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Representações da Mata Atlântica e de sua biodiversidade por meio dos desenhos infantis

Representations of the Atlantic Rainforest and its biodiversity through children's drawings

Resumos

Desenhos infantis são instrumentos úteis e significativos que podem ser empregados para avaliar conhecimentos, competências, observações e conceitos de Ciência, além de possibilitar analisar a capacidade de raciocínio. Este trabalho apresenta a análise de 395 desenhos de crianças com idade entre 6 e 14 anos, habitantes de área urbana de Joinville, SC, Brasil, com o objetivo de verificar quais são os conhecimentos desse grupo social sobre a Mata Atlântica e sua biodiversidade. Foram investigados quais os ecossistemas mais representados, assim como a diversidade da flora e da fauna enfatizada. Durante a análise dos desenhos, verificamos que foram abordados quatro temas distintos: "o bom estado de conservação da Mata Atlântica", "o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", "comparações entre o bom e o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", e "recomendações para a conservação da Mata Atlântica". Os resultados mostram que 60,2% representaram "o bom estado de conservação da Mata Atlântica".

Mata Atlântica; Crianças; Representações sociais; Desenhos; Biodiversidade


Children drawings are useful and significant tools that can be used to evaluate their knowledge and the concepts of Science, their abilities and their opinions beyond their reasoning capacity. With their written explanations, 395 drawings done by children between the 6 and 14 years old, inhabitants of the Joinville urban area (SC, Brazil), were analyzed to test the knowledge of this social group on the Atlantic Rainforest and its biodiversity. More precisely, we analyzed the material for the ecosystem represented, and the diversity of the fauna and flora illustrated. Four themes in relation to the Atlantic Rainforest have been identified: "Its good condition of conservation", "Its bad state of conservation", "A comparative point of view between its good and bad state of conservation" and "Recommendations for its conservation". The results show that 60.2% of the participants had represented "good condition of conservation of Atlantic Mata".

Atlantic Rainforest; Children; Social representations; Drawings; Biodiversity


Representações da Mata Atlântica e de sua biodiversidade por meio dos desenhos infantis* * Parte desta pesquisa foi financiada pela CAPES, por meio de bolsa de estudo.

Representations of the Atlantic Rainforest and its biodiversity through children's drawings

Maria Luiza SchwarzI,1 1 C.P. 6128, Succursale Centre-ville Montreal - Quebec, Canadá H3C 3J7 ; Lúcia SevegnaniII; Pierre AndréIII

IDoutoranda em Geografia, Faculté des Arts et Sciences, Département de Géographie, Université de Montréal. Montreal, Canadá. <luizaschwarz@videotron.ca>

IIProfessora de Botânica, Departamento de Ciências Naturais, Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, SC. <sevegn@furb.br>

IIIProfessor de Geografia Social e do Meio Ambiente, Université de Montréal. Montreal, Canadá. <pierre.andre@umontreal.ca>

RESUMO

Desenhos infantis são instrumentos úteis e significativos que podem ser empregados para avaliar conhecimentos, competências, observações e conceitos de Ciência, além de possibilitar analisar a capacidade de raciocínio. Este trabalho apresenta a análise de 395 desenhos de crianças com idade entre 6 e 14 anos, habitantes de área urbana de Joinville, SC, Brasil, com o objetivo de verificar quais são os conhecimentos desse grupo social sobre a Mata Atlântica e sua biodiversidade. Foram investigados quais os ecossistemas mais representados, assim como a diversidade da flora e da fauna enfatizada. Durante a análise dos desenhos, verificamos que foram abordados quatro temas distintos: "o bom estado de conservação da Mata Atlântica", "o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", "comparações entre o bom e o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", e "recomendações para a conservação da Mata Atlântica". Os resultados mostram que 60,2% representaram "o bom estado de conservação da Mata Atlântica".

Palavras-chave: Mata Atlântica. Crianças. Representações sociais. Desenhos. Biodiversidade.

ABSTRACT

Children drawings are useful and significant tools that can be used to evaluate their knowledge and the concepts of Science, their abilities and their opinions beyond their reasoning capacity. With their written explanations, 395 drawings done by children between the 6 and 14 years old, inhabitants of the Joinville urban area (SC, Brazil), were analyzed to test the knowledge of this social group on the Atlantic Rainforest and its biodiversity. More precisely, we analyzed the material for the ecosystem represented, and the diversity of the fauna and flora illustrated. Four themes in relation to the Atlantic Rainforest have been identified: "Its good condition of conservation", "Its bad state of conservation", "A comparative point of view between its good and bad state of conservation" and "Recommendations for its conservation". The results show that 60.2% of the participants had represented "good condition of conservation of Atlantic Mata".

Key words: Atlantic Rainforest. Children. Social representations. Drawings. Biodiversity.

Introdução

O bioma de Mata Atlântica é um dos "hotspots" mundiais, ou seja, um dos 34 ecossistemas mais ricos e ameaçados do Planeta. Anteriormente, estendia-se do Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul. Hoje, restam somente 7,8%, ou 102.000 km2 dessa floresta (CAMPANILI e PROCHNOW, 2006).

São muitas as instituições governamentais e não governamentais envolvidas na conservação desse bioma, e muitas destacam a importância da conscientização e da educação ambiental do público sobre temas relacionados à biodiversidade, como, por exemplo: o "The Critical Ecosystem Partnership Fund", que está apoiando projetos na Mata Atlântica (CEPF, 2001), a Fundação SOS Mata Atlântica, a Rede de ONGs da Mata Atlântica, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil, entre outros.

O principal objetivo da Educação Ambiental é encorajar as crianças e jovens, sobretudo as que moram em regiões urbanas, a gostarem da natureza (SIMMONS, 1994). As escolas, por intermédio dos programas de Educação Ambiental, apresentam às crianças urbanas os parques e áreas naturais. Muitos desses programas são planejados com a convicção de que os jovens vivenciarão experiências positivas, as quais poderão contribuir para o estabelecimento de um compromisso destinado à proteção do ambiente e sua biodiversidade (LINDEMANN-MATTHIES, 1999) - e é esse um dos desafios da Educação Ambiental (SIMMONS, 1994). Outro desafio igualmente muito importante é o estímulo à aprendizagem científica referente aos ecossistemas, plantas, animais e microorganismos, os quais compõem a 'teia da vida', da qual os homens também fazem parte. Entretanto, para expor os indivíduos a uma experiência marcante e positiva em relação à natureza, capaz de estimulá-los a criar laços afetivos com o ambiente, é prudente que o educador ambiental compreenda, antecipadamente, como as crianças percebem e representam o ambiente e sua biodiversidade, tornando o processo educativo mais profícuo, evitando meras suposições de conteúdos necessários (SIMMONS, 1994).

Este trabalho tem como objetivos: avaliar o conhecimento de crianças e adolescentes relativo à Mata Atlântica e sua biodiversidade, utilizando as representações; verificar possíveis diferenças nas representações relacionadas ao gênero e à idade.

Entendemos que as representações são expressões das relações estabelecidas entre o homem e o ambiente que o envolve. Essas relações são dotadas de valores e sentimentos, sendo que toda representação é um processo criativo onde o indivíduo precisa resgatar informações que foram armazenadas por meio das experiências vividas.

Segundo Moscovici (2001), as experiências são construídas em sociedade, por intermédio da linguagem, da comunicação, da escola, do meio cultural e dos valores, portanto, as representações são sociais. A Geografia, como ciência social, coloca o homem no centro da análise do espaço, empregando, assim, conceitos que nasceram na Sociologia e na Psicologia Social.

A utilização dos desenhos na Geografia e em outras áreas

O desenho infantil é um instrumento dos mais importantes para favorecer o desenvolvimento integral do indivíduo, e constitui elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento (GOLDBERG, YUNES e FREITAS, 2005). Mediante o desenho, a criança organiza informações, processa experiências vividas e pensadas, revela seu aprendizado e pode desenvolver um estilo de representação singular do mundo (GOLDBERG, YUNES e FREITAS, 2005).

Independente da classe social, do país onde vivem ou do gênero, as crianças começam a se comunicar graficamente por meio do desenho, e este é um poderoso instrumento de avaliação, pois, em geral, as crianças gostam de desenhar, não ficando tensas ao fazê-lo (BARRAZA, 1999; RENNIE e JARVIS, 1995). Ainda segundo estes autores, muitas crianças não gostam de responder perguntas escritas, e a resposta por meio do desenho pode ser compreendida rápida e facilmente, de modo agradável e útil.

Não tem sido muito comum os trabalhos utilizarem desenhos infantis para avaliar representações do meio ambiente e sua biodiversidade. De modo geral, a criança gosta muito de desenhar, mas o desenho ainda é um método pouco explorado para obter compreensão de conceitos científicos (DOVE, EVERETT e PREECE, 1999).

Muitos dos estudos sobre desenhos infantis se baseiam em LUQUET (1984). Este autor distingue os desenhos infantis em cinco estádios ou etapas:

1. Realismo fortuito: começa por volta dos 18 meses aos dois anos, e vai até o fim do período chamado de rabisco. A criança que começou a desenhar sinais sem desejo de representação, passa, agora, a nomear o seu desenho. Com o passar da idade, o desenho vai se desenvolvendo.

2. Realismo fracassado: geralmente, por volta de dois anos, tendo descoberto a identidade e a forma do objeto, a criança procura reproduzir esta forma, mas ainda não consegue dirigir e limitar seus movimentos gráficos da maneira que deseja.

3. Realismo simbólico: período entre três a quatro anos, no qual a criança começa a dar detalhes aos seus desenhos e nas relações de um com outro. Muitos desses desenhos são baseados em simples fórmulas e esquemas.

4. Realismo intelectual: período entre quatro a dez ou 12 anos, caracterizado pelo fato de que a criança desenha não aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Nessa fase há uma mistura de diversos pontos de vista e perspectivas, mas está longe de ser um desenho de adulto.

5. Realismo visual: por volta dos 12 anos, o desenho é marcado pela descoberta da perspectiva e também caracterizado pelo empobrecimento progressivo do grafismo, que tende a se juntar às produções adultas.

Os trabalhos de Luquet (1984) sobre o desenvolvimento do desenho desempenharam um papel importante em estudos seguidos por Piaget (1966). Mais Piaget (1966) acrescenta que, na primeira fase do desenho infantil, a criança não quer imitar o adulto, mas sim é uma forma de exercício: "é uma forma que a criança de 2 a 2 ½ se entrega quando alguém lhe dá um lápis". Andrade (1984 apud GOBBI, 2004) criticava esta forma de classificar os desenhos infantis marcada por características "etapistas". Ele afirmava que "as fases mesmo sucessivas podem se sobrepor umas às outras" (p. 38). Piaget (1978) afirma que cada período ou etapa é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo consegue fazer naquela faixa etária. Todos passam por essas fases ou períodos, porém o início ou término de cada uma dessas depende das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais e sociais (PIAGET, 1978). Portanto, a classificação nessas faixas etárias deve ser considerada como referência, e não como norma rígida (BEE, 1996).

Muitas vezes, o desenho é empregado junto às crianças de pouca idade, antes que elas adquiram outras formas de comunicação, como a leitura e a escrita. Os desenhos não são empregados com freqüência com estudantes de mais idade, cuja escrita já foi adquirida por meio dos programas de estudos (MCNAIR e STEIN, 2001).

A parte da Geografia que se interessa pela interação criança/meio possui uma preocupação: observar e compreender a reação da criança em resposta ao meio no qual vive, criado pelos homens em função de fins explícitos ou implícitos e onde, infelizmente, ela possui um lugar pequeno (THOUEZ, 1981).

Vários são os estudos em Geografia que utilizam os desenhos dos mapas mentais, para avaliar o conhecimento dos indivíduos, bem como avaliar a função social do bairro, região ou cidade onde residem (RODRIGUES, 2001; THOUEZ, 1981; LYNCH, 1960).

Pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento utilizaram mapas mentais, mas também desenhos livres para representar o meio ambiente, dentre os quais destacam-se: Dove, Everett e Preece (1999), Barraza (1999), Alerby (2000) e McNair e Stein (2001). Antonio e Guimarães (2006), baseando-se em desenhos, analisaram a realidade ambiental de um grupo de crianças de uma comunidade caiçara localizada entre os estados de São Paulo e Paraná. Notaram que essas representações retratavam vivências de um mundo marinho e a diversidade de vida no mar, além das atividades pesqueiras, realidades do espaço vivenciado por esse grupo. Martinho e Talamoni (2007) também analisaram, por meio de desenhos, as representações do meio ambiente de alunos da quarta série. Verificaram que a flora foi identificada por intermédio de valores utilitaristas e, na maioria dos casos, não reconheceram a importância da vegetação nativa para a manutenção da biodiversidade. As representações da fauna retratam animais domesticados e poucos animais nativos. Goldberg (2004) trabalhou com desenhos de crianças de quatro a nove anos sobre as representações de ambientes marinhos, por meio dos quais as crianças foram capazes de representar, com muito empenho, o ambiente que estavam observando: o elemento água, o ambiente marinho e seus componentes culturais e naturais. Observamos em todos esses trabalhos a relação entre o ser humano e a vida ao seu redor, de uma maneira muito real e sensível.

O objetivo principal desta pesquisa é aaber como crianças urbanas da região de Joinville representam a Mata Atlântica e sua biodiversidade. Os resultados poderão ajudar nos trabalhos de Educação Ambiental destinados à sensibilização do público e à utilização sustentável dos recursos desse bioma. Poderão, também, impulsionar e ampliar a utilização de desenhos infantis como forma de análise dos conhecimentos relacionados aos temas científicos.

Em face de tais objetivos, colocamos as seguintes questões de pesquisa: i) quais são os ecossistemas e táxons da flora e fauna representados com maior relevância pelos estudantes?; ii) essas representações infanto-juvenis retratam interação entre a flora, a fauna e o homem?; iii) de que forma os estudantes retratam o estado de conservação da Mata Atlântica?; iv) as representações dos estudantes diferem segundo o gênero e a idade?

Metodologia

O município de Joinville situa-se no extremo norte de Santa Catarina, limitado pelo Oceano Atlântico e a Serra do Mar, com altitudes desde o nível do mar até 1.400 m. Localiza-se às margens da baía da Babitonga, com uma população aproximada de 487.045 habitantes, estendidos em 1.131 Km² (IBGE, 2005). Sua principal atividade econômica é a indústria metal-mecânica, seguida de comércio e serviços. A cobertura florestal do município pertence totalmente ao bioma Mata Atlântica, com as seguintes regiões fitoecológicas e formações pioneiras: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Mista, Estepe Ombrófila, e as formações pioneiras de influência flúvio-marinhas (mangue) e as formações marinhas (restinga) (GAPLAN, 1986).

Nesta investigação, foi utilizada a Pesquisa Social com uma abordagem qualitativa, mas muitos dos dados foram quantificáveis.

O levantamento das percepções das crianças e adolescentes frente à biodiversidade da Mata Atlântica foi efetuado junto aos alunos do Colégio dos Santos Anjos, um colégio particular, no centro da cidade de Joinville, Santa Catarina, Brasil. A escola conta com 629 alunos, atuando no nível fundamental. Em geral, os alunos são provenientes de famílias com bom poder aquisitivo, pertencentes às classes média e alta da sociedade joinvillense.

Fizeram parte da população-alvo 395 alunos de seis a 14 anos de idade, que freqüentavam da 1ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, sendo 216 do gênero feminino e 179 do masculino, totalizando 62% da população total da escola.

A coleta de dados teve os seguintes procedimentos metodológicos. Foi solicitado aos estudantes que fizessem um desenho sobre a Mata Atlântica. Comunicou-se, também, que eles não deveriam se preocupar com a habilidade em desenhar, mas sim representar o que vinha à mente referente ao tema. Também foi solicitada uma explicação ou um comentário escrito sobre o desenho que realizaram. Todos os alunos da 1ª a 8ª séries foram convidados a desenhar, mas nem todos terminaram ou entregaram seus desenhos. Os participantes foram divididos em dois grupos: crianças menores, da 1ª a 4ª séries (140 estudantes), e crianças maiores, da 5ª a 8ª séries (255 alunos). O tempo dado para confecção dos desenhos foi de sessenta minutos. Não houve discussão antecedente à sessão de desenho. Apenas foi apresentada a atividade: "desenhe o que vem na sua mente quando falamos na Mata Atlântica". Houve uma perfeita compreensão do tema e as informações escritas sobre o desenho foram feitas pelos alunos no verso.

