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Contribuições do PIBID para a construção da identidade docente do professor de Química

PIBID contributions to the construction of teaching identity of Chemistry teacher

Resumo:

Neste artigo trazemos os resultados de uma pesquisa em que foram investigados ex-bolsistas do PIBID, egressos da licenciatura em Química e professores da rede estadual de ensino, com o objetivo de caracterizar a contribuição do Programa para a construção da identidade docente. Os procedimentos da Análise Textual Discursiva permitiram a análise dos dados por meio dos Focos da Aprendizagem Docente e da Matriz 3x3. Entre os resultados conclusivos destacamos que: o Interesse pela Docência e a Identidade Docente estão presentes nas falas de todos os sujeitos, o que evidencia o processo de construção da identidade profissional; aqueles que mais expressaram Reflexão sobre a Docência são os que possuem maior experiência profissional; três sujeitos tiveram as maiores proporções das falas categorizadas na relação social com o saber, enquanto dois, na pessoal; a relação epistêmica, embora em menor porcentagem, mostrou-se precursora para as demais relações e relacionada à atuação no PIBID.

Palavras-chave:
PIBID; Ensino de química; Aprendizagem docente; Identidade docente; Matriz 3x3

Abstract:

In this article we bring some results of research in which former scholars of the PIBID, chemistry teachers of state education system were investigated, in order to characterize the contribution of the program for the construction of the teaching identity. The procedures of Discursive Textual Analysis (ATD) allowed the data analysis through Strands of Learning for Teaching and 3x3 Matrix. Among the conclusive results, we highlighted that: the Interest in Teaching and the Identity of Teacher are present in the speech of all subjects, what demonstrates the process of building their professional identity. Those who expressed more Teaching Reflection were the ones with more teaching experience; three subjects had major proportions of the categorized speech in the social relation with knowledge, while the others in the personal; the epistemic relations, although with a lower percentage, showed more than in the other relations and related to the performance in PIBID.

Keywords:
PIBID; Chemistry teaching; Learning for teaching; Teachers' identity; 3x3 matrix

Introdução

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), foi elaborado a partir de uma ação coletiva do Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Superior (SESu), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com a proposta de fomentar a formação docente nas Instituições de Ensino Superior.

Stanzani (2012)STANZANI, E. L. O papel do PIBID na formação inicial de professores de química na Universidade Estadual de Londrina. 2012. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012. evidenciou, em sua pesquisa, que os bolsistas de iniciação à docência vivenciam experiências antecipadas dentro do ambiente escolar desde os anos iniciais do curso, o que contribui para a formação inicial, uma vez que, em seus depoimentos, eles conseguiam articular os objetivos do Programa com as atividades desenvolvidas.

Com base nos resultados destacados pelo autor, compartilhamos algumas das lacunas explicitadas por ele:

Sendo o PIBID um programa que recentemente foi incorporado às ações de formação nas licenciaturas, acreditamos ainda não ser possível afirmar sua eficácia, talvez isso seja possível apenas a longo prazo, quando pudermos investigar a ação de um professor que tenha passado por esse processo de formação propiciado pelo PIBID (STANZANI, 2012STANZANI, E. L. O papel do PIBID na formação inicial de professores de química na Universidade Estadual de Londrina. 2012. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., p. 81).

Outro aspecto salientado por Stanzani (2012)STANZANI, E. L. O papel do PIBID na formação inicial de professores de química na Universidade Estadual de Londrina. 2012. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., durante o processo de coleta de dados, diz respeito ao constrangimento dos entrevistados para se manifestar em oposição ao Programa, considerando que os supervisores e os estudantes bolsistas dependiam dos recursos destinados a eles.

Considerando esses fatores, levantamos alguns questionamentos: após a participação no PIBID e a conclusão do curso de licenciatura em Química, quais reflexões emergem dos professores sendo agora não mais coadjuvantes, porém atores principais no papel docente? É possível evidenciar o caráter afirmativo de suas identidades profissionais propiciado pelo PIBID? Essas inquietações inspiraram-nos a desenvolver o movimento de pesquisa descrito neste artigo. Estabelecemos como objetivo indagar ex-bolsistas de iniciação à docência, que fizeram parte das atividades do PIBID de Química de uma universidade estadual, que, no momento da investigação - coleta de dados −, lecionavam na rede pública de ensino.

Norteados pela seguinte questão − Quais contribuições o PIBID proporcionou para a construção da identidade docente nos sujeitos investigados? − buscamos evidenciar as influências do PIBID em suas atividades atuais e analisamos os dados coletados associando dois instrumentos metodológicos, os Focos da Aprendizagem Docente (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012ARRUDA, S. M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da aprendizagem docente. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 25-48, 2012.) e a Matriz 3x3 (ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011.), para investigar a construção da identidade docente. Ambos os instrumentos utilizados foram assumidos por categorias a priori, e os procedimentos da Análise Textual Discursiva contribuíram com a elaboração das considerações a respeito do fenômeno em estudo.

O processo de construção da identidade docente e a formação inicial do professor de Química

A identidade docente se constitui não somente no período da formação inicial, mas mediante um acúmulo de significados e representações carregados de valores, concepções e referências, os quais estão embutidos socioculturalmente da própria vivência do licenciando em seu histórico escolar, ressignificando suas raízes a partir da prática profissional (COSTA; BEJA; REZENDE, 2014COSTA, M. L. R.; BEJA, A. C. S.; REZENDE, F. Construção da identidade docente em licenciatura em química de um instituto federal de educação profissional. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 305-313, 2014.; PIMENTA; LIMA, 2004PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.). Por conseguinte, é ao longo da sua trajetória escolar que o sujeito começa a moldar a ideia do ser professor.

O processo de construção da identidade docente pode ser entendido, nesse contexto, como uma marcha contínua, transformando-se constantemente a cada nova experiência. É na prática que seus posicionamentos e fundamentos embatem-se, tornando-os frágeis, de maneira a comprometê-los; ou cada vez mais vigorosos, estabelecendo convicções em suas ações (COSTA; BEJA; REZENDE, 2014COSTA, M. L. R.; BEJA, A. C. S.; REZENDE, F. Construção da identidade docente em licenciatura em química de um instituto federal de educação profissional. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 305-313, 2014.).

É a partir da ressignificação social, pessoal e epistêmica da atividade docente mediante as necessidades da atualidade, que o perfil da profissão é edificado (PIMENTA, 2012PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes docentes. In: ______. (Org.). Saberes pedagógicos e atividades docentes. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.). Social, pois é constituído por meio dos modelos de professores que passaram por nossa trajetória escolar; no compartilhamento das ideias com outros colegas de trabalho; por meio dos alunos que afirmamos nossa maneira de agir e nosso papel como profissional, enfim, é na coletividade que o "ser" professor se constrói. Pessoal, pois na identidade docente estão enraizados sentimentos e o sentido que criamos da significação do ser professor. E, por fim, epistêmico, pois é nesta dimensão que evidenciamos o vigor do conhecimento alicerçado e o desenvolvimento da prática pedagógica (NÓVOA, 2007NÓVOA, A. Vida de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 2007.). "É nessa relação do sujeito com a sociedade, na mediação entre o pessoal e o coletivo, que o processo de formação da identidade ocorre" (COSTA; BEJA; REZENDE, 2014COSTA, M. L. R.; BEJA, A. C. S.; REZENDE, F. Construção da identidade docente em licenciatura em química de um instituto federal de educação profissional. Química Nova na Escola, São Paulo, v. 36, n. 4, p. 305-313, 2014., p. 3).

Nesta investigação, o PIBID é visto como um Programa que proporciona um entendimento diferenciado da docência, auxiliando os licenciandos a construírem sua identidade docente.

Os Focos da Aprendizagem Docente

Os Focos da Aprendizagem Docente (FAD) são um instrumento metodológico desenvolvido por Arruda, Passos e Fregolente (2012)ARRUDA, S. M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da aprendizagem docente. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 25-48, 2012. com o objetivo de investigar a formação docente, tanto em ambientes formais, como escolas, e em ambientes informais, por exemplo, museus de ciência. Os FAD são oriundos da analogia com os Focos da Aprendizagem Científica (FAC) elaborados a partir do documento do National Research Council (2009)NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Learning science in informal environments: people, places, and pursuits. Washington: The National Academies Press, 2009. Disponível em: <http://www.nap.edu/catalog/12190.html>. Acesso em: 22 set. 2015.
http://www.nap.edu/catalog/12190.html...
, por meio do relatório denominado Learning science in informal environments: people, places and pursuits.

A pesquisa desenvolvida por Arruda, Passos e Fregolente (2012)ARRUDA, S. M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da aprendizagem docente. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 25-48, 2012. propôs os FAD, cinco categorias para a investigação das ações e habilidades de estudantes na formação docente. Alguns esclarecimentos sobre esses Focos estão descritos na sequência.

No Foco 1 - Interesse pela Docência - estão envolvidos os sentimentos que mobilizaram os entrevistados a aprender sobre a docência. Nesse caso, a compreensão da carreira docente pelos sujeitos passa pela motivação e mobilização para o engajamento do indivíduo em uma ação.

Para esta pesquisa, adotamos as categorias primariamente pensadas para estudantes em processo de formação inicial, intuindo trabalhar com professores recém-licenciados, ex- -participantes do PIBID. Por esse motivo, alocamos na primeira categoria os depoimentos relacionados ao desenvolvimento do interesse pela docência, bem como a manutenção desse afeto pela profissão.

No Foco 2 - Conhecimento Prático da Docência - o professor, a partir da prática, desenvolve um saber experiencial que vai adquirindo durante as atividades dentro de sala de aula, acumulando-se em "[...] um repertório de experiências didáticas e pedagógicas que orientam sua prática cotidiana no momento da ação" (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012ARRUDA, S. M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da aprendizagem docente. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 25-48, 2012., p. 40).

