RESUMO
As cidades inteligentes e as cidades criativas apresentam indicadores consolidados na literatura. Porém, a Cidade Inteligente e Criativa (CIC), um conceito recente e com peculiaridades que ultrapassam a soma da cidade inteligente com a criativa, demanda a proposição de indicadores próprios que possam contribuir para as políticas públicas e melhoria das cidades. O estudo, então, apresenta como objetivo: propor indicadores de Cidade Inteligente e Criativa a partir da validação de especialistas. Para tanto, utilizou-se de indicadores de cidades inteligentes e cidades criativas disponíveis em índices publicados. Como procedimentos metodológicos, foram adotadas duas etapas: análise documental de doze índices publicados, e validação do checklist de indicadores por 25 especialistas pertencentes à quádrupla hélice da Região Metropolitana de Recife (PE). Como resultado, foram gerados 65 indicadores distribuídos entre as dimensões de suporte tecnológico, criatividade social, governança participativa e economia e negócios do framework de cidade inteligente e criativa. Espera-se que a proposição desses indicadores contribua para a melhoria dos contextos urbanos e gere sugestões para as políticas públicas urbanas.
Palavras-chave:
cidades inteligentes; cidades criativas; cidade inteligente e criativa; indicadores; políticas públicas
ABSTRACT
Smart cities and creative cities present consolidated indicators in the literature. However, the smart and creative city (CIC) - a recent concept with characteristics that go beyond the simple addition of the notion of smart cities and that of creative cities - requires its own indicators that can contribute to public policies and city improvement. This study aims to propose smart and creative city indicators based on expert validation. We used indicators of smart cities and creative cities available through published indices. As methodological procedures, two steps were carried out: documentary analysis of twelve published indices and validation of the indicator checklist by 25 experts from the quadruple helix of the Metropolitan Region of Recife, in the Brazilian state of Pernambuco. As a result, 65 indicators were generated and distributed among the dimensions of technological support, social creativity, participatory governance, and economy and business of the smart and creative city framework. The proposition of these indicators is expected to contribute to improving urban contexts and generate suggestions for urban public policies.
Keywords
smart cities; creative cities; smart and creative city; indicators; public policies
RESUMEN
Las ciudades inteligentes y las ciudades creativas presentan indicadores consolidados en la literatura. Sin embargo, la ciudad inteligente y creativa (CIC), un concepto reciente con peculiaridades que van más allá de la suma de ciudad inteligente y ciudad creativa, requiere proponer indicadores propios que puedan contribuir a las políticas públicas y la mejora de las ciudades. El estudio, entonces, tiene el siguiente objetivo: proponer indicadores de ciudad inteligente y creativa basados e n la validación por expertos. Para ello, se utilizaron indicadores de ciudades inteligentes y de ciudades creativas disponibles en índices publicados. Como procedimientos metodológicos se realizaron dos pasos: análisis documental de doce índices publicados y validación de la lista de verificación de indicadores por 25 expertos pertenecientes a la cuádruple hélice de la Región Metropolitana de Recife (PE). Como resultado, se generaron 65 indicadores distribuidos entre las dimensiones de apoyo tecnológico, creatividad social, gobernanza participativa y economía y negocios del marco de ciudad inteligente y creativa. Se espera que la propuesta de estos indicadores contribuya al mejoramiento de los contextos urbanos y genere sugerencias para políticas públicas urbanas.
Palabras clave
ciudades inteligentes; ciudades creativas; ciudad inteligente y creativa; indicadores; políticas públicas
SUMÁRIO EXECUTIVO
A Cidade Inteligente e Criativa (CIC) é uma concepção que supera as lacunas das cidades inteligentes e criativas de maneira isolada. Trata-se de um contexto urbano no qual as ferramentas tecnológicas agem como auxílio à criatividade, de modo a aplicar soluções que sejam adequadas às particularidades locais e que levem em consideração as vivências de quem experiencia o contexto urbano.
A CIC é um conceito recente, então, é necessária a discussão e validação de indicadores, que possam ser identificadas as dimensões de inteligência e criatividade nas cidades ou possam ser geradas implicações para o aperfeiçoamento das políticas públicas.
Para identificação e proposição dos indicadores em questão, utilizou-se como base a pesquisa documental e posterior validação com especialistas da Região Metropolitana de Recife (PE). Tal processo gerou uma lista de 65 indicadores considerados apropriados à existência de uma cidade inteligente e criativa.
SITUAÇÃO PROBLEMA DE POLÍTICA PÚBLICA
Novas concepções de cidades emergiram do século XX para este século, como as cidades inteligentes e as cidades criativas. As primeiras são consideradas cidades que devem focar nas pessoas e suas capacidades mais do que se concentrar apenas nas Tecnologias de Informação e Comunicação ou tecnologia, além de entender que as tecnologias devem ser desenvolvidas com base nas necessidades locais (Kummitha & Crutzen, 2017). Já as segundas, são consideradas ambientes dinâmicos e em constantes adequações às necessidades econômicas e de qualidade de vida urbana, pautadas na cultura da criatividade (Ashton, 2018). Em relação a esses avanços, percebe-se que podem criar espaços urbanos socialmente divididos (Sánchez-Naudin & Vivas Elias, 2018), bem como causar descontentamento, a exemplo de usabilidade da tecnologia, falta de participação e impacto societal (Twist; Ruijer, & Meijer, 2023).
Nesse contexto, surgem ainda novas concepções agregadoras. Entre as concepções agregadoras, tem-se a CIC. Definimos CIC como o contexto urbano em que as ferramentas tecnológicas são usadas pela sociedade de maneira criativa, isto é, com a construção coletiva de melhor aplicação da tecnologia para avanços socioeconômicos, com princípios de eficiência, diversidade e universalidade dos benefícios e com resultados superiores ao uso tradicional dessas tecnologias.
As cidades inteligentes e as cidades criativas, enquanto conceitos consolidados, já apresentam indicadores na literatura. A CIC se configura como um conceito recente (Paz e Silva & Muzzio, 2019; 2021) e com peculiaridades que ultrapassam a soma da cidade inteligente com a criativa, o que demanda, portanto, a proposição de indicadores que possam servir de base para análise de cidades e proposição de melhorias, para se consolidem como espaços mais inclusivos e com melhor qualidade de vida. De acordo com Massara e Santo (2020), indicadores são úteis aos gestores públicos de modo que possam avaliar se as políticas públicas são eficazes ou não e se os recursos financeiros estão sendo bem distribuídos. Além disso, revelam o impacto das ações públicas na cidade. Assim, a proposição dos indicadores pode contribuir no sentido de indicar quais deles precisam de atenção em diferentes dimensões da cidade, para que essa possa receber investimentos e políticas públicas direcionadas ao melhoramento da cidade e, consequentemente, da vida de seus residentes.
Ainda que seja reconhecida a pertinência da criatividade e da inteligência para o contexto das cidades, esse movimento não está isento de críticas, nem as propostas de frameworks para sua análise que são limitadas, por exemplo, no envolvimento das partes interessadas, na gestão da incerteza ou na viabilidade (Sharifi, 2019; Shi & Shi, 2023).
Assim, diante das críticas presentes na literatura e do foco em um modelo integrador, o estudo tem como objetivo propor indicadores de Cidade Inteligente e Criativa a partir da validação de especialistas. Para os acadêmicos, o artigo avança no conhecimento ao propor uma concepção agregadora que é mais potente do que quando aplicada de maneira isolada. Assim, o core desta análise possibilita a exploração por acadêmicos de novas e amplas análises e aplicações que envolvem as cidades e suas múltiplas vinculações, por exemplo, nos campos econômico e social. Para gestores públicos, o desenvolvimento de políticas públicas, bem como suas aplicações, ao levarem em consideração os preceitos da CIC aqui desenvolvidos, podem significar políticas mais efetivas e mais impactantes na sociedade quando da ampliação dos elementos norteadores na tomada de decisão. A originalidade do artigo repousa ao propor um framework a partir de uma análise conjunta da inteligência e da criatividade, o que gera maior potencial de impacto nos campos acadêmico e prático. Como tem sido largamente reconhecido, as políticas públicas precisam ter um amplo escopo de concepção e aplicação (Howlett, 2009), dada a complexidade que envolve o desenvolvimento socioeconômico, sendo que os preceitos da CIC contribuem para ampliar esse escopo. Ainda, o uso do ranking proposto é um instrumento norteador, de fácil aplicação e que pode potencializar os recursos públicos aplicados, com ganhos para toda a sociedade.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: INDICADORES DE CIDADES
A literatura de cidades inteligentes está profundamente representada desde os primórdios de disseminação do conceito, por meio de frameworks e índices. Um dos índices mais expressivos nesse contexto (Albino; Berardi, & Deangelico, 2015; Ben Letaifa, 2015; Mora, Bolici, & Deakin, 2017) é o de Giffinger et al. (2007), que tratam das dimensões smart economy (competitividade), smart people (capital humano e social), smart governance (participação), smart mobility (transporte e TIC), smart environment (recursos naturais) e smart living (qualidade de vida). Já no contexto das cidades criativas, um índice pioneiro é o 3Ts - Tecnologia, Talento e Tolerância - apresentado no livro de Florida (2011), conforme reforçado por Figueiredo et al. (2019).