As análises dos conteúdos sobre Mata Atlântica e biodiversidade foram feitas individualmente de maneira minuciosa, sendo que esses dados qualitativos podem ser quantificados e classificados por meio das semelhanças, modelos e estruturas. Com base nas análises, os desenhos foram divididos nos seguintes temas: i) tendência dos elementos desenhados, como, por exemplo: sol, nuvens, animais, plantas, etc; ·ii) o conjunto total desses elementos, que determina o ecossistema desenhado; e iii) a classificação dos desenhos dentro dos seguintes temas: "o bom estado de conservação da Mata Atlântica", "o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", "comparações entre o bom e o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica" e "recomendações para a conservação da Mata Atlântica"; os ecossistemas e os temas que foram criados levaram, também, em consideração a explicação no verso do desenho.

As diferenças segundo o gênero e a idade dos entrevistados foram analisadas em todos os quatro temas. Para tal análise, empregamos teste do qui-quadrado (c2), com nível de significância convencionado de p=0,05. Este teste é considerado como opção de preferência e menos sensível aos deslocamentos apresentados por baixa freqüência (HUOUT, 2003; BARRAZA, 1999). Os tratamentos estatísticos foram feitos por meio do programa SPSS para Windows.

Resultados

Ecossistemas e elementos representados

Em relação ao bioma Mata Atlântica, a maioria dos alunos representou fisionomias que podem ser associadas a diferentes regiões fitoecológicas desse, tais como: a Floresta Ombrófila Densa (83,3%), a Floresta Ombrófila Mista (3,8%), ou, ainda, formações como a restinga (5,6%), ou ambientes fluviais como os rios (5,3%), e desenhos cujo ecossistema não pode ser identificado (2,0%). Nas representações de restingas e rios, foi possível, também, associar à Floresta Ombrófila Densa. As explicações constantes nos versos dos desenhos possibilitaram melhor classificação dos mesmos.

A maior parte dos estudantes (51,9%) representou uma fisionomia florestal que pode ser relacionada com a Floresta Ombrófila Densa, sobre relevo acidentado. Quanto ao número e ao tipo de elementos desenhados, a média geral foi de 6,5 elementos, sendo os sete elementos mais representados: árvores (n=366), ervas (n=280), nuvens (n=271), sol (n=269), mar e fontes hídricas (n=207), colinas ou serras (n=205), e aves (n=205).

Árvores genéricas, cujas espécies não foi possível determinar pelo desenho, foram representadas em 92,7 % dos trabalhos. As flores aparecem em 33,4% das obras. Palmeiras, coqueiros, araucária e outros pinheiros foram representados com menor freqüência. Outros elementos freqüentemente representados foram os arbustos (22,8%) e os frutos redondos (9,9%), quase sempre vermelhos, desenhados no interior das árvores, seguidos pelo coco, com 2,5%.

Os animais mais representados foram as aves, presentes em 52,2% dos desenhos. Mas somente 11,9 % destes apresentam aves com forma específica, e não o simples rabisco de aves no céu. A onça é o segundo animal mais representado (14,4%), seguida de cobras (13,7%), borboletas (13,7%), peixes (8,9%), macacos (8,6%) e demais animais (15,1%). A presença humana ocorre em 7,6% dos desenhos.


Diferenças nas representações entre gênero e idade

Verificamos que existem diferenças significativas (p= 0,05, g.l.= 1) entre o gênero dos participantes quanto aos ecossistemas representados. Sendo o valor observado igual a 5,2, e o valor teórico igual a 3,8. As meninas representam a Floresta Ombrófila Densa num percentual mais elevado (88%) que os meninos (80%). Eles representam os demais ecossistemas com maior vantagem que elas, sobretudo a restinga (8%), não existindo diferenças segundo a idade.

Existem diferenças segundo o gênero e a representação de alguns elementos, como, por exemplo, as meninas desenham com maior significação as flores e as borboletas. Eles desenham com maior importância árvores, arbustos, aves, a presença humana e táxons diversos de animais, do que elas (Figura 2).