O Foco 3 - Reflexão sobre a Docência - diz respeito às reflexões sobre a docência realizadas após a ação, ou seja, o terceiro momento de Schön (2000)SCHÖN, D. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000., denominado como a reflexão sobre a reflexão na ação. Tais análises sobre a prática podem ser ou não profundas, dependendo da perspectiva teórica que o sujeito possui. Esses pensamentos são referentes ao pós-aula, repensando suas práticas, suas atitudes, tentando entender o que aconteceu, autojulgando e autoavaliando. A reflexão, nesse caso, é uma aproximação com a atividade investigativa, trata-se do professor pesquisador (PIMENTA, 2012PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes docentes. In: ______. (Org.). Saberes pedagógicos e atividades docentes. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.) e que incorpora o foco relacionado à reflexão sobre a prática.

O Foco 4 - Comunidade Docente - tem como característica a participação em uma comunidade de prática que desenvolve reflexões coletivas sobre seu trabalho. Pimenta (2005)______. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005. aborda a prática reflexiva, também, como uma prática social, ou seja, que as atividades do professor, sua conduta, suas reflexões e avaliações ocorrem por meio da comunidade escolar. É nesse meio social que os professores trocam experiências e vivências, contribuindo com o seu repertório pragmático e fortalecendo a prática em conjunto com seus pares.

A Identidade Docente − Foco 5 − é um tema da formação de professores muito pesquisado por Pimenta e Lima (2004)PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004., tratando sobre o sujeito admitir e assumir-se como profissional. Ainda que seja ao longo da carreira que o professor constrói sua identidade docente, durante sua vida acadêmica ele adquire o primeiro contato, a familiaridade com a atividade docente e, assim, constrói suas intenções a respeito do seu trabalho.

No Quadro 1 apresentamos as descrições referentes a cada um dos Focos, adaptados para esta investigação, e utilizados como categorias a priori.

Quadro 1
Os Focos da Aprendizagem Docente

Em um segundo momento da pesquisa, os depoimentos categorizados no Foco 5 foram selecionados para uma nova análise. Objetivamos, dessa maneira, um aprofundamento do Foco em questão. Para isso, o instrumento denominado Matriz 3x3, desenvolvido por Arruda, Lima e Passos (2011)ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., foi também utilizado.

A Terceira Coluna da Matriz 3x3

Com o objetivo de observar com mais cautela a construção da identidade docente, elaboramos uma nova etapa analítica, selecionando os fragmentos dos relatos acomodados no Foco 5 - Identidade Docente − e organizando-os na Matriz 3x3, mais especificamente na coluna 3, relativa aos processos de Aprendizagem.

A Matriz 3x3 tem como origem alguns pressupostos das relações com o saber definidos por Charlot (2000)CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000., a questão da gestão dos saberes e do conteúdo caracterizada por Gauthier et al. (2006)GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Unijuí, 2006. e Tardif (2014)TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2014., e o sistema didático de Chevallard (2005)CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 2005.. Seus idealizadores, ancorados no sistema didático de Chevallard (2005)CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 2005. e nas relações com o saber de Charlot (2000)CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000., questionam a ausência da gestão da própria aprendizagem do professor e comentam: "[...] parece-nos, entretanto, que a tarefa de gerir a si mesmo, sua aprendizagem, sua identidade, seus desejos, seu envolvimento, também deve ser incluída dentre as tarefas que estruturam a ação do professor em sala de aula" (ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., p. 143). Dessas reflexões, sugerem como cerne das tarefas do professor a gestão das relações epistêmicas, sociais e pessoais com o saber e as relações com o conteúdo, o ensino e a aprendizagem. E materializam seus estudos e proposições em um instrumento denominado Matriz 3x3, que trazemos no Quadro 2.

Quadro 2
Matriz 3x3: instrumento para análise da ação docente em sala de aula

No cabeçalho do Quadro 2, temos três tipos de gestão: (1) do Conteúdo, P-S; (2) do Ensino P-E; (3) da Aprendizagem E-S, em que P representa o professor, S, o saber e, E, o estudante. Assim, a primeira coluna refere-se à relação do professor com o saber, a segunda, à relação do professor com o estudante e, a terceira, à relação do estudante com o saber.

Para a análise dos dados, utilizamos apenas a terceira coluna, relativa aos processos de aprendizagem (neste caso da docência), considerando-os como ações do professor para gerir a si mesmo como um profissional em constante aprimoramento. Processos esses que enfatizam a questão da apropriação dos conhecimentos e, por isso, carregam evidências da construção da identidade docente.

Cabe lembrar neste momento que os sujeitos pesquisados são professores e não mais licenciandos; contudo, ao relatarem as experiências vividas no PIBID, eles revelaram discursos muito próximos da vida universitária, remetendo-os à própria aprendizagem da docência. Isso porque a atuação como profissionais ainda era recente para a maioria. Dessa maneira, o que retratamos foi o professor observando a sua aprendizagem durante o período em que participou do PIBID, ou seja, quando ainda era estudante. Com base em Arruda, Lima e Passos (2011)ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., descrevemos no Quadro 3 as relações adaptadas e instauradas nas células desse segmento.

Quadro 3
Descrições da terceira coluna da Matriz 3x3

Dessa forma, buscamos compreender quais relações estão presentes na construção da identidade docente nas perspectivas epistêmica, pessoal e social do professor recém-formado, ex-bolsista do PIBID.

Procedimentos metodológicos e os sujeitos investigados

Nesta pesquisa, guiamo-nos à luz da Análise Textual Discursiva (ATD), organizando os dados transcritos. Segundo Moraes (2003)MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003., a ATD é um processo auto-organizado de interpretação dos dados examinados, possuindo um caráter hermenêutico. A ATD organiza-se basicamente em torno de quatro etapas citadas por Moraes (2003)MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, Bauru, v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003.: desmontagem dos textos; estabelecimento de relações; captando o novo emergente e um processo auto-organizado. Assim, podemos entendê-la como um método que mediante a desorganização inicial dos textos tem como objetivo final a auto-organização, de acordo com a interpretação do pesquisador, esse, imerso em seu banco de dados aglutinado nos referenciais que o orientam. Admitimos, como categorias a priori, os FAD e a terceira coluna da Matriz 3x3 para a análise dos depoimentos, denominado por Moraes e Galiazzi (2011)MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí, 2011. como método dedutivo. Este requer objetividade e quantificação, sendo ele carregado de teorias prévias. Em nossa pesquisa, utilizamos esta abordagem, uma vez que já tínhamos posse das categorias mesmo antes da constituição do corpus. Neste estudo, acomodamos as falas, primeiramente nos FAD e, em seguida, com os resultados que compuseram o Foco 5, na terceira coluna da Matriz 3x3, com o objetivo de aprofundar algumas reflexões da identidade docente.

Os sujeitos investigados nesta pesquisa são ex-participantes de dois subprojetos de um PIBID de Química, desenvolvidos em uma universidade estadual do norte do Paraná, dentre os quais, no momento da seleção, atuavam como professores da rede pública e já haviam concluído o curso. Os sujeitos investigados foram codificados como: G, A, L, R, P.

Apresentação e Análise dos dados segundo os FAD

De posse das entrevistas dos sujeitos G, A, L, R e P transcritas, para diferenciar suas falas, inserimos as respectivas letras que os representam, antes da numeração destacada com um colchete. Por exemplo, a primeira resposta do sujeito R identificamos como [R1]. A cada resposta do depoente, criamos uma sequência numérica que as identificasse (1, 2, 3...).

Conforme realizávamos o processo de leitura e classificação das respostas, elaboramos uma justificativa para cada trecho. O objetivo nesta primeira etapa era buscar as relações estabelecidas entre a docência e o PIBID.

Foco 1: Interesse pela Docência

Referimo-nos ao primeiro foco como possuidor, por natureza, do sentimento. São depoimentos que manifestam o envolvimento emocional e expressões de entusiasmo, interesse e motivação (PIRATELO, 2013PIRATELO, M. V. M. Um estudo sobre o aprendizado docente no projeto PIBID/UEL: licenciatura em física. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.). Inseridos no Foco 1, observamos que "[...] a motivação ou a mobilização são conceitos-chave para explicar o engajamento desse indivíduo em uma ação" (ARRUDA; PASSOS; FREGOLENTE, 2012ARRUDA, S. M.; PASSOS, M. M.; FREGOLENTE, A. Focos da aprendizagem docente. Alexandria: revista de educação em ciência e tecnologia, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 25-48, 2012., p. 29). Sublinhamos, assim como proposto por Piratelo (2013)PIRATELO, M. V. M. Um estudo sobre o aprendizado docente no projeto PIBID/UEL: licenciatura em física. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013., as palavras que foram decisivas para o acondicionamento nessa categoria. A seguir trazemos dois exemplos de depoimentos.

[G7] Igual eu falei, depois do PIBID que a minha cabeça mudou e eu vi que eu gostava daquilo.

Ao comentar que gostava de lecionar, G revela um sentimento que não possuía antes de participar do PIBID. Destaca o Programa como um ambiente que proporcionou esse primeiro contato com a docência. Esse exemplo demonstra claramente que o PIBID contribuiu para despertar o interesse pela docência.

[A3.3] Comecei a pesquisar bastante na área [...]. E aí, foi quando eu comecei mesmo a gostar da área. No terceiro ano [do curso] eu ainda não sabia se queria seguir a área de Ensino ou não, mas daí no quarto eu decidi que queria ser professora, que queria seguir a área de ensino e esse orgulho que eu falo é....veio disso, veio da pesquisa mesmo, de conhecer a área e.... da importância da profissão na realidade, né? O ser professor é muito importante, né. Afinal, a gente forma as outras profissões.

No segundo exemplo, como pode ser observado, temos muitas palavras em destaque, as quais demonstram envolvimento emocional pela docência e pela pesquisa na área de Ensino de Química. Nelas, o sujeito A atribuiu qualidades referentes ao ser professor, que foram grifadas por nós. Ficou evidente também que a pesquisa no ambiente escolar é fundamental para que os professores sejam capazes de articular os conhecimentos pedagógicos, técnicos e práticos, tornando-se autônomos. No caso de A, pudemos notar que ele sentiu-se motivado e confiante com relação à sua decisão.

Foco 2: Conhecimento Prático da Docência

Este Foco está relacionado com a prática in actu em sala de aula, é no momento da aula que o saber docente emerge para a ação docente. O professor passa a acumular situações vividas em sala, formando um repertório de experiências nas quais pode manter ou alterar sua conduta, de acordo com as novas circunstâncias vivenciadas.

[P5] É, então, no PIBID, nós tínhamos que fazer atividades diferenciadas e, ao mesmo tempo, de fácil acesso para que os estudantes entendessem o que estávamos querendo com aquele conteúdo. E era extrovertido por causa disso, você pegava uma coisa que era do outro mundo, esmiuçava para ele entender. E os jogos que fazíamos também, isso também colaborou.

No caso de P, os depoimentos dessa natureza estão vinculados ao caráter inovador do Programa, cuja proposta articula elementos teóricos, provenientes da pesquisa no Ensino de Química, e elementos relacionados à prática docente, os quais deram suporte para sua atuação. Como as aulas eram diversificadas, os 'pibidianos' buscavam pesquisar alternativas para ensinar de maneira contextualizada os conteúdos de Química, como explicitado por P no depoimento [5]. Essas metodologias formaram um repertório de práticas que forneceram um suporte para as atividades de estágio e para a vida profissional.

Foco 3: Reflexão sobre a Docência

É no processo de descrição de uma tarefa ou ação que esses sujeitos passam a refletir sobre suas condutas, experimentando constantemente a reflexão sobre a reflexão na ação. Esse Foco representa as dúvidas, angústias, pensamentos, decisões e autoavaliações articulados em um discurso originário das reflexões posteriores às ações dos recém-formados. Envolvidos em suas práticas, eles apresentam como plano norteador a pesquisa no Ensino de Química, cujas referências foram conhecidas no período em que participaram do PIBID.

[R57.1] Foi, foi legal e complicado ao mesmo tempo, porque até então, você tem que rever o que você fazia pra fazer diferente. Então, foi uma mudança de postura.

Para R, participar do PIBID proporcionou a revisão de sua prática de ensino e a descoberta, nas teorias, de possibilidades de mudanças para reestruturar sua identidade profissional. Essa 'atualização' de conduta pode ser percebida nos relatos de todos os sujeitos entrevistados.

Foco 4: Comunidade Docente

O Foco 4 contempla os saberes profissionais apreendidos com o outro. Na investigação de Piratelo (2013, p. 65)PIRATELO, M. V. M. Um estudo sobre o aprendizado docente no projeto PIBID/UEL: licenciatura em física. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013., o autor diz que "[...] o aprendizado pode ocorrer por imitação, reprodução e reelaboração das práticas de outros professores. Os estudantes podem adquirir conhecimentos também pela observação, que faz parte das atividades do PIBID".

[R64.2] Então, assim, eu acho que esses profissionais [alguns docentes] também contribuíram muito na nossa formação.

Os profissionais a que R se refere são alguns docentes universitários da área do Ensino de Química, da Educação Matemática e um da Química Orgânica que serviram de modelo, não somente para ele, mas para diversos estudantes aspirantes ao ofício da docência.

Foco 5: Identidade Docente

O processo de construção da identidade docente é um percurso contínuo, envolvendo a mobilização dos saberes (TARDIF, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.) que permeiam as experiências (PIMENTA; LIMA, 2004PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.). Essa prática favorece a constante transformação e o PIBID permite a vivência nessa atmosfera.

Categorizamos neste Foco, os depoimentos que remetem a ideia de elaboração de sentidos pertinentes a imagens que foram construídas sobre o professor, sobre ser professor, identificando-se com elas. Consequentemente, falas em que os sujeitos se veem como aprendiz da profissão e almejam progredir na carreira docente (PIRATELO, 2013PIRATELO, M. V. M. Um estudo sobre o aprendizado docente no projeto PIBID/UEL: licenciatura em física. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.).

[G48] Para parte profissional, totalmente, né? Como eu já disse, foi o que me identificou, eu me identifiquei, vamos dizer assim: eu me achei. Eu me achei, assim no PIBID.

Considerando a pergunta inicial realizada na entrevista - Qual a contribuição do PIBID profissionalmente? - observamos que todos os depoentes afirmaram que o Programa possibilitou a identificação com a profissão docente, ressaltando a contribuição do PIBID na construção da identidade docente.

[A14.2] [...] acho que o PIBID realmente fez eu falar, não, eu quero ser professora [...].

Tanto para G quanto para A, o PIBID possibilitou o primeiro ingresso no ambiente escolar e o contato com as tarefas do professor, antecipando o envolvimento desses sujeitos no contexto educacional (STANZANI, 2012STANZANI, E. L. O papel do PIBID na formação inicial de professores de química na Universidade Estadual de Londrina. 2012. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.).

Os focos da aprendizagem docente e sua frequência nos depoimentos

O Gráfico 1 foi elaborado a partir da acomodação de todos os depoimentos dos sujeitos entrevistados nos cinco Focos. Esta forma de apresentação torna possível visualizar as porcentagens de cada Foco em relação ao total de falas de cada um dos ex-bolsistas.

Gráfico 1
Porcentagem dos FAD para os cinco professores

Fica evidente nesta representação gráfica que para G e A, os Focos 1 e 5, são os únicos que superam a marca dos 20%; para L essa superação ocorre com os Focos 1 e 3, com um destaque além de 40% para o Foco 3; no caso de R, temos os Focos 1, 3 e 5, acima de 20% e para P, somente os Focos 2 e 3 atingem essa marca.

Com relação ao Foco 5 - Identidade Docente - três sujeitos ultrapassam a marca dos 30% e é sobre este foco que nos debruçaremos no próximo movimento analítico, cujos detalhes e resultados apresentamos na seção seguinte.

Mediante a impossibilidade de apresentarmos neste artigo inúmeros depoimentos, somos impelidos a relatar que nas falas de todos os depoentes foi possível evidenciar a influência do PIBID na prática reflexiva. Percebe-se que eles passaram a se preocupar com o modo de ensinar, a partir do momento em que foram inseridos no Programa. Até então, o "modelo" de professor, na visão deles, limitava-se ao que haviam vivido como alunos.

A Identidade Docente e as relações com o saber

Buscamos neste momento, com esta etapa da análise, acomodar os depoimentos relativos ao Foco 5, na coluna 3 da Matriz 3x3, procurando evidenciar o que foi aprendido por esses participantes do PIBID, que tenha relação com a constituição de suas identidades docentes.

Cabe esclarecer alguns fatos a respeito dos depoentes: os cinco se referiram a um passado que os sustenta como profissionais hoje; durante as entrevistas percebemos que reavivamos algumas das situações e memórias que marcaram a formação docente de cada um; em alguns momentos eles ainda falavam como estudantes (sentiam-se licenciandos); o processo de formação inicial (e isso inclui o PIBID) foi marcante na determinação por tornar-se professor.

Por meio desse contato que tivemos com esses professores em início de carreira, pudemos perceber que existe uma relação inerente entre os professores entrevistados e o tempo de atuação. Pudemos constatar, como indica Pimenta (2012)PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes docentes. In: ______. (Org.). Saberes pedagógicos e atividades docentes. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012., que suas identidades docentes não estão consolidadas.

Ao planejarmos essa releitura do que acomodamos no Foco 5, por meio da Matriz 3x3, vislumbramos um aprofundamento analítico. Este aprofundamento é descrito por Lima et al. (2015, p. 871)LIMA, J. P. C. et al. Aprofundando a compreensão da aprendizagem docente. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 4, p. 869-891, 2015. como:

Uma lente analítica sobre os Focos da Aprendizagem Docente (FAD). A ideia de lente analítica é utilizada em analogia com o objeto óptico lente, frequentemente empregado como instrumento físico para ampliar, reduzir, focalizar e corrigir imagens em nosso cotidiano, possibilitando melhor visão e revelando aspectos e características dos sistemas observados.

Com isso, realizamos esta nova etapa de análise, a fim de visualizarmos os resultados daquilo que possuíamos já alocado no Foco 5 em três dimensões: epistêmica, pessoal e social; assumindo essas relações como uma lente analítica. Ou seja, o que há de epistêmico, pessoal e social, nos depoimentos desses professores a respeito da constituição de sua identidade e de que forma o PIBID influenciou nesse processo?

Lima et al. (2015, p. 873)LIMA, J. P. C. et al. Aprofundando a compreensão da aprendizagem docente. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 4, p. 869-891, 2015. argumentam que o ser humano "[...] só pode tornar-se ser humano aprendendo, apropriando-se do mundo, relacionando-se com o mesmo". O que precisamos, assim, é ter essas três relações estabelecidas. A seguir inserimos o que Charlot (2000CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. apud ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011.) esclarece sobre elas.

  1. A relação epistêmica com o saber: diz respeito à relação com o saber enquanto um objeto do mundo a ser apropriado e compreendido; um saber dotado de objetividade, consistência e estrutura independentes; um saber "existente em si mesmo", "depositado em objetos, locais e pessoas" e imerso em um "universo de saberes distinto do mundo da ação, das percepções e das emoções" (CHARLOT, 2000CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000., p. 69 apud ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., p. 145).

  2. A relação pessoal com o saber: diz respeito à "relação de identidade com o saber"; o saber enquanto objeto que faz sentido, que é parte da história pessoal do sujeito, de sua vida e de suas expectativas (CHARLOT, 2000CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000., p. 72 apud ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., p. 145); é o saber enquanto objeto de desejo, de interesse; o saber que o sujeito "gosta" e que o faz mobilizar-se à sua procura.

  3. A relação social com o saber: diz respeito ao fato que o sujeito nasce inscrito em um espaço social, ocupando uma posição social objetiva que lhe definem o contexto inicial em que ele vai se relacionar com o saber; nesse meio o saber possui valores dados pela comunidade em que o sujeito vive, recebendo o impacto das expectativas e aspirações de outros com relação a ele (CHARLOT, 2000CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000., p. 73 apud ARRUDA; LIMA; PASSOS, 2011ARRUDA, S. M.; LIMA, J. P.; PASSOS, M. M. Um novo instrumento para a análise da ação do professor em sala de aula. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 11, n. 2, p. 139-160, 2011., p. 145-146).

Para realizar esse procedimento, foi necessário reorganizar os dados já codificados e acomodados no Foco 5. Para tal, foi preciso fragmentar um pouco mais diversos dos relatos, o que levou à inserção de mais um código, isto é, a fala [X1], já categorizada no Foco 5, foi seccionada em três partes ou mais - .a; .b; .c... -, sendo assim, ela passa a ter a seguinte codificação: [X1.a]; [X1.b]; [X1.c]... O que significa que o sujeito X teve a sua fala 1 dividida pelo fato de ela estar relacionada às diferentes relações: epistêmica, pessoal e social.

Para elucidar tal processo, apresentamos o fragmento [A2], que subdividimos em quatro partes. O sujeito A, em sua fala de número 2, declarou relações diferentes sobre sua identidade docente, fato que nos levou a acomodar essas falas nas relações pessoal e social, da coluna 3 da Matriz.

[A2.a] Ah, porque estou atuando na área e não só por isso. [A2.b] Porque eu assumo ser professora, né. [A2.c] Eu não sinto vergonha da minha profissão, pelo contrário, sinto orgulho de ser professora. [A2.d] Por isso eu me considero professora.

Logo no primeiro trecho [A2.a], A traz a atuação na área como justificativa para o fato de se considerar professor, relatando sentimentos ao assumir-se professora [A2.b], ambos acomodados na relação pessoal. Em [A2.c] percebemos a manifestação da relação social, quando o depoente faz uso das palavras vergonha e orgulho. Para essas acomodações que realizamos, pautamo-nos nos critérios apresentados por Lucas, Passos e Arruda (2013)LUCAS, L. B.; PASSOS, M. M.; ARRUDA, S. M. Axiologia e o processo de formação inicial de professores de biologia. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 645-665, 2013., quando afirmam que o orgulho é uma expressão que manifesta a valoração e os valores são constituídos pelo sujeito por meio de uma cultura, de uma sociedade que prega um determinado modelo. Assim, o orgulho preza pela aceitação de um grupo social, pelo valor que se dá diante dessa situação. Por fim, temos o retorno de A para relação pessoal, quando diz considerar-se professor em [A2.d].

A seguir, trazemos outro exemplo, porém neste não houve a necessidade de subdividir. Na fala [G17.2] o sujeito G relata a dificuldade em realizar as atividades de pesquisa: embora tivesse participado do PIBID por quase dois anos, ainda insatisfeito, mobilizou-se para procurar novos conhecimentos na área de Ensino de Química:

[G17.2] Eu tenho dificuldade em escrever, eu tenho dificuldade de sentar assim e tal, parece que tenho dificuldade de fluir as ideias, sabe? Mas eu vi que eu tinha essa necessidade. Que eu precisava continuar. Que só parando ali, não dava. Eu fiz a especialização, né? A química do cotidiano na escola. Mas vi também que não atingiu as minhas expectativas em nada. Aí falei, não, acho que é o mestrado, mesmo. Por aí, por isso que eu entrei.

Nessa fala, todo o discurso de G foi considerado como epistêmico, pois enfatiza a questão da busca pelos saberes pedagógicos, mediante a participação em cursos de pós- -graduação. G ainda aponta que foi participando de disciplinas do mestrado como aluno especial que descobriu seu interesse pela pesquisa e o fez ingressar, posteriormente, em um curso stricto sensu.

Da mesma forma como descrito nesses exemplos, realizamos a acomodação de todos os depoimentos relativos à construção da Identidade Docente dos professores entrevistados nas células destinadas às relações de aprendizagem com o saber nas dimensões: epistêmicas, pessoais e sociais.

Os resultados obtidos estão sistematizados na representação gráfica que inserimos na continuidade deste artigo, bem como algumas observações que julgamos procedentes.

Os cinco ex-bolsistas internalizaram ações do Programa para suas respectivas práticas e carregam-nas até os dias atuais (período em que foram entrevistados - ano 2015), como professores da rede pública. A experiência do PIBID guia-os nas condutas do ofício, criando não somente uma aproximação com o exercício da profissão, mas também com aspectos teóricos, como a pesquisa no ambiente escolar, zelando pela reflexão de suas ações.

No Gráfico 2 temos a representação percentual dos resultados obtidos, o que para nós significa uma ilustração do perfil docente dos cinco depoentes.

Gráfico 2
Porcentagens das Relações com o Saber para os cinco professores

Concentrando nossas atenções nas maiores porcentagens de acomodação das falas dos professores pesquisados, temos que G e R vinculam a identidade docente à relação com o saber na dimensão pessoal. Em seus depoimentos essa relação manifesta-se por meio de sentimentos de gosto e interesse pela docência. G passou a considerar-se professor ao ingressar na escola durante o período de participação no Programa, permitindo que esse ambiente fizesse parte de sua história de vida, envolvendo-se emocionalmente, inclusive. Sua identidade manifestou-se principalmente na relação pessoal, 50%, enquanto que na social tivemos 27,8% dos depoimentos e na epistêmica, 22,2%.

R também tem seu processo de construção da identidade em maior porcentagem na relação pessoal (41,6%), seguida das duas outras, epistêmica (29,2%) e social (29,2%). Diferentemente de todos os outros sujeitos, R estabelece um vínculo estrito entre a profissão docente e a vida pessoal, principalmente por fazer parte de uma família em que muitos são professores.

Para os depoentes A, L e P, a concentração maior está na relação com o saber em sua dimensão social. O sujeito A reelaborou suas expectativas em trabalhar no setor técnico-industrial ao ingressar no PIBID, quando começou a se interessar pela docência no decorrer das aulas ministradas nas disciplinas específicas para a licenciatura, porém afirmou sentir-se professor ao final do curso, depois de participar do PIBID. Seus depoimentos concentram-se na dimensão social, com 40,9% das alocações dos relatos, sendo que nas dimensões epistêmica e pessoal, temos 31,8% e 27,3%, respectivamente.

Para L as proporções são as seguintes: 55,6% - relação social; 11,1% - relação epistêmica; 31,3% - relação pessoal. Para P são: 50% - relação social; 25% - relação epistêmica e pessoal. Em conformidade com o que relataram, para esses dois professores, a participação em uma comunidade escolar, por meio do PIBID, foi um fator relevante para a manifestação da identidade docente.

De forma geral, compreendendo o funcionamento das atividades teóricas e práticas que esses dois projetos do PIBID proporcionaram a esses professores, ou seja, a partir das relações epistêmicas estabelecidas (que foram as primeiras mencionadas nos depoimentos), concluímos que emergiu um envolvimento emocional com a profissão, a relação pessoal, assim como sobre a valorização do professor e a interação com os demais integrantes do Programa, a relação social. Então, podemos dizer que, partindo do epistêmico, eles foram concebendo as outras dimensões na constituição da identidade docente, e algumas delas tornaram-se até mais essenciais que as relações epistêmicas, como pudemos observar no Gráfico 2.

Considerações finais

Nesta pesquisa, tanto os FAD como a terceira coluna da Matriz 3x3 revelaram algumas evidências relacionadas à motivação e mobilização; à prática e à reflexão sobre a ação; à pesquisa no Ensino de Química e à construção de um perfil docente, que carrega em si as dimensões epistêmicas, pessoais e sociais da relação com o saber.

Um dos principais destaques conclusivos é o fato de que as primeiras impressões a respeito da docência como profissão manifestaram-se durante a atuação desses professores, enquanto bolsistas do PIBID, deflagrando o processo de construção e reelaboração da identidade docente.

A Identidade, a Reflexão e o Interesse pela Docência foram os Focos mais pronunciados. Todos afirmaram ser professor, assumindo seu papel e apontando características a respeito do que é ser professor em suas visões. Em algum momento, abrem espaço para expressarem seu envolvimento emocional com a profissão, o que os leva a falar do Interesse pela Docência, e, por conseguinte, da profissão, como algo prazeroso.

A terceira coluna da Matriz 3x3 serviu para aprofundar o conhecimento sobre a constituição da identidade. A lente analítica permitiu que víssemos a prevalência das relações nas falas de cada sujeito e observássemos suas possíveis traduções, pensando para onde isso poderia nos levar. Um aspecto que destacamos deste processo investigativo, foi o fato de a relação epistêmica ter direcionado a construção da identidade, embora não tenha sido a de maior porcentagem nos depoimentos. Por conseguinte nos revela a importância do papel do coordenador, marcado pela relevância dada à orientação dos aprendizes, como declarado por todos eles, de modo a gerir saberes em prol da atividade docente. É notório que a constituição do perfil docente é um processo contínuo e o que capturamos, nesta pesquisa, foram apenas algumas evidências em um momento inicial da carreira.

Apesar de termos pesquisado somente cinco ex-bolsistas, nas condições seletivas que delimitamos (pois muitos dos ex-bolsistas não estavam atuando no magistério), podemos inferir que o PIBID cumpre o papel de motivador do interesse pela profissão docente e é um campo frutífero para a idealização de uma identidade docente.

Vemos também que deixamos de coletar os pareceres do supervisor, o que poderia nos mostrar outras perspectivas da identidade docente, caracterizada pelo maior tempo de experiência e pela formação continuada. Portanto, o PIBID ainda mostra ser um cenário rico e amplo para investigação de suas contribuições no Ensino de Química.

Agradecimentos

As autoras agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação Araucária.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2016
  • Aceito
    03 Mar 2017
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