A CIC apresenta um framework com quatro dimensões norteadoras, quais sejam: suporte tecnológico, criatividade social, governança participativa e economia e negócios. Essas dimensões foram obtidas por meio de revisão de literatura das cidades inteligentes e criativas e refletem as principais características e peculiaridades da CIC. O suporte tecnológico evidencia a tecnologia enquanto ferramental ou auxílio à conectividade e à participação social. A criatividade social, por sua vez, evidencia o fomento e a efervescência de ideias em nível coletivo, quando os indivíduos têm acesso a redes sociais. A dimensão governança participativa trata da importância da participação dos cidadãos no planejamento e nas decisões acerca de seus espaços e que pode ser facilitada pela criação de mecanismos de governança eletrônica. Por fim, a dimensão economia e negócios vislumbra o papel da criatividade no mundo dos negócios e de organizações que possam contribuir para o desempenho desses negócios, a exemplo de incubadoras (Paz e Silva, 2022).
Cada uma das dimensões de CIC se relaciona com subdimensões e indicadores, conforme a Tabela 1, que os ilustra e demonstra alguns exemplos de indicadores atrelados.
Essas dimensões, subdimensões e indicadores ilustrados na Tabela 1 são um exemplo do quadro-base que passou pelo processo de filtro a fim de identificar os indicadores que seriam mantidos da literatura, os que seriam agregados, os que seriam adaptados e os que seriam excluídos, conforme será discutido na seção de Metodologia.
Desse modo, como o conceito de CIC é recente, são demandados indicadores congruentes a essas dimensões, de forma que possam ser analisados contextos urbanos enquanto CIC.
METODOLOGIA DE PESQUISA
O estudo em tela se apresenta como de natureza qualitativa e se desdobra em duas etapas: análise documental e validação com especialistas. A primeira etapa se deu no período de setembro a outubro de 2020 e se constitui de uma análise de documentos de cidades inteligentes e criativas, que propunham indicadores para estas configurações de cidades. O processo de coleta de tais documentos se desenvolveu via plataforma Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/?hl=pt), com os seguintes termos-chave (em português e inglês): framework de cidades, framework de cidades inteligentes, framework de cidades criativas, índice de cidades, índice de cidades inteligentes, índice de cidades criativas, indicadores de cidades, indicadores de cidades inteligentes, indicadores de cidades criativas, índices de tecnologia, indicadores de tecnologia, índice de inteligência na cidade, indicadores de inteligência na cidade, índice de criatividade e indicadores de criatividade. O lapso temporal considerado foi o período de 2000 a 2020.
Dentre os doze documentos do corpus, sete são distribuídos como de cidades inteligentes: Smart cities - Ranking of European medium-sized cities (Report) (Giffinger et al., 2007); Mapping smart cities in EU (European Parliament,2014); Smart Cities Index Portugal (Selada, 2016); Ranking Connected Smart Cities (Urban Systems, 2019); e IESE Cities in Motion Index (Berrone & Ricart, 2019) e IESE Cities in Motion Index (Berrone & Ricart, 2020). A respeito desses índices, deve-se considerar a qualidade e integridade e, quanto a isso, Lai e Cole (2023) analisaram seis índices de cidades inteligentes e perceberam que o IESE Cities in Motion Index (Berrone & Ricart, 2020) apresenta a pontuação mais alta e com melhor desempenho em relação aos demais índices. Isso justifica a presença forte deste índice na formação do checklist de indicadores.
Enquanto os documentos selecionados para cidades criativas foram 5 (cinco), quais sejam: Hong Kong Creativity Index (Hui, Chun-Hung, & Mok, 2005); Creative City Index (CCI-CCI) (Hartley, Potts, & MacDonald, 2012); Índice Global de Criatividade (Florida, Mellender, & King, 2015); Potenciality of Creative Industries Index (Castro-Higueras & Aguilera-Moyano, 2018); e Development Potential Index of Creative Economy (DPICE) (Figueiredo et al., 2019). Apesar dos índices de cidades criativas ou de inteligência nas cidades remeterem ao início do século, estes são citados como relevantes para a medição das cidades criativas, como reforçado por Figueiredo et al. (2019) ao citar a importância do Hong Kong Creativity Index, Creative City Index e Potenciality of Creative Industries Index.
Os doze documentos foram selecionados em virtude da aderência aos elementos de inteligência e criatividade na cidade, assim como pela relevância desses na literatura, como apontado por Lai e Cole (2023) e Figueiredo et al. (2019). Apesar de terem sido selecionados doze documentos para a análise das possíveis dimensões, subdimensões e indicadores, apenas alguns foram representativos na composição da lista de indicadores de CIC, quais sejam: Giffinger et al. (2007), Berrone e Ricart (2019), Urban Systems (2019), Hui, Chun-Hung, & Mok (2005), Hartley, Potts, & McDonald (2012) e Castro-Higueiras e Aguilera-Moyano (2018), que são os índices mais citados na literatura.
A análise inicial foi realizada tendo como critérios a busca de dimensões, subdimensões e indicadores na literatura científica e técnica existente de cidades inteligentes e criativas e tendo como base o roteiro de análise documental, no qual foram explicitados os principais elementos que compõem tanto as cidades inteligentes quanto as criativas.
A segunda etapa se desdobrou na elaboração de um checklist que foi resultado de uma análise crítica na qual foram identificados indicadores com elevado grau de subjetividade, outros indicadores que foram agregados quando foi entendido pelos autores que significavam perspectivas semelhantes e, por fim, quando os autores concordaram que os indicadores significavam perspectivas muito genéricas.
Alguns indicadores foram excluídos em virtude da subjetividade atrelada ao indicador, ou seja, quando tratam de construtos de difícil mensuração e que demandariam a busca de dados primários a seu respeito. Por exemplo, o indicador de “satisfação com segurança pessoal” se configura como de difícil aferição à medida que a satisfação é subjetiva e individual, ou seja, aquilo que satisfaz uma pessoa pode não satisfazer igualmente os seus pares.
Outros indicadores foram agregados quando mediam o mesmo fator e que, portanto, poderiam ser agrupados em um único indicador, seja ele existente na literatura ou por um novo indicador. Por exemplo, os indicadores comparecimento de eleitores em eleições municipais e federais poderiam ser explorados eficazmente com a participação dos cidadãos de maneira geral, ou seja, em todos os processos eleitorais, sejam municipais, federais ou de conselhos tutelares. Isso geraria um novo indicador: “participação dos cidadãos nos processos eleitorais”.
Alguns indicadores considerados generalistas e que dificultariam a mensuração em índices, foram excluídos. Foram agrupados neste critério os indicadores de: “porcentagem de empregos formais de níveis superior”; “porcentagem da população urbana com adequadas facilidades sanitárias”; e “número de arranha-céus”.
Há ainda, indicadores que foram substituídos por outros para melhor adequação à proposta. Esses são os indicadores de: satisfação com a luta contra a corrupção que foi substituída por porcentagem de ações contra a corrupção; e conhecimento sobre o país que foi substituído por conhecimento sobre a cidade. Nesse último caso, a alteração foi realizada a fim de se adequar ao foco em nível local, ou seja, a cidade.
Outros indicadores foram desmembrados, como: número de escolas públicas ou privadas por cidade, que foi segmentado em número de escolas públicas e número de escolas privadas e adaptados com a inclusão do termo banda larga a fim de identificar a inclusão digital em escolas, tornando-se número de escolas públicas com banda larga na cidade e “número de escolas privadas com banda larga na cidade". Tal desmembramento se justificou pela dificuldade de gerar uma informação conjunta conforme apontavam os indicadores da literatura, como medir a quantidade de escolas públicas e privadas com banda larga com base no mesmo indicador.
A validação foi realizada por 25 especialistas pertencentes à quádrupla hélice do contexto da Região Metropolitana de Recife (RMR-PE), ou seja, especialistas do setor público, setor privado, universidade e sociedade civil, distribuídos de acordo com a Tabela 2.
Salienta-se aqui que a quantidade de sujeitos é maior que o número de especialistas citados como participantes do estudo, em virtude de alguns sujeitos atuarem em dois ou mais setores da quádrupla hélice simultaneamente.
RESULTADOS
Os indicadores que receberam uma concordância acima de 50% por parte dos sujeitos, ou seja, igual a treze ou acima de treze concordâncias na validação, permaneceram no Checklist por apresentarem representatividade à discussão. Como resultados da validação, são evidenciados 33 (trinta e três) indicadores confirmados como pertencentes a CIC. Enquanto 32 (trinta e dois) indicadores foram sugeridos pelos sujeitos entrevistados como importantes para a consideração de uma CIC.
Ao serem observados os indicadores validados, alguns apresentaram uma porcentagem apenas um pouco acima dos esperados 50%, como é o caso de número de aparelhos eletrônicos por habitante na cidade”. Essa concordância reduzida pode se explicar em virtude da existência de aparelhos eletrônicos em uma residência poder não ter uma relação direta com a conectividade defendida na CIC, à medida que o acesso à internet pode ser reduzido, frágil ou inexistente. Além disso, na literatura, os indicadores que tratam da presença de aparelhos eletrônicos (Giffinger et al. 2007; Hui, Chun-Hung, & Mok, 2005; Hartley, Potts & MacDonald, 2012) e de acesso à internet são apresentados de maneira individualizada (Urban Systems, 2019; Hartley, Potts & MacDonald, 2012), o que também pode explicar a concordância reduzida.
Já em relação aos indicadores resultantes de sugestões dos especialistas, pode-se discutir o caso de “porcentagem de representantes LGBTQIAPN+ na cidade”, que se configura como um indicador mais inclusivo, à medida que os indicadores atrelados às cidades inteligentes e criativas tratavam apenas como transexuais e representantes gays, como apontado por Castro-Higueras e Aguilera-Moyano (2018) ao abordarem o indicador “link entre número de casamentos homossexuais e heterossexuais”. O termo LGBTQIAPN+, portanto, englobaria as demais categorias, a exemplo de lésbicas, gays, bissexuais, trans e travestis, queers, intersexuais, assexuais, pansexuais, não binários e todas as outras possibilidades de gênero e sexualidade (Comissão LGBTQIAPN+ Anamatra, 2024).
Um fato considerado no processo de validação foi a existência de indicadores que abordavam apenas religiões de matriz cristã, a exemplo das vertentes católica e evangélica. Desse modo, foram sugeridos novos indicadores que passaram a abarcar judeus, islâmicos e crenças de matriz africana. Ademais, os católicos e evangélicos foram agregados em um mesmo indicador “número de cristãos”. Indicadores mais abertos se relacionam à diversidade religiosa defendida por Hartley, Potts & MacDonald (2012).
Os resultados são apresentados em uma figura com a proposta de indicadores para a CIC (Ver Figura 1), obtida a partir da validação dos especialistas e organizada de acordo com as dimensões do framework CIC. É possível perceber na ilustração que as dimensões do framework de CIC (suporte tecnológico, criatividade social, governança participativa e economia e negócios) apresentam interseções entre si, à medida que alguns indicadores refletem em mais de uma dimensão.
A respeito dos indicadores que refletem em mais de uma dimensão, pode-se exemplificar o caso do indicador “número de espaços educativos na cidade”, que foi elencado na dimensão “criatividade social”, em virtude da aderência à perspectiva do capital humano na cidade (Berrone & Ricart, 2019), mas também pode ser atrelada à dimensão “suporte tecnológico”, à medida que espaços educativos podem ser enquadrados na oferta de serviços públicos na cidade (Giffinger et al., 2007), em conjunto com saúde, moradia, entre outros.
Ainda, deve-se considerar que além das interfaces entre dimensões, o entrelaçamento desses indicadores é que permite a visualização de uma CIC, à medida que abarcaria a disponibilização de recursos, serviços, inclusão e movimentação econômica, o que consequentemente constitui melhor qualidade de vida e uma cidade melhor para viver.
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(1) Suporte tecnológico: número de aparelhos eletrônicos por 100.000 habitantes; número de habitantes com acesso à internet por 100.000 habitantes; número de escolas privadas com internet banda larga em relação às escolas públicas; cobertura da rede transporte público por habitante; porcentagem de tráfego seguro controlado por inteligência artificial na cidade; número de comunidades em situação de vulnerabilidade na cidade; número de bicicletas por aluguel (aplicativo) na cidade; cobertura de ciclovias; e porcentagem de ações urbanas conectadas aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável);
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(2) Criatividade social: número de residentes estrangeiros em relação aos residentes locais; número de turistas em relação aos residentes locais; número de habitantes com ensino superior na cidade; número de espaços educativos por 100.000 habitantes; número de cursos de nível superior na área de criatividade na cidade; número de treinamentos tecnológicos gratuitos; número de prêmios obtidos por escolas públicas na cidade; despesa de P&D no setor de negócios como porcentagem do PIB na cidade; despesa de P&D na educação superior como porcentagem do PIB na cidade; número total de visitantes (nacionais e internacionais) na cidade em relação aos residentes locais; número de museus e galerias de arte por 100.000 habitantes; número de teatros por 100.000 habitantes; número de usufruto de sessões de cinema por 100.000 habitantes; número de visitas a museus de serviços culturais por 100.000 habitantes; número de participação em espetáculos públicos de serviços culturais por 100.000 habitantes; número de espetáculos produzidos por ano; número de atendimento a programas públicos de cinema e vídeo apresentados por serviços culturais por 100.000 habitantes; número de praças, parques e jardins por 100.000 habitantes; número de cristãos; número de judeus; número de islâmicos; número de membros de religiões de matriz africana; número de patentes por 100.000 habitantes; número de bolsas CNPq por 100.000 habitantes; porcentagem de emprego na área criativa e cultural na cidade; porcentagem de trabalho voluntário por 100.000 habitantes; e número de ações sociais descentralizadas em periferias;
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(3) Governança participativa: porcentagem de representantes femininos na cidade; porcentagem de representantes com deficiência na cidade; porcentagem de representantes LGBTQIAPN+ na cidade; porcentagem de representantes negros na cidade; porcentagem de desigualdade de acesso a serviços e representação; porcentagem de comparecimento dos cidadãos nos processos eleitorais na cidade; porcentagem de transparência do setor público da cidade; número de espaços de governança por 100.000 habitantes; número de organizações comunitárias por 100.000 habitantes; número de representantes formais da área criativa e cultural em instâncias de governança da cidade; e
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(4) Economia e negócios: número de voos diretos registrados na cidade; número de voos de passageiros registrados na cidade (conexões internacionais); número de voos de cargas registrados na cidade (rede logística aérea); porcentagem de trabalhabilidade na área de TIC na cidade; porcentagem de trabalhabilidade na área criativa e cultural na cidade; porcentagem de emprego na área de TIC na cidade; número de negócios de TIC na cidade em relação ao número de negócios em geral; número de negócios culturais e criativos na cidade em relação ao número de negócios em geral; número de ambientes gastronômicos na cidade; porcentagem de crescimento de empresas de TIC na cidade; porcentagem de crescimento de empresas na área criativa e cultural na cidade; número de editais de fomento à área criativa e cultural na cidade; números de projetos submetidos e aprovados na área criativa e cultural na cidade; número de projetos governamentais de fomento à área criativa e cultural a jovens de periferia na cidade; número de programas de acesso a crédito em condições especiais disponibilizados à empreendedores da área criativa e cultural da cidade; número de espaços de coworking; número de parques tecnológicos na cidade; e número de incubadoras com vocações diversas na cidade.
A atenção aos indicadores de CIC em cada uma das dimensões (suporte tecnológico, criatividade social, governança participativa e economia e negócios) reflete em melhores condições de vida para os cidadãos, à medida que haveria melhorias nos serviços públicos ofertados, e também gera visibilidade para a cidade ao passo que uma presença considerável dos indicadores de CIC em uma cidade constitui uma imagem positiva para a cidade e o reflexo em investimentos empresariais e atração de novos residentes.
Considerar, por exemplo, que os indicadores da dimensão Economia e Negócios denominados como “número de editais de fomento à área criativa e cultural na cidade” e “número de programas de acesso a crédito em condições especiais disponibilizados a empreendedores da área criativa e cultural da cidade” estão presentes na cidade X pode significar um componente atrativo para a proposição de investimentos e a chegada de empreendedores no contexto urbano, o que gera reflexos econômicos e sociais.
Outro ponto a ser considerado é o fato de que a proposição gera implicações nas políticas públicas, de modo que se uma cidade falha no atendimento aos indicadores de CIC, este resultado pode contribuir para a ressignificação ou proposição de políticas que atendam de maneira apropriada às necessidades locais e ainda possam melhorar as condições de vida da cidade, o que, como consequência, gera atratividade para investimentos. Algo concernente ao apresentado por Massara e Santo (2020) a respeito das indicações que são dadas acerca dos pontos de melhoria na política pública.
CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS
O objetivo deste artigo tecnológico se configurou como: propor indicadores de Cidade Inteligente e Criativa a partir da validação de especialistas. Pode-se afirmar que o objetivo foi atingido, como ilustrado na Figura 1, que explicita as dimensões do framework CIC com seus respectivos indicadores, que refletem, inclusive, a especificidade da CIC pela presença de indicadores que não estavam presentes nos índices publicados.
A proposta apresenta implicações na literatura, à medida que os indicadores propostos contribuem para a identificação de ações nas cidades que estejam alinhadas às questões de inteligência e criatividade, ou seja, contribui para os estudos urbanos ao trazer elementos e dimensões que configuram uma cidade inteligente e criativa. Ademais, a lista de indicadores pode servir de base para a construção de um índice de CIC que poderá ser utilizado para o ranqueamento de cidades.
Os indicadores propostos são importantes para o contexto das políticas públicas, à medida que oferecem caminhos pelos quais os gestores públicos podem se debruçar a fim de que as cidades possam ser configuradas como CIC e, consequentemente, sejam mais inclusivas e com melhor qualidade de vida para os seus residentes. Nesse sentido, não se trata apenas de oferecer serviços urbanos básicos como saúde e educação, mas também de proporcionar aos residentes acesso a atividades e espaços culturais, o que pode incentivar a chegada de novos residentes e o fomento à criatividade das pessoas. Ademais, a forma de elaboração dessa proposta pode servir de inspiração para estudos propositivos de indicadores em outras perspectivas urbanas.
Enquanto limitações do estudo, evidencia-se que o foco de validação ocorreu por consulta a profissionais de um contexto específico, a cidade de Recife(PE), assim, a análise está vinculada às concepções dessa realidade, o que pode conter viés. A partir desta limitação, sugere-se a validação em outros contextos para comparação com os resultados atuais. Adicionalmente, como ponto fraco, a lista de indicadores constitui um ponto de partida para a medição de elementos de CIC na cidade, mas não são definidas escalas inicialmente, o que demanda estudos futuros que proponham tais escalas. Além disso, o checklist inicial de indicadores se mostrou passível de inclusão de novos indicadores para a CIC, à medida que foram emitidas sugestões de indicadores pelos especialistas.
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Os/As avaliadores/as não autorizaram a divulgação de sua identidade e relatório de avaliação por pares.
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Avaliado pelo sistema de revisão duplo-anônimo. Editor Associado: Fernando de Souza Coelho
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
02 Jul 2024 -
Aceito
02 Jan 2025