Em relação à idade e aos demais elementos representados, as diferenças são grandes, comprovadas pelos testes estatísticos (Figura 2). As crianças menores desenham com maior importância: o sol, as nuvens, o mar e outros elementos hídricos, as flores, as borboletas, as onças, as cobras, os macacos, os leões e outros diferentes táxons. Já as maiores representam com maior significação as colinas ou serras, as aves e a presença humana, do que as menores.

Resultado da análise dos desenhos: classificação em temas

Durante a análise dos desenhos dos alunos, verificamos que os mesmos representavam quatro temas sobre o estado de conservação da Mata Atlântica: o bom estado de sua conservação, o péssimo estado de sua conservação, a comparação entre o bom e o péssimo estado de conservação, e as recomendações para sua preservação;

Observamos que os temas que apareceram podem não estar isolados, podendo ter conexão com os outros temas. A explicação atrás do desenho foi muito importante para a classificação dos mesmos. Muitos representaram o bom estado de conservação da Mata Atlântica e, no verso, mencionaram que deveríamos cuidar dela. Esses desenhos foram classificados como uma recomendação.

O tema "o bom estado de conservação da Mata Atlântica" corresponde a 62,0% dos desenhos, o "péssimo estado de conservação da Mata Atlântica" (12,2%), "comparações entre o bom e o péssimo estado da Mata Atlântica" (18,5%), e "recomendações para a preservação da Mata Atlântica" (7,3%). Nas sessões seguintes, iremos descrever alguns desenhos e, também, alguns dos comentários escritos no verso para representar cada tema diferente.

Representações do bom estado de conservação da Mata Atlântica

Este tema compreende os desenhos que ilustram uma paisagem natural em diferentes manifestações: existe uma interação entre animais e plantas e, em alguns casos, uma interação harmoniosa entre homem e natureza. Como, por exemplo, o desenho de uma menina regando uma flor ou de um bonequinho recolhendo cocos. Em alguns desses desenhos, podemos observar aves e macacos nos ramos de grandes ou pequenas árvores. As serpentes, muitas vezes, estão escondidas ou enroladas nos galhos. Geralmente, o mar, rios e cachoeiras estão repletos de peixes. A onça vive livre no seu habitat natural.

Muitos desenhos possuem somente plantas, mas citam que, na Mata Atlântica, vivem muitos animais. O sol, nuvens e morros ou serras estão quase sempre presentes. Alguns desenhos representam o bom estado da Mata Atlântica, mas com sinais antrópicos, como a presença de uma pista de asa delta ou os trilhos de um trem. Esses desenhos representam a Mata Atlântica como lugar ideal, muitos a descrevem como perfeita e muito bela.

Existem diferenças significativas (p=0,05, Figura 3) quanto às representações em relação ao gênero e à idade das crianças e adolescentes. As crianças menores representaram a Mata Atlântica em bom estado de conservação em 74% dos desenhos, as maiores representaram em 55%. O bom estado de conservação da Mata Atlântica foi representado em 64% dos desenhos das meninas e 59% dos desenhos dos meninos.


O desenho da Figura 4a mostra uma Mata Atlântica bem preservada. O sol enorme pode revelar o calor que faz nessa região. A Figura 4b também nos mostra uma paisagem bela, onde a flora, que é composta por árvores, arbustos e flores, coabita harmoniosamente com as diferentes espécies da fauna, expressando colorido suave e agradável. Nessa figura, constatam-se elementos estranhos à fauna nativa da Mata Atlântica, como a ave psitaciforme representada.


As Figuras 5a e 5b evidenciam o relevo acidentado em que ocorre a Mata Atlântica. Um pouco mais da metade da população amostrada (51,9%) retrata a mesma em morros ou serras. As figuras evidenciam a beleza e a harmonia do lugar, embora não representem animais na floresta, somente os peixes no mar. O sol está sempre presente. Observe o aspecto organizado dado à Mata Atlântica e composto da mesma espécie de árvores (Figura 5a); nela o autor não consegue registrar ou perceber a diversidade de formas de vida tão característica dessa floresta. A menina que elaborou a Figura 5b associa a Mata Atlântica com situações agradáveis, como os momentos de lazer vividos na casa de uma amiga. Seu desenho retrata uma interação positiva entre os humanos e a floresta.


Alguns outros trabalhos retrataram estradas que cortam a Mata Atlântica, vias férreas e pontos turísticos. Dessa forma, destacam as diferentes atividades e paisagens associadas a esse bioma.

Representação do péssimo estado de conservação da Mata Atlântica

Sob esse tema, as crianças reúnem diversas formas de destruição da Mata Atlântica, com destaque para o desmatamento. Mostram árvores cortadas ou toras empilhadas. Os instrumentos para executar tal destruição são os tratores e machados. Também representam o avanço das cidades em direção da Mata Atlântica e as queimadas. A industrialização e poluição aparecem em poucos desenhos. O péssimo estado de conservação é retratado com maior freqüência (16%) pelas crianças maiores, e somente em 6% dos desenhos das crianças menores. Há diferenças significativas (p= 0,05) entre o número de meninos (18%) que representaram a degradação ambiental da Mata Atlântica, e o de meninas (apenas 7%) (Figura 3).

A Figura 6a mostra uma paisagem quase sem vegetação, com alguns troncos cortados. Além do desflorestamento, retrata a poluição por meio de pontas de cigarro e de uma garrafa plástica. Também mostra o instrumento utilizado para o corte das árvores. Este instrumento é representado, igualmente, em alguns dos desenhos de outros estudantes. A Figura 6b mostra outro exemplo do estado degradado da Mata Atlântica, invadida por carro 4 x 4 e caçadores. Outros desenhos, quase sempre de meninos, retratam a floresta invadida por tratores.


Comparação entre o bom e o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica

Esse terceiro tema trata do bom estado de conservação da mata e, também, de sua destruição, relacionando-se com os temas anteriores. A maioria das crianças dividiu ao meio a folha de papel: uma parte para o bom estado e outra para o péssimo. Mas também existem desenhos que destacam um ambiente conservado, com elementos de destruição e poluição.

Existe diferença significativa entre os gêneros (p=0,05) (Figura 3) e idade quanto à representação conjunta do estado degradado e conservado da Mata Atlântica num mesmo desenho. Os maiores fizeram representação conjunta em 25% dos desenhos, e os menores em apenas 7%. Entretanto, as estudantes representaram esses aspectos em 20%, contra 16% dos estudantes.

As Figuras 7a e 7b são exemplos de representações nas quais se destacam aspectos do bom e do péssimo estado de conservação da Mata Atlântica. A Figura 7a delimita a paisagem, onde, de um lado da colina, a floresta apresenta algumas árvores e, do outro lado, as árvores estão caídas, demonstrando o desmatamento. A Figura 7b faz uma divisão na página. De um lado, "o bom estado" - notar que em região também acidentada -, e "o péssimo estado" em região plana contendo armadilhas e animais aprisionados por elas. O sol está triste e não existem pássaros neste lado, ao contrário do outro. Na Figura 7b, novamente, a montanha coberta não apresenta individualização da cobertura florestal, considerada como pano de fundo para uma árvore em destaque.


Houve dez desenhos enquadrados nesta temática entre as crianças menores, contra 63 efetuados pelas crianças maiores.

Recomendações para a preservação da Mata Atlântica

Algumas crianças aproveitaram a oportunidade e fizeram recomendações para a conservação da Mata Atlântica. Este tema, apesar de ter relação com os anteriores, merece destaque e tratamento individualizado, porque o texto colocado no verso dos desenhos faz esta ressalva. As meninas fizeram recomendações em 8% dos desenhos, e os meninos em 6% (Figura 3). Houve também diferença quanto à idade. Os menores fizeram mais (13%) recomendações para a preservação e apenas 4% dos maiores o fizeram.

A Figura 8a mostra uma menina, podendo ser a própria que desenhou, pedindo que seja preservada a Mata Atlântica. A Figura 8b apresenta uma paisagem sem sinal de desmatamento ou poluição, mas recomenda que a Mata Atlântica terá de ser sempre da maneira representada por ela. Outras 19 representações de crianças menores também fazem observações dessa natureza. As crianças maiores fizeram apenas dez desenhos que figuram nesse tema referente às recomendações.


Discussão

De modo geral, as crianças gostaram de representar a Mata Atlântica por meio dos desenhos, e este foi um importante instrumento de avaliação. Mediante o desenho, analisamos os conhecimentos dos jovens sobre o bioma. Entretanto as crianças maiores (adolescentes) possuem dificuldades de representar uma floresta, com sua biodiversidade. Isto pode indicar certa falta de habilidade em se expressar por desenhos, possivelmente associada à falta de treino, pois nessa faixa etária os desenhos são raros no cotidiano escolar, em relação às crianças das primeiras séries do Ensino Fundamental.

Dentre as representações da Mata Atlântica feitas pelo grupo em análise, a flora é freqüentemente registrada. As árvores foram desenhadas com maior freqüência e importância pelo grupo. Essas, geralmente de grande porte, são representadas em muitos desenhos como hábitat para muitos animais. Depois das árvores, os elementos que mais se destacam são as plantas herbáceas, seguidas pelas nuvens e pelo sol. Estas representações podem ser consideradas como a prática do saber, do conhecimento cotidiano com base na experiência vivenciada por esse grupo (JODELET, 2002). A presença, nos desenhos, de nuvens e sol destaca a importância destes na vida cotidiana em um ambiente tropical.

Ressalte-se a forma genérica como são representadas as plantas, em geral como componentes do meio, mas não tendo identidade específica, como, por exemplo, um palmiteiro (Euterpe edulis Mart.) ou cedro (Cedrela fissilis Vell.), plantas comuns no ambiente dessas crianças. Isto nos sugere que as crianças têm noção da diversidade de plantas da região, mas na hora de citá-las ou representá-las de maneira mais específica, possuem grande dificuldade. Guarin-Neto, Santana e Silva (2000) explicam que o uso das plantas como recurso está fortemente presente na cultura popular que é transmitida de pais para filhos no transcorrer da existência humana. Este conhecimento é encontrado junto às populações tradicionais (DIEGUES, 1998) ou contemporâneas, e pelo que se tem observado tende à redução ou mesmo ao desaparecimento, quando sofre a ação implacável da vida moderna com sua tendência à urbanização. Este analfabetismo natural não é tido como falta de oportunidade para que as crianças vejam as plantas e os animais no meio imediato, mas reflete a falta de ocasião para que as crianças nomeiem e estudem os organismos locais (LINDEMANN-MATTHIES, 2002).

As crianças aprendem sobre as plantas com a família, a escola foi raramente identificada como uma fonte de informação sobre as plantas, e, também, são poucos os livros conhecidos por elas. A aprendizagem se faz com maior importância em observações cotidianas, tais como, acompanhando os pais combatendo as ervas daninhas (TUNNICLIFFE e REISS, 1999). Como as crianças e adolescentes deste estudo pertencem à classe média/alta em área urbana, muitos pais contam com os serviços de um jardineiro em suas casas ou prédios. O contato pessoal com plantas, jardins e florestas é mais contemplativo que interativo. Muitas vezes, os pais não transmitem os conhecimentos que possuem sobre as plantas ou, mesmo, apresentam pouco conhecimento sobre elas, pois este já não faz parte do dia-a-dia ou da subsistência, como ocorre com as famílias que vivem no ambiente rural. É bem verdade que algumas plantas chamam a atenção pela utilidade, beleza ou importância alimentar. Plantas presentes nas gôndolas de supermercados ou floriculturas vêm destituídas de seu contexto ambiental.

Com relação à fauna, esta teve menor freqüência de representação, mas, quando presente, predominaram os animais exóticos sobre a fauna brasileira. O leão é o animal exótico mais desenhado, sendo mais freqüente entre crianças menores do que entre as maiores. Um exemplo é o da Figura 6b, onde o menino de sete anos chama de onça a representação de um leão. Animais como urso, girafa, tigre, elefante são representados em 2% dos desenhos elaborados pelas crianças menores e 0,5% pelas maiores. O destaque à fauna exótica pode estar relacionado com a importância dada a ela em livros, revistas e programas audiovisuais para crianças. As crianças maiores possuem outras fontes de informações, além da observação direta de diferentes tipos de animais. Contam, também, com o trabalho dos professores nas escolas, os quais, na quinta e sexta séries, destacam animais nativos do Brasil. Alