Open-access ARRANJOS FEDERATIVOS E FEDERALISMO FISCAL: UMA PROPOSTA DE FUSÃO MUNICIPAL NO BRASIL

Ordenamientos federativos y federalismo fiscal: una propuesta de fusión municipal en Brasil

RESUMO

O modelo federativo brasileiro de três camadas apresenta duas características agravadas pelo cenário pós-Constituição Federal de 1988: o baixo esforço fiscal de arrecadação e os desequilíbrios fiscais horizontais da esfera municipal. Nesse sentido, há um processo relativamente comum na experiência internacional, mas raramente discutido no Brasil: o rearranjo federativo por meio da formação de amálgamas municipais - o mesmo que fusão sistemática de municípios. Neste artigo se propõe a formação de amálgamas municipais que promovam, simultaneamente, o aumento da autossuficiência operacional e a redução dos desequilíbrios horizontais. Foram analisados os efeitos do esforço fiscal sobre a autossuficiência dos municípios quando aplicado um modelo de fusão para maximização da média municipal de esforço fiscal. Os resultados apontam para um novo cenário de redução de 70% no total de municípios, um aumento de 40% no esforço de arrecadação e de 36% a autossuficiência operacional.

Palavras-chave:
federalismo fiscal; fusão de municípios; esforço fiscal; amálgamas; autossuficiência.

ABSTRACT

The Brazilian three-tier federative model has presented two issues that have been aggravated since the 1988 Federal Constitution: low fiscal effort in revenue collection and horizontal fiscal imbalances at the municipal level. International experience shows a relatively common approach to addressing these problems. However, it is a solution rarely discussed in Brazil: federative rearrangement through municipal amalgamations - that is, the systematic merger of municipalities. This article proposes municipal amalgamations that simultaneously increase operational self-sufficiency and reduce horizontal imbalances. The study analyzes the effects of fiscal effort on the self-sufficiency of municipalities when a merger model is applied to maximize the average municipal fiscal effort. The results point to a new scenario: a 70% reduction in the total number of municipalities, a 40% increase in collection effort, and a 36% increase in operational self-sufficiency.

Keywords:
fiscal federalism; merger of municipalities; fiscal effort; amalgamation; self-sufficiency.

RESUMEN

El modelo federativo brasileño de tres niveles tiene dos características agravadas por el escenario posterior a la Constitución Federal de 1988: el bajo esfuerzo fiscal de recaudación y los desequilibrios fiscales horizontales del ámbito municipal. En este sentido, existe un proceso relativamente común en la experiencia internacional, pero raramente discutido en Brasil: el reordenamiento federativo a través de la formación de amalgamas municipales, lo mismo que la fusión sistemática de municipios. Este artículo propone la formación de amalgamas municipales que promuevan simultáneamente el aumento de la autosuficiencia operativa y la reducción de los desequilibrios horizontales. Se analizaron los efectos del esfuerzo fiscal sobre la autosuficiencia de los municipios al aplicar un modelo de fusión para maximizar el promedio municipal del esfuerzo fiscal. Los resultados apuntan a un nuevo escenario: una reducción del 70% en el número total de municipios, un aumento del 40% en el esfuerzo recaudatorio y un aumento del 36% en la autosuficiencia operativa.

Palabras clave:
federalismo fiscal; fusión de municipios; esfuerzo fiscal; amalgamas; autosuficiencia.

INTRODUÇÃO

Em um Estado federativo, grande parte dos esforços repousam sobre o equilíbrio entre o custeio e a oferta dos bens e serviços públicos demandados pela comunidade. Esse fundamento de harmonia fiscal do federalismo permeia as dimensões tanto das receitas quanto das despesas públicas, com reflexos nas competências tributárias e nas obrigações de cada camada federativa.

Uma vez que desequilíbrios fiscais podem acontecer tanto verticalmente entre as camadas federativas (Vertical Fiscal Imbalance - VFI) quanto horizontalmente entre as unidades de uma mesma camada (Horizontal Fiscal Imbalance - HFI), um modelo federado deve estar amparado em conceitos sustentáveis nas dimensões de receitas e despesas públicas, com mecanismos capazes de garantir a distribuição de renda e as obrigações entre os entes federados de acordo com as necessidades e demandas de cada localidade (Bird & Tarasov, 2004; Diniz, 2012; Di Liddo et al., 2016).

Nesse sentido, o modelo definido pela Constituição Federal de 1988 elevou os municípios à condição de entes federativos, criando incentivos que conduziram à proliferação de novos governos locais, o que resultou em um salto de 3.991 municípios na década de 1980 para 5.568 em 2013 - desses, aproximadamente 4.150 unidades (74,5% do total) como micro e pequenos municípios com menos de 25.000 habitantes. (Giambiagi et al., 2017; Leite, 2014).

Ainda que a CF/88 tenha propiciado inovação federativa condizente com as demandas populares da época, esse processo se mostra até então inconcluso, principalmente em razão da constante demanda de estados e municípios por ajustes na descentralização das receitas públicas de modo equivalente à descentralização das responsabilidades que assumiram. O que se observou, de fato, foi um distanciamento do governo federal em relação à autonomia dos gastos públicos sem que abrisse mão da centralização das receitas no governo central (Afonso & Araújo, 2000; Rezende, 2001; Lima & Silveira Neto, 2018).

Nesse contexto, o rearranjo federativo por meio da reversão do processo de descentralização, formando amálgamas municipais - o mesmo que uma fusão sistematizada de municípios - surge como uma das alternativas apontadas na literatura internacional para amenizar problemas e desequilíbrios causados pelo excesso de descentralização. Assim, a formação de amálgamas municipais é o processo de criação de uma nova entidade política por meio da união de dois ou mais governos locais (Reingewertz, 2012; Steiner, 2003; Denters et al., 2014; Strebel, 2019).

Por meio da formação de amálgamas municipais baseadas no nível de esforço fiscal de arrecadação e obedecendo critérios populacionais e territoriais, neste artigo analisa-se, sob a ótica da receita pública, a possibilidade de aperfeiçoamento do sistema federativo pelo aumento do nível populacional das unidades, com reflexos na capacidade fiscal de arrecadação, nos níveis de receita tributária de arrecadação direta e, consequentemente, na redução das assimetrias e desequilíbrios fiscais horizontais entre as unidades federativas.

Dessa forma, busca-se um cenário em que os municípios tendam a ser suficientemente pequenos para se atingir eficiência alocativa, mas também suficientemente grandes para alcançar maiores níveis de autossuficiência operacional, tendo como norte a questão de pesquisa: de que forma a formação de amálgamas municipais, baseada no esforço fiscal de arrecadação, afeta a autossuficiência operacional e os níveis de assimetria fiscal horizontal no contexto municipal brasileiro?

Para responder a esse questionamento, busca-se contribuir para a literatura sobre rearranjos federativos, com ênfase no âmbito municipal ao suprir parcialmente a lacuna quanto às consequências fiscais de um processo de fusão de municípios no contexto brasileiro. No campo prático, embora encontre limites e barreiras constitucionais para execução imediata, a pesquisa se posiciona no campo das possiblidades, ao oferecer subsídios para o aprimoramento de políticas públicas voltadas à racionalização do modelo federativo.

As principais contribuições teóricas incluem: i) maior entendimento sobre como a assimetria nos níveis de receitas tributárias diretamente arrecadadas influencia a autossuficiência operacional dos municípios; ii) a importância da autossuficiência operacional dos municípios para o equilíbrio do sistema federativo brasileiro; iii) uma maior compreensão sobre os efeitos fiscais horizontais de um processo de formação de amálgamas municipais com base no esforço fiscal de arrecadação.

Embora os municípios também possuam autonomia sobre os gastos, é na dimensão das receitas que se destacam os principais diferenciais do pacto federativo brasileiro, uma vez que, diferentemente de países em que os governos locais não detêm competência tributária, os municípios brasileiros são autônomos para instituir e arrecadar tributos próprios, o que torna a análise da receita local ainda mais relevante no contexto nacional. Por essa razão, optou-se por uma delimitação à análise das receitas correntes municipais, com foco no esforço fiscal de arrecadação e sua relação com a autossuficiência dos entes subnacionais. As despesas municipais, embora relevantes, são abordadas de forma indireta, uma vez que integram o cálculo da autossuficiência operacional.

Por fim, ainda que a proposta aqui delineada busque contribuir com evidências empíricas para o aprimoramento do modelo federativo brasileiro, reconhece-se que seu escopo se restringe à dimensão econômica do federalismo fiscal, com ênfase na capacidade arrecadatória dos municípios. Embora aspectos sociais, políticos e culturais também exerçam influência sobre o desempenho federativo, optou-se por um recorte analítico que privilegia o esforço fiscal de arrecadação municipal como variável central, tanto por sua mensurabilidade objetiva quanto por sua importância na dinâmica federativa no Brasil.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Teoria do Federalismo

Em um Estado federado, o governo central coexiste com outros entes autônomos, e ocorre uma divisão político-administrativa que envolve competências tributárias e oferta de bens e serviços públicos. Desse modo, a harmonia entre as esferas governamentais e o equilíbrio fiscal das contas públicas são condições necessárias à sustentabilidade financeira e operacional do modelo federativo (Mendes, 2004; Lima & Diniz, 2016).

Assim sendo, ponto fundamental de um sistema federativo passa por saber se essas jurisdições terão melhores condições de fornecer bens e serviços de forma descentralizada quando comparadas à prestação centralizada. Não raramente, a descentralização faz com que um excesso de bens e serviços públicos fique sob responsabilidade dos governos locais, ainda que lhes falte capacidade fiscal para financiá-los em padrões adequados - a esse desequilíbrio entre receitas locais e demanda por gastos públicos dá-se o nome de vertical fiscal gap (VFG) e, em termos proporcionais, varia de um ente federado para outro - sendo o gap preenchido pelas transferências intergovernamentais.

Encontrar um equilíbrio, por outro lado, não é tão simples. Especialmente para países com características de vasto território, heterogeneidade regional e amplas disparidades econômicas, as dificuldades de harmonizar essas características em um único modelo federativo são ainda maiores. Há, na verdade, um tradeoff entre centralização e descentralização, entre o plano individual e o governo global (Breuss & Eller, 2004; Diniz, 2012). A Figura 1 exprime resumidamente essa relação.

Figura 1
Estipulação de um grau ótimo de descentralização

É o tradeoff entre ganhos de escala e coordenação política de um sistema centralizado e a maior sensibilidade às necessidades da população de um modelo mais descentralizado o ponto chave na concepção de um sistema federado. O desafio do federalismo consiste em encontrar, para cada caso, um grau ótimo de descentralização que harmonize diversos fatores como participação social, custos de produção de bens e serviços, economias de escala e aplicação racional dos recursos. Enquanto há melhor percepção das necessidades da população com maiores custos per capita na descentralização, há ganhos econômicos pelo efeito de escala com menores custos na centralização (Steiner, 2003; Reingewertz, 2012; Mendes, 2004; Lima & Silveira Neto, 2018).

Com isso, uma reforma federativa ideal busca mitigar esses desequilíbrios. Tendo em mente esse objetivo, o tamanho populacional é apontado como critério importante ou, pelo menos, que deve ser um dos condutores na formação das amálgamas municipais. Efeitos positivos como ganhos de escala, qualificação do corpo técnico-administrativo e redução de custos unitários e per capita são consequências naturais das fusões orientadas pelo critério populacional (Oates, 2005; Reingwertz, 2012; Reingewertz & Serritzlew, 2019).

OS ARRANJOS MUNICIPAIS BRASILEIROS E A FORMAÇÃO DE AMÁLGAMAS

A descentralização iniciada nos anos 1980 foi um marco na reorganização do modelo federativo nacional por dotar os municípios de autonomia político-administrativa, deixando-os com o mesmo status jurídico de estados-membros e da União. Pela primeira vez na história do federalismo no mundo, governos locais foram colocados no mesmo nível do governo central, o que rompeu o federalismo dual inspirado no modelo norte-americano e inaugurou o federalismo tripartite brasileiro (Lima & Silveira Neto, 2018; Giambiagi et al., 2017).

Entre os anos 1980 e 2005, houve a criação de mais de 1.500 municípios, muito devido às regras do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) que obedecia ao parâmetro de 10.000 habitantes como piso, ou seja, mesmo os municípios menores do que esse parâmetro receberiam o mesmo montante de recursos daqueles que o ultrapassavam. Multiplicaram-se, assim, as estruturas públicas para administrar esses novos municípios, fazendo com que os recursos, embora repassados em maior nível per capita via FPM, fossem comprometidos com o custeio da administração e da estrutura legislativa local em detrimento da oferta de outros bens e serviços públicos.

A figura 2 mostra a evolução do número de municípios no Brasil ao longo desse processo.

Figura 2
Histórico da criação de municípios no Brasil

A desarmonia territorial, embora constitua apenas um dos elementos a serem considerados em processos de reorganização federativa, exerce influência direta sobre a execução das funções de governo, a efetividade das políticas públicas e a promoção do bem-estar social. Em um cenário marcado por elevada heterogeneidade regional, torna-se necessário buscar mecanismos que atenuem efeitos adversos da descentralização político-territorial sobre as finanças públicas, e promova maior equilíbrio entre autonomia institucional e capacidade operacional dos entes subnacionais.

Sendo assim, os defensores das fusões municipais apontam que municípios mais populosos tendem a ter melhor desempenho na receita própria de arrecadação direta e são menos dependentes das transferências intergovernamentais (Shah, 2007). Também são mais eficientes na redução de custos dos serviços e em ganhos de economia de escala (Steiner, 2003; Dollery & Fleming, 2006; Reingewertz, 2012).

As justificativas para a formação de amálgamas municipais, então, passam tanto por uma junção racional de territórios e bases econômicas quanto por uma expectativa teórica de que os pequenos municípios, uma vez unidos em um único ente maior, passarão a ter valores, capacidade de gestão e resultados semelhantes a outros municípios do mesmo porte através de um processo de mimetização. Nesse caso, essa união traz tanto o ganho de escala como também favorece a robustez da amálgama frente a crises econômicas e pressões fiscais, favorecendo a eficiência financeira do governo e a gestão territorial (Kushner & Siegel, 2005).

Por outro lado, experiências internacionais também registram efeitos adversos das amálgamas, como o surgimento de novas periferias e distorções das prioridades de investimento público, o que pode aprofundar desigualdades locais (Strebel, 2019). Municípios prestes a serem incorporados também tendem a adotar posturas fiscalmente irresponsáveis, elevando gastos com a expectativa de que as obrigações financeiras sejam compartilhadas após a fusão (Blom-Hansen et al., 2016; Hansen, 2019). Em algumas nações, a insatisfação popular com os resultados das fusões motivou movimentos de reversão das amálgamas formadas, nos quais comunidades exigiam o reestabelecimento dos padrões anteriormente existentes (Drew & Dollery, 2014; Miljan & Spicer, 2015).

Essas evidências reforçam que o processo de formação de amálgamas municipais deve ser compreendido à luz das vantagens e desvantagens inerentes ao processo. Como característica fundamental de um sistema federativo, busca-se a construção de um equilíbrio de modo que os rearranjos federativos contribuam efetivamente para o aperfeiçoamento do sistema, mitigando efeitos negativos ou assimetrias já existentes.

HIPÓTESES DA PESQUISA

O autofinanciamento dos entes subnacionais está relacionado ao esforço fiscal de arrecadação, fator que assume papel central nas assimetrias horizontais do federalismo fiscal. Estudos apontam que municípios com maior porte populacional, densidade econômica e estrutura administrativa tendem a apresentar níveis mais elevados de receita própria e autossuficiência operacional (Bish, 2001; Holzer et al., 2009; Hansen et al., 2014; Lima & Diniz, 2016). Em contrapartida, pequenos municípios, ao dependerem desproporcionalmente de transferências intergovernamentais, não apenas enfrentam maior dificuldade para custear suas despesas correntes, como também são propensos à subutilização de suas bases tributárias, o que agrava a baixa autonomia financeira (Bird & Tarasov, 2004; Boadway & Tremblay, 2006; Oates, 2008; Diniz, 2012).

O presente trabalho aplica essa relação ao universo dos municípios brasileiros, tomando o esforço fiscal de arrecadação como critério condutor de uma proposta de rearranjo federativo na camada municipal. Com base nessa delimitação, formula-se a hipótese H1: aumentos no esforço fiscal de arrecadação afetam de modo positivo e não linear a autossuficiência operacional dos municípios.

A literatura internacional aponta que a formação de amálgamas municipais promove ganhos de escala, racionalização de estruturas administrativas e fortalecimento das bases arrecadatórias (Steiner, 2003; Blom-Hansen et al., 2016). Em contextos em que a capacidade tributária é subutilizada, a formação de amálgamas tende a gerar unidades com maior densidade econômica e, por conseguinte, maior potencial de autofinanciamento (Lima & Diniz, 2016).

Embora a literatura aponte resultados distintos quanto à efetividade dessas fusões em termos de ganhos operacionais e escala, evidências recentes sugerem que a racionalização fiscal por meio da formação de amálgamas pode fortalecer a capacidade de autofinanciamento (Blom-Hansen et al., 2016; Karkin et al., 2019; Byrnes & Dollery, 2002). Assim, apresenta-se a segunda hipótese, H2: as amálgamas municipais formadas pelo critério de esforço fiscal de arrecadação apresentam maior média de autossuficiência operacional no cenário pós-amálgamas se comparadas à média nacional no cenário pré-amálgamas.

A heterogeneidade fiscal entre municípios brasileiros revela desigualdades estruturais que persistem apesar dos mecanismos de transferências constitucionais. A literatura tem demonstrado que, em sistemas descentralizados, a agregação de unidades territoriais com baixo nível populacional e com reduzida escala de operação pode contribuir para a redução de assimetrias intermunicipais, especialmente quando guiada por critérios técnicos de desempenho (Reingewertz, 2012; Drew & Dollery, 2014).

Os rearranjos federativos orientados por critérios fiscais têm se mostrado mecanismo promissor de redistribuição da capacidade de arrecadação entre entes locais (Blom-Hansen et al., 2016; Karkin et al., 2019; Byrnes & Dollery, 2002). Ao privilegiar o esforço fiscal de arrecadação como critério central da formação das amálgamas municipais, esta pesquisa propõe um modelo de arranjo federativo com potencial de mitigar desigualdades horizontais.

Com base nessa perspectiva, formula-se a hipótese H3: a formação de amálgamas municipais com base no critério de esforço fiscal de arrecadação reduz os desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os dados coletados englobam dados de 5.567 municípios analisados entre 2013 e 2021. Brasília, o arquipélago de Fernando de Noronha (PE) e o município-arquipélago de Ilhabela (SP) foram desconsiderados na amostra desta pesquisa. Brasília por possuir divisão político-administrativa que difere relevantemente da regra geral; os demais por não serem limítrofes de outros municípios. Os dados contábeis foram coletados junto à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Os dados populacionais e do Produto Interno Bruto (PIB) municipal foram coletados junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para execução do algoritmo de formação de amálgamas, no entanto, utilizar os dados longitudinais causaria o efeito de vários cenários de fusões, um para cada exercício financeiro. Também pelo fato de o painel se mostrar unbalanced (não havendo dados disponíveis de todas as unidades em todos os exercícios), não seria possível executar o algoritmo de fusões diante da ausência de dados para alguns municípios. Considerando essas limitações, criou-se uma base de dados composta pela mediana dos dados disponíveis, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Composição da amostra da pesquisa

A fim de trazer mais clareza sobre as variáveis utilizadas nesta pesquisa na análise econométrica, a Tabela 2 demonstra a fórmula de cálculo quando necessário e aponta a fundamentação dos trabalhos anteriores.

Tabela 2
Variáveis utilizadas na pesquisa

Sendo assim, enquanto os indicadores de autonomia e autossuficiência financeira se restringem à dimensão das receitas públicas ao relacionar as receitas próprias diretamente arrecadadas às receitas correntes, a autossuficiência operacional relaciona as receitas próprias de arrecadação direta (sem considerar as transferências recebidas) às despesas operacionais com a finalidade de captar a harmonia fiscal entre receitas e despesas no ente federativo (Dafflon et al., 2003; Lima & Diniz, 2016).

Aqui cabe salientar que, conforme explicam Lima e Diniz (2016), a Constituição Federal/88, em seu artigo nº 158, considera as cota-partes de impostos como recursos pertencentes aos municípios. Logo, o mais correto seria registrá-los como receita tributária indiretamente arrecadada - compondo a receita própria dos municípios. Todavia, em harmonia com o que preceitua a teoria do federalismo fiscal, esses tributos são considerados neste artigo como transferências intergovernamentais, já que se tratam de uma devolução de arrecadação feita por outro ente de esfera federativa superior, que a transfere ao município (Lima & Diniz, 2016; Shah, 2007).

Para este trabalho, considera-se Capacidade Fiscal de Arrecadação (CFA) a capacidade que uma jurisdição dispõe para gerar tributos e outras receitas a partir de suas fontes próprias (Bird & Tarasov, 2004; Lima & Diniz, 2016). É medida pelo somatório de todos os bens e serviços finais (PIB) do exercício dividido pela população do município. O PIB per capita é considerado uma variável proxy do desenvolvimento econômico daquela localidade e visa controlar os efeitos dos diferentes níveis de desenvolvimento das regiões, bem como entre os estados-membros nos quais os municípios estão inseridos.

Além da Capacidade Fiscal de Arrecadação, o tamanho populacional aparece como a variável mais comum nos trabalhos que tratam sobre a formação de amálgamas municipais (Drew et al. , 2015). Por ser o principal fator que modifica as demais dimensões envolvidas na fusão de municípios, o tamanho populacional está quase que unanimemente presente e seu uso não se restringe a uma única abordagem, podendo ser utilizado tanto como variável de controle quanto como fator determinante no processo de formação de amálgamas.

MÉTRICAS DE ANÁLISE

Buscando analisar em que medida o esforço fiscal de arrecadação influencia a autossuficiência operacional, procedeu-se à análise por meio de regressão quantílica, genericamente estimada pela equação 1 e quantis de nível de Y|X estimados pela equação 2:

(1) y i = α ( τ ) + β 1 ( τ ) x 1 + β 2 ( τ ) x 2 + + β m ( τ ) x m + u i
(2) Q τ ( y x ) = α ( τ ) + β 1 ( τ ) x 1 + β 2 ( τ ) x 2 + + β m ( τ ) x m + u

Em que β(τ) é o efeito marginal das variáveis explicativas X no τ-ésimo quantil de Y, efeito que separa uma proporção de τ valores no limite inferior da distribuição de Y e uma proporção 1-τ valores no limite superior. Logo, há diferentes coeficientes de inclinação (β) para cada quantil τ caso os efeitos de X exerçam influência diferenciada ao longo da distribuição de Y. Em outras palavras, a regressão quantílica permite investigar efeitos assimétricos de variáveis explicativas ao longo da distribuição da variável explicada.

Diferentemente do método dos mínimos quadrados ordinários (MQO), a regressão quantílica permite analisar como essa relação se comporta ao longo de toda a distribuição da variável dependente. Tal abordagem se mostra especialmente útil ao permitir que se identifiquem padrões em diferentes níveis de autossuficiência operacional. A escolha dessa abordagem também está em consonância com estudos anteriores que trataram de desigualdades fiscais municipais sob diferentes percentis da distribuição (Boadway & Tremblay, 2006; Di Liddo et al., 2016). Dessa forma, a regressão quantílica contribui não apenas para a robustez estatística do modelo, mas também para uma interpretação abrangente dos efeitos do esforço fiscal sobre os diferentes níveis de capacidade de autofinanciamento dos municípios.

Espera-se, teoricamente, que municípios menos populosos e em quantis inferiores de autossuficiência operacional sejam mais impactados pelo aumento de esforço fiscal no cenário pós-amálgama. Já municípios de grande porte e em quantis superiores devem ser proporcionalmente menos beneficiados. Isso porque, além de ser uma expectativa teórica apontada em trabalhos anteriores (Reingewertz & Serritzlew, 2019; Strebel, 2014), há uma tendência de que municípios maiores consigam ter uma maior diversificação de suas receitas, e reduzam o impacto da variação da fonte tributária de arrecadação direta.

A equação 3 indica o modelo de análise:

(3) AUTOP i = α + β 1 ( τ ) EFA i + β 2 ( τ ) CFA i + β 3 ( τ ) POP i + u i

Em que: AUTOP = Autossuficiência Operacional do município; EFA = Esforço Fiscal de Arrecadação do município; CFA = Capacidade Fiscal de Arrecadação do município; POP = População do município; u = termo de erro.

Shankar & Shah (2003) apontam o coeficiente de variação (CV) do PIB per capita como uma das medidas mais comuns para mensurar desequilíbrios fiscais horizontais entre regiões (Bird & Tarasov, 2004; Kowalik, 2015). Quanto maior for o coeficiente de variação, maior também é a dispersão das observações em torno da média e, portanto, maiores são as assimetrias. Em um contexto de análise federativa, um maior CV significa maiores desequilíbrios horizontais, ou seja, assimetrias entre as unidades de uma mesma camada. Assim sendo, a análise dos desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros se dará principalmente pelo cálculo do coeficiente de variação dos cenários pré e pós-amálgamas, conforme equação 4:

(4) C V U = i ( y i - y ¯ U ) 2 n y ¯ U , em que y ¯ U = 1 n i = 1 n y i

Assumindo caráter complementar à análise do coeficiente de variação, uma segunda medida de assimetria também comporá a análise comparativa dos desequilíbrios dos cenários pré e pós-amálgamas. A medida de maximum-to-minimum (WMM) (Bird; Tarasov, 2004; Kowalik, 2015) mensura a proporção entre a maior e a menor observação de uma amostra. É medida pela relação:

(5) W M M = y - max y - min

Quanto maior esse indicador, maior a assimetria por disparidade naquele cenário federativo. No escopo deste trabalho, indica-se quantas vezes a autossuficiência operacional (AUTOP) ou o PIB per capita do maior município - do país, estado ou região - é maior do que o mesmo indicador do menor município daquela localidade.

O MODELO DE FUSÃO DE MUNICÍPIOS

O modelo de fusão tem como objetivo elevar os níveis de esforço fiscal de arrecadação dos municípios brasileiros. Com isso, espera-se aumentar, por consequência, os níveis de autossuficiência operacional - e reduzir a dependência dos municípios às transferências intergovernamentais.

Diante da relevância dessa restrição populacional para que se atinjam os maiores benefícios do Esforço Fiscal de Arrecadação (EFA) por meio do processo de fusão considerando a amostra deste trabalho, foram testadas todas as 5.107 combinações possíveis de níveis populacionais (5.567 observações, excluídas duplicidades) da amostra para as amálgamas municipais a fim de encontrar a maior média nacional de EFA para a esfera municipal à medida que se aumenta a população dos municípios participantes.

Sendo assim, comparou-se a média nacional de EFA para todos os cenários possíveis de tamanho populacional, partindo do cenário 1, em que o tamanho máximo dos municípios participantes seria de apenas 771 habitantes - menor observação da amostra - até o outro extremo (cenário 5.107), incluindo o município de São Paulo, que expandiu o limite populacional máximo para 12.396.443 habitantes.

Dos 5.107 cenários possíveis de população máxima das amálgamas, a maior média nacional de esforço de arrecadação foi encontrada no cenário nº 4.836, com correspondente limite máximo de 119.213 habitantes, que passou a ser esse tanto o ponto de corte do limite populacional máximo para participação no processo de fusões, quanto o tamanho-alvo das novas amálgamas municipais.

Conhecendo-se o parâmetro populacional, procedeu-se à aplicação dos critérios limitantes e do encadeamento lógico que compõe o algoritmo de fusão de municípios. Os principais critérios limitantes são: i) os municípios elegíveis para fusão devem ter, no máximo, 119.213 habitantes; ii) os municípios elegíveis para formar uma amálgama devem ser limítrofes entre si (Steiner, 2003; Strebel, 2014); iii) os municípios devem estar contidos no mesmo estado-membro.

A variável População funciona como condicionante para o limite-alvo do tamanho populacional agregado das amálgamas: i) não existe limite populacional mínimo; ii) o tamanho-alvo das amálgamas é de 119.213 habitantes. A variável Esforço de Arrecadação é o driver principal das fusões. Os municípios com menores índices de Esforço Fiscal de Arrecadação devem ser fundidos com seus limítrofes de maior EFA até que: i) alcance o limite populacional de 119.213 habitantes ou; ii) que não haja mais municípios limítrofes disponíveis para fusão.

Os resultados não somente da aplicação do algoritmo de fusão aos municípios brasileiros, mas também do modelo econométrico e as estatísticas descritivas estão evidenciados a seguir.

RESULTADOS

Estatísticas descritivas

A Tabela 3 evidencia as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas na pesquisa.

Tabela 3
Estatísticas descritivas
Tabela 4
Valores médios das variáveis da pesquisa por estrato populacional dos municípios
Tabela 5
Resultados do modelo de regressão quantílica
Tabela 6
Teste t para comparação de médias de AUTOP nos cenários pré e pósamálgamas

O atual esforço fiscal de arrecadação, variável central da composição das amálgamas, apresenta média de 6,9%, ou seja, a receita tributária diretamente arrecadada representa, em média, menos de 7% das receitas correntes dos municípios. Identifica-se também um nível de autossuficiência operacional de aproximadamente 0,15, ou seja, cerca de 15% das despesas correntes dos municípios, em média, são custeadas por suas receitas próprias diretamente arrecadadas.

Essa característica de baixa exploração das bases tributárias próprias pelos governos locais não é característica somente do modelo brasileiro, mas se agrava à medida em que esses governos recebem cada vez mais transferências de outras esferas.

A estratificação das variáveis por porte populacional detalha a composição das médias das estatísticas descritivas. Os micro e pequenos municípios na faixa populacional de até 24.999 habitantes mostram a tendência de estarem abaixo da média nacional tanto para a variável EFA quanto para AUTOP. Juntos, esses grupos representam 87,8% dos municípios brasileiros.

Esses resultados corroboram estudos (Dieguez, 2011; Rezende, 2001) que apontam o baixo nível populacional e a falta de infraestrutura administrativa adequada como fatores ligados a baixos níveis de receita própria dos municípios. Também vão ao encontro de trabalhos anteriores (Boadway, 2005; 2006; Mukhopadhyay & Das, 2003) que apontam relação inversamente proporcional entre a arrecadação própria e o tamanho populacional do município - com foco na relação de maior proximidade entre o gestor local de pequenos municípios e seus eleitores, o que reduz incentivos para arrecadação de impostos.

Em síntese, as estatísticas descritivas não apenas ilustram a diversidade dos municípios brasileiros, mas fundamentam a necessidade de se explorar alternativas - como a formação de amálgamas municipais - que considerem o esforço fiscal e a escala populacional como critérios norteadores. Isso ocorre uma vez que reformas federativas conduzidas com base em critérios técnicos podem promover ganhos de eficiência, redução de desigualdades e maior sustentabilidade fiscal no nível local (Steiner, 2003; Reingewertz, 2012).

A seguir, buscam-se evidências sobre como o esforço de arrecadação influencia a autossuficiência operacional dos municípios. Isso porque investigar se existem diferentes efeitos da variação do esforço fiscal de arrecadação nos diferentes quantis da distribuição de autossuficiência operacional pode fornecer subsídios a um direcionamento estratégico mais eficiente do processo de fusão de municípios.

RESULTADOS DO MODELO DE REGRESSÃO QUANTÍLICA

Espera-se, teoricamente, que municípios menos autossuficientes sejam proporcionalmente mais beneficiados por um aumento no esforço fiscal de arrecadação do que os municípios mais autossuficientes (Strebel, 2014; Reingewertz & Serritzlew, 2019), embora não haja consenso quanto à linearidade dos efeitos (Breus & Eller, 2004).

Diferentemente do método dos mínimos quadrados ordinários, a regressão quantílica permite analisar como se dá a relação entre o esforço fiscal de arrecadação e a autossuficiência operacional dos municípios considerando o contexto de heterogeneidade da esfera municipal brasileira. Assim sendo, a regressão quantílica se mostra ferramenta pertinente para teste da hipótese H1: aumentos no esforço fiscal de arrecadação afetam de modo positivo e não linear a autossuficiência operacional dos municípios. Os quantis utilizados dividem a amostra em dez grupos de distribuição acumulada de autossuficiência.

A variável de interesse EFA demonstra relação positiva e estatisticamente significante a nível de 1%, conforme o teoricamente esperado. Todavia, a linearidade dos efeitos da variação de EFA sobre a distribuição de AUTOP era ainda desconhecida. Percebe-se que, à medida que a distribuição se aproxima do decil .01, maiores são os efeitos de uma alteração no esforço fiscal de arrecadação. Do mesmo modo, quanto mais afastados dos decis de menor autossuficiência, menores são os efeitos do esforço de arrecadação. Isso demonstra a não linearidade do efeito marginal do aumento de EFA sobre a AUTOP dos municípios, ilustrada na Figura 3.

Figura 3
Ganhos marginais de AUTOP em relação à variação de EFA

Enquanto um aumento de 1% no Esforço Fiscal do decil .99 gera um aumento de 0,37% na AUTOP, essa variação é de 0,94% nos municípios do decil .01 (municípios menos autossuficientes). Conclui-se, portanto, que os municípios menos autossuficientes são positiva e proporcionalmente mais afetados por variações nos níveis de esforço de arrecadação do que municípios mais autossuficientes. O poder de explicação também é maior nos municípios de menor autossuficiência. As variáveis do modelo conseguem explicar 65% da variação de AUTOP para os municípios do decil .01, mas somente 36% no decil .99.

AS NOVAS AMÁLGAMAS MUNICIPAIS

Dos 5.567 municípios analisados, 256 (4,6% do total) não participaram do processo de fusão por possuírem população acima do limite de 119.213 habitantes. Sendo assim, aos 5.311 (95,4%) municípios restantes aplicou-se algoritmo de fusões para formação das amálgamas municipais com o objetivo de maximização do esforço fiscal de arrecadação. Ao todo, foram formadas 1.400 amálgamas municipais, o que criou um novo cenário federativo composto por 1.656 (256 + 1.400) municípios no total, representando uma redução de 70% no número total de unidades. A Figura 4 evidencia a proporção de municípios em cada estrato populacional.

Figura 4
Proporção de municípios nos cenários pré e pós-amálgamas por faixa populacional

A faixa populacional predominante no cenário pós-amálgamas deixa de ser a de micro municípios, abaixo de 4.999 habitantes e passa a ser o subgrupo de médio porte entre 100.000 e 249.999 habitantes. Há uma grande ruptura na tendência populacional entre os níveis de pequeno e médio portes e é essa maior proporção de novos municípios situados no nível de médio porte que causa a maior diferença na comparação entre os cenários.

No cenário pós-amálgamas, aproximadamente 93% dos municípios se situam nos estratos de pequeno e médio portes, ao tempo em que praticamente não se observam amálgamas com população abaixo de 5.000 habitantes. A Figura 5 evidencia a composição das 1.400 novas amálgamas por quantidade de municípios que as compõem, enquanto a Figura 6 evidencia as relações populacionais em conjunto com a média de EFA e de AUTOP para cada estrato populacional no novo cenário.

Figura 5
Quantidade de municípios que compõem as amálgamas

Figura 6
Comparação das médias de EFA e AUTOP nos cenários pré e pósamálgamas por faixa populacional

Enquanto se aumenta a média populacional dos municípios - agora 126.922 habitantes - e a proporção de municípios entre 25.000 e 250 mil habitantes, percebe-se um efeito de leve redução dos níveis médios de Autossuficiência Operacional no grupo de municípios de médio porte. Essa é uma tendência do modelo proposto que une piores e melhores níveis de EFA em busca de uma relação mais equânime de autossuficiência na esfera federativa municipal.

Uma vez que o índice de AUTOP indica quanto das despesas correntes do município encontra custeio nas suas receitas tributárias diretamente arrecadadas, quanto maior esse índice de autossuficiência, menores são as dependências dos municípios às transferências intergovernamentais, o que contribui para um cenário federativo mais harmônico e menos assimétrico (Bird & Tarasov, 2004; Lima & Diniz, 2016). É em torno dessa medida que os resultados da pesquisa orbitam e variações negativas nesse índice demonstrariam que as fusões com base no esforço de arrecadação não seriam uma boa alternativa para o cenário federativo brasileiro.

Diante de todas as análises acima e considerando a hipótese teórica “H2: as amálgamas municipais formadas pelo critério de esforço fiscal de arrecadação apresentam maior média de autossuficiência operacional no cenário pós-amálgamas se comparada à média nacional no cenário pré-amálgamas”, procedeu-se à realização de teste de comparação entre as médias dos dois cenários.

Conciliando as análises descritivas, de variação e os resultados do Teste t de comparação entre médias, conclui-se que as amálgamas municipais formadas pelo critério de esforço fiscal de arrecadação apresentam maior média de autossuficiência operacional no cenário pós-amálgamas se comparados à média no cenário pré-amálgamas, o que confirma a hipótese H2.

Ainda que confirmada a hipótese de aumento nos níveis médios de AUTOP, a expectativa teórica é que a formação de amálgamas municipais com base no critério de esforço fiscal de arrecadação provoca, simultaneamente, o aumento da autossuficiência operacional e a redução dos desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros.

Isso porque não seria eficiente que um modelo de fusões fosse capaz de elevar níveis de esforço fiscal de arrecadação e autossuficiência operacional, mas ao mesmo tempo agravasse a assimetria horizontal entre as unidades. Para tanto, a análise da assimetria fiscal horizontal se deu pela análise do Coeficiente de Variação (CV) (Kowalik, 2015) conjugada com a razão máximo/mínimo (Bird & Tarasov, 2004) entre as unidades. A Figura 7 demonstra essas assimetrias.

Figura 7
Comparação do Coeficiente de Variação e relação Máximo/Mínimo de AUTOP pré e pós-amálgamas

Quanto maior for o Coeficiente de Variação, maior também é a dispersão das observações em torno da média e maiores são as assimetrias naquele cenário. A apuração do Coeficiente de Variação, evidência da assimetria fiscal horizontal da esfera municipal, consta na Tabela 7:

Tabela 7
Coeficiente de Variação e Max/Min de AUTOP em nível nacional

A média dos cenários pré e pós-amálgamas já era conhecida, com uma variação positiva de 36%. Embora o desvio-padrão seja maior no cenário pós-amálgamas, o CV que relaciona as duas medidas apresenta redução de 15,4%. A relação Ymax/Ymin representa a grandeza das disparidades ou a heterogeneidade de um grupo de observações (Bird & Tarasov, 2004; Kowalik, 2015). Para a amostra da pesquisa, a relação max/min pré-amálgama é de 141,2, enquanto no cenário pós-amálgama é de 38,6, uma redução relativa de 72,6% nessa medida.

Em nível nacional, a relação Ymax/Ymin cai de 143,6 para 75,4 (-75%), uma variação próxima dos 72,6% de redução dos níveis de AUTOP. De fato, diante da semelhança do padrão gráfico e dos índices calculados, percebe-se uma tendência de convergência dos resultados a um cenário pós-amálgamas com observações menos dispersas em torno da média e, também, com menores níveis de disparidade entre municípios dos estados-membros se diretamente comparados ao cenário brasileiro atual (pré-amálgamas).

Depreende-se, quanto aos resultados da pesquisa, que a redução simultânea do Coeficiente de Variação dessas duas medidas (AUTOP e PIB per capita) em nível nacional vem confirmar a hipótese de pesquisa H3: a formação de amálgamas municipais com base no critério de esforço fiscal de arrecadação reduz os desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros.

Considerando os resultados do trabalho, voltam-se as atenções à questão que motivou esta pesquisa: de que maneira a formação de amálgamas municipais com base no critério de esforço fiscal de arrecadação influencia a autossuficiência operacional e os desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros?

No esforço de se resumir uma única resposta conclusiva para essa questão, pode-se dizer que a formação de amálgamas com base no esforço fiscal de arrecadação eleva em 36% a autossuficiência operacional e reduz, simultaneamente, em 25,7% os desequilíbrios fiscais horizontais dos municípios brasileiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema municipal brasileiro caracteriza-se por desigualdades populacionais e econômicas, alta dependência dos municípios às transferências intergovernamentais e intensos desequilíbrios fiscais horizontais. Esta pesquisa partiu da hipótese de que a reorganização federativa por meio da formação de amálgamas municipais orientadas pelo esforço fiscal de arrecadação poderia contribuir para elevar a autossuficiência operacional média dos municípios e, simultaneamente, reduzir desequilíbrios horizontais.

Em termos sociais, os novos arranjos federativos aqui discutidos se projetam como instrumento para planejamento e execução de políticas públicas que busquem mitigar desigualdades entre municípios e reduzir a dependência crônica às transferências intergovernamentais. No campo prático e institucional, os achados oferecem subsídios para o debate sobre o aperfeiçoamento do pacto federativo brasileiro. A proposta aqui delineada não apenas lança luzes sobre a dimensão das receitas municipais - muitas vezes negligenciada nos estudos sobre fusões municipais -, mas também apresenta um modelo aplicável a simulações regionais e à elaboração de políticas públicas.

Como principal limitação prática apontamos que o atual ordenamento constitucional não permite a aplicação imediata de uma política de formação de amálgamas municipais nos moldes aqui apresentados, ao contrário de países onde há a possibilidade de fusão entre municípios que desejem realizá-la. Ainda assim, o modelo pode subsidiar diferentes recortes regionais ou pode ser ajustado para aplicação em contextos legislativos mais flexíveis voltados à oferta de bens e serviços públicos municipais.

Considerando as limitações do estudo, bem como os resultados encontrados, sugere-se que novas pesquisas se concentrem em cinco subáreas, quais sejam: i) mensurar o impacto de um rearranjo federativo por meio de formação de amálgamas municipais nas dimensões das despesas públicas municipais; ii) analisar os efeitos projetados das amálgamas nos cenários no médio e longo prazos; iii) conhecer as preferências da população à adesão a políticas nacionais de fusão voluntária e obrigatória de municípios; iv) analisar consequências fiscais em cenários com grau de descentralização acima do atual - considerando a hipotética criação de novos municípios; v) explorar como formas de rearranjos desenvolvidos em outros países podem, preservando aspectos socioculturais do Brasil, aprimorar o modelo federativo de três camadas.

Por fim, embora sejam naturalmente possíveis debates considerando o arcabouço científico atualmente produzido sobre o tema, preencher as lacunas científicas acima elencadas pode interferir de modo positivo na condução de uma possível reforma federativa por meio de rearranjos municipais no Brasil. Uma vez supridas as lacunas, os tomadores de decisão podem ser cada vez mais providos de conhecimento científico sobre o tema, e embasar a tomada de decisões de cunho estratégico no cenário federativo brasileiro.

  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

REFERÊNCIAS

  • Afonso, J. R. R., & Araújo, É. A. (2000). A capacidade de gastos dos municípios brasileiros: arrecadação própria e receita disponível. Cadernos Adenauer, 4, 35-55.
  • Bird, R. M., & Tarasov, A. V. (2004). Closing the gap: fiscal imbalances and intergovernmental transfers in developed federations. Environment and Planning C: Government and Policy, 22(1), 77-102. https://doi.org/10.1068/c0328
    » https://doi.org/10.1068/c0328
  • Bish, R. L. (2001). Local government amalgamations: discredited nineteenth century ideals alive in the twenty first. Commentary-CD Howe Institute, (150), 1.
  • Blom-Hansen, J., Houlberg, K., Serritzlew, S., & Treisman, D. (2016). Jurisdiction size and local government policy expenditure: Assessing the effect of municipal amalgamation. American Political Science Review, 110(4), 812-831. https://doi.org/10.1017/S0003055416000320
    » https://doi.org/10.1017/S0003055416000320
  • Breuss, F., & Eller, M. (2004). Decentralising the public sector: Fiscal Decentralisation and Economic Growth: Is there Really a Link?. CESifo DICE Report, 2(1), 3-9.
  • Byrnes, J., & Dollery, B. (2002). Do economies of scale exist in Australian Local Government? A review of the research evidence1. Urban Policy and Research, 20(4), 391-414. https://doi.org/10.1080/0811114022000032618
    » https://doi.org/10.1080/0811114022000032618
  • Boadway, R., & Tremblay, J. F. (2006). A theory of fiscal imbalance. FinanzArchiv/Public Finance Analysis, 1-27.
  • Dafflon, B., Tóth, K., & Tóth, K. (2003). Local fiscal equalisation in Switzerland: the case of the Canton Fribourg Institute for Economic and Social Sciences.
  • Denters, B., Goldsmith, M., Ladner, A., Mouritzen, P. E., & Rose, L. E. (2014). Size and local democracy Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781783478248.00006
    » https://doi.org/10.4337/9781783478248.00006
  • Di Liddo, G., Longobardi, E., & Porcelli, F. (2016). Measuring horizontal fiscal imbalance: the case of Italian municipalities. Local Government Studies, 42(3), 385-419. https://doi.org/10.1080/03003930.2016.1150836
    » https://doi.org/10.1080/03003930.2016.1150836
  • Dieguez, R. C. (2011). Autonomia, accountability e coesão interna: uma análise políticoinstitucional de consórcios intermunicipais.
  • Diniz, J. A. (2012). Eficiência das transferências intergovernamentais para a educação fundamental de municípios brasileiros Tese de Doutorado, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/T.12.2012.tde26072012-113928.
    » https://doi.org/10.11606/T.12.2012.tde26072012-113928.
  • Dollery, B., & Fleming, E. (2006). A conceptual note on scale economies, size economies and scope economies in Australian local government. Urban Policy and Research, 24(2), 271282. https://doi.org/10.1080/08111140600704111
    » https://doi.org/10.1080/08111140600704111
  • Drew, J., & Dollery, B. (2014). Separation anxiety: an empirical evaluation of the Australian Sunshine Coast Regional Council de-amalgamation. Public Money & Management, 34(3), 213-220.
  • Drew, J., Kortt, M., & Dollery, B. (2015). What determines efficiency in local government? A DEA analysis of NSW local government. Economic Papers: A journal of applied economics and policy, 34(4), 243-256. https://doi.org/10.1111/1759-3441.12118
    » https://doi.org/10.1111/1759-3441.12118
  • Giambiagi, F., Além, A., & Pinto, S. G. B. (2017). Finanças públicas Elsevier Brasil.
  • Hansen, S. W., Houlberg, K., & Pedersen, L. H. (2014). Do municipal mergers improve fiscal outcomes?. Scandinavian Political Studies, 37(2), 196-214.
  • Holzer, M., Fry, J., Charbonneau, E., Van Ryzin, G., Wang, T., & Burnash, E. (2009). Literature review and analysis related to optimal municipal size and efficiency Rutgers-Newark, School of Public Affairs and Administration.
  • Karkin, N., Gocoglu, V., & Yavuzcehre, P. S. (2019). Municipal amalgamations in international perspective: motives addressed in scholarly research. Asia Pacific Journal of Public Administration, 41(4), 187-202. https://doi.org/10.1080/23276665.2019.1698843
    » https://doi.org/10.1080/23276665.2019.1698843
  • Kowalik, P. (2015). Horizontal fiscal imbalance in Germany. Business and Economic Horizons, 11(1), 1-13. https://doi.org/10.15208/beh.2015.01
    » https://doi.org/10.15208/beh.2015.01
  • Kushner, J., & Siegel, D. (2005). Are services delivered more efficiently after municipal amalgamations?. Canadian Public Administration, 48(2), 251. https://doi.org/10.1111/j.1754-7121.2005.tb02190.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1754-7121.2005.tb02190.x
  • Leite, F. L. B. (2014). Fusão de municípios: impactos econômicos e políticos da diminuição do número de municípios em Minas Gerais Dissertação de mestrado. Escola de Economia e Gestão. Universidade do Minho.
  • Lima, S. D., & Diniz, J. A. (2016). Contabilidade pública: análise financeira governamental. São Paulo: Atlas, 576.
  • Lima, R. C. D. A., & Silveira Neto, R. D. M. (2018). Secession of municipalities and economies of scale: Evidence from Brazil. Journal of Regional Science, 58(1), 159-180. https://doi.org/10.1111/jors.12348
    » https://doi.org/10.1111/jors.12348
  • Mendes, M. (2004). Federalismo fiscal Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 421-461.
  • Miljan, L., & Spicer, Z. (2015). De-amalgamation in Canada. Breaking Up is Hard to Do, Toronto.
  • Mukhopadhyay, H., & Das, K. K. (2003). Horizontal imbalances in India: Issues and determinants. Economic and Political Weekly, 1416-1420.
  • Oates, W. E. (2005). Toward a second-generation theory of fiscal federalism. International tax and public finance, 12, 349-373.
  • Reingewertz, Y. (2012). Do municipal amalgamations work? Evidence from municipalities in Israel. Journal of Urban Economics, 72(2-3), 240-251. https://doi.org/10.1016/j.jue.2012.06.001
    » https://doi.org/10.1016/j.jue.2012.06.001
  • Reingewertz, Y., & Serritzlew, S. (2019). Special issue on municipal amalgamations: Guest editors’ introduction. Local Government Studies, 45(5), 603-610. https://doi.org/10.1080/03003930.2019.1615465
    » https://doi.org/10.1080/03003930.2019.1615465
  • Rezende, F. (2001). Finanças públicas São Paulo: Atlas.
  • Shankar, R.; Shah, A. Bridging the economic divide within countries: A scorecard on the performance of regional policies in reducing regional income disparities. World development, v. 31, n. 8, p. 1421-1441, 2003.
  • Shah, A. (2003). Fiscal decentralization in transition economies and developing countries. Federalism in a changing world: Learning from each other. https://doi.org/10.1515/9780773571402-030
    » https://doi.org/10.1515/9780773571402-030
  • Shah, A. (2007). The practice of fiscal federalism: Comparative perspectives (Vol. 4). McGillQueen’s Press-MQUP. https://doi.org/10.1515/9780773560444
    » https://doi.org/10.1515/9780773560444
  • Steiner, R. (2003). The causes, spread and effects of intermunicipal cooperation and municipal mergers in Switzerland. Public Management Review, 5(4), 551-571. https://doi.org/10.1080/1471903032000178581
    » https://doi.org/10.1080/1471903032000178581
  • Strebel, M. A. (2014). Launching and implementing municipal mergers: push-and pull-factors in merger processes.
  • Strebel, M. A. (2019). Why voluntary municipal merger projects fail: evidence from popular votes in Switzerland. Local Government Studies, 45(5), 654-675. https://doi.org/10.1080/03003930.2019.1584557
    » https://doi.org/10.1080/03003930.2019.1584557
  • Vergolino, J. R. O. (2013). Federalismo e autonomia fiscal dos governos estaduais no Brasil: notas sobre o período recente (1990-2010) (No. 1908). Texto para Discussão.

Editado por

  • Editores convidados:
    Ana Rita Silva Sacramento, Fabiano Maury Raupp, Cláudia Ferreira da Cruz, Ricardo Rocha de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2025
  • Aceito
    30 Abr 2025
location_on
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo Cep: 01313-902, +55 (11) 3799-7898 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosgpc-redacao@fgv.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro