Open-access PANORAMA DOS ESTUDOS SOBRE A RESILIÊNCIA FINANCEIRA APLICADA À GESTÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NOS GOVERNOS LOCAIS

Overview of studies on financial resilience applied to public resource management in local governments

Panorama de los estudios sobre resiliencia financiera aplicada a la gestión de recursos públicos en los gobiernos locales

RESUMO

Uma revisão sistemática da literatura sobre resiliência financeira aplicada à gestão de recursos públicos em governos locais analisou 23 artigos publicados entre 2008 e 2024. O estudo identificou padrões geográficos, teóricos e metodológicos, além de propor agendas de pesquisa. Os achados destacam a importância de uma gestão financeira eficaz para a continuidade dos serviços públicos em crises. Governos com maior diversificação de receitas, autonomia fiscal e controle do endividamento mostraram-se mais resilientes a choques econômicos. O aprofundamento do entendimento sobre resiliência financeira identificou a necessidade de políticas públicas ajustadas às realidades locais e de mais estudos em países em desenvolvimento, o que contribui para estratégias de gestão financeira mais eficazes e para a promoção da estabilidade econômica e social. Esse conhecimento pode orientar a implementação de estratégias adaptáveis a diferentes contextos locais, fortalece a resiliência financeira e contribui para uma governança fiscal mais sustentável.

Palavras-chave:
revisão sistemática; municípios; resiliência fiscal; austeridade; crises.

ABSTRACT

This study provides a systematic review of the literature on financial resilience applied to public resource management in local governments. It analyzed 23 articles published between 2008 and 2024, identifying geographic, theoretical, and methodological patterns, in addition to proposing research agendas. The findings highlight the importance of effective financial management for the continuity of public services during crises. Governments with greater revenue diversification, fiscal autonomy, and debt control were more resilient to economic shocks. The results improve our understanding of financial resilience, emphasizing the need for public policies adjusted to local realities and for further studies in developing countries, contributing to more effective financial management strategies and the promotion of economic and social stability. This knowledge can guide the implementation of strategies that are adaptable to different local contexts, strengthening financial resilience and contributing to more sustainable fiscal governance.

Keywords
systematic review; municipalities; fiscal resilience; austerity; crises.

RESUMEN

Una revisión sistemática de la literatura sobre resiliencia financiera aplicada a la gestión de recursos públicos en gobiernos locales analizó 23 artículos publicados entre 2008 y 2024. El estudio identificó patrones geográficos, teóricos y metodológicos, además de proponer agendas de investigación. Los hallazgos resaltan la importancia de una gestión financiera eficaz para la continuidad de los servicios públicos en situaciones de crisis. Los gobiernos con mayor diversificación de ingresos, autonomía fiscal y control de la deuda han demostrado ser más resilientes a los shocks económicos. La profundización del conocimiento sobre resiliencia financiera identificó la necesidad de políticas públicas ajustadas a las realidades locales y de más estudios en los países en desarrollo, lo que contribuye a estrategias de gestión financiera más efectivas y a la promoción de la estabilidad económica y social. Este conocimiento puede orientar la implementación de estrategias adaptables a diferentes contextos locales, fortaleciendo la resiliencia financiera y contribuyendo a una gobernanza fiscal más sostenible.

Palabras clave
revisión sistemática; municipios; resiliencia fiscal; austeridad; crisis.

INTRODUÇÃO

A resiliência financeira tornou-se um tema essencial na gestão pública, especialmente no contexto de governos locais, que enfrentam desafios em sua capacidade de reagir a crises econômicas e financeiras. Em um cenário global marcado por crises recorrentes, como a pandemia da covid-19 e conflitos internacionais (Barbera et al., 2017), a capacidade de adaptação e recuperação no âmbito local é fundamental para a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico (Voznyak et al., 2023).

Nesse contexto, a alocação eficiente de recursos públicos torna-se um fator determinante para a manutenção de serviços essenciais, o que reflete diretamente na capacidade dos governos locais de superar desafios financeiros. Assim, a importância da resiliência financeira e do aprimoramento da gestão fiscal se destaca como elemento central para garantir a continuidade dos serviços públicos em tempos de instabilidade (Barbera et al., 2017; 2019; Soares & Gonçalves, 2022; Klimanov et al., 2020). No entanto, em geral, os gestores de governos locais enfrentam limitações financeiras que reduzem sua flexibilidade na resposta a choques econômicos, tornando necessária a adoção de práticas adaptativas específicas para sua realidade.

A resiliência financeira emerge como uma qualidade estratégica, e permite aos gestores desses governos adaptarem-se rapidamente às condições adversas (Barbera et al., 2017; Lima & Aquino, 2019). A resiliência financeira é a capacidade da organização de reduzir riscos, adaptar-se rapidamente a choques, manter suas operações (Barbera et al., 2017, 2019), garantindo a distribuição eficiente dos recursos (Voznyak et al., 2023), mesmo em condições adversas. Assim, enfatiza-se que a compreensão sobre a resiliência financeira é essencial para enfrentar as causas e mitigar os impactos de desafios globais de magnitude significativa (Brunetta et al., 2021).

Apesar do crescente interesse acadêmico pelo tema, os estudos sobre resiliência financeira são frequentemente centrados em contextos nacionais ou em governos centrais (Coyle & Ferry, 2022). No entanto, a literatura ainda carece de estudos que analisem sistematicamente a resiliência financeira em governos locais. Essa lacuna pode restringir a compreensão dos desafios e das soluções aplicáveis no contexto local, uma vez que os governos locais apresentam características específicas que demandam estudos prioritários (Barbera et al., 2021; Klimanov et al., 2021; McQuestin et al., 2022; Soares & Gonçalves, 2022; Vysochyna et al., 2022). Essas limitações reforçam a necessidade de pesquisas voltadas especificamente para a resiliência financeira em governos locais, a fim de compreender melhor suas vulnerabilidades e potencialidades.

Desse modo, visando preencher essa lacuna, o objetivo da pesquisa é realizar uma revisão sistemática da literatura sobre resiliência financeira aplicada à gestão de recursos públicos em governos locais. Mais especificamente, esta análise visa mapear a evolução do conhecimento na área, identificar padrões geográficos, teóricos e metodológicos, além de propor agendas de pesquisa abrangentes.

Esta pesquisa justifica-se por contribuir para a ampliação da compreensão sobre a resiliência financeira nos governos locais, possibilitando um diálogo mais aprofundado entre diferentes abordagens teóricas e metodológicas. Ao identificar lacunas e oportunidades na literatura existente, este estudo fornecerá uma base para futuras investigações. Avaliações da produção cientifica podem auxiliar no conhecimento das contribuições, tendências emergentes e tradições de pesquisa e a entender teorias e metodologias empregadas na área de pesquisa (Tahat et al., 2024). Além disso, poderá indicar aspectos relevantes ao desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes, que possam ser adaptadas às realidades locais e fortalecer a capacidade de resposta das comunidades frente a crises.

Além desta introdução, o artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente, são apresentados os procedimentos metodológicos e um panorama geral dos estudos analisados. Em seguida, discute-se em profundidade a literatura sobre resiliência financeira em governos locais, abordando as metodologias utilizadas, as bases teóricas, as principais conclusões dos estudos e agendas futuras. Por fim, são apresentadas as considerações finais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para avaliar o estado atual das pesquisas em resiliência financeira aplicada à gestão de recursos públicos nos governos locais, foi realizada uma revisão sistemática da literatura seguindo o protocolo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). Essa abordagem permite minimizar vieses na seleção de artigos, de forma a garantir revisões confiáveis e replicáveis. Além disso, contribui para a mitigação de fragilidades metodológicas, tornando a investigação mais rigorosa e abrangente, o que facilita a análise de padrões teóricos, geográficos e metodológicos no campo de estudo (Moher et al., 2009; Assai et al., 2018).

A pesquisa foi planejada para identificar publicações sobre o tema. Para isso, foram usados os descritores “financial resilience” ou “fiscal resilience” ou “fiscal vulnerability” ou “financial vulnerability” associadas a “governments” ou “cities” ou “region” ou “regional” ou “small towns”. As buscas foram realizadas nas bases de dados Web of Science (WoS) (campo Topic) e Scopus (Campo Article title, Abstract, Keywords), e resultaram na identificação de 512 publicações iniciais. Não houve delimitação de áreas de estudo ou idioma. A escolha dessas bases de dados deve-se à sua ampla cobertura em periódicos, artigos e referências citadas, conforme destacado por Norris e Oppenheim (2007).

O processo de coleta de dados seguiu as etapas estabelecidas pelo protocolo PRISMA (Figura 1), começando com a identificação das publicações nas bases de dados. A triagem inicial envolveu a exclusão de duplicados e a remoção de registros que não correspondiam a artigos científicos. Esse filtro resultou na exclusão de 241 publicações, restando 271 artigos para as fases subsequentes de elegibilidade e triagem.

Figura 1
Fases da revisão integrativa sistematizada conforme o protocolo PRISMA

Na etapa de elegibilidade, foram aplicados critérios adicionais para garantir que os artigos atendiam aos requisitos temáticos e metodológicos: relacionar-se ao tema; estar disponível para leitura na íntegra e ter sido publicado entre 2008 e 2024. Esse período foi escolhido por abranger as duas maiores crises globais recentes: a crise financeira de 2008 e a pandemia de covid-19. A crise financeira de 2008 reacendeu o interesse pelo estresse fiscal e pelas respostas governamentais a choques financeiros (Barbera et al., 2017). Da mesma forma, a pandemia da covid-19 impulsionou pesquisas sobre a reação dos governos para manter serviços públicos, mesmo em déficit (Lee & Chen, 2021).

Foram excluídos 248 artigos no total, restando 23 artigos que foram lidos integralmente para análise aprofundada. Assim, inicialmente, foi apresentado o panorama geral dos estudos. Foram desenvolvidas estatísticas descritivas a fim de avaliar a produtividade da pesquisa, conforme proposto por Tahat et al. (2024). Analisamos a evolução do tema ao longo do tempo, identificamos os autores mais prolíficos e os artigos mais citados, e avaliamos a distribuição de frequência entre autores e coautores. Também investigamos os objetos de estudo, mapeando os países foco das pesquisas e os governos locais analisados.

Adicionalmente, construímos redes de coocorrência de palavras-chave e clusters temáticos, uma técnica comum em análises bibliométricas para identificar temas interconectados (Benameur et al., 2023). Esses clusters oferecem insights sobre a estrutura teórica do campo, segmentando-o em áreas de conhecimento distintas (Benameur et al., 2023).

No entanto, conforme destacado por Block e Fisch (2020), um estudo que se limita a identificar autores, veículos impactantes e países não constitui uma análise bibliográfica adequada. Para ser completo, é necessário ir além da descrição dos estudos publicados. Assim, fez-se uma análise e discussão mais aprofundada dos artigos, focando nas metodologias adotadas, nas principais proxies utilizadas, nas bases teóricas dos estudos e em suas conclusões centrais. Essas análises foram direcionadas com base nos clusters formados pelas palavras-chave. Por fim, foram identificadas possíveis direções para futuras pesquisas sobre resiliência financeira em governos locais. Para apoiar essa análise, utilizamos ferramentas como o software VOSViewer, o Excel e o Biblioshiny software (Rstudio).

RESULTADOS

Panorama geral dos trabalhos

A análise descritiva mostrou o panorama geral dos artigos selecionados, destacando a frequência anual de publicações (Figura 2). Embora o período de inclusão tenha começado em 2008, o primeiro artigo sobre resiliência financeira em governos locais foi publicado em 2017. Além disso, a partir de 2020, as publicações sobre resiliência financeira governamental local se tornaram mais frequentes, o que refletiu um aumento no interesse pelo tema.

Figura 2
Frequência anual de publicações dos artigos selecionados

Esse aumento pode estar ligado ao início da crise econômica e financeira da covid-19 em 2020. Voznyak et al. (2023) enfatizam que a resiliência financeira dos governos locais ganhou destaque no discurso científico com o agravamento das crises globais. Ademais, a crise recente transformou o panorama de recursos das organizações públicas (Rao et al., 2023). Assim, investigar a produção acadêmica global pode revelar lacunas e orientar pesquisas futuras.

Como complemento, a Figura 3 ilustra os autores com mais artigos publicados e a evolução das publicações ao longo do tempo. Observa-se que os autores que estudam sobre a temática foram se modificando no período. A análise revelou que, em 2017, Barbera et al. (2017) foram os primeiros a pesquisar sobre resiliência financeira de governos locais. Eles desenvolveram um modelo com as principais dimensões da resiliência financeira e observaram que ela resulta da interação entre condições ambientais - econômicas, institucionais e socioeconômicas - e dimensões organizacionais ao longo do tempo (Barbera et al., 2017).

Figura 3
Autores mais relevantes

Após 2020, autores do Leste Europeu, como Mulska O., Patytska K. e Voznyak H., se destacaram em estudos sobre resiliência financeira em governos locais (Wozniak et al., 2020; Mulska et al., 2023; Voznyak et al., 2023). Seus estudos analisaram a relação entre crescimento econômico e resiliência financeira, tema que ganhou relevância com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. Para esses autores, a resiliência financeira é crucial para o desenvolvimento, o progresso socioeconômico e a recuperação pós-guerra (Mulska et al., 2023).

Mulska et al. (2023) exploram a relação causal e o grau de sensibilidade dos componentes do crescimento econômico regional frente às mudanças nos determinantes da resiliência financeira. Fundamentado na teoria do crescimento econômico, o estudo aborda o crescimento como um processo dinâmico, e enfatiza a importância de identificar os principais fatores impulsionadores que asseguram o desenvolvimento sustentável do sistema econômico regional.

Por outro lado Voznyak et al. (2023) examinam como a resiliência financeira, construída ao longo do tempo, sustenta o desenvolvimento das regiões ucranianas, mesmo sob choques macroeconômicos. Os autores definem resiliência financeira como a capacidade do sistema de manter suas funções, distribuir recursos eficientemente e preservar a normalidade econômica diante de riscos. Assim, esta análise revela uma evolução significativa nos estudos sobre a resiliência financeira de governos locais.

Para avaliar a diversidade geográfica dos artigos, analisaram-se os metadados bibliográficos para mapear a produção acadêmica global com base na frequência das afiliações dos autores. Também foi examinada a distribuição dos objetos de estudo para identificar os países foco das pesquisas. Essa abordagem permitiu entender a origem das contribuições e os contextos mais explorados, evidenciando concentrações ou lacunas regionais na literatura.

Os resultados mostram que os 23 artigos analisados foram produzidos por acadêmicos de instituições afiliadas a 10 países, que representam cerca de 88% da amostra. A Figura 4 traz a distribuição da produção de pesquisa científica, realizada por diferentes países, sobre a resiliência financeira de governos locais. Verifica-se que a Itália liderou a produção com 8 artigos (24%), seguida pelo Brasil e Reino Unido com 6 (18%) cada, Ucrânia com 5 (15%), e China e EUA com 2 (6%) cada. Observa-se que a maioria das publicações foram realizadas por economias desenvolvidas.

Figura 4
Produção científica por país

A predominância de países desenvolvidos também se reflete no objeto de estudo dos artigos, ou seja, nos governos locais analisados. Os resultados indicam que, embora os estudos abordem diferentes contextos internacionais, há um foco maior em países desenvolvidos (17 artigos) em comparação com países em desenvolvimento (6 artigos).

O contexto dos governos locais foi explorado na Itália (Barbera et al., 2020; Padovani et al., 2021; Barbera et al., 2017; Padovani et al., 2024), Inglaterra (Barbera et al., 2021; Coyle & Ferry, 2022; Ahrens & Ferry, 2020; Barbera et al., 2017) e Ucrânia (Mulska et al., 2023; Voznyak et al., 2023; Wozniak et al., 2020; Vysochyna et al., 2022), com 4 artigos cada. Além disso, 3 artigos analisaram os Estados Unidos (Rao et al., 2023; Chen & He, 2022; Lee & Chen, 2021); dois estudaram a China (Xu & Liu, 2024), a Rússia (Klimanov et al., 2020; Klimanov et al., 2021), e o Brasil (Soares & Gonçalves, 2022; Martins et al., 2021). Já a Polônia e a Croácia foram abordadas em um artigo (Wόjtowicz & Hodžić, 2022), assim como a Austrália (McQuestin et al., 2022) e a Eslováquia (Malicka et al., 2024).

A maior concentração de estudos em países desenvolvidos reflete a preocupação desses com a resiliência financeira municipal, a fim de manter serviços públicos durante as crises. Assim, os formuladores de políticas tendem a focar em estratégias para garantir a sustentabilidade fiscal, evitar endividamento excessivo e criar mecanismos que permitam a adaptação a choques econômicos sem comprometer a gestão local. Ademais, a Itália se destaca pelos estudos de Putnam et al. (1994), que vinculam o desempenho regional à tradição cívica, influenciada por fatores históricos, culturais e sociais. Assim, o desenvolvimento regional depende da coesão social e da cooperação local, além das políticas econômicas.

No entanto, essa concentração das pesquisas limita a compreensão dos desafios específicos enfrentados por governos locais em economias emergentes. Essas economias, em geral, têm vulnerabilidades fiscais e institucionais mais acentuadas. Soares e Gonçalves (2022) apontam que a influência política impactou a resiliência financeira nos diferentes níveis de governo no Brasil durante a pandemia de covid-19. Voznyak et al. (2023) destacam que fatores como mercado, urbanização, administração, cultura, capital humano, indústria e demografia influenciaram a resiliência financeira governamental.

Considerando os periódicos, destaca-se o Journal of Public Budgeting, Accounting and Financial Management, com 4 artigos, seguido por Sustainability (Switzerland), com 2 publicações. As demais revistas têm apenas uma publicação cada, o que evidencia a diversidade do campo de estudo. Ambas as revistas estão classificadas no quartil Q1, com SJR (SCImago Journal Rank) de 0,832 e 0,672, respectivamente. Esses indicadores refletem a alta representatividade das pesquisas publicadas em periódicos de prestígio, e sugerem impacto significativo na comunidade acadêmica internacional.

Relações temáticas dos artigos

Para identificar relações temáticas e classificar os artigos em clusters, foi realizada uma análise de ocorrência simultânea de palavras-chave, considerando sua frequência e conexões. A Figura 5 apresenta o mapa da rede de pesquisa que ilustra as relações entre as palavras-chave estipuladas pelos autores. Foi considerado o aparecimento de pelo menos 2 vezes cada palavra.

Figura 5
Mapa de rede de palavras-chave de resiliência de governos locais

O termo “local government” teve o maior tamanho, indicando que é um tema central com muitos links para outros tópicos. As linhas entre as palavras-chave mostram as associações na literatura, e formam 4 clusters principais com 22 palavras: Riscos (vermelho - 6 itens), Gestão financeira e capacidade (verde - 6 itens), Austeridade (azul - 5 itens) e Governos locais e covid19 (amarelo - 5 itens). O tamanho do círculo representa a frequência de cada termo, destacando palavras-chave como “financial resilience” e “resilience” como as mais utilizadas.

O cluster 1 apresenta estudos de análises sobre os riscos e os fatores determinantes para a resiliência financeira, especialmente em diferentes regiões, com algumas ligações específicas a países como a Ucrânia. Os estudos enfatizam a importância de compreender a sensibilidade do crescimento econômico a choques externos e fatores financeiros, além de explorar vulnerabilidades que afetam a capacidade de antecipação e resposta a crises (Barbera et al., 2021; Klimanov et al., 2020; Martins et al., 2021; Mulska et al., 2023).

Os riscos socioeconômicos estão associados a perda de equilíbrio regional, instabilidade financeira e falta de mecanismos de reserva, agravados pela homogeneização de políticas locais e pela extinção de estruturas menores de governança (Barbera et al., 2021; Klimanov et al., 2020; Martins et al., 2021). Adicionalmente, os autores destacam os desafios na recuperação econômica pós-crise, o que exige ajustes a novos riscos financeiros e a criação de cenários resilientes para garantir o desenvolvimento equilibrado e sustentável das regiões.

O cluster 2 aborda questões referentes a capacidade financeira dos municípios e a gestão de vulnerabilidades financeiras no desenvolvimento regional (Barbera et al., 2021; Klimanov et al., 2020; Padovani et al., 2021). Os papers destacam a importância de instrumentos regulatórios ajustados para reduzir desequilíbrios financeiros regionais. Eles também enfatizam a gestão local eficiente, a resiliência financeira e a participação social como bases para o desenvolvimento sustentável. Indicadores financeiros, como independência de transferências e equilíbrio orçamentário, têm impactos variáveis conforme o contexto, sendo essencial focar nas vulnerabilidades locais, o que inclui pequenos governos, para estratégias mais eficazes.

Ademais, a saúde financeira dos municípios é crucial para enfrentar desafios econômicos e sociais, especialmente em tempos de crise. Enquanto a capacidade de gestão fiscal de pequenos governos é essencial para a resiliência financeira, a falta de recursos próprios pode agravar as vulnerabilidades financeiras (Teremetskyi et al., 2021). Assim, o planejamento financeiro robusto e a inovação podem ser usados como formas de mitigar os impactos econômicos (Voznyak et al., 2020).

O cluster 3 aponta para o aumento de estudos focados em como municípios lidam com austeridade e vulnerabilidades financeiras, especialmente em tempos de restrições fiscais (Klimanov et al., 2020; Barbera et al., 2021; Martins et al., 2021; Padovani et al., 2024). Os artigos destacam estratégias para fortalecer a resiliência financeira e social, promovendo o desenvolvimento sustentável com políticas públicas que equilibram investimentos e gestão de recursos. A criação de fundos de reserva durante ciclos econômicos favoráveis é apontada como política essencial para mitigar choques futuros (Barbera et al., 2021; Padovani et al., 2024).

Além disso, estudos longitudinais aparecem como uma abordagem promissora para investigar vínculos causais e a evolução das estratégias de resiliência ao longo do tempo (Barbera et al., 2021), enquanto pesquisas focadas em municípios menores podem identificar vulnerabilidades específicas e propor soluções sob medida para contextos locais (Malicka et al., 2024).

Por fim, o cluster 4 analisa como os governos locais enfrentaram a pandemia, destacando a importância da resiliência e sustentabilidade fiscal em crises globais. De acordo com Barbera et al. (2021) e Klimanov et al. (2020), a pandemia de covid-19 testou a capacidade dos governos locais de lidar com quedas de receitas e aumentos nos gastos públicos, e destacou a importância da resiliência e sustentabilidade fiscal.

Regiões com estruturas fiscais robustas e diversificadas mostraram maior eficácia na resposta ao momento de crise, por outro lado, a dependência de subsídios limitou a adaptação (Padovani et al., 2021; Martins et al., 2021). O progresso tecnológico foi essencial para fortalecer a resiliência, especialmente em áreas com maior densidade populacional e atividade econômica diversificada (Xu & Liu, 2024). Além disso, a crise enfatizou a necessidade do pensar e planejar a longo prazo, investir em inovação e reduzir dependências externas, de forma a garantir maior preparação para crises futuras (Klimanov et al., 2020; Barbera et al., 2021; Padovani et al., 2024; Wozniak et al., 2020).

DISCUSSÃO DOS ARTIGOS

Metodologias utilizadas

Os artigos analisados empregaram uma série de metodologias, incluindo abordagens quantitativas (16 artigos) e qualitativas (7 artigos), conforme a Tabela 1. Nos estudos quantitativos, utilizaram métodos estatísticos robustos e modelos econométricos para analisar a relação entre variáveis econômicas e financeiras em diferentes contextos geográficos. Focaram na resiliência financeira em relação a fatores como progresso tecnológico, crescimento econômico, desenvolvimento sustentável e vulnerabilidade fiscal, especialmente em cenários de instabilidade, como a pandemia de covid-19.

Tabela 1
Resumo das metodologias utilizadas nos artigos

As metodologias aplicadas incluíram a comparação de médias entre variáveis políticas e de resiliência financeira (Soares & Gonçalves, 2022), além da Análise de Componentes Principais (PCA) combinada com o teste de causalidade de Granger, para avaliar o impacto de fatores externos, como crises e austeridade, na resiliência financeira de regiões específicas (Mulska et al., 2023). Modelos de regressão com dados em painel foram usados para explorar a relação entre resiliência financeira e desenvolvimento econômico de alta qualidade (Chen & He, 2022), sustentabilidade econômica (Vysochyna et al., 2022) e o impacto do progresso tecnológico na resiliência financeira das províncias chinesas (Xu & Liu, 2024). Wόjtowicz e Hodžić (2022) que, investigando perfis de resiliência financeira de cidades da Polónia e Croácia, aplicaram regressão com dados em painel em conjunto com Modelagem de Trajetória Baseada em Grupos (GBTM).

Outra metodologia quantitativa empregada nos estudos foi a regressão múltipla, com estimativas baseadas no método de Mínimos Quadrados Ordinários (OLS). O OLS foi aplicado para analisar a relação entre imprecisão orçamentária e eficiência técnica (McQuestin et al., 2022) e estudar a relação entre recursos financeiros e dificuldades dos municípios (Padovani et al., 2024). Estudos adicionais, como de Lee e Chen (2021), aplicaram modelos dinâmicos, incluindo regressão Prais-Winsten (AR1) e Método dos Momentos Generalizado (GMM), para analisar a resiliência financeira nos Estados Unidos. Klimanov et al. (2020) desenvolveram um índice para medir a resiliência financeira das regiões da Rússia, baseado em indicadores econômicos, sociais e financeiros.

Além disso, as principais proxies utilizadas para representar a resiliência financeira nos estudos quantitativos incluem indicadores como endividamento, geração de poupança, autonomia fiscal, eficiência orçamentária e capacidade de recuperação frente a choques, conforme mostrado na Tabela 2.

Tabela 2
Proxies utilizadas para representar a resiliência financeira

Observa-se que as proxies relacionadas ao endividamento e capacidade de geração de poupança incluem medidas como a relação dívida pública/receita total, serviço da dívida, dívida externa em relação ao PIB, e superavit fiscal, e refletem a habilidade dos governos de controlar suas dívidas e gerar recursos internos (Soares & Gonçalves, 2022, Wόjtowicz & Hodžić, 2022, Klimanov et al., 2020, Rao et al., 2023, Wozniak et al., 2020). A autonomia fiscal e a dependência de transferências intergovernamentais também são essenciais para avaliar a sustentabilidade financeira, o que indica o grau de independência orçamentária e a capacidade de descentralizar receitas e despesas (Rao et al., 2023, Soares & Gonçalves, 2022, Mulska et al., 2023, Malicka et al., 2024).

Outro conjunto de proxies foca na eficiência e gestão orçamentária, e avalia a capacidade técnica e a diversificação de receitas dos governos, como impostos sobre propriedade e precisão orçamental (McQuestin et al., 2022; Rao et al., 2023; Mulska et al., 2023). Adicionalmente, os indicadores de saúde fiscal e desempenho incluem saldo básico municipal, força financeira per capita e crescimento do PIB, e refletem a robustez econômica de uma região (Malicka et al., 2024; Mulska et al., 2023; Vysochyna et al., 2022; Chen & He, 2022).

Por fim, proxies que avaliam a capacidade de recuperação e resiliência a choques financeiros, como solvência de longo prazo e resiliência fiscal, medem a habilidade de adaptação a crises e recuperação fiscal sustentável (Rao et al., 2023; Wόjtowicz & Hodžić, 2022; Lee & Chen, 2021). Essas proxies fornecem uma visão abrangente da capacidade de um governo de enfrentar e se recuperar de crises financeiras.

Por outro lado, os estudos qualitativos exploraram a resiliência financeira sob uma perspectiva mais interpretativa, o que permite uma análise do comportamento das autoridades e das estratégias de resiliência frente a crises. Esses trabalhos discutem as capacidades organizacionais, os desafios de gestão e o papel da contabilidade e das práticas financeiras na adaptação a choques externos e na manutenção da resiliência financeira.

Estudos de caso e análises documentais investigaram a capacidade dos governos locais diante de choques financeiros (Barbera et al., 2017), o papel da contabilidade na resiliência financeira em municípios italianos (Barbera et al., 2020), a resposta de governos locais a crises externas (Barbera et al., 2021) e a resiliência financeira durante a pandemia e a austeridade na Inglaterra (Ahrens & Ferry, 2020; Coyle & Ferry, 2022). Os estudos de caso frequentemente baseados em entrevistas e questionários ajudam a capturar detalhes subjetivos e dinâmicas complexas, que podem não ser visíveis em abordagens puramente quantitativas.

Foram usadas revisão de literatura e análises teóricas para desenvolver frameworks analíticos e examinar os desafios na gestão financeira local. Teremetskyi et al. (2021) basearam-se em revisão teórica e empírica para estudar os desafios no contexto do desenvolvimento sustentável. Padovani et al. (2021) exploraram como as crises pandêmicas afetaram a vulnerabilidade financeira dos municípios de Portugal e Itália.

Em síntese, os artigos analisados mostram que, independentemente da abordagem metodológica, quantitativa ou qualitativa, os pesquisadores obtiveram resultados que possibilitaram a compreensão da resiliência financeira. Os estudos analisados elucidaram sobre os desafios e fatores que influenciam a capacidade dos governos de manter a estabilidade financeira em cenários adversos, indicando possíveis proxies.

Bases teóricas utilizadas nos estudos

Os estudos utilizaram diferentes bases teóricas para entender como as instituições governamentais locais podem se adaptar e sobreviver a choques financeiros. Uma das principais teorias é a Teoria da Resiliência Financeira, que explora a capacidade dos governos de resistir e se adaptar a crises. Rao et al. (2023) destacam a resiliência fiscal como chave para a gestão pública ao apresentar uma estrutura teórica baseada na capacidade e sustentabilidade fiscal. Esta estrutura destaca decisões que governos locais podem adotar para enfrentar crises, minimizando impactos institucionais, organizacionais e econômicos.

Barbera et al. (2017) propuseram um modelo da resiliência financeira, focado nas capacidades organizacionais dos governos locais para enfrentar choques. O modelo destaca dimensões dinâmicas e sua interação, e resulta em diferentes padrões de resiliência, incluindo antecipação de choques, vulnerabilidades e estratégias de enfrentamento. Além disso, os padrões de resiliência emergem da interação entre fatores externos e capacidades internas, cujos processos variam conforme o contexto.

Os estudos de Barbera et al. (2020), Martins et al. (2021), Soares e Gonçalves (2022) e Coyle e Ferry (2022), também utilizaram esta teoria como base. Barbera et al. (2020) analisam o papel da contabilidade na resiliência financeira governamental durante crises e austeridade. Segundo os autores, organizações públicas podem não se reorganizar sozinhas após choques, mas podem ser forçadas a isso por intervenções externas. Martins et al. (2021) avaliaram se a vulnerabilidade e a capacidade de antecipação (proxies de resiliência) estão correlacionados com a capacidade de enfrentamento ao vírus no contexto da pandemia da covid-19 (mensurado pela quantidade de testes por habitante).

Soares e Gonçalves (2022) examinaram como a capacidade de resiliência financeira dos governos locais brasileiros foi afetada por aspectos político-eleitorais durante a crise pandêmica da covid-19. Coyle e Ferry (2022) discutiram se as autoridades de nível inferior se comportam da mesma forma que os homólogos de nível superior quando se trata de resiliência financeira. Ahrens e Ferry (2020) exploraram a resiliência financeira do governo local inglês após a covid-19.

Por sua vez, Wόjtowicz & Hodžić (2022), investigando os perfis de resiliência financeira de grandes cidades na Polônia e Croácia, utilizaram como teoria a resiliência financeira. De acordo com Salignac et al. (2019), a resiliência financeira é composta por quatro elementos principais: recursos econômicos (rendimento, poupança e gestão de dívidas), acesso a produtos financeiros (crédito e serviços bancários), conhecimento e comportamento financeiro (decisões informadas) e capital social (apoio de redes comunitárias e governamentais). Esses componentes combinam recursos internos e externos para promover a estabilidade e a recuperação financeira.

Outra base teórica utilizada nos artigos analisados é a Visão Baseada em Recursos (RBV), que se concentra na análise dos diferentes tipos de recursos - financeiros, humanos e políticos - que influenciam a resiliência das organizações. Essa abordagem é particularmente relevante no contexto governamental, conforme discutido por Lee e Chen (2021). Os autores examinaram como os recursos organizacionais auxiliam os governos a tornarem-se financeiramente menos sensíveis, destacando que a capacidade de recuperação de crises depende da qualidade e diversidade dos recursos disponíveis.

A descentralização fiscal também desempenha um papel importante na análise da resiliência financeira, fundamentando estudos que investigam como a autonomia financeira local afeta a capacidade de resposta a crises. Vysochyna et al. (2022) analisam a relação entre resiliência financeira municipal e proxies do desenvolvimento econômico sustentável, e destacam como a descentralização pode fortalecer a resiliência em contextos instáveis. A reforma da descentralização fiscal é apontada como uma ferramenta eficaz para aumentar a eficiência das finanças públicas ao transferir poderes dos governos centrais para os subnacionais, conforme o princípio da subsidiariedade.

Apesar de Chen e He (2022) e Teremetskyi et al. (2021) não trazerem a teoria da descentralização no estudo, eles discutem a relação entre autonomia financeira e crescimento econômico sustentável. Chen e He (2022) exploram os papéis da resiliência financeira e do crescimento sustentado no desenvolvimento econômico de alta qualidade, ao investigar se o crescimento sustentado media os impactos da resiliência financeira. Teremetskyi et al. (2021) discutem os desafios enfrentados pelas autoridades locais para o desenvolvimento sustentável. Os autores destacam que a gestão de recursos financeiros é fundamental para a boa governança local, sendo crucial o desenvolvimento de um plano estratégico de gestão financeira para garantir a resiliência financeira.

Voznyak et al. (2023) avaliam a resiliência financeira como um fator-chave para o desenvolvimento econômico das regiões ucranianas. Eles destacam que a dependência da capacidade de planejar e mobilizar recursos em crises altera as prioridades de desenvolvimento. Assim, a resiliência financeira é determinada por cinco parâmetros: ambiente empresarial local, mercado de trabalho, sistema financeiro local, administração pública e serviços sociais. Já Klimanov et al. (2020) analisam o nexo causal e a sensibilidade dos componentes do crescimento econômico regional às mudanças nos determinantes da resiliência financeira.

McQuestin et al. (2022) destacam a eficiência orçamentária e o controle de despesas como fundamentais para a resiliência financeira. Orçamentos bem implementados fortalecem a capacidade antecipatória e a eficiência técnica das administrações locais, enquanto orçamentos imprecisos aumentam a vulnerabilidade a choques financeiros.

Principais conclusões dos estudos e sugestões de agendas futuras

Pesquisas recentes sobre resiliência financeira na gestão de recursos públicos indicam que ela é crucial para a sustentabilidade fiscal e a continuidade dos serviços públicos, especialmente em tempos de crises econômicas e financeiras. Governos com maior capacidade de diversificação de receitas, autonomia fiscal e controle sobre o endividamento tendem a apresentar uma resiliência mais robusta diante de choques financeiros.

Em regiões como as províncias chinesas, o progresso tecnológico foi um fator importante na promoção da resiliência financeira (Xu & Liu, 2024). Por outro lado, Itália e Inglaterra se destacaram por enfrentar crises econômicas severas com austeridade, exigindo respostas resilientes dos governos locais (Barbera et al., 2017), sustentada por sua forte tradição de governança local (Putnam et al., 1994). Além disso, a capacidade de poupança e a manutenção de fundos de estabilização orçamentária são práticas fundamentais para mitigar os impactos de crises, o que permite uma recuperação mais rápida e eficaz (Lee & Chen, 2021).

Outro ponto recorrente nos estudos analisados é o impacto positivo da diversificação de receitas na recuperação financeira. Governos locais da Califórnia (EUA) (Rao et al., 2023) e na Polônia e Croácia (Wόjtowicz & Hodžić, 2022) que implementaram políticas de diversificação e planeamento fiscal conseguiram mitigar os efeitos de crises econômicas mais rapidamente. A criação de fundos de estabilização orçamentária e a capacidade de poupança são práticas eficazes mencionadas em diversos estudos, como na Rússia (Klimanov et al., 2021), Eslováquia (Malicka et al., 2024) e Estados Unidos (Lee & Chen, 2021). Esses mecanismos permitiram que os governos enfrentassem os desafios decorrentes da covid-19 e de crises econômicas globais sem comprometer drasticamente a continuidade dos serviços públicos.

Além dos fatores estruturais, as pesquisas sugerem que a eficiência na gestão orçamentária e a precisão nas previsões fiscais também desempenham papel importante no fortalecimento da resiliência financeira. Governos que antecipam crises, estabelecem políticas fiscais anticíclicas e mantêm uma gestão rigorosa dos recursos tendem a sofrer menos com oscilações econômicas e a reagir com maior rapidez às adversidades (McQuestin et al., 2022).

No Brasil, a rigidez orçamentária e a dependência de transferências intergovernamentais são obstáculos à resiliência. Governos com maior autonomia fiscal mostraram maior capacidade de enfrentar a pandemia da covid-19 (Soares & Gonçalves, 2022; Martins et al., 2021). Apontamentos semelhantes são verificados nos municípios ucranianos (Mulska et al., 2023; Voznyak et al., 2023; Wozniak et al., 2020; Vysochyna et al., 2022), onde descentralização fiscal e capacidade de arrecadação própria foram determinantes para o desenvolvimento econômico sustentável em crises.

Por fim, os autores sugerem aprofundar a compreensão da resiliência financeira em diferentes contextos e períodos, com destaque para fatores políticos, fiscais e econômicos. As recomendações dos autores evidenciam a complexidade da resiliência financeira e a necessidade de abordagens multidimensionais para seu estudo. A ampliação das análises temporais e metodológicas (Barbera et al., 2021; Xu & Liu, 2024) reforça a importância de compreender a evolução das estratégias financeiras ao longo do tempo.

Além disso, a consideração de fatores políticos e organizacionais (Martins et al., 2021; Soares & Gonçalves, 2022) destaca o papel da governança na eficácia da gestão fiscal. Já a proposta de avaliação da resiliência em diferentes regiões e setores econômicos (Klimanov et al., 2020; Mulska et al., 2023; Voznyak et al., 2023) demonstra a necessidade de contextualizar as estratégias adotadas. Por fim, o foco em metodologias econométricas (Wόjtowicz & Hodžić, 2022) e na relação entre resiliência e sustentabilidade (Chen & He, 2022) ressalta a relevância de integrar diferentes abordagens analíticas para obter uma visão mais abrangente dos fatores que influenciam a resiliência financeira. A Tabela 3 apresenta a síntese das principais conclusões e agendas futuras.

Tabela 3
Conclusões e agendas futuras

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa, entende-se que a resiliência financeira, que é a capacidade de reduzir riscos, adaptar-se rapidamente a choques e manter a distribuição de recursos, é sustentada por pilares como sustentabilidade fiscal e eficiência na gestão orçamentaria. Além disso, o contexto local torna-se importante, especialmente no que diz respeito à autonomia financeira, diversificação de receitas e controle de endividamento. Esses fatores influenciam diretamente a adaptabilidade financeira de administrações locais diante de adversidades econômicas. Além disso, a crise ocasionada pela pandemia do covid-19 reforçou a necessidade que os governos locais precisam ter no planejamento de longo prazo, na inovação na gestão pública e na redução da dependência dos recursos, como forma de aumentar a resiliência financeira.

A partir dos resultados foi possível identificar tendências significativas na literatura, como a predominância de metodologias quantitativas e a concentração de estudos em países desenvolvidos. A revisão também revelou uma evolução temporal nas abordagens, com um movimento de foco inicial em modelos teóricos para, mais recentemente, uma ênfase na resiliência financeira em contextos de conflito ou instabilidade econômica. Essa abordagem sistemática permitiu uma visão abrangente dos avanços no tema, o que contribuiu para o desenvolvimento de novas agendas de pesquisa focadas nas lacunas identificadas.

A análise revelou que uma gestão financeira eficiente dos governos locais, associada à implementação de estratégias de alocação de recursos ajuda a mitigar desequilíbrios financeiros. Além disso, promove o desenvolvimento sustentável e garante a continuidade dos serviços públicos, especialmente em períodos de instabilidade econômica e financeira.

A principal contribuição acadêmica da pesquisa está na compreensão das relações entre sustentabilidade fiscal, autonomia financeira e gestão orçamentária eficiente, principalmente em nações em desenvolvimento, contexto ainda pouco explorado na literatura. Ao analisar a adaptabilidade financeira dos governos locais em tempos de crise, avança-se no entendimento das dinâmicas que moldam a resiliência financeira em diferentes contextos econômicos e políticos.

Além das contribuições acadêmicas, a pesquisa destaca implicações práticas e sociais. Políticas públicas adaptadas à realidade local podem fortalecer a resiliência financeira dos governos, promovendo estabilidade econômica e bem-estar social. Comunidades beneficiam-se de uma gestão pública mais robusta e preparada para crises. Além disso, orçamentos bem estruturados, uma alocação de recursos eficiente e sustentável e a antecipação de crises podem fortalecer a resiliência financeira e gerar impactos positivos duradouros nas comunidades.

No entanto, a pesquisa apresenta algumas limitações, sobretudo quanto à aplicabilidade das estratégias discutidas em diferentes contextos econômicos e sociais. A maioria dos estudos foca em países desenvolvidos, o que deixa lacunas sobre como governos locais em nações em desenvolvimento podem implementar práticas resilientes. Esse desafio aumenta com restrições orçamentárias e dependência de transferências intergovernamentais. Além disso, a predominância de metodologias quantitativas não captura completamente as complexidades organizacionais e políticas, especialmente em contextos de instabilidade.

Para agendas futuras, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas com metodologias mistas que integrem análises qualitativas e quantitativas, a fim de fornecer uma visão mais abrangente dos fatores que influenciam a resiliência financeira. Estudos comparativos entre diferentes regiões e contextos políticos também são recomendados para identificar práticas bem-sucedidas em diversas realidades. Ademais, é essencial que os estudos avancem além da identificação de fatores de resiliência, explorando mecanismos de governança, políticas públicas eficazes e o papel da inovação na gestão fiscal.

  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

REFERÊNCIAS

  • Ahrens, T. & Ferry, L. (2020). Financial resilience of English local government in the aftermath of COVID-19. Journal of Public Budgeting, Accounting & Financial Management, 32(5), 813-823. https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0098
    » https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0098
  • Assai, N. D. S.; Arrigo, V. & Broietti, F. C. D. (2018) Uma proposta de mapeamento em periódicos nacionais da área de ensino de ciências. Revista de Produtos Educacionais e Pesquisas em Ensino, 2(1), 150-166. https://periodicos.uenp.edu.br/index.php/reppe/article/view/924
    » https://periodicos.uenp.edu.br/index.php/reppe/article/view/924
  • Barbera, C., Guarini, E., & Steccolini, I. (2020). How do governments cope with austerity? The roles of accounting in shaping governmental financial resilience. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 33(3), 529-558. https://doi.org/10.1108/AAAJ-11-2018-3739
    » https://doi.org/10.1108/AAAJ-11-2018-3739
  • Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: how do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697. https://doi.org/10.1111/padm.12350
    » https://doi.org/10.1111/padm.12350
  • Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2021). Local government strategies in the face of shocks and crises: the role of anticipatory capacities and financial vulnerability. International Review of Administrative Sciences, 87(1), 154-170. https://doi.org/10.1177/0020852319842661
    » https://doi.org/10.1177/0020852319842661
  • Benameur, K. B., Mostafa, M. M., Hassanein, A., Shariff, M. Z. & Al-Shattarat, W. (2023). Sustainability reporting scholarly research: a bibliometric review and a future research agenda. Management Review Quarterly, 74(2), 1-44. https://doi.org/10.1007/s11301-02300319-7
    » https://doi.org/10.1007/s11301-02300319-7
  • Block, J.H. & Fisch, C. (2020). Eight tips and questions for your bibliographic study in business and management research. Management Review Quarterly, 70(3), 307-312. https://doi.org/10.1007/s11301-020-00188-4
    » https://doi.org/10.1007/s11301-020-00188-4
  • Chen, X., & He, Y. (2022). The Impact of Financial Resilience and Steady Growth on HighQuality Economic Development-Based on a Heterogeneous Intermediary Effect Analysis. Sustainability, 14(22), 14748. https://doi.org/10.3390/su142214748
    » https://doi.org/10.3390/su142214748
  • Coyle, H., & Ferry, L. (2022). Financial resilience! A comparative study of three lower tier authorities in England. Financial Accountability & Management, 38(4), 686-702. https://doi.org/10.1111/faam.12344
    » https://doi.org/10.1111/faam.12344
  • Klimanov, V. V., Kazakova, S. M., & Mikhaylova, A. A. (2020). Economic and fiscal resilience of Russia’s regions. Regional Science Policy & Practice, 12(4), 627-641. https://doi.org/10.1111/rsp3.12282
    » https://doi.org/10.1111/rsp3.12282
  • Klimanov, V., Kazakova, S., Mikhaylova, A. & Safina, A. (2021). Fiscal resilience of Russia’s regions in the face of COVID-19, Journal of Public Budgeting, Accounting & Financial Management, 33(1), 87-94. https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0123
    » https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0123
  • Lee, S., & Chen, G. (2021). Understanding financial resilience from a resource-based view: Evidence from US state governments. Public Management Review, 24(12), 1980-2003. https://doi.org/10.1080/14719037.2021.1955951
    » https://doi.org/10.1080/14719037.2021.1955951
  • Lima, D. V. D., & Aquino, A. C. B. D. (2019). Resiliência financeira de fundos de regimes próprios de previdência em municípios. Revista Contabilidade & Finanças, 30(81), 425-445. https://doi.org/10.1590/1808-057x201908810
    » https://doi.org/10.1590/1808-057x201908810
  • Malicka, L., Vancová, J., & Hadačová, D. (2024). Vulnerability and Resilience of Slovak Municipalities in the Era of Austerity. NISPAcee Journal of Public Administration and Policy, 17(1), 50-74. https://doi.org/10.2478/nispa-2024-0003
    » https://doi.org/10.2478/nispa-2024-0003
  • Martins, L. C., Soares, T. V. F., da Silva, P. G., & da Silva, A. B. (2021). Resiliência financeira governamental e enfrentamento à Covid-19. Revista Gestão Organizacional, 14(1), 117130. https://doi.org/10.22277/rgo.v14i1.5742
    » https://doi.org/10.22277/rgo.v14i1.5742
  • McQuestin, D., Noguchi, M., & Drew, J. (2022). The association between budget inaccuracy and technical efficiency in Australian local government. Public money & management, 42(4), 251-261. ttps://doi.org/10.1080/09540962.2021.1893464
  • Moher, D., Liberati, A., Tetzlaff, J., Altman, D. G., & PRISMA Group*, T. (2009). Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. Annals of internal medicine, 151(4), 264-269. https://doi.org/10.7326/0003-4819-151-4-20090818000135
    » https://doi.org/10.7326/0003-4819-151-4-20090818000135
  • Mulska, O., Storonyanska, I., Patytska, K., Ivaniuk, U., & Voznyak, H. (2023). Economic growth of Ukrainian regions and determinants of financial resilience: Modeling the causal nexus. Problems and Perspectives in Management, 21(4), 398-414. doi:10.21511/ppm.21(4).2023.31
    » https://doi.org/10.21511/ppm.21(4).2023.31
  • Norris, M. & Oppenheim, C. (2007). Comparing alternatives to the web of science for coverage of the social sciences’ literature. Journal of Informetrics, 1(2), 161-169. https://doi.org/10.1016/j.joi.2006.12.001
    » https://doi.org/10.1016/j.joi.2006.12.001
  • Padovani, E., Iacuzzi, S., Jorge, S. and Pimentel, L. (2021), Municipal financial vulnerability in pandemic crises: a framework for analysis, Journal of Public Budgeting, Accounting & Financial Management, 33(4), 387-408. https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0129
    » https://doi.org/10.1108/JPBAFM-07-2020-0129
  • Padovani, E., Porcelli, F., & Zanardi, A. (2024). The determinants of the financial distress of Italian municipalities: How much is it due to inadequate resources? International Tax and Public Finance, 1-40. https://doi.org/10.1007/s10797-024-09856-7
    » https://doi.org/10.1007/s10797-024-09856-7
  • Putnam, R. D., Nanetti, R. Y., & Leonardi, R. (1994). Making democracy work: Civic traditions in modern Italy. https://doi.org/10.1515/9781400820740
    » https://doi.org/10.1515/9781400820740
  • Rao, M., Musso, J. A., & Young, M. M. (2023). Resist, Recover, Renew: Fiscal Resilience as a Strategic Response to Economic Uncertainty. The American Review of Public Administration, 53(7-8), 296-315. https://doi.org/10.1177/02750740231186424
    » https://doi.org/10.1177/02750740231186424
  • Salignac, F., Marjolin, A., Reeve, R. & Muir, K. (2019). Conceptualizing and Measuring Financial Resilience: A Multidimensional Framework. Social Indicators Research, 145, 17- 38. https://doi.org/10.1007/s11205-019-02100-4
    » https://doi.org/10.1007/s11205-019-02100-4
  • Soares, T. V. F., & Gonçalves, H. S. (2022). Aspectos político-eleitorais e a resiliência financeira dos governos locais brasileiros: Perspectivas durante a crise pandêmica. Contabilidade Gestão e Governança, 25(esp), 255-271. https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.2783
    » https://doi.org/10.51341/cgg.v25iesp.2783
  • Tahat, Y. A., Hassanein, A., ElMelegy, A. R., & Al Hajj, R. (2024). 25 Years of scholarly accounting research on the GCC region: looking back for future research roadmap. Journal of Accounting in Emerging Economies.https://doi.org/10.1108/JAEE-12-2023-0390
    » https://doi.org/10.1108/JAEE-12-2023-0390
  • Teremetskyi, V., Valeriy, V., Oleksii, L., Gutsul, I., Smereka, S., Sidliar, V. (2021). Challenges for local authorities: The politics and practice of financial management in the way for sustainable development. Journal of Legal, Ethical and Regulatory Issues, 24(esp 1), 1-7. https://www.abacademies.org/articles/challenges-for-local-authorities-the-politics-andpractice-of-financial-management-in-the-way-for-substainable-developme.pdf
    » https://www.abacademies.org/articles/challenges-for-local-authorities-the-politics-andpractice-of-financial-management-in-the-way-for-substainable-developme.pdf
  • Voznyak, H., Mulska, O., Kaplenko, H., Sorokovyi, D., & Patytska, K. (2023). Financial determinants of ensuring the resilience of Ukrainian regions. Investment Management and Financial Innovations, 20(4), 83-98. doi:10.21511/imfi.20(4).2023.08
    » https://doi.org/10.21511/imfi.20(4).2023.08
  • Vysochyna, A., Molotok, I., Babenko, V., Merezhko, V., Holynska, O., & Rud, I. (2022). Impact of municipal financial resilience on sustainable economic development: Case of Ukraine. Rev. Econ. Financ, 20, 662-668. https://doi.org/10.55365/1923.x2022.20.77
    » https://doi.org/10.55365/1923.x2022.20.77
  • Wozniak, H., Mulska, O., Patytska, H., & Radelytskyi, Yu. (2020). Financial imbalances and their impact on the development of Ukrainian regions in economic instability. Financial and Credit Activity Problems of Theory and Practice, 1(42), 240-249. https://doi.org/10.55643/fcaptp.1.42.2022.3706
    » https://doi.org/10.55643/fcaptp.1.42.2022.3706
  • Wόjtowicz, K. A & Hodžić, S. (2022) Financial Resilience in the Face of Turbulent Times: Evidence from Poland and Croatian Cities. Sustainability. 14(17), 10632, 1-16. https://doi.org/10.3390/su141710632
    » https://doi.org/10.3390/su141710632
  • Xu, D., & Liu, Y. (2024). How does technological progress affect provincial financial resilience? Evidence at the provincial level in China. Emerging Markets Review, 60, 101137. https://doi.org/10.1016/j.ememar.2024.101137
    » https://doi.org/10.1016/j.ememar.2024.101137

Editado por

  • Editores convidados:
    Ana Rita Silva Sacramento, Fabiano Maury Raupp, Cláudia Ferreira da Cruz, Ricardo Rocha de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2025
  • Aceito
    30 Abr 2025
location_on
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo Cep: 01313-902, +55 (11) 3799-7898 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosgpc-redacao@fgv.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro