Open-access O ORÇAMENTO SENSÍVEL A GÊNERO NO BRASIL: UMA IMPLEMENTAÇÃO DESCONTINUADA E INCOMPLETA (2003-2023)

Gender-responsive budgeting in Brazil: A fragmented and incomplete implementation (2003-2023)

Presupuesto con perspectiva de género en Brasil: una implementación discontinua e incompleta (2003-2023)

RESUMO

Este estudo analisa a implementação do orçamento sensível a gênero (OSG) no Brasil (2003-2023), utilizando literatura sobre OSG e transversalidade, mais process-tracing como metodologia. Identifica-se uma implementação descontinuada e incompleta, com dois períodos: interdição progressista (2003-2015), em que o Executivo ignorou esforços da sociedade civil e do Senado; e avanço conservador (2021-2023), marcado por apoio legislativo e participação da sociedade, com institucionalidade frágil em reconstrução. O foco é o período recente, atualizando a literatura. As causas do processo referem-se a dificuldades em mensurar o desempenho orçamentário e à baixa prioridade orçamentária dada à equidade de gênero. Conclui-se que fortalecer o OSG requer base legal, construção de capacidade técnica, coordenação intersetorial, articulação interfederativa e compromisso político.

Palavras-chave:
orçamento sensível a gênero; orçamento; desigualdade; equidade; mulheres.

ABSTRACT

This study examines the implementation of gender-responsive budgeting (GRB) in Brazil (2003-2023), using literature on GRB, transversality, and process-tracing as a methodology. It identifies fragmented and incomplete implementation, divided into two periods: during the progressive interdiction (2003-2015), the Executive ignored transparency efforts by civil society and the Senate; in the conservative resurgence (2021-2023), legislators supported GRB, and public participation increased, but institutions remained fragile and were under reconstruction. The study focuses on the recent period to update the literature. The findings highlight challenges in measuring budget performance and prioritizing gender equity. The study concludes that strengthening GRB requires a legal framework, technical capacity building, intersectoral coordination, interfederative articulation, and political commitment.

Keywords
gender-responsive budgeting; budget; inequality; equity; women.

RESUMEN

Este estudio analiza la implementación del presupuesto con perspectiva de género (PPG) en Brasil (2003-2023), utilizando la literatura sobre PPG y transversalidad, además del seguimiento de procesos (process tracing) como metodología. Identifica una implementación discontinua e incompleta, dividida en dos períodos: interdicción progresista (2003-2015), en la que el Ejecutivo ignoró los esfuerzos de transparencia de la sociedad civil y del Senado; y avances conservadores (2021-2023), caracterizados por el apoyo legislativo y la participación social, pero con una institucionalidad frágil en proceso de reconstrucción. El estudio se centra en el período reciente, actualizando la literatura. Las causas incluyen dificultades para medir el desempeño presupuestario y baja prioridad presupuestaria a la equidad de género. Se concluye que fortalecer el PPG requiere base legal, desarrollo de capacidades técnicas, coordinación intersectorial, articulación interfederativa y compromiso político.

Palabras clave
presupuesto con perspectiva de género (PPG); presupuesto; desigualdad; equidad; mujeres.

INTRODUÇÃO

Originário da Austrália dos anos 1980, o orçamento sensível a gênero (OSG) é um mecanismo que integra a perspectiva de gênero nas decisões orçamentárias, e visa identificar e implementar ações para reduzir desigualdades de gênero e promover a equidade (OECD, 2023a).

Este artigo analisa o OSG no Brasil (2003-2023), com foco na União e ênfase em 2021-2023, ao investigar fatores que contribuíram para sua implementação e impacto na igualdade de gênero no orçamento federal. Toma-se o orçamento como instrumento tecnopolítico - referencial explorado na seção subsequente -, e adota-se o process-tracing como metodologia, a fim de mapear os processos causais que explicam sua baixa institucionalização, conectando evidências e contexto histórico (6 & Bellamy, 2012; Silva & Cunha, 2014; Trampusch & Palier, 2016). O caso é relevante, pois mulheres - negras, em particular - são maioria no Brasil, vivendo em piores condições que os homens (IPEA, 2024; IBGE, 2022, 2024). O estudo assume o pressuposto de que o OSG foi incorporado de forma descontinuada e incompleta, dividido em duas fases: interdição progressista (2003-2015) e avanço conservador (2021-2023).

Os achados informam que entre 2003 e 2015, apesar da receptividade a políticas para mulheres, o Executivo ignorou o OSG proposto pela sociedade civil e pelo Senado. Entre 2016 e 2020, com o impeachment de Dilma Rousseff e a mudança de orientação política na Presidência da República, o OSG virtualmente desapareceu da esfera pública. Seu ressurgimento em 2021 coincidiu com o enfraquecimento das áreas de planejamento e orçamento, mulheres e participação social, o que limitou seu impacto. As causas incluem dificuldades em mensurar o desempenho orçamentário e a fragilidade da agenda política de gênero. Isso se articula à baixa integração da equidade de gênero ao processo orçamentário, a disputas pelo significado da transversalidade de gênero em políticas públicas e à ausência de uma estratégia nacional para as mulheres. Superar esses desafios técnicos e políticos é essencial para fortalecer o OSG.

O artigo atualiza a literatura sobre OSG no país (2021-2023), e se divide em seis seções, além desta introdução e das referências. Na primeira, percorre-se o referencial teórico. Na segunda, a literatura internacional sobre OSG. Na terceira, a literatura correlata ao OSG no Brasil. Na quarta, debruça-se sobre a experiência recente de OSG no país e, na seguinte, discutem-se seus limites e desafios. Na última seção, tecem-se as considerações finais.

O ORÇAMENTO PÚBLICO COMO UM INSTRUMENTO DE GOVERNANÇA COMPLEXA

O orçamento é um instrumento central de governo, que reflete escolhas e ajustes de recursos conforme as prioridades. Funciona como vetor ou veto de compromissos dos mandatos (Abreu e Câmara, 2015). Sua governança é complexa, pois envolve atores estatais e não estatais conectados por laços formais e informais, e articula decisões em diferentes níveis institucionais (Le Galès, 2015; Marques, 2013).

O processo orçamentário tem duas camadas: uma macroinstitucional, com regras formais que o definem, e outra microinstitucional, com práticas informais, códigos culturais e interações sociais (Peres, 2007). Nessas camadas, o orçamento resulta de ajustes e escolhas entre escassez de recursos, conflito distributivo e incrementalismo, e reflete o contexto político e econômico (Caiden, 2010; Lindblom, 2009; Wildavsky, 1969).

Apesar do foco na racionalização e eficiência das últimas décadas, o orçamento permanece como uma arena política, na qual interesses são negociados e decisões são tomadas (Schick & OECD, 2009; Schneider, 2005). Portanto, ele vai além de números e relatórios técnicos, configurando-se como espaço de interação entre pessoas, ideias e objetivos.

No Brasil, a governança do orçamento público é regulada pela Constituição Federal de 1988 e por leis como a Lei nº 4.320/1964 (Lei de Finanças Públicas), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF - LC nº 100/2000) e o Novo Arcabouço Fiscal (NAF - LC nº 200/2023). O processo orçamentário é composto pelo Plano Plurianual (PPA), que define diretrizes, objetivos e metas para quatro anos; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que orienta a elaboração e execução da LOA, estabelecendo metas - inclusive fiscais; e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que estima receitas e fixa despesas para o exercício financeiro.

A Lei 4.320/64 padronizou o orçamento-programa (OP), mas teve baixo impacto estratégico (Wildavsky, 1969; Piscitelli, 1988). Nos anos 1990, o Plano Real estabilizou a economia e reduziu a inflação, preparando o país para reformas fiscais. Isso culminou na LRF, que estabeleceu parâmetros para o controle de despesas, endividamento, transparência, responsabilização e participação. O NAF introduziu regras adicionais, como o limite global de despesa primária, o que reforçou a governança fiscal.

Uma instância central da referida governança é a Junta de Execução Orçamentária (JEO), que assessora o Presidente no estabelecimento das metas fiscais e na definição da execução orçamentária e financeira da União. É composta por ministros da área econômica - Planejamento e Orçamento (MPO), Fazenda (MF) e Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) - e coordenada pelo Ministro da Casa Civil, de forma a garantir alto nível decisório. Com reuniões periódicas e o apoio técnico de secretarias dos referidos ministérios, a JEO busca assegurar o alinhamento do orçamento às prioridades de governo e à promoção do equilíbrio fiscal (Brasil, 2019).

As regras formais estabeleceram um processo orçamentário mais regulado e transparente, todavia, sem modernização ou incorporação dos avanços internacionais de promoção da equidade. Em sentido oposto, a literatura crítica contemporânea reforça que a distribuição orçamentária não é neutra e favorece grupos específicos, o que demanda sistemas orientados pela justiça distributiva (Stiglitz & Rosengard, 2015; Souza, 2017). Nesse cenário, Rubin (2015) propõe uma renovação da teoria orçamentária ao destacar a importância de revisitar autores clássicos e suas contribuições para entender os limites e possibilidades do modelo atual, apontando para a necessidade de novas abordagens que considerem a complexidade contemporânea da gestão fiscal.

Dentre as novas abordagens que trazem a preocupação com a equidade e a justiça social está o OSG. É esta dimensão que veremos nas seções a seguir.

ORÇAMENTO SENSÍVEL A GÊNERO: ORIGENS, EXPERIÊNCIAS E METODOLOGIAS

Para a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o OSG é uma ferramenta que incorpora a igualdade de gênero no orçamento, para assegurar objetivos de igualdade, como reduzir a disparidade salarial e eliminar desigualdades no mercado de trabalho. Visa remover preconceitos de gênero dos processos governamentais e requer uma abordagem integrada de ação (legal, regulatória, política e orçamentária). O OSG objetiva promover mudanças sociais mais amplas, com benefícios sociais e econômicos (OECD, 2023a). Nesta concepção, o gênero é encarado como uma questão social abrangente e não restrita a mulheres e meninas.

O OSG surgiu na Austrália nos anos 1980 impulsionado por três fatores: (i) escritórios de políticas para mulheres que buscaram envolver-se no orçamento; (ii) feministas assumindo cargos nesses escritórios, à procura de apoio para o conceito de OSG; (iii) e governos reformistas buscando converter demandas por igualdade em políticas concretas (Sharp, 2012). Sua implementação envolveu diretamente a área econômica e buscou engajar todos os órgãos na avaliação do impacto de gênero nas políticas públicas. O gasto foi classificado em três categorias: (i) etiquetado para mulheres e meninas; (ii) para igualdade no emprego; e (iii) geral. Isso ampliou a conscientização da burocracia e fortaleceu a intervenção das mulheres no debate público, o que resultou em um aumento nos programas e gastos direcionados a mulheres e meninas. No entanto, após 1996, a iniciativa enfraqueceu, sem apoio da sociedade civil e diante do advento de políticas neoliberais (Hofbauer & Vinay, 2012; Sharp, 2012).

A IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995), introduziu três inovações australianas na sua Declaração: (i) a necessidade de abordar as desigualdades de gênero como parte da vida democrática; (ii) a importância de alocar recursos financeiros para essa missão; e (iii) a importância de integrar a perspectiva de gênero em todas as políticas públicas para enfrentar as desigualdades (ONU, 2016). Essa abordagem se tornou conhecida como gender mainstreaming e, no Brasil, como transversalidade.

A difusão do OSG ganhou força, impulsionado por ONGs e organizações multilaterais. Experiências da África do Sul e do México, com estruturas socioeconômicas relativamente semelhantes às do Brasil, fornecem pistas interessantes para analisar o caso brasileiro.

O orçamento de gênero na África do Sul começou em 1995, e envolveu organizações da sociedade civil, parlamentares e mulheres burocratas no pós-apartheid. Nos primeiros três anos, pesquisadores analisaram orçamentos locais para (i) desagregar dados por sexo, idade, etnia e localização; (ii) analisar a sensibilidade de gênero das políticas setoriais; (iii) examinar a alocação de recursos; e (iv) estabelecer indicadores para avaliar a eficácia dos recursos. A experiência mostrou a necessidade de criar e utilizar ferramentas analíticas - as quais exigiram um enorme esforço institucional -, combinada à construção de apoio político, para implementar mudanças. Ela se tornou piloto no continente africano, com apoio da Commonwealth (Hofbauer & Vinay, 2012; Budlender, 2012).

Na impossibilidade de aplicar plenamente o modelo australiano, o México desenvolveu esforços estatísticos de desagregação de dados e novas pesquisas, junto com a criação de novas institucionalidades. Em 1999, surgiu o Programa Nacional da Mulher (Pronam), que buscou identificar os recursos destinados às mulheres. Desde 2008, promove-se a etiquetagem do gasto das políticas para mulheres no orçamento federal, destacando ações relevantes (Hofbauer & Vinay, 2012).

Além da ação da Commonwealth na década de 1990, o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), hoje ONU Mulheres, lançou, em 2001, um programa global de OSG em parceria com várias organizações, a fim de atender à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

Em 2003, mais de 50 países adotavam práticas de OSG, mesmo sem nomeá-las explicitamente. Em 2016, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconheceu que mais de 80 países implementavam alguma forma de OSG, incluindo experiências latino-americanas. Em 2022, 23 membros da OCDE, incluindo Canadá, Japão e Alemanha, relataram a introdução de práticas de OSG. Atualmente, a OCDE, junto com o FMI e o Banco Mundial, promove pesquisas e incentiva iniciativas de OSG globalmente (Budlender, 2012; Sharp, 2012; Stotsky, 2016; OECD, 2023b). Como parte desse apoio, ela oferece orientações customizadas aos países. Em 2024, lançou uma publicação exclusiva para o Brasil, explorada adiante, baseada em um framework atualizado periodicamente, sintetizado na Tabela 1.

Tabela 1
Síntese das melhores práticas da OCDE para a orçamentação de gênero

Em 2012, Hofbauer e Vinay apresentaram um conjunto de ferramentas que se ajustam a estas práticas, a saber:

  • (i) avaliação das políticas públicas sob a perspectiva de gênero, identificando temas, analisando a distribuição setorial de recursos e suas consequências.

  • (ii) Avaliação desagregada de beneficiárias(os), com escuta de mulheres via pesquisas de opinião, entrevistas e grupos de trabalho.

  • (iii) Análise desagregada por sexo do gasto público de determinados programas (visando apurar custos unitários).

  • (iv) Análise desagregada da incidência dos impostos por gênero.

  • (v) Análise desagregada do impacto do orçamento no uso do tempo nos lares.

  • (vi) Marco de política econômica de médio prazo com perspectiva de gênero, vinculando políticas, orçamento e impactos.

  • (vii) Relatório orçamentário setorial com perspectiva de gênero, a fim de identificar programas, políticas e despesas para a equidade de gênero (Hofbauer & Vinay, 2012).

A difusão do OSG expôs dificuldades em países em desenvolvimento. Budlender (2012) destacou que a falta de teoria, dados e especialistas dificultava a conversão de diagnósticos em propostas. Ademais, ponderou que a resistência à participação popular nas discussões de política econômica e as regras de organizações multilaterais quanto a ajustes fiscais limitaram a inclusão de perspectivas diversas e relevantes - e mesmo a capacidade dos países de desenvolver e implementar soluções customizadas (Budlender, 2012).

A literatura selecionada neste trabalho informa o potencial transformador do OSG, assim como os desafios para consolidá-lo como ferramenta orçamentária. O sucesso depende de técnicas multidisciplinares e de apoio institucional e político das lideranças de governo, da sociedade civil e de organizações multilaterais. Isso sugere que sua implementação reflete a natureza institucional do orçamento - reguladíssimo, sujeito ao incrementalismo e parte do conflito distributivo - e das hierarquias de gênero. A seguir, examina-se o OSG no Brasil.

ORÇAMENTO SENSÍVEL A GÊNERO NO BRASIL

O Brasil aderiu ao OSG em dois períodos: 2005-2013 e desde 2021. No primeiro, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) vocalizou demandas da sociedade por transparência nos gastos com mulheres, levando o Senado a publicar o “Orçamento Mulher” nas consultas temáticas da sua plataforma de transparência de gastos, o SIGA Brasil. A iniciativa foi considerada uma inovação no controle social das despesas públicas. No segundo período, a Bancada Feminina no Congresso aprovou, na LDO-2021, um dispositivo que requer um relatório do Executivo sobre o gasto realizado com mulheres e sua metodologia de apuração. Disso deriva o relatório “A mulher no Orçamento”, publicado anualmente.

A produção sobre o OSG no país é incipiente, o que reflete o caráter interrompido e inacabado de sua implementação. Assim, temas correlatos, como a transversalidade de gênero em políticas públicas e nos PPA, ajudam na sua compreensão. As próximas seções se debruçarão sobre ambos os períodos apontados, precedidas por uma revisão da literatura conexa ao OSG no Brasil.

Marcondes e Farah (2021) conceituaram a transversalidade em três dimensões: (i) como um processo transformador que incorpora perspectivas feministas nas políticas públicas, em todo o seu ciclo; (ii) que envolve o desenvolvimento de condições institucionais que sustentam essa abordagem; (iii) para seu alinhamento às agendas feministas. É diferente da intersetorialidade, que envolve somente a integração colaborativa de setores governamentais. Cada dimensão garante que as políticas públicas reflitam e implementem a igualdade de gênero em perspectiva interseccional, desafiando estruturas patriarcais.

Para Marcondes e Farah (2021), como conceito normativo, a transversalidade de gênero enfrenta conflitos com tradições públicas que reproduzem desigualdades. Sua integração nas políticas pode ser completa, promovendo a igualdade de gênero, ou marginal, o que não altera a estrutura. Assim, políticas para as mulheres podem não enfrentar desigualdades de gênero, como as creches da Legião Brasileira de Assistência, que previam a ampliação de vagas com trabalho alternado das mães. E, embora a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) na União não fosse de Igualdade de Gênero, isso não impediu que ela promovesse mudanças nas relações de gênero. Nesse sentido, a intersecção entre atrizes feministas, contextos políticos e discursos variados molda como a transversalidade é instituída e implementada nas políticas públicas (Marcondes & Farah, 2021).

Rodrigues e Xavier (2017) analisaram a transversalidade em três PPAs federais (2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015), destacando a ausência de uma definição unificada desse conceito. Conforme as autoras, embora a introdução da transversalidade por demanda da sociedade tenha sido promissora, seu escopo foi reduzido ao longo dos PPAs, restringindo-se a grupos específicos (mulheres, minorias), em detrimento de uma abordagem mais abrangente e intersetorial. Três desafios principais foram identificados na sua implementação: (i) ambiguidade conceitual e uso restrito à área social; (ii) associação com vulnerabilidade, aliada ao tratamento indistinto das demandas de grupos vulneráveis; e (iii) escassez de recursos e capacidade para coordenação e colaboração, o que impediu sua efetivação. Apesar disso, elas defendem a transversalidade como uma abordagem valiosa para enfrentar problemas complexos e combater desigualdades (Rodrigues & Xavier, 2017).

Pereira et al. (2010) investigaram as políticas sociais no PPA do estado de Mato Grosso (2004-2007) sob a ótica da transversalidade de gênero no orçamento, apoiando-se no enfoque transformador e na teoria feminista. O estudo constatou desigualdades entre homens e mulheres, acentuadas pela falta de perspectiva de gênero nos programas, enquanto o agronegócio foi priorizado. Em 2005, cerca de 30% do orçamento das políticas sociais não foi executado, número que subiu para 55% nas políticas transversais. Em contraste, programas econômicos e fiscais tiveram alta execução, sugerindo que decisões orçamentárias refletem o poder de vozes mais organizadas e influentes. Portanto, argumentam, houve discrepância entre as intenções de enfrentar desigualdades incorporando a transversalidade de gênero e a execução orçamentária. Os autores concluem que a efetiva tradução desses princípios nas políticas públicas demanda revisão das premissas e processos orçamentários para torná-los mais inclusivos. Para isso, enfatizam a importância de enfoques participativos e da coordenação entre políticas econômicas e sociais (Pereira et al., 2010).

Xavier e Rodrigues (2022) analisaram o “Orçamento Mulher” do CFEMEA (2003-2015), e destacaram sua importância para monitorar gastos com mulheres. A iniciativa surgiu após o CFEMEA participar de conferências nacionais e internacionais de direitos, que evidenciaram a necessidade de acompanhar o orçamento com foco em gênero. O CFEMEA selecionou programas por público-alvo, definição legal, foco em gênero e relevância para mulheres, categorizando-os em temas. Contudo, enfrentou barreiras para efetivar o monitoramento, provocadas pela estrutura setorial, carência de políticas de gênero e raça e dificuldades no acesso e compreensão dos dados. A análise começou com dados legislativos, mas o lançamento do SIGA Brasil pelo Senado ampliou o acesso e o monitoramento do gasto. Em 2008, o Orçamento Mulher alinhou-se ao II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, incluindo direitos de populações negras e indígenas. Alterações no PPA e no orçamento entre 2011 e 2013 dificultaram a rastreabilidade de recursos - com a ampliação da desconexão entre plano e orçamento e do caráter genérico de ações orçamentárias -, o que reduziu a transparência e levou ao encerramento do projeto em 2015 (Xavier & Rodrigues, 2022).

No transcurso da experiência, Xavier e Rodrigues (2022) notaram esforços para aumentar a participação feminina no orçamento, com avanços como (i) a inclusão de representantes da sociedade na elaboração do PPA a partir de 2004; (ii) a criação do Fórum Interconselhos em 2011, instância que reúne representantes de conselhos nacionais de políticas públicas; e (iii) o estabelecimento das Agendas Transversais, mecanismo de agregação de iniciativas e ações orçamentárias orientadas para a resolução de problemas complexos no PPA 2012-2015. Todavia, em 2019, o Executivo limitou a participação social, reduziu o número de colegiados e encerrou as Agendas Transversais, evidenciando a descontinuidade e inconsistência sobre o assunto já iniciada em 2016. Nesse sentido, as autoras sublinharam a necessidade de fortalecer a institucionalização do OSG com normas legais e alianças (Xavier & Rodrigues, 2022).

Marin e Marinho (2024) destacaram que, em 2023, pela primeira vez em vinte anos, a transversalidade de gênero e raça foi incorporada simultaneamente em planos e orçamentos públicos na União e em alguns estados, de forma a melhorar as condições de vida de mulheres e pessoas negras por meio de metas específicas e alocação de recursos. Os autores identificaram duas metodologias de OSG em execução. Na primeira, adota-se o critério de público beneficiário: as despesas são classificadas em exclusivas e não exclusivas, sendo essas últimas ponderadas pelo número de mulheres, com vistas a fornecer uma estimativa mais precisa do gasto. Esse modelo é adotado pelo Governo Federal e pelo estado do Ceará. Na segunda metodologia, adota-se o critério das prioridades políticas: as despesas para mulheres são destacadas, o que sinaliza a reavaliação das políticas universais sob a perspectiva de gênero e raça. Rio de Janeiro e Acre atuam dessa forma (Marin & Marinho, 2024).

Marin e Marinho (2024) ressaltaram que, quanto à apuração dos montantes, a ponderação demográfica dos gastos não exclusivos não capta as discriminações que afetam mulheres e pessoas negras no acesso e na execução de políticas públicas. Finalmente, os autores também ponderaram que o avanço da agenda da transversalidade de gênero e raça no orçamento depende muito da conjuntura política - como pauta, a transversalidade foi interrompida em 2016 e retomada em 2023 - e do ativismo burocrático (Marin & Marinho, 2024).

Este trabalho reconhece, com base em Marcondes e Farah (2021), um arcabouço teórico para entender a transversalidade de gênero, aplicável ao orçamento, que destaca sua concretização plena ou marginal. Rodrigues e Xavier (2017) entendem que a transversalidade tem se demonstrado ambígua, aplicada a vulnerabilidades sociais para além do gênero, carente de recursos e capacidades para sua implementação. Com Pereira et al. (2010), verifica-se a persistência das desigualdades de gênero nos orçamentos, com discrepância entre intenções e execução, desfavorecendo grupos já vulneráveis. A partir de Xavier e Rodrigues (2022), compreende-se que a institucionalização do OSG no Brasil permanece frágil, e carece de respaldo político e medidas estruturantes para se consolidar. Considerando Marin e Marinho (2024), se reconhece a emergência de questões metodológicas próprias do processo de implementação do OSG, destacando-se a importância do contexto político progressista para sua emergência. Juntos, os textos ressaltam que, além dos obstáculos políticos, o OSG depende de técnicas eficazes e da participação social para modificar o processo orçamentário na perspectiva da equidade e, então, promover a igualdade de gênero. Essas especificidades e convergências serão úteis para análise do ciclo mais recente de OSG na esfera federal de governo, apresentada na seção a seguir.

A EXPERIÊNCIA RECENTE DO ORÇAMENTO SENSÍVEL A GÊNERO: 20212023

A LDO-2021 determinou que o Poder Executivo Federal divulgasse um relatório sobre o “Orçamento Mulher” até 31 de janeiro de 2022. O documento deveria incluir uma metodologia para acompanhar programas e ações destinados às mulheres no Orçamento Fiscal e da Seguridade da LOA-2021.

O novo “Orçamento Mulher” não foi uma iniciativa do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) nem do Ministério da Economia (ME). Na Mensagem de Veto à LDO, o Executivo alegou que “Os dispositivos [do Orçamento Mulher] revelam-se impróprios dado que as políticas públicas de redução das desigualdades de gênero fazem parte do orçamento fiscal, não havendo previsão constitucional para criação de outros orçamentos” (Brasil, 2020). O argumento, portanto, era de que a proposição violava o princípio da unidade do orçamento, muito embora a solução da etiquetagem do gasto já fosse comum internacionalmente.

A Bancada Feminina se articulou para derrubar o veto no Congresso, o que conseguiu. Alcançou em um governo conservador o que não foi feito nos governos progressistas anteriores: obrigar o Poder Executivo a refletir sobre o impacto dos gastos nas condições de vida das mulheres. Depois, a elaboração do relatório “A Mulher no Orçamento” coube à Secretaria de Orçamento Federal (SOF), então ME.

Para 2021, com apoio dos ministérios, a SOF selecionou 79 ações em 27 programas do PPA 2020-2023, abrangendo 11 órgãos e 6 categorias, inspiradas no trabalho do CFEMEA - Siga Brasil: saúde, proteção social, educação, autonomia econômica, acesso a direitos (moradia, cultura, esporte e lazer) e combate à violência. A seleção envolveu cinco etapas: (i) identificação das ações orçamentárias por palavra-chave; (ii) análise do desenho das políticas públicas das ações selecionadas; (iii) inclusão de ações que reduzem desigualdades de gênero, segundo estudos; (iv) ações com maioria feminina entre os beneficiários; (v) validação. Os gastos foram totalizados, incluindo outros beneficiários além das mulheres. Nesse sentido, chegou-se à cifra superestimada de R$ 236 bilhões em valores empenhados. Tal limitação sinalizava a necessidade de registros administrativos com dados desagregados por sexo, raça/cor interoperáveis, mais avaliações de políticas públicas que permitissem enfrentar a desigualdade do gasto (Brasil, 2022).

Em fevereiro de 2022, por meio de nota técnica da Bancada Feminina, a Câmara dos Deputados destacou que o relatório “A Mulher no Orçamento 2021” reconheceu que as políticas públicas afetam homens e mulheres de maneira diferente, e sugeriu que cortes em políticas sociais prejudicam desproporcionalmente as mulheres. Dados agregados e a superestimação da despesa foram criticados na nota. Outras falhas também foram apontadas, como a exclusão de ações orçamentárias semelhantes a outras incluídas no relatório. Os encaminhamentos propostos incluíram: (i) elaboração de uma série de 10 anos das ações orçamentárias voltadas para mulheres, pela Consultoria de Orçamentos da Câmara; (ii) elaboração de requerimentos ao governo para abordar e solucionar dificuldades identificadas; (iii) audiência pública para discutir o relatório, com participação da sociedade; e (iv) um pedido ao Tribunal de Contas da União (TCU) para acompanhar os desafios e analisar a metodologia do Orçamento Mulher (Câmara dos Deputados, 2022).

Conforme nota técnica do Senado de 2022, o relatório “A Mulher no Orçamento” refletiu problemas que motivaram sua criação, como a opacidade das ações do Executivo para mulheres. A falta de transparência, portanto, afetava não somente a sociedade, mas o próprio governo. Entre as críticas, destacam-se: (i) o relatório não se mostrava reproduzível e não especificava o orçamento exclusivo para mulheres; (ii) excluiu ações com impacto negativo sobre elas; (iii) apresentou ações sem examinar indicadores de execução ou fatores que impediram a implementação completa do orçamento; e (iv) incluiu ações que beneficiavam mulheres indiretamente, sem foco específico. Algumas limitações foram reconhecidas no próprio relatório (Brasil, 2022; Santos, 2022).

Ainda conforme o documento, o relatório “A Mulher no Orçamento 2021” provocou mudanças, como o advento de notas técnicas e estudos, a realização de um seminário internacional pela Câmara, a formação da Rede Orçamento Mulher e a retomada da divulgação de dados orçamentários com mulheres pelo SIGA Brasil. Assim, reabilitou a produção de evidências sobre políticas para mulheres, destacando a necessidade de revisar práticas rumo ao OSG (Santos, 2022). A Rede Orçamento Mulher promove práticas de orçamento sensível a gênero e raça em todos os níveis federativos, o que envolve parlamentares, organizações da sociedade civil e especialistas, incluindo membros de entidades como ONU Mulheres, ministérios, secretarias de planejamento, centros de estudos e fundações.

Em janeiro de 2023 foi publicado um novo relatório “A Mulher no Orçamento” (Brasil, 2023), relativo à LOA-2022. O documento endereçou parte das críticas feitas pelo Congresso. Assim, incluiu uma série histórica de oito anos de gastos (2015-2022) para mulheres - considerando a mudança orçamentária que encerrou as atividades do Orçamento Mulher -, além da apuração do gasto anual. Ele incorporou a classificação dos gastos como “específicos” ou “ampliados”, à semelhança da experiência australiana, destacando ações que beneficiam diretamente as mulheres. Os valores apurados somaram R$ 327,32 bilhões em valores pagos, dos quais R$ 27,87 milhões especificamente dedicados às mulheres (Brasil, 2023).

O relatório também destacou o posicionamento mediano do Brasil no “Relatório Global de Hiato de Gênero” do Fórum Econômico Mundial (94ª posição), que sinalizou a baixa institucionalidade do país quanto a políticas de gênero em relação a outros países da América Latina e do Caribe, conforme estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Assim, enfatizou a necessidade de uma estratégia refletida no orçamento para promover a igualdade de gênero. Sugeriu-se a recriação de uma pasta dedicada a mulheres que ajudasse na formulação de um “Orçamento Mulher” e do relatório “A Mulher no Orçamento”. Na governança orçamentária, o relatório propôs a criação de uma unidade orçamentária para mulheres, um programa no PPA 2024-2027 com ações que identificassem a quais políticas públicas elas se referiam, com especificação de beneficiários e vinculação à igualdade de gênero, além de efetivar a etiquetagem do gasto (Brasil, 2023).

Possivelmente devido ao advento de um governo progressista em 2023, e então, da rápida alocação de servidores públicos na gestão capazes de formular críticas consistentes ao relatório e à implementação do OSG no Brasil, não emergiram manifestações sobre o documento divulgado em janeiro.

O relatório “A Mulher no Orçamento” publicado em 2024 relativo ao ano de 2023 foi formulado no contexto do PPA 2024-2027, beneficiando-se da nova estrutura de governo. Foram (re)criados o MPO, o Ministério das Mulheres (MM) e o Ministério da Igualdade Racial (MIR). Além disso, a Secretaria Nacional de Planejamento (SEPLAN) e a SOF absorveram, simultaneamente e pela primeira vez, competências relativas à transversalidade, o que permitiu destacar políticas públicas para mulheres - entre outros temas e públicos - no PPA, na LDO e na LOA. Também foram criadas as Assessorias de Participação Social e Diversidade (ASPADI) nos ministérios, a fim de promover setorialmente temáticas de gênero e raça, dentre outras.

Metodologicamente, o terceiro relatório aprimorou a busca por ações orçamentárias e abordou a superestimação do gasto, ponderando o gasto não exclusivo pela proporção de mulheres (51,5%) no Censo Demográfico. A justificativa para a inclusão de ações no documento tornou-se mais clara, e uma colaboração com o MM resultou na criação de mais uma categoria de gasto, ligada à vida pública e a espaços de poder e decisão. Analiticamente, o relatório relacionou as condições de vida das mulheres e o orçamento usando as Estatísticas de Gênero do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024). Os dados revelam disparidades significativas entre homens e mulheres no mercado de trabalho, rendimentos, divisão sexual do trabalho (trabalho doméstico não remunerado), acesso a recursos e representação política, com maior impacto em mulheres negras (Brasil, 2024).

Para enfrentamento desses problemas, o documento apresentou as principais políticas implementadas no ano de 2023, como a Lei de Igualdade Salarial, a atualização da Lei de Licitações - que exige a contratação de 8% de vítimas de violência nas contratações públicas - e ações para agricultoras, além de iniciativas contra assédio moral e investimentos em creches. Esforços específicos incluíram a inclusão de mulheres negras nas posições de liderança; a elevação da escolaridade de mulheres vulneráveis e da participação feminina nas ciências, engenharias e computação; a promoção da dignidade menstrual nas escolas e para mulheres em vulnerabilidade; e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê novas maternidades e centros de parto normal. O Programa Mulher Viver sem Violência também foi recriado, com a construção de unidades da Casa da Mulher Brasileira e ações contra o feminicídio.

O documento selecionou 91 ações orçamentárias, totalizando R$ 202 bilhões pagos até o final de 2023. Apenas 0,1% desse valor foi de gasto exclusivo - R$ 183 milhões. Os maiores gastos ocorreram em despesas obrigatórias na saúde e na assistência social, enquanto o gasto exclusivo se concentrou em despesas discricionárias. O relatório reiterou sua importância na construção de um OSG no país (Brasil, 2024).

Em registro mais recente, a OCDE analisou a implementação do OSG no Brasil até 2023, de acordo com seu framework. Conforme a organização, o atual governo tem colocado a igualdade de gênero no centro da sua agenda política, ao abordar questões como remuneração, cuidado e violência política. No entanto, estatísticas demonstram que os desafios são significativos. Nesse sentido, o OSG apresenta-se como uma ferramenta relevante para enfrentá-los. Reconhecendo avanços como o relatório “A Mulher no Orçamento” e a implementação da etiquetagem do gasto na LOA-2024, a OCDE teceu recomendações ajustadas ao PPA 20242027. Elas estão sintetizadas na Tabela 2.

Tabela 2
Síntese das recomendações da OCDE para o OSG no Brasil

Em nota técnica do Senado Federal, publicada em 2025, afirma-se que, após três edições, o relatório “A Mulher no Orçamento” ainda carecia de clareza e transparência sobre os recursos destinados às mulheres. A maioria dos órgãos ainda não tinha dados de impacto de gênero, e as ações voltadas ao público feminino eram diluídas em políticas gerais. Os gastos específicos permaneciam baixos. Conforme o documento, os relatórios demonstravam descompromisso com o OSG, o que evidenciava fragilidades na governança orçamentária. A nota recomendou institucionalizar o OSG com normas permanentes, fortalecer a capacidade técnica para produção de dados desagregados e garantir que o orçamento reflita de forma clara e rastreável as políticas para mulheres - com estratégia nacional, compromisso político e articulação federativa (Santos, 2022).

A articulação das parlamentares estabeleceu a obrigatoriedade da reflexão periódica do Executivo sobre o gasto com mulheres em relatório. Reconhecendo a não neutralidade das políticas em diferentes edições, o documento vislumbrou novas formas de intervenção que se concretizaram, como a etiquetagem de gasto e a reconstrução da institucionalidade de políticas para mulheres. A seção a seguir analisa essa experiência à luz da literatura selecionada.

LIMITES E DESAFIOS DO ORÇAMENTO SENSÍVEL A GÊNERO NO BRASIL

O OSG no Brasil é incipiente, aplicado de modo ex-post no orçamento, e serve à verificação das ações executadas. Falta-lhe uma abordagem ex-ante, que incorpore a equidade de gênero na alocação de despesas. Para tanto, é essencial estabelecer uma estratégia que alinhe políticas econômicas, sociais e regulatórias, aproximando-se do conceito de gender mainstreaming.

Tal caráter reflete dificuldades institucionais em qualificar a execução orçamentária, como sinalizam as críticas do Congresso. Diz respeito à capacidade de estabelecer e cumprir prioridades, com definição de metas, indicadores, ações de monitoramento e avaliação, transparência e prestação de contas. Sintoma e síntese dessa capacidade a ser construída é a indisponibilidade de dados desagregados por gênero, raça e etnia, por ação orçamentária. Sem eles, não se mensuram o custo-efetividade da intervenção pública, seus resultados e impacto diferenciais.

Além do aspecto técnico, há um componente político: a agenda de gênero no gasto público é frágil. O “Orçamento Mulher” (2003-2015) foi "desconsiderado" pelo Executivo do início ao fim, e o relatório “A Mulher no Orçamento” (2021-) surgiu em meio a instituições fragilizadas ou extintas - como MPO, SEPLAN, MM e Fórum Interconselhos.

Por essas razões, afirma-se que a implementação do OSG no Brasil tem sido descontinua e incompleta, caracterizada por dois períodos. No primeiro - interdição progressista (20032015) -, o Executivo ignorou o OSG, apesar da participação da sociedade junto ao Senado para promover a transparência nos gastos com mulheres e do ambiente político favorável à transversalidade de gênero. No segundo, de avanço conservador (2021-2023), ferramentas relevantes foram implementadas em um contexto de institucionalidade refratária - porque débil (2021-2022), que, a partir de 2023, entrou em processo de reconstrução. Há que se sublinhar que esses períodos só foram possíveis porque sociedade civil e Poder Legislativo se articularam para que o OSG tomasse forma.

As recomendações da OCDE para o OSG no Brasil detalham diretrizes operacionais por instituições, em todo o ciclo de políticas públicas. Tal entrega lança luz sobre desafios relevantes que a experiência em curso coloca, como (i) coordenação intersetorial, visando um orçamento mais efetivo no enfrentamento às desigualdades; (ii) superação das resistências à transversalidade, disfarçadas sob bandeiras de divisão de competências e universalidade; e (iii) articulação interfederativa, visando acolhimento e troca de experiências subnacionais, mais a geração de consensos que favoreçam sua consolidação.

Finalmente, a implementação do OSG no Brasil teve impacto marginal na governança orçamentária. No período de interdição progressista, o “Orçamento Mulher” foi insuficiente para criar uma janela de mudanças no processo orçamentário que incorporasse a equidade como parte dos seus objetivos. Durante o avanço conservador, o relatório “A mulher no Orçamento” forneceu as bases para a etiquetagem do gasto no ciclo do PPA 2024-2027 e para difusão federativa do OSG. A reestruturação institucional recente e o acolhimento das recomendações da OCDE indicam um compromisso, mas sua implementação permanece incerta, uma vez que ainda não se traduziu em competências institucionais renovadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação do OSG no Brasil (2003-2023) foi descontínua e incompleta.. No período de interdição progressista (2003-2015), apesar do ambiente político favorável à transversalidade de gênero e participação social, o Poder Executivo ignorou o esforço da sociedade civil e do Senado para visibilizar e monitorar gastos com mulheres, o que limitou seu impacto. A partir de 2021, o OSG ressurgiu, impulsionado pelo Poder Legislativo, enfrentando fragilidade institucional e resistência política. Desde 2023, há uma disposição renovada com sua implementação, o que ainda não se traduziu em competências institucionais claras em diferentes órgãos e em uma estrutura de governança consolidada. A sociedade tem prestado o seu apoio mais uma vez, por meio da “Rede Orçamento Mulher”.

O orçamento público é, por excelência, uma arena de conflito distributivo, no qual as prioridades alocativas refletem a força dos atores que disputam recursos, em batalhas recorrentes. Os desafios na implementação do OSG estão enraizados na dificuldade de garantir espaço prioritário nessa arena, resultado do peso desigual dos atores e da limitada capacidade de mensurar o desempenho orçamentário. Isso compromete a visibilidade da fragilidade da agenda de gênero e obscurece sua importância para o avanço econômico e social do país.

Os desafios ao OSG são relevantes e podem ser minimizados com a agenda estratégica da OCDE. Ela lança luz na necessidade de garantir consistência intersetorial e intertemporal da equidade - ou transversalidade - de gênero nas políticas públicas, com transparência, coordenação intersetorial e articulação interfederativa. A participação da sociedade também é fundamental, pois garante que o OSG atenda demandas concretas e não seja uma soma a posteriori de ações setoriais. É essencial criar uma base legal que modifique os incentivos orçamentários, para que a equidade seja vista como um princípio e um resultado esperado do processo orçamentário - e não apenas dos órgãos setoriais. Sem isso, aumentam-se a chances de permanência da descontinuidade e incompletude do OSG.

A efetividade do OSG exige um compromisso político, ainda inexistente, com a equidade de gênero. Enquanto os atores de suporte permanecerem marginais nas decisões alocativas e seu potencial continuar constrangido pelo próprio processo orçamentário, o OSG seguirá como ferramenta acessória, sem impacto significativo no orçamento federal - e na vida das mulheres.

  • Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento à pesquisa de doutorado e aos pareceristas anônimos pelas sugestões de aperfeiçoamento do artigo.

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Editado por

  • Editores convidados:
    Ana Rita Silva Sacramento, Fabiano Maury Raupp, Cláudia Ferreira da Cruz, Ricardo Rocha de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2025
  • Aceito
    30 Maio 2025
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