RESUMO
A digitalização dos serviços públicos representa uma estratégia para melhorar a eficiência da administração pública, embora sua implementação enfrente alguns desafios. A eclosão da pandemia da Covid-19 atuou como um catalisador para o avanço dessa digitalização, acelerando a adoção de tecnologias digitais em diversas esferas da administração pública. Este estudo analisa a literatura por meio de uma abordagem bibliométrica, examinando 71 artigos selecionados da Web of Science com o software VOSViewer. A análise revelou uma crescente integração de ferramentas digitais na formulação de políticas públicas e a adaptação organizacional em um ambiente digital. São temas centrais: transformação digital, inovação, tecnologia da informação, desempenho e governança digital. Autores como David J. Teece, European Commission e OECD são os mais citados nas discussões, o que reflete a importância dessas instituições e estudiosos no campo. Os resultados destacam o estado atual da literatura e apontam para direções futuras no campo da digitalização dos serviços públicos.
Palavras-chave:
análise bibliométrica; governança digital; inovação tecnológica; serviços públicos; transformação digital
ABSTRACT
The digitalisation of public services represents a strategy to improve the efficiency of public administration, although its implementation faces some challenges. The COVID-19 pandemic was a catalyst for the advancement of this digitalisation, accelerating the adoption of digital technologies across various spheres of public administration. This study conducts a bibliomentic analysis of the literature, examining 71 articles selected from the Web of Science database using VOSViewer software. The analysis revealed an increasing integration of digital tools in public policy formulation and organisational adaptation within a digital environment. Key themes include digital transformation, innovation, information technology, performance, and digital governance. Authors such as David J. Teece, the European Commission, and the OECD are among the most frequently cited, reflecting the importance of these institutions and scholars in the field. The findings provide an overview of the current literature and point towards future directions in the field of public service digitalisation.
Keywords:
bibliometric analysis; digital governance; technological innovation; public services; digital transformation
RESUMEN
La digitalización de los servicios públicos representa una estrategia para mejorar la eficiencia de la administración pública, aunque su implementación enfrenta algunos desafíos. El estallido de la pandemia de la COVID-19 actuó como un catalizador para el avance de esta digitalización, acelerando la adopción de tecnologías digitales en diversas áreas de la administración pública. Este estudio analiza la literatura a través de un enfoque bibliométrico, examinando 71 artículos seleccionados de la base de datos Web of Science con el software VOSViewer. El análisis reveló una creciente integración de herramientas digitales en la formulación de políticas públicas y la adaptación organizacional en un entorno digital. Los temas centrales incluyen la transformación digital, la innovación, la tecnología de la información, el rendimiento y la gobernanza digital. Autores como David J. Teece, la Comisión Europea y la OCDE son los más citados en las discusiones, reflejando la importancia de estas instituciones y académicos en el campo. Los resultados ofrecen una visión general del estado actual de la literatura y señalan posibles direcciones futuras en el ámbito de la digitalización de los servicios públicos.
Palabras clave
innovación tecnológica; servicios públicos; análisis bibliométrico; transformación digital; gobernanza digital
INTRODUÇÃO
O serviço público pode ser entendido como uma atividade voltada ao atendimento de necessidades coletivas, que pode ser prestada diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de entidades públicas ou privadas, conforme definido pela Constituição ou por lei (Harb, 2017; Prado et al., 2021). Um dos objetivos desses serviços é atender às necessidades sociais, promovendo o bem-estar da comunidade e garantindo direitos básicos, como educação, saúde, transporte, saneamento e segurança (Lima & Pereira, 2020).
As tecnologias digitais têm desempenhado um papel cada vez mais importante na transformação da maneira como os serviços públicos são prestados (Clarke, 2020; Mesquita, 2019; Nakamura, 2024; Reck & Hübner, 2021). Com o avanço das ferramentas digitais e a crescente conectividade, governos estão buscando se adaptar a essas mudanças, a fim de aprimorar a transparência e fornecer serviços de excelência aos seus cidadãos (Mesquita, 2019; Mergel, Edelmann, & Haug, 2019; Peixoto et al., 2021).
A digitalização dos serviços públicos representa um processo de transformação dos serviços governamentais tradicionais em formatos digitais (Reck & Hübner, 2021). Isso envolve a utilização de tecnologias e plataformas digitais para facilitar o acesso, a interação e a entrega de serviços aos cidadãos (Annarelli et al., 2021). Exemplos dessa transformação incluem a substituição de processos e documentos físicos por versões eletrônicas, a oferta de serviços online por meio de portais e aplicativos e a integração de sistemas de informação (Gonçalves & Maggion, 2022).
A digitalização surge como uma estratégia para aumentar a eficiência nas políticas públicas e na prestação de serviços (Reck & Hübner, 2021). A modernização da administração pública, por meio da transformação digital, visa simplificar processos, reduzir a burocracia, melhorar a comunicação com os cidadãos e oferecer serviços personalizados (Fadwa & Mohamed, 2023). Os governos têm adotado essa abordagem como parte de iniciativas integradas para responder de forma mais ágil às demandas da população (Gonçalves & Maggion, 2022).
Entretanto, a administração pública enfrenta muitos desafios para assegurar a eficácia e inclusão dos serviços digitais. Entre esses obstáculos, destaca-se a necessidade de garantir a acessibilidade digital para todos, incluindo aqueles com menos recursos ou com habilidades tecnológicas limitadas (Schiefler, Cristóvam, & Sousa, 2020). Além disso, a proteção da privacidade e a segurança dos dados são questões cruciais, uma vez que a crescente digitalização pode expor informações pessoais a riscos (Nakamura, 2024).
Nesse contexto, este estudo busca responder à seguinte questão: quais são as tendências e padrões de pesquisa sobre tecnologias digitais na transformação da prestação de serviços públicos online? O objetivo é investigar a produção científica sobre o tema por meio de uma abordagem bibliométrica, analisando as características dos estudos realizados.
Como metodologia, empregamos a Revisão Sistemática da Literatura (RSL), buscando uma visão abrangente da literatura existente sobre a digitalização dos serviços públicos e permitindo uma compreensão dos caminhos que essa transformação tem seguido. Utilizamos, para esse fim, a análise bibliométrica, que envolve a coleta e a interpretação de dados sobre publicações, autores, periódicos e palavras-chave, a fim de identificar tendências de pesquisa emergente (Rossetto et al., 2018).
A presente pesquisa se justifica pelo fato de que, apesar do crescimento das tecnologias digitais no setor público e de seu impacto em diversas áreas da sociedade, essa temática ainda é subexplorada no campo da administração pública (Clarke, 2020; Kuhlmann & Heuberger, 2023). Compreender as implicações da transformação digital nos serviços públicos não apenas possibilita a identificação de estratégias para a formulação de políticas públicas, mas também auxilia no processo de simplificação do acesso dos cidadãos a esses serviços (Reck & Hübner, 2021).
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo adota em sua metodologia a RSL, ao integrar análises quantitativas e qualitativas para proporcionar uma compreensão holística do tema abordado. A RSL se destaca por ser reprodutível e permitir que outros pesquisadores sigam o mesmo processo (Galvão & Ricarte, 2019). O método detalha as bases de dados, estratégias de busca e critérios de seleção dos artigos, e confere uma lógica rigorosa na escolha dos documentos que compõem a pesquisa (Galvão & Ricarte, 2019).
A RSL começou com a formulação da questão de pesquisa, que direcionou a investigação em periódicos e artigos para compor o estudo. Em seguida, foi definida a base de dados para a busca dos artigos. Optou-se pela utilização da Web of Science Collections, devido à sua qualidade de dados e seu rigoroso processo de indexação e revisão por pares, o que assegurou a inclusão apenas de publicações científicas de elevado padrão (Sousa, Batista, & Helal, 2022) fortalecendo a credibilidade do estudo. A base oferece recursos avançados, como filtros, geração de gráficos e relatórios bibliométricos, que facilitaram a análise da produção científica sobre o tema.
Após a escolha da base de dados, definimos palavras-chave alinhadas ao problema de pesquisa e objetivo do estudo. As palavras-chave selecionadas foram: “serviço público online”, “tecnologia digital” e “transformação digital”. Considerando o uso de uma base de dados internacional, traduzimos esses termos para o inglês, resultando em: “online public service”, “digital technologies” e “digital transformation”.
Na etapa de busca, utilizamos os conectivos booleanos “and” e “or” para combinar as palavras-chave. A expressão de busca foi: “online public service” and “digital technology*” or “digital transformation”. As palavras-chave foram colocadas entre parênteses para serem tratadas como um conjunto, e o asterisco em “digital technology” garantiu a inclusão das formas singular e plural. Todos os termos foram pesquisados por tópico.
Assim, chegamos ao primeiro resultado da busca, com um grande número de publicações. Em seguida, aplicamos os filtros da própria Web of Science para refinar nossa amostra, conforme apresentado na Tabela 1.
Após aplicar os filtros, chegamos a 71 artigos. Utilizamos o software VOSViewer para nossa análise, que é amplamente usado na análise de publicações científicas e citações (Kaushik & Dangwal, 2023). Esse software nos permitiu explorar tendências e relações entre autores e áreas de pesquisa por meio de redes bibliométricas visuais. A Figura 1 apresenta o percurso metodológico adotado nesta RSL, sintetizando as etapas do processo de pesquisa.
Utilizando o software VOSViewer, realizamos três tipos de mapeamento bibliométrico com as 71 publicações: i) Rede de Cocitação, que identifica a frequência com que dois ou mais autores são citados juntos em uma mesma publicação (Zupic & Čater, 2015; Vicente et al., 2020); ii) Rede de Coocorrência de palavras-chave, que analisa como termos aparecem juntos em publicações científicas (Franco & Faria, 2019; Simões & Sousa, 2020); e iii) Acoplamento Bibliográfico, que avalia a semelhança entre documentos por meio de referências em comum, o que indica alinhamento temático ou pertencimento ao mesmo campo de estudo (Castanha, 2023).
Essas abordagens permitem compreender padrões de colaboração, evolução científica e estrutura das áreas do conhecimento (Franco & Faria, 2019; Kaushik & Dangwal, 2023; Vicente et al., 2020). Na próxima seção, apresentaremos os resultados da análise, que oferece um panorama do desenvolvimento do campo, a fim de orientar futuros estudos sobre a digitalização dos serviços públicos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O debate acadêmico sobre transformações digitais nos serviços públicos oferece orientações distintas para governos e instituições. Para compreender esse panorama, inicialmente realizamos um levantamento da quantidade de artigos publicados anualmente na área de administração pública que abordam serviços públicos online, tecnologias digitais e transformação digital, conforme mostrado na Figura2.
Ao analisar a quantidade de artigos publicados por ano, observamos um aumento no número de publicações em 2021, o que pode ser atribuído ao impacto da pandemia de Covid-19, que acelerou a adoção de tecnologias digitais em diversos setores. Com as medidas de distanciamento social e restrições de mobilidade, os serviços públicos precisaram se reinventar e buscar soluções digitais para continuar atendendo às necessidades dos cidadãos, o que acelerou a discussão sobre as transformações digitais nos serviços públicos (Rojas et al., 2022).
A pandemia foi um catalisador para mudanças que já estavam em andamento, e destacou a importância das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na entrega de serviços públicos (Agostino, Arnaboldi, & Lema, 2021). Além disso, a crise sanitária revelou a necessidade de inovação na gestão pública, promovendo a expansão de soluções digitais como forma de garantir a continuidade dos serviços e minimizar o impacto das restrições físicas (Kuhlmann & Heuberger, 2023). Assim, o aumento de publicações a partir de 2021 reflete o crescente interesse acadêmico na avaliação de como as tecnologias digitais podem melhorar a eficiência, acessibilidade e transparência dos serviços públicos (Mergel, Edelmann, & Haug, 2019).
Além da quantidade de artigos publicados por ano, observamos que o tema da digitalização no setor público foi debatido por 25 países diferentes, o que refletiu a relevância global do tema para governos e instituições. Dos 71 artigos selecionados, a maioria foi publicada na Inglaterra (19), seguida pela Itália (10) e Alemanha (9). A Suíça contribuiu com 6 artigos, enquanto a Finlândia, a França, os Países Baixos e a Espanha publicaram 5 artigos cada. A Polônia e a Suécia tiveram 4 publicações cada. Já a Bélgica, o Brasil, a Dinamarca, a Rússia, a Escócia e os Estados Unidos publicaram 3 artigos cada, enquanto a Croácia, a República Popular da China e a Romênia tiveram 2 publicações cada. Além disso, 1 artigo foi publicado em cada um dos seguintes países: Argentina, Austrália, Áustria, Bangladesh, Canadá e Chile.
Essa abrangência demonstra a necessidade estratégica de transformar o setor público ao redor do mundo, o que pode ser justificado pelo fato de que a digitalização dos serviços públicos auxilia no aumento da eficiência, transparência e acessibilidade dos serviços, além de fortalecer a participação cidadã e impulsionar a inovação tecnológica (Clarke, 2020; Mesquita, 2019; Nakamura, 2024; Peixoto et al., 2021; Reck & Hübner, 2021). Além disso, a adoção de tecnologias digitais no âmbito da administração pública permite reduzir custos operacionais, melhorar a qualidade dos serviços prestados e ampliar o acesso da população, especialmente em áreas remotas ou carentes de infraestrutura tradicional (Clarke, 2020; Rojas et al., 2022).
Contudo, essa transformação também apresenta obstáculos, como aqueles relacionados à exclusão digital, já que nem todos os cidadãos têm o mesmo acesso às tecnologias, o que ressalta a importância de políticas inclusivas e estratégias de alfabetização digital (Chetty et al., 2018). O debate internacional sobre a digitalização na administração pública não se restringe à implementação de novas tecnologias, mas envolve também uma análise crítica dos impactos sociais, econômicos e políticos dessa mudança.
A Inglaterra se destaca com o maior número de estudos sobre as transformações digitais nos serviços públicos. Essa situação pode ser explicada por diversos fatores, incluindo o substancial investimento do país em tecnologia e sua sólida tradição acadêmica nessa área. Além disso, o Reino Unido promove um forte incentivo à colaboração entre a academia e o setor público, o que facilita a realização de pesquisas que conectam diretamente acadêmicos aos desafios enfrentados pelos gestores públicos (SECTEC, 2021).
Buscando identificar os motivos pelos quais países como Argentina, Austrália, Áustria, Bangladesh e Chile apresentam uma baixa quantidade de publicações nessa área de estudo, encontramos fatores como: a disponibilidade de recursos financeiros e as prioridades governamentais (Kon, 2019). Além disso, a maturidade e o nível de digitalização dos serviços públicos nesses países, que podem estar em estágios iniciais, resultam em menos estudos na área (Zhang, Xu, & Xiao, 2014).
Aplicação de software para análise bibliométrica
Através do software VOSViewer, realizamos três tipos de mapeamento bibliométrico: i) Rede Bibliométrica de Cocitação, com um mínimo de dez citações, a fim de identificar as abordagens mais comuns; ii) Rede Bibliométrica de Coocorrência de palavras-chave, que utiliza um mínimo de cinco palavras-chave para formar os clusters; e iii) Acoplamento Bibliográfico, que detecta redes de conhecimento ao observar a proximidade entre duas publicações.
Para mapear a proximidade temática entre as publicações e identificar a frequência com que pelo menos duas são citadas em conjunto por outros trabalhos (Vicente et al., 2020), realizamos a análise de cocitação, conforme apresentado na Figura 3. As referências que receberam o maior número de cocitação foram: Teece, European Comission e Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), com 28, 23 e 19 citações respectivamente.
Do universo de autores cocitados, temos três clusters: um com os autores Sternberg, R. (10), Nambisan, S. (13) e OECD (19). No segundo cluster, estão os autores Dunleavy, P. (12), Mergel, I. (17) e European Commission (23). No terceiro e maior cluster, estão os autores Helfat, C. E. (10), Eisenhardt, K. M. (13), Kane, G. C. (17), Vial, G. (17), Brynjolfsson, E. (19) e Teece, D. J. (28).
O autor David J. Teece destacou-se como o mais influente entre os 71 artigos do estudo. Teece é economista e professor especialista no campo da gestão estratégica e inovação. Suas publicações incluem diversos artigos e livros, que tratam de temas como inovação, transferência de tecnologia e política antitruste, com contribuições tanto na academia quanto na indústria.
No segundo lugar, destaca-se a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia encarregado de propor e implementar políticas, além de supervisionar e executar as leis e regulamentos da UE. Sua relevância é evidente pelo considerável número de menções nos artigos, o que ressalta sua importância no cenário europeu e sua influência na tomada de decisões e governança na região.
Em seguida, empatados com 19 cocitações, destacam-se a Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), uma organização internacional composta por 38 países membros que trabalha na promoção de políticas econômicas, sociais e ambientais para a melhoria do bem-estar e do desenvolvimento sustentável globalmente; bem como Erik Brynjolfsson, economista e professor reconhecido por suas pesquisas sobre o impacto da tecnologia nos negócios e na economia. O trabalho de Brynjolfsson concentra-se nos efeitos das tecnologias digitais, como inteligência artificial e automação.
Na sequência, com dezessete cocitações, temos Gerald C. Kane, professor de sistemas de informação na Carroll School of Management no Boston College, em Chestnut Hill - Massachusetts. Seus estudos são sobre a transformação digital, nos quais argumenta que o termo “transformação digital” é muitas vezes mal compreendido e utilizado. Ele sugere que não se trata apenas de adotar novos modelos de negócios digitais. Em vez disso, a transformação digital envolve a adoção de processos e práticas de negócios para competir efetivamente em um mundo cada vez mais digital. Kane enfatiza que os gerentes devem adaptar suas empresas a essas tendências para se manterem competitivas.
Também com dezessete cocitações, temos Inês Mergel, professora na Universidade de Konstanz e pesquisadora na área da administração pública e governança digital. Ela desenvolve artigos sobre temas como transformação digital, uso de mídias sociais no governo, dados abertos e governo eletrônico. O trabalho de Mergel contribui para a compreensão de como os governos podem aproveitar as tecnologias digitais para melhorar a prestação de serviços, aprimorar o envolvimento dos cidadãos e aumentar a eficiência organizacional.
Ainda com dezessete cocitações, temos Gregory Vial, pesquisador na área de sistemas de informação e transformação digital. Seu trabalho abrange diversos tópicos, como a compreensão teórica e prática da transformação digital, as barreiras e oportunidades que surgem com a implementação de tecnologias emergentes, como inteligência artificial (IA), governança de dados, desenvolvimento de software e o gerenciamento de projetos de IA.
Com influência em treze cocitações, temos Satish Nambisan, pesquisadora e professora na área de inovação e plataformas digitais. Sua pesquisa explora como as plataformas digitais possibilitam a inovação e a colaboração, como as organizações podem aproveitar estratégias de inovação aberta para impulsionar o crescimento e a competitividade, e o papel da tecnologia na transformação dos serviços de saúde. Além disso, ela investiga a dinâmica dos ecossistemas e comunidades no estímulo à inovação e ao empreendedorismo.
Também com treze cocitações, temos Kathleen M. Eisenhardt, professora nos campos de estratégia, teoria organizacional e inovação. Kathleen realizou pesquisas em temas como tomada de decisão estratégica, dinâmica competitiva, processos de inovação e design organizacional. Seus estudos frequentemente envolvem pesquisas empíricas e estudos de caso sobre como as organizações podem navegar em ambientes incertos e em constante mudança.
Em seguida, com doze cocitações, temos Patrick Dunleavy, cientista político conhecido por suas pesquisas em administração pública e políticas públicas. Dunleavy contribui para o estudo da governança digital e do governo eletrônico, focando na relação entre tecnologia e governo. Sua pesquisa explora como inovações digitais podem transformar serviços públicos, melhorar a governança e aumentar a participação cidadã.
Por fim, com dez cocitações, temos os autores Constance Helfat e Rolf Sternberg. O trabalho de Helfat é relevante para a compreensão de como as empresas alcançam e mantêm sua vantagem competitiva. Ela conduziu pesquisas sobre temas como capacidades dinâmicas, estratégia de tecnologia, aprendizado organizacional e teoria baseada em recursos. Seus estudos combinam análises empíricas e rigor teórico, fornecendo os fatores que impulsionam o desempenho e a inovação empresarial.
Já Rolf Sternberg, professor e pesquisador especializado em empreendedorismo e inovação, concentra-se em áreas como empreendedorismo, desenvolvimento regional e inovação em sua pesquisa e ensino. Ele contribuiu para diversos projetos de pesquisa explorando temas como ecossistemas empreendedores, dinâmica de startups e o papel da inovação em economias regionais.
Após a análise das áreas de estudo dos autores mais cocitados e do mapa de cocitação, é possível separá-los em três categorias, conforme a Tabela 2.
A separação em categorias revela uma predominância na área de Estratégia e Transformação Digital, com um número significativo de autores. Em contraste, Inovação e Empreendedorismo, e Governança Digital e Administração Pública têm apenas dois autores cada. Isso indica a necessidade de mais estudos focados na aplicação de tecnologias na administração pública.
Após essa etapa, analisamos as palavras-chave dos artigos selecionados, com o objetivo de verificar a frequência com que essas palavras ocorrem nos estudos. O tamanho do nó de cada palavra indica se ela foi citada muitas vezes (nó grande) ou poucas vezes (nó pequeno). Além disso, quanto mais próximos os nós estão uns dos outros, maior é a sua correlação. A Figura 4 apresenta o mapa de coocorrência das palavras-chave mais frequentes nos artigos analisados.
O mapa de coocorrência de palavras-chave estabelece relações entre as palavras-chave utilizadas e constrói uma estrutura sobre os conceitos que envolvem o campo em análise. Desse modo, o mapa revelou as associações que os serviços públicos online estabelecem entre diversos conceitos, como tecnologias digitais, tecnologia da informação, inovação, performance, entre outros.
A Figura 4 apresenta os cinco clusters de palavras mais pertinentes aos estudos sobre prestação de serviços públicos online. Um dos agrupamentos tem como principais palavras “digital transformation” (43) e “innovation” (22), seguidas por “tecnology” (10), “Covid-19” (7), “social media” (6) e “industry 4.0” (5). Os estudos que mais utilizam essas palavras dentro da nossa amostra têm como foco temas relacionados à transformação digital e seus impactos em diferentes setores, o que condiz com as palavras-chave utilizadas para a nossa busca no banco de dados da Web of Science.
Alguns dos temas abordados pelos artigos que utilizam as palavras-chave deste cluster incluem: implementação, impactos e restrições da transformação digital, governança cibernética, o papel da inteligência artificial nas decisões de compra, a governança de dados em administração pública, a transformação corporativa em direção à Indústria 4.0, os efeitos da transformação digital na indústria automobilística, a transformação digital em setores como agricultura, transporte marítimo e educação superior, a relação entre digitalização e teoria social, cocriação de experiências turísticas, entre outros temas relevantes. Além disso, também são discutidos aspectos específicos como o contexto da pandemia Covid-19 e suas implicações na transformação digital.
O segundo cluster com mais força nas ligações entre os nós tem como palavras “information-tecnology” (11), “big data” (10), “digital technologies” (5) e “business” (5). A atenção dos artigos relacionados a este cluster abordam temas como a transformação digital e o uso de big data em diferentes setores e contextos. Alguns dos temas incluem: o projeto de políticas e governança de dados para cidades inteligentes, utilizando o framework Institutional Analysis and Development (IAD) para analisar políticas orientadas por dados; as barreiras para a transformação digital nos setores de infraestrutura; estudos de caso sobre a transformação digital no ensino superior em meio à incerteza extrema; a exploração dos aspectos da democracia na Internet, no contexto da transformação digital; a exploração da governança de big data na administração pública, entre outros.
O terceiro cluster apresenta as expressões “performance” (13) “dynamics capabilities” (10) e “knowledge” (10) e reúne estudos com temas relacionados à estrutura de conhecimento e à agenda de pesquisa na indústria de tecnologia da informação e comunicação; estratégias de conhecimento para a digitalização na área da saúde; capacidades de digitalização do trabalho, conceitualização e consequências da digitalização; implementação de estratégias digitais, considerando o papel da orientação empreendedora individual e do capital relacional; alavancagem de big data para marketing estratégico por meio de um modelo de capacidades dinâmicas para empresas já estabelecidas.
O quarto cluster apresenta as palavras “digitalization” (10) e “e-government” (5). Os artigos deste cluster abordam temas como a medição dos resultados da transformação digital na administração pública; os processos e questões de cibersegurança relacionados à contratação pública eletrônica; o desenvolvimento de um quadro para avaliar, aprimorar e definir políticas governamentais voltadas para a governança eletrônica; e o impacto da digitalização na administração pública, no desenvolvimento econômico e no bem-estar social nos países.
Por fim, o último cluster apresenta duas expressões: “management” (7) e “governance” (5), e os artigos que utilizam essas palavras contêm pesquisas sobre: governança cibernética, considerando os aspectos políticos, soberania e cooperação; o impacto da transformação digital na gestão de talentos; a colaboração e cocriação na transformação digital; a estruturação da governança para a transformação digital por meio da institucionalização; a análise da adoção de tecnologias emergentes para o gerenciamento de riscos na era da manufatura digital, entre outros.
Com base na análise dos clusters de palavras-chave e nos temas abordados pelos artigos que utilizam as palavras apresentadas, observamos uma predominância de temas como transformação digital, inovação e big data, o que sugere um foco na exploração do impacto dessas tecnologias tanto na eficiência administrativa quanto nas mudanças estruturais que elas impõem aos setores público e privado. No entanto, estudos que envolvem áreas específicas, como a governança eletrônica, a cibersegurança e a gestão da transformação digital no contexto da administração pública, parecem estar em fases mais iniciais de desenvolvimento.
Após essa etapa, procedemos à análise do acoplamento bibliográfico dos artigos publicados no período de 2013 a 2023, como ilustrado na Figura 5, na qual pode-se observar a formação de oito clusters que consideram um mínimo de dez citações. A análise do acoplamento bibliográfico, baseada na rede de conhecimento, mapeia os trabalhos recentes com base em suas citações, e possibilita o estudo de redes de conhecimento mais atualizadas.
O acoplamento bibliográfico ajuda a identificar as relações entre artigos científicos por meio de suas referências bibliográficas, e cria redes que representam essas relações (Grácio, 2016). Essa análise revela grupos de artigos interconectados por referências compartilhadas, permitindo identificar tendências e áreas de pesquisa relacionadas. Quanto mais próximas duas publicações estiverem uma da outra, maior será a tendência de ambas citarem uma terceira publicação em comum (Grácio, 2016).
O cluster que se apresenta como o mais recorrente na amostra possui como principal referência a autora Horváth (2019), com o artigo Driving forces and barriers of Industry 4.0: Do multinational and small and medium-sized companies have equal opportunities?. Esse trabalho de Dóra Horváth explora como os executivos interpretam o conceito da Indústria 4.0, e identifica as forças motrizes e barreiras para a adoção de novas tecnologias nas empresas de manufatura.
Um segundo cluster apresentou outras referências muito citadas, como: AbdelBasset (2021), autor de An intelligent framework using disruptive technologies for COVID-19 analysis; Culot (2020), autora de The future of manufacturing: A Delphi-based scenario analysis on Industry 4.0; Gaglio (2022), com o trabalho nomeado The effects of digital transformation on innovation and productivity: Firm-level evidence of South African manufacturing micro and small enterprises; e Gotz (2023), autora de External relations of an Industry 4.0 cluster: the case study of the Hamburg aviation cluster.
A partir da reflexão sobre os artigos mais citados neste cluster, compreende-se que esses artigos estão interconectados porque compartilham uma temática comum: a Indústria 4.0 e suas implicações. Embora cada artigo aborde aspectos específicos dentro desse tema, como as forças e barreiras da Indústria 4.0, o futuro da manufatura e os efeitos da transformação digital na inovação e produtividade, todos eles estão relacionados ao contexto da Indústria 4.0.
Agostino (2021) se destaca como a principal autora de outro cluster, com o artigo New Development: COVID-19 as an Accelerator of Digital Transformation in Public Service Delivery. Esse estudo demonstra que a pandemia da Covid-19 trouxe desafios inesperados para a prestação de serviços públicos, e forçou uma rápida adaptação ao ambiente digital. Ele investiga como essa transição ocorreu, com foco específico nos museus estatais italianos, e evidencia a importância das tecnologias digitais na manutenção do acesso a cultura e informação.
Além de Agostino, esse cluster inclui Lee (2023), autor de Catalysing innovation and digital transformation in combating the COVID-19 pandemic: Whole-of government collaborations in ICT, R&D, and business digitization in Singapore; Clarke (2020), com o artigo Digital Government Units: What Are They, and What Do They Mean for Digital Era Public Management Renewal?; Manny (2021), com o trabalho Barriers to the digital transformation of infrastructure sectors; Orlandi (2021), autor de Management Control In Public Administration And Digital Transformation: Remote Sensing for Supervision; e Egorova (2021), autora de Digitalization of Public Procurement in the Russian Federation: Case Study.
Nesse cenário, percebemos um panorama diversificado sobre a transformação digital no setor público e em infraestrutura, bem como uma integração de tecnologias digitais e inovação em resposta a desafios contemporâneos, como foi o caso da pandemia. A colaboração entre diferentes esferas do governo e setores privados surge como um fator importante para a implementação bem-sucedida dessas tecnologias. Esses estudos também abordam as barreiras e desafios específicos enfrentados por setores tradicionais, destacam a complexidade do processo de digitalização e revelam obstáculos que vão desde a resistência a mudança até a falta de infraestrutura adequada.
A distância entre os clusters que têm Horvath (2019) como principal referência e o que contém Agostino (2021) pode ser explicada pelo contexto em que cada um foi realizado, considerando a pandemia de Covid-19, que foi uma situação inesperada. Embora ambos os clusters abordem temas relacionados à transformação digital, sua distância pode ser atribuída ao fato de que a pandemia trouxe consigo uma nova agenda de pesquisa focada nesse tema.
Os artigos mais citados no cluster que tem Agostino (2021) como autor, tratam de um tema comum: a transformação digital no setor público, especialmente com o advento da pandemia de Covid-19, que teve um impacto global drástico, e resultou em mudanças em diversos setores, incluindo o setor público. Diante desses desafios, a transformação digital surgiu como uma resposta necessária, que despertou o interesse da comunidade acadêmica e gerou uma nova agenda de pesquisa voltada para esse tema durante a pandemia.
Outro cluster do mapa tem Llopis-Albert (2021), autor de Impact of digital transformation on the automotive industry, que analisa os impactos da transformação digital na indústria automotiva sob a perspectiva de diferentes atores, como fabricantes, fornecedores de transporte público, consumidores e governos.
Esse cluster também apresenta Ritala (2021), com o artigo Digital strategy implementation: The role of individual entrepreneurial orientation and relational capital; Mendonça (2020), com o trabalho COVID-19: Where is the Digital Transformation, Big Data, Artificial Intelligence and Data Analytics?; e Elbanna (2022), com o artigo The bright side and the dark side of top management support in Digital Transformaion - A hermeneutical reading.
O cluster que inclui Jiang (2021) aborda a transformação digital. No artigo Triggers of consumers’ enhanced digital engagement and the role of digital technologies in transforming the retail ecosystem during COVID-19 pandemic, Jiang analisa os fatores que aumentaram o engajamento dos consumidores com o consumo online durante a pandemia e investiga a influência das tecnologias digitais no ecossistema do varejo durante os lockdowns.
Esse cluster também apresenta outros autores como Van Meeteren (2022), com o estudo Rethinking the digital transformation in knowledge-intensive services: A technology space analysis; e o Nuccio (2022), autor de Data-driven arts and cultural organizations: opportunity or chimera?.
Os clusters com pouca representatividade no debate apresentam os autores Ciampi (2022) e Rijswijk (2021). Ciampi com o tema The co-evolutionary relationship between digitalization and organizational agility: Ongoing debates, theoretical developments and future research perspectives; e Rijswijk com o tema Digital transformation of agriculture and rural areas: A socio-cyber-physical system framework to support responsibilisation. Ambos os clusters discutem as implicações da digitalização e das tecnologias digitais em termos de capacidades organizacionais e impactos sociais, econômicos e ambientais.
O cluster de Alam (2018), autor de Assessing regional digital competence: Digital futures and strategic planning implications, aponta estratégias eficazes para lidar com preocupações futuras digitais na área de administração pública a partir de perspectivas sociais e políticas que são escassas ou limitadas.
Por fim, o cluster que inclui Annarelli (2021) possui trabalhos que compartilham a temática da digitalização e suas capacidades. Annarelli (2021) é autor do artigo Literature review on digitalization capabilities: Co-citation analysis of antecedents, conceptualization and consequences, que procura esclarecer o conceito de capacidade de digitalização e identifica três capacidades subjacentes: integração digital, plataforma digital e inovação digital. Dessa forma, é desenvolvido um esquema que inclui antecedentes das capacidades de digitalização em um modelo conceitual integrado.
Este cluster também traz autores como Cuomo (2021), autora do artigo Digital transformation and tourist experience co-design: Big social data for planning cultural tourism; Brewis (2023), com o tema Leveraging big data for strategic marketing: A dynamic capabilities model for incumbent firms; e Zabel (2023), autor do artigo Sensing the Metaverse: The microfoundations of complementor firms’ dynamic sensing capabilities in emerging-technology ecosystems.
A partir da análise dos artigos presentes nos clusters do mapa de acoplamento bibliográfico, observarmos que a pandemia de Covid-19 atuou como um catalisador, provocando uma reavaliação das estratégias digitais tanto no setor público quanto na indústria, o que evidenciou a necessidade de adaptação rápida às novas circunstâncias. A identificação de desafios comuns, como a resistência à mudança e a falta de infraestrutura adequada, sugere que a transformação digital não é apenas uma questão tecnológica, mas também um processo social e organizacional complexo que requer colaboração entre diferentes setores.
Desafios da transformação digital nos serviços públicos
A transformação digital na administração pública tem como objetivo a modernização e melhoria dos processos, com as tecnologias da informação e comunicação (TICs) desempenhando um papel central na transmissão de dados e na interação com os cidadãos, o que atende às suas expectativas (Rojas et al., 2022). Essa transformação é regulada por leis e princípios relacionados a mídia eletrônica, que buscam aumentar a eficiência, transparência e qualidade dos serviços públicos (Mergel, Edelmann, & Haug, 2019).
A implementação de tecnologias digitais na gestão pública traz diversos benefícios, incluindo a redução de custos operacionais, uma tomada de decisão mais informada e uma maior transparência nas relações entre o governo e os cidadãos (Rojas et al., 2022). Contudo, essa modernização nem sempre foi linear. Nos anos 1980 e 1990, muitos governos terceirizaram suas funções de TIC para o setor privado, o que resultou em uma falta de visão unificada para esses serviços (Clarke, 2020). Essa terceirização, somada à falta de expertise interna, levou à fragmentação dos serviços, com aquisições redundantes e isoladas para diferentes projetos (Reck & Hübner, 2021; Clarke, 2020).
Nos últimos anos, houve avanços na integração das TICs, com governos que adotaram tecnologias de nuvem e exploraram o potencial do big data. Conforme abordado, esse progresso foi acelerado pela pandemia de Covid-19, especialmente em países da América Latina, como apontam Agostino, Arnaboldi, & Lema (2021), Yukhno (2024) e Mendonça & Dantas (2020).
Entretanto, o uso crescente dessas tecnologias também traz desafios. Lima et al. (2023) destacam a necessidade de garantir a segurança dos dados e de lidar com questões de privacidade, além de enfrentar a exclusão digital, que pode agravar as desigualdades sociais. Segundo Chetty et al. (2018), a exclusão digital é uma consequência negativa da era da Internet e demanda políticas públicas para mitigar seus efeitos. Moura et al. (2020), ao analisar o auxílio emergencial durante a pandemia, mostram como a exclusão digital afetou severamente as populações vulneráveis, exacerbando o impacto da crise.
Conforme Yukhno (2024), existem três desafios principais para a implementação de tecnologias de big data na administração pública: (1) problemas técnicos e práticos, como a falta de dados de qualidade e a integração entre sistemas de TIC; (2) limitações de recursos, incluindo a falta de financiamento adequado, a qualificação insuficiente dos funcionários públicos e a baixa alfabetização digital na sociedade; e (3) barreiras institucionais, legislativas e culturais tanto na sociedade quanto no Estado.
Agostino, Arnaboldi, & Lema (2021) ressaltam três dilemas na prestação de serviços públicos online: o engajamento do usuário, o planejamento e controle, e os custos. Esses dilemas refletem os desafios sociais e organizacionais da transformação digital e indicam os problemas que as organizações enfrentarão no futuro, independentemente de crises como a Covid-19.
Portanto, a digitalização dos serviços públicos oferece ganhos em eficiência, transparência e qualidade, mas exige uma visão estratégica que aborde não só os benefícios tecnológicos, mas também os desafios sociais, estruturais e políticos. A exclusão digital e os dilemas organizacionais reforçam a necessidade de políticas públicas inclusivas. Somente superando essas barreiras e fortalecendo as capacidades internas, os governos conseguirão realizar uma transformação digital que promova o bem-estar social e reduza desigualdades em uma sociedade em constante mudança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio deste estudo bibliométrico, buscou-se compreender as tendências e os padrões de pesquisa sobre as tecnologias digitais na prestação de serviços públicos online. A análise revelou um aumento nas publicações a partir de 2021, principalmente em resposta à pandemia de Covid-19. Esse fenômeno destaca a necessidade de os governos reavaliarem suas estratégias de digitalização para garantir a continuidade dos serviços essenciais.
Contudo, observa-se uma disparidade geográfica na produção acadêmica, com países como Inglaterra e Itália sendo protagonistas, enquanto nações como Argentina e Bangladesh carecem de pesquisas. Esse contraste demonstra como a maturidade das infraestruturas digitais e o contexto econômico influenciam a produção científica (Sepulveda, Lyon, & Vickers, 2018). Assim, surge a necessidade de políticas inclusivas que incentivem a alfabetização digital e promovam a equidade no acesso às tecnologias, para evitar que a transformação digital agrave a exclusão social (Chetty et al., 2018).
A análise das cocitação, evidencia a robustez das discussões sobre estratégia e transformação digital, e destaca autores influentes como David J. Teece, Gerald C. Kane e Erik Brynjolfsson. Percebemos uma interconexão crescente entre gestão estratégica e inovações tecnológicas, com as organizações sendo desafiadas a integrar a inovação digital em suas práticas para manter a competitividade em um ambiente de negócios em rápida transformação. Entretanto, a análise também revela uma lacuna nas áreas de inovação, empreendedorismo, governança digital e administração pública, e destaca uma oportunidade para avanço nesses campos, considerando a crescente importância das tecnologias digitais na gestão pública.
A análise das palavras-chave reforça a centralidade da transformação digital e da inovação nas pesquisas sobre serviços públicos online. Clusters que conectam “digital transformation” e “innovation”, além de “governance” e “management”, indicam uma preocupação com a eficiência administrativa e a reestruturação das práticas governamentais. A prevalência de termos como “big data” e “cibersegurança” sugere que a transformação digital não se limita à adoção de novas ferramentas, mas envolve uma reconfiguração dos processos que regem a interação entre governos e cidadãos.
A análise do acoplamento bibliográfico revela um panorama multifacetado da transformação digital, acentuado pelo impacto da pandemia de Covid-19 que revelou a complexidade desse processo, e evidenciou a necessidade de abordagens integradas que contemplem dimensões tecnológicas, sociais e organizacionais para a criação de serviços públicos mais eficientes. Os clusters identificados refletem uma dualidade entre a inovação industrial, com foco na Indústria 4.0 e autores como Horváth e Gaglio, e a digitalização do setor público, destacada por Agostino e Clarke. Essa divisão reflete as diferentes esferas de aplicação das tecnologias digitais, bem como os desafios específicos de cada contexto, como a resistência à mudança e a falta de infraestrutura adequada.
A interconexão entre os clusters revela que a transformação digital requer uma reconfiguração organizacional e social (Peixoto et al., 2021). Além disso, a colaboração entre esferas governamentais e setores privados ressalta a importância de um diálogo intersetorial para superar os desafios da digitalização. Investigações futuras podem buscar compreender como ocorre a construção de capacidades organizacionais e culturais que possibilitem uma transformação digital eficaz e sustentável.
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Os/As avaliadores/as não autorizaram a divulgação de sua identidade e relatório de avaliação por pares.
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Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo. Editora Associada: Andrea Leite Rodrigues
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), código de financiamento 001. Agradecimentos adicionais à equipe editorial e aos avaliadores anônimos pelas suas valiosas contribuições, que repercutiram positivamente no presente artigo.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
25 Set 2024 -
Aceito
10 Fev 2025










