de variáveis com a rotação de Varimax, foi aplicada técnica de Análise de Cluster, a qual permite classificar objetos em grupos, os quais são formados por objetos relativamente semelhantes (Malhotra, 2001).

Considerou-se para a análise de conglomerados somente as variáveis integrantes dos fatores gerados após a rotação de Varimax e cujos índices de confiabilidade foram constatados na etapa de AFE exploratória, detalhada na seção anterior. Foi realizada uma análise preliminar dos dados, a fim de identificar a existência de possíveis valores omissos (missing values) ou discrepantes (outliers). Não foram identificados missing values na amostra. Contudo, foram observados sete outliers, que foram retirados do modelo. Desse modo, a amostra de cluster foi composta por 155 observações.

Foi realizada a técnica Two-step Cluster a fim de identificar se os dois grupos gerados eram satisfatórios. Tal técnica utilizou medida de distância euclidiana e forneceu Medida de Coesão e Separação de Silhueta acima de 0,5 para K=2, o que classificou com boa adequacidade o número de clusters encontrados. Foi aplicado o método de cluster não hierárquico K-means para alocar as observações e verificar a significância das variáveis para permitir a classificação efetiva dos grupos. Foram executadas dez iterações desse método e todas as variáveis tiveram significância p < 0,001.

A técnica K-means indicou a qual dos dois clusters (grupos) cada observação pertencia e, em seguida, foi realizada comparação de média dos grupos por meio de Análise de Variância Unidirecional (Anova One Way). O Grupo 1, composto por 34 respondentes, apresentou médias mais baixas nas questões relacionadas ao fator Bem-estar, indicando uma percepção menos positiva sobre a contribuição desse fator para o desempenho. Os valores das afirmativas do questionário para este construto variaram entre 2,29 (menor) e 3,41 (maior), sugerindo que o bem-estar teve um impacto limitado no desempenho desse grupo. Por outro lado, o Grupo 2, composto por 121 respondentes, apresentou médias mais altas nas questões relacionadas ao fator Bem-estar, o que indica uma percepção mais positiva sobre a contribuição desse fator para o desempenho. Os valores variaram entre 4,04 (menor) e 4,78 (maior), sugerindo que o bem-estar teve um impacto significativo e positivo no desempenho desse grupo.

Em relação ao fator Distância, os participantes do Grupo 1 apresentaram uma percepção mais neutra sobre o impacto da distância física no desempenho, com valores variando até 2,79, o que sugere que a distância não foi um fator significativo de prejuízo para esse grupo. Por sua vez, os participantes do Grupo 2 demonstraram uma percepção ainda menos negativa sobre o impacto da distância, com o maior valor registrado em 1,74, indicando que a distância física teve um impacto mínimo no desempenho desse grupo.

Em relação ao fator Infraestrutura, os dois grupos apresentaram médias baixas, o que indica poucos problemas com indisponibilidade de serviços tecnológicos. O Grupo 2 registrou média ainda mais baixa e uma variação maior, sugerindo que os participantes desse grupo enfrentaram menos problemas de infraestrutura em comparação com o Grupo 1. Isso indica que a infraestrutura impactou menos negativamente o desempenho dos participantes do Grupo 2.

Em ambos os grupos, a maioria dos participantes é do gênero masculino. Quanto à faixa etária, o Grupo 1 é composto por indivíduos mais velhos do que os do Grupo 2. Sobre os participantes que se identificaram como pertencentes ao grupo de risco, a proporção foi de 35% em ambos os grupos. Em relação aos respondentes que afirmaram residir com pessoas do grupo de risco, observou-se um percentual significativo em ambos os clusters: 44% no Grupo 1 e 45% no Grupo 2.

Foi possível evidenciar a distribuição percentual, por nível de concordância, das respostas dos grupos 1 e 2, referentes à afirmativa do desempenho em home office ser melhor que no trabalho presencial. O percentual de observações discordantes da afirmativa referente ao desempenho em home office ser melhor do que no trabalho presencial é maior no grupo 1 do que no grupo 2. Por essa razão, considerou-se relevante para a pesquisa identificar o percentual de observações discordantes do grupo 1 também por área funcional.

Evidenciou-se a distribuição percentual discordante do Grupo 1 para a mesma afirmativa, excluindo os setores que compõem a área-fim da empresa (DIDES/SUPDG e DIDES/ SUPDR), com o intuito de identificar em qual setor houve mais discordância sobre o desempenho em home office ser melhor do que no trabalho presencial. O setor DIRAD/SUPCS, que está relacionado a demandas de gestão de logística da empresa, foi o que registrou maior discordância quando desconsiderados os setores de área-fim.

O processo de cruzamento de dados evidenciou ainda o percentual por nível de concordância dos empregados satisfeitos com o desempenho no trabalho estando em home office. Foi possível observar um percentual maior de satisfação com o desempenho em home office no Grupo 2, com quase 80% de concordância. A satisfação com o desempenho em teletrabalho é menor em áreas diferentes da área-fim da empresa. Tal conclusão converge com o resultado obtido acerca da afirmativa sobre o desempenho ser melhor em home office do que no trabalho presencial, na qual também houve maior discordância no Grupo 1. Ao excluir da análise a fatia correspondente à área-fim, a concentração de discordância ficou também no setor de logística (DIRAD/SUPCS). Tais resultados refletem o impacto da natureza da tarefa no desempenho em teletrabalho, aspecto defendido por Coelho Jr. (2011).

Análise de resultados qualitativos

O grupo de sujeitos selecionados, composto por dezessete funcionários, conteve praticamente a mesma quantidade de homens e mulheres, sendo que esse segundo gênero obteve leve vantagem percentual, ficando com 52,94%.

A maior parte dos entrevistados tem faixa etária entre 38 e 47 anos, compreendendo 58,82% do total, seguido de pessoas com faixa etária superior a 47 anos, com 35,29%, e apenas um entrevistado com faixa etária entre 28 e 37 anos. No que se refere a estudos, somente 17,64% dos entrevistados declarou estar cursando pós-graduação. Quanto à distância da empresa, pouco mais da metade dos entrevistados afirmou morar próximo do trabalho (58,28%), percentual semelhante ao daqueles que declararam ter crianças em casa, 52,94%. Sobre integrar o grupo de risco para Covid-19 ou morar com pessoas desse grupo, 64,70% dos entrevistados afirmaram estar nessa condição. Ocupam cargo de chefia 41,17% dos entrevistados e 100% dos participantes nunca estiveram em teletrabalho antes da pandemia.

O processo de codificação e categorização dos dados inerentes à análise de conteúdo (Bardin, 1977) resultou em três categorias finais: perspectiva situacional, perspectiva organizacional e perspectiva profissional. Segundo Sonnentag e Frese (2002), a Perspectiva Situacional é uma das visões sobre as quais o desempenho no trabalho deve ser analisado. Assim, as categorias intermediárias obtidas na análise dos dados e associadas ao cenário externo foram vinculadas à categoria final, Perspectiva Situacional, sendo essa dimensão dividida em quatro categorias intermediárias, a saber: Fusão trabalho e vida pessoal, Ambiente adequado, Aspectos emocionais e Qualidade de vida.

A categoria intermediária “Fusão trabalho e vida pessoal” reflete os aspectos relacionados às dificuldades dos funcionários em tentar se adequar ao momento de isolamento em casa junto à família, com as atividades de trabalho. Segundo os entrevistados, esse conflito de papéis é realidade não somente para quem tem filhos pequenos, mas também para quem mora com a família e tem outras responsabilidades em casa, e promove uma perda de foco. O acesso à rede da empresa está disponível por mais tempo, e muitas vezes faz com que os funcionários trabalhem fora do expediente sem sequer perceber, fazendo tarefas simples, como acessar e-mails de trabalho.

A categoria intermediária “Ambiente adequado” traz aspectos relacionados à preparação necessária para viabilizar o teletrabalho durante a pandemia. Um dos grandes problemas relatados pelos entrevistados nesse sentido foi a questão de espaço. Organizar e separar os membros da família e os equipamentos necessários ao teletrabalho ou aulas online foi bastante estressante para muitos funcionários. Além do aspecto espaço, as ferramentas de trabalho e a infraestrutura também geraram complicações e, para alguns, muitos gastos. Quanto às ferramentas de trabalho, especialmente as utilizadas para comunicação, alguns entrevistados de áreas diferentes das de tecnologia na empresa relataram dificuldades.

Ter um espaço dedicado para realizar tarefas de trabalho seria o melhor ambiente para o teletrabalho sem distrações. Assim, os trabalhadores remotos que implementaram estratégias para segmentar trabalho e família foram relatados como tendo a menor incidência de conflito trabalho-família (Bezovski, Temjanovski & Sofijanova, 2021).

Aparece alguma outra coisa para fazer, entendeu? Aí você se levanta e vai, fica quebrando a atividade do trabalho. No presencial, o foco é o trabalho. Antes, 6 horas da noite, eu estava vendo coisa particular. Hoje, 9 horas da noite, navegando na internet, eu acabo entrando no e-mail da empresa para ver se chegou alguma coisa. Acabo misturando as coisas (entrevistado E5).

As respostas intraorganizacionais ao Covid-19, inclusive no nível de equipe e gerencial, afetaram a produtividade dos funcionários no setor público (Ha, Raghavan, & Demircioglu, 2022). Os gerentes devem poder sugerir configurações para teletrabalho a partir de casa, e a empresa deve fornecer equipamentos. A combinação de um home office agradável e ergonômico garante um ambiente de trabalho saudável (Bezovski, Temjanovski, & Sofijanova, 2021).

A gente teve de se reorganizar lá em casa até descobrir como ficava melhor. Acabou que eu fiquei na sala, meu esposo no quarto e meus filhos. Eu tive que comprar um notebook para eu conseguir trabalhar, além de cadeiras adequadas para os meus filhos terem aulas online (entrevistado E4).

Quanto à categoria intermediária “Aspectos emocionais”, são abordados os sentimentos trazidos pelo surto da pandemia. Muitos entrevistados relataram medo constante de se infectar, angústia de ter amigos e parentes adoentados, além da sensação de solidão devido à falta de interações com os colegas e alguns familiares. A assistência da empresa, disponibilizando escuta qualificada de profissionais da área de saúde, como assistentes sociais e médicos, foi fundamental.

Mäkiniemi, Oksanen e Mäkikangas (2021) indicaram que o suporte organizacional percebido estava direta e negativamente associado à exaustão e ao estresse e o suporte organizacional também moderou a relação solidão-estresse. Esses resultados também ampliam a compreensão e conceituação das demandas pessoais e sugerem que a solidão pode ser tratada como uma demanda pessoal. O apoio dos pares tem influência positiva na psicologia dos funcionários, e pode ter sido como um fator que afetou o desempenho dos trabalhadores (Mousa & Abdelgaffar, 2021).

Havia um forte abalo emocional porque a Covid-19 estava muito atrelada à letalidade, então o atendimento que eu fazia era tentar mostrar a importância de a pessoa ter tranquilidade dentro do máximo possível. (...). Muitas pessoas não me procuravam diretamente pela questão emocional, mas, sim, porque precisam solicitar a cadeira, então encaminhavam para a gente avaliar a saúde como um todo. E eu dei graças a Deus que essas pessoas passavam pela gente, pois na hora de pedir a cadeira, elas acabavam desabafando a questão emocional também e a gente acabava ajudando (entrevistado E4).

A categoria intermediária “Qualidade de vida” aborda as vantagens mais citadas pelos entrevistados acerca do teletrabalho durante a pandemia. Aspectos relacionados à flexibilidade de horário, à economia de tempo e de dinheiro e com estar com a família foram predominantes. O tempo gasto no trânsito passou a ser otimizado, dividido entre maior produtividade no trabalho e questões pessoais, como estar com a família. A economia financeira é notória para aqueles que não moram perto da empresa. Outros aspectos citados foi a melhora da alimentação, a diminuição do estresse e o aumento da produtividade, uma vez que há menos interrupções inerentes do ambiente de trabalho na empresa.

Uma das vantagens do teletrabalho é que ele oferece aos teletrabalhadores a flexibilidade de usar seu tempo e energia com mais eficiência, ajustar prioridades e se envolver em vários papéis sociais. Isso também promove economia, mesmo que pequena, em termos financeiros, pois os trabalhadores não precisam mais se deslocar até a empresa (Novianti & Roz, 2020).

Para mim melhorou do ponto do controle das interrupções. Eu controle melhor o momento de dar um retorno quando me chamam. Na empresa eu mal conseguia me concentrar, o povo me chamando direto para tirar alguma dúvida, pedir alguma orientação. Em casa eu rendo muito mais (entrevistado E6).

Pérez, Sanchez e Carnicer (2002) afirmam que a modalidade de teletrabalho exige maior preparo e supervisão da gerência para acompanhar as tarefas à distância. Tal afirmação abrange a importância de haver diretrizes claras da organização para viabilizar o teletrabalho. Essa necessidade foi observada ao longo do processo de categorização que gerou as seguintes categorias intermediárias: “Diretrizes de controle de expediente”, “Diretrizes de comunicação” e “Diretrizes de gestão de tarefas”.

A categoria “Diretrizes de controle de expediente” reflete a necessidade de deixar claro para os funcionários como lidar com o tempo de expediente durante o teletrabalho. Segundo a maioria dos entrevistados, estando em casa, perde-se a noção do tempo, sendo comum trabalhar muito mais ou até menos. Ainda que se trate de um período de exceção, os funcionários explicam que deve haver orientações mínimas para organizar melhor o tempo de trabalho, não no sentido de um controle rígido, mas com o objetivo de colocar limites salutares que tornem o teletrabalho sustentável.

O teletrabalho é mais flexível do que ter de ir trabalhar pessoalmente na empresa. Isso é considerado positivo pelos trabalhadores do setor público e tem impacto no equilíbrio da carga de trabalho (Novianti & Roz, 2020). Mousa e Abdelgaffar (2021) determinam que o teletrabalho tem um efeito positivo na redução do burnout porque os funcionários têm maior controle sobre como realizam seu trabalho e alcançam um melhor equilíbrio entre trabalho e responsabilidades pessoais.

Quando você está na empresa, você vai percebendo o pessoal indo pra casa, vai ficando vazio, vão desligando o ar-condicionado, aí você se liga que é hora de ir embora. Em casa é tudo indefinido. Difícil se desligar. (entrevistado E14).

A categoria intermediária classificada como “Diretrizes de comunicação” aborda aspectos que vão desde a interação com a organização até a relação com a chefia, com o time de trabalho e com outras equipes. Tal diretriz é composta por aspectos que oscilaram entre positivos e negativos, a depender da realidade de cada entrevistado. Quanto à comunicação em setores diferentes das áreas-fim da empresa, houve mais relatos de dificuldade em relação às interações remotas. Funcionários da área de gestão de pessoas citaram a falta de preparo para lidar com tantas ferramentas online, o que assustou e atrapalhou a fluidez de comunicação nos primeiros meses. Outros setores também mencionaram ser mais moroso tomar decisões importantes de forma remota, especialmente na área de logística, em que o feedback presencial é fundamental.

Os benefícios do teletrabalho, em termos de flexibilidade, maior controle sobre as funções do trabalho e redução da intenção de rotatividade entre os teletrabalhadores do setor público, podem ser prejudicados pelo impacto negativo do isolamento profissional e menor comprometimento organizacional. Outros desafios para os teletrabalhadores incluem relações interpessoais reduzidas, menos visibilidade para os gerentes garantirem o avanço na carreira e um menor sentimento de pertencimento (Mousa & Abdelgaffar, 2021).

Está mais fácil desabafar problemas de trabalho com meu chefe. No remoto ele está online o dia todo, então facilitou nesse sentido. Mas eu sinto falta de uma comunicação entre as áreas, aquelas reuniões com várias equipes do setor juntas como a gente tinha antigamente (entrevistado E9).

A categoria intermediária classificada como “Diretrizes de gestão de tarefas” levanta aspectos referentes ao acompanhamento das equipes de trabalho de forma remota. Os pontos mais citados pelos entrevistados estão relacionados ao acompanhamento de equipes, de tarefas e ao excesso de reuniões. Alguns entrevistados relataram que não houve definições sobre como as chefias deveriam acompanhar suas equipes. A implantação do teletrabalho promoveu um aumento do nível de controle gerencial, em que, por vezes, empregavam práticas incômodas e intrusivas que limitam a autonomia dos funcionários, o que promoveu burnout (Maillot, Meyer, Prunier-Poulmaire, & Vayre, 2022).

Excesso de reuniões. Muitas mesmo! Algumas são necessárias, mas outras levam o tempo que a gente precisa para render. Era para ter uma sistematização, um controle que limitasse a quantidade de reuniões (entrevistado E14).

Sonnentag e Frese (2002) classificam como “Perspectiva individual” a visão que aborda o desempenho individual sob a égide pessoal, abrangendo fatores como habilidades técnicas e comportamentais que podem influenciar a produtividade do empregado. Observou-se que outros elementos podem estar diretamente vinculados aos aspectos comportamentais, os quais dizem respeito à natureza das tarefas executadas. Assim, a “Perspectiva profissional” foi subdividida nas categorias intermediárias “Aspectos comportamentais” e “Natureza da tarefa”.

A categoria intermediária classificada como “Aspectos comportamentais” reflete características dos funcionários bastante citadas nas entrevistas, as quais foram importantes no processo de mudança para o teletrabalho. Os funcionários com maior capacidade de adaptação e concentração, bem como com perfil de trabalho mais independente e organizado, relataram sentir menos dificuldade nesse período de transição. Por outro lado, alguns entrevistados citaram excesso de autocobrança por trabalharem de casa, como se tivessem de mostrar rendimento além do necessário. Também foi citada a questão de resistência à mudança diante do desafio de ter de trabalhar com ferramentas diferentes das quais estavam acostumados.

Os resultados do estudo de Ha, Raghavan e Demircioglu (2022) sugerem que a adaptação da equipe, o esforço da equipe e a adaptação organizacional estão positivamente associados à produtividade dos funcionários, enquanto o suporte gerencial e a proatividade estão negativamente associados à produtividade dos funcionários. Embora o esforço da equipe tenha aumentado significativamente, a produtividade percebida dos funcionários e a proatividade da organização em manter novos métodos de trabalho gerou um impacto negativo na produtividade.

Eu tenho muita facilidade de não perder a linha de raciocínio. Eu estou aqui, para fazer outras coisas, mas consigo voltar e seguir minha linha de raciocínio de onde parei. Isso me ajuda a lidar melhor com as interrupções. E eu também não preciso de alguém no meu pé para fazer as coisas. Eu vou atrás e faço. Sou muito independente (entrevistado E3).

O processo de categorização e análise das entrevistas semiestruturadas evidenciou vários aspectos de interseção com os conceitos teóricos abordados nesta pesquisa, os quais podem impactar no desempenho, como também revelou contextos diferentes das visões já discutidas (Tabela 4). Sob o prisma da “Perspectiva situacional”, o contexto do home office impactou na rotina dos funcionários principalmente no aspecto fusão entre trabalho e vida pessoal. A maioria dos entrevistados afirmou que tal mudança afetou a qualidade de vida, mas não chegou a comprometer o desempenho. Contudo, alguns entrevistados relataram que o choque entre responsabilidade do trabalho e de casa diminuiu o desempenho devido a ser difícil manter o foco profissional.

Tabela 4
Categoria x Visão norteadora

Diferente do que se possa deduzir a priori, os empregados que afirmaram ter sentido tal impacto não tinham filhos e eram solteiros. Entretanto, assumiam tarefas constantes em casa. Outros aspectos destacados pelos empregados na perspectiva situacional tratam de alguns entraves com os equipamentos de trabalho, como computadores e cadeiras os quais tiveram de ser comprados pelos empregados, em alguns casos por problemas de comunicação com a empresa para aquisição.

Na “Perspectiva situacional”, outros dois aspectos foram bastante mencionados nas entrevistas: aspecto emocional e qualidade de vida. Com relação ao primeiro, vários funcionários relataram sentimento de medo, angústia, ansiedade e descontentamento em não poder interagir com os colegas de trabalho, cenário decorrente do surto de Covid-19. Quanto à “Perspectiva organizacional”, ecoou nas entrevistas a dificuldade dos funcionários em definir o tempo de expediente e em conseguir se desligar da estação de trabalho instalada. Alguns externaram a necessidade de a empresa dar orientações mínimas sobre expediente, especialmente no caso de quem acaba ultrapassando a carga horária diária.

A “Perspectiva profissional” pôs em evidência habilidades comportamentais que auxiliaram bastante os empregados em teletrabalho. Qualidades como organização, autonomia, independência em buscar novas tarefas e facilidade de concentração foram diferenciais para manter e até aumentar o desempenho no trabalho. Por outro lado, entrevistados com perfil resistente a mudanças disseram terem sofrido até se adaptarem ao home office e toda a adaptação que ele representou.

CONCLUSÕES

Entende-se que o objetivo principal deste trabalho - identificar os fatores que impactaram no desempenho dos trabalhadores do Serpro, em teletrabalho, devido ao surto da Covid-19 - foi alcançado por meio de duas etapas. A primeira, com a obtenção de fatores com índices satisfatórios, os quais foram constituídos a partir de AFE, e geraram três construtos: Bem-estar, Distância e Infraestrutura. A segunda etapa, por sua vez, abordou dimensões sob a égide subjetiva pela análise categorial temática, em que foram obtidas três dimensões abrangendo os aspectos mais relevantes para o escopo da pesquisa: perspectiva situacional, perspectiva organizacional e perspectiva profissional.

A principal contribuição deste trabalho no âmbito acadêmico reside em aprofundar os estudos sobre o desempenho no trabalho sob o prisma de um construto em si - e não somente como um indicador vinculado a avaliações de desempenho - bem como intensificar a análise da relação teletrabalho e desempenho, evidenciando também elementos que tenham afetado essa relação diante de fator agravante, que é a pandemia de Covid-19.

Os resultados da pesquisa demonstraram que, apesar de o teletrabalho ser visto de maneira geral como uma modalidade de trabalho associada somente à qualidade de vida e melhora do desempenho, tal modelo pode não ser benéfico em alguns contextos e até diminuir o rendimento do funcionário, a depender principalmente do ambiente de trabalho em casa e da natureza da tarefa realizada.

Complementam ainda a relevância desta pesquisa os achados referentes à necessidade de definição de diretrizes mínimas de gestão e comunicação, de forma a viabilizar a fluidez do trabalho remoto. Cabe ressaltar que as maiores dificuldades de comunicação levantadas nesta pesquisa se concentraram nos setores da empresa que não integram a área-fim de tecnologia, o que convoca as organizações a fazerem um acompanhamento mais intenso sobre as dificuldades enfrentadas nesses setores.

Como limitações deste estudo, salienta-se o número de respondentes do questionário online, o qual, ainda que representativo, deve ser ampliado para que se obtenha uma amostra mais abrangente. Outra limitação refere-se ao fato de o construto Infraestrutura ser mensurado apenas por duas variáveis (Q.16 e Q.17), o que compromete a relação entre construto e indicador, embora o alfa de Cronbach tenha sido satisfatório. Além disso, 48% das perguntas do questionário foram descartadas, o que limitou a abrangência dos dados e pode ter impactado os resultados.

Sugere-se a realização de pesquisas futuras com vistas a investigar maiores especificidades dos setores de empresas de tecnologia que não integram a área-fim, as quais evidenciem possíveis deficiências de gestão e comunicação que possam inviabilizar o desempenho em home office nesses setores. Indica-se ampliar o lócus de pesquisa para além de organizações na área de tecnologia, de modo a identificar novos construtos que possam impactar no desempenho em condições de teletrabalho.

O estudo oferece contribuições teórico-conceituais ao ampliar a compreensão sobre os fatores que influenciam o desempenho no teletrabalho, como Bem-estar, Infraestrutura e Distância, e ao demonstrar, por meio da análise de clusters, que diferentes perfis de funcionários vivenciam o teletrabalho de formas distintas. Em termos técnico-pragmáticos, fornece insights para o desenvolvimento de políticas organizacionais mais eficazes, melhorias na infraestrutura tecnológica, programas de apoio ao bem-estar dos colaboradores e estratégias de gestão que minimizem os impactos da distância física, preparando as organizações para futuras implementações de teletrabalho.

  • O relatório de revisão por pares está disponível neste link
  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

REFERÊNCIAS

  • Anakpo, G., Nqwayibana, Z., & Mishi, S. (2023). The impact of work-from-home on employee performance and productivity: a systematic review. Sustainability, 15(5), 4529. https://doi.org/10.3390/su15054529
    » https://doi.org/10.3390/su15054529
  • Bailey, D. E., & Kurland, N. B. (2002). A review of telework research: Findings, new directions, and lessons for the study of modern work. Journal of Organizational Behavior: The International Journal of Industrial, Occupational and Organizational Psychology and Behavior, 23(4), 383-400. https://doi.org/10.1002/job.144
    » https://doi.org/10.1002/job.144
  • Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo Edições 70, 229.
  • Bezerra, L., Gomes, M. B., Junior, L. P. P., & Tractenberg, L. E. F. (2017). Avaliação e gestão de desempenho no setor público: uma análise do manual de orientação. Revista Brasileira de Administração Científica, 8(2), 147-158. https://doi.org/10.6008/SPC2179684X.2017.002.0011
    » https://doi.org/10.6008/SPC2179684X.2017.002.0011
  • Bezovski, Z., Temjanovski, R., & Sofijanova, E. (2021). Telecommuting Best Practices Prior and During the COVID-19 Pandemic. Journal of Economics, 6 https://doi.org/10.46763/JOE2160085b
    » https://doi.org/10.46763/JOE2160085b
  • Bouziri, H., Smith, D. R., Descatha, A., Dab, W., & Jean, K. (2020). Working from home in the time of COVID-19: how to best preserve occupational health?. Occupational and Environmental Medicine, 77(7). https://doi.org/10.1136/oemed-2020-106599
    » https://doi.org/10.1136/oemed-2020-106599
  • Brasil. (1995). Plano Diretor da Reforma do Estado Brasília, DF: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretorda-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretorda-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
  • Bendassolli, P. F. (2012). Desempenho no trabalho: Revisão da literatura. Psicologia Argumento, 30(68). https://doi.org/10.7213/rpa.v30i68.20471
    » https://doi.org/10.7213/rpa.v30i68.20471
  • Coelho Jr, F. A. (2011). Gestão do desempenho humano no trabalho: interfaces teóricas, etapas constitutivas e implicações práticas. III Encontro de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho João Pessoa(PB). https://arquivo.anpad.org.br/abrir_pdf.php?e=MTM5NDM=
    » https://arquivo.anpad.org.br/abrir_pdf.php?e=MTM5NDM
  • Contreras, F., Baykal, E., & Abid, G. (2020). E-leadership and teleworking in times of COVID-19 and beyond: What we know and where do we go. Frontiers in Psychology, 11 https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.590271
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.590271
  • Corrar, L., Paulo, E., Dias Filho, J. M., & Rodrigues, A. (2011). Análise multivariada para os cursos de administração, ciências contábeis e economia Atlas.
  • Filardi, F., Castro, R. M. P., & Zanini, M. T. F. (2020). Vantagens e desvantagens do teletrabalho na administração pública: análise das experiências do Serpro e da Receita Federal. Cadernos Ebape, 18(1). https://doi.org/10.1590/1679-395174605
    » https://doi.org/10.1590/1679-395174605
  • Ha, H., Raghavan, A., & Demircioglu, M. A. (2022). COVID-19 and employee productivity in the public sector. Asia Pacific Journal of Public Administration, 46(3), 1-24. https://doi.org/10.1080/23276665.2022.2104737
    » https://doi.org/10.1080/23276665.2022.2104737
  • Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados Bookman editora.
  • Haubrich, D. B., & Froehlich, C. (2020). Benefícios e desafios do home office em empresas de tecnologia da informação. Revista Gestão & Conexões, 9(1). https://doi.org/10.13071/regec.2317-5087.2020.9.1.27901.167-184
    » https://doi.org/10.13071/regec.2317-5087.2020.9.1.27901.167-184
  • Hau, F., & Todescat, M. (2018). O teletrabalho na percepção dos teletrabalhadores e seus gestores: vantagens e desvantagens em um estudo de caso. Navus: Revista de Gestão e Tecnologia, 8(3). https://doi.org/10.22279/navus.2018.v8n3.p37-52.601
    » https://doi.org/10.22279/navus.2018.v8n3.p37-52.601
  • Losekann, R. G. C. B., & Mourão, H. C. (2020). Desafios do teletrabalho na pandemia Covid-19: quando o home vira office. Caderno de Administração, 28 https://doi.org/10.4025/cadadm.v28i0.53637
    » https://doi.org/10.4025/cadadm.v28i0.53637
  • Maillot, A. S., Meyer, T., Prunier-Poulmaire, S., & Vayre, E. (2022). A Qualitative and Longitudinal Study on the Impact of Telework in Times of COVID-19. Sustainability, 14(14). https://doi.org/10.3390/su14148731
    » https://doi.org/10.3390/su14148731
  • Mäkiniemi, J. P., Oksanen, A., & Mäkikangas, A. (2021). Loneliness and well-being during the COVID-19 pandemic: the moderating roles of personal, social and organizational resources on perceived stress and exhaustion among Finnish university employees. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(13). https://doi.org/10.3390/ijerph18137146
    » https://doi.org/10.3390/ijerph18137146
  • Malhotra, N. K. (2001). Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada Bookman.
  • Morgeson, F. P., & Humphrey, S. E. (2006). The Work Design Questionnaire (WDQ): developing and validating a comprehensive measure for assessing job design and the nature of work. Journal of Applied Psychology, 91(6). https://doi.org/10.1037/0021-9010.91.6.1321
    » https://doi.org/10.1037/0021-9010.91.6.1321
  • Mousa, M., & Abdelgaffar, H. A. (2021). Work from home in the public sector context post Covid-19: Challenges and barriers. Global Encyclopedia of Public Administration, Public Policy, and Governance https://doi.org/10.1007/978-3-319-31816-5_4343-1
    » https://doi.org/10.1007/978-3-319-31816-5_4343-1
  • Novianti, K. R., & Roz, K. (2020). Teleworking and Workload Balance on Job Satisfaction: Indonesian Public Sector Workers During Covid-19 Pandemic. Asia Pacific Management and Business Application, 9(1).
  • Pérez, M. P., Sánchez, A. M., & de Luis Carnicer, M. P. (2002). Benefits and barriers of telework: perception differences of human resources managers according to company’s operations strategy. Technovation, 22(12). https://doi.org/10.1016/S0166-4972(01)00069-4
    » https://doi.org/10.1016/S0166-4972(01)00069-4
  • Pires, M., Fonseca, C., João, R., & Santos, M. (2021). Covid-19, confinamento e teletrabalho: Estudo qualitativo do impacto e adaptação psicológica em dois estados de emergência. New Trends in Qualitative Research, 8 https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.26-34
    » https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.26-34
  • Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). (2021). Relatório de Gestão 2020 https://www.transparencia.serpro.gov.br/acesso-ainformacao/contas-anuais/2020/relatorio-gestaorelato-integrado-2020-1.pdf
    » https://www.transparencia.serpro.gov.br/acesso-ainformacao/contas-anuais/2020/relatorio-gestaorelato-integrado-2020-1.pdf
  • Sonnentag, S., & Frese, M. (2002). Performance concepts and performance theory. Psychological Management of Individual Performance, 23(1). https://doi.org/10.1002/0470013419.ch1
    » https://doi.org/10.1002/0470013419.ch1
  • Urien, B. (2023). Teleworkability, preferences for telework, and well-being: a systematic review. Sustainability, 15(13), 10631. https://doi.org/10.3390/su151310631
    » https://doi.org/10.3390/su151310631
  • Vergara, S. C. (2016). Projetos e relatórios de pesquisa em Administração Atlas.
  • WHO - World Health Organization. (2020). Getting your workplace ready for COVID-19: how COVID-19 spreads, 19 March 2020.

Editado por

  • Editor Associado:
    Andrea Leite Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2024
  • Aceito
    10 Fev 2025
location_on
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo Cep: 01313-902, +55 (11) 3799-7898 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosgpc-redacao@fgv.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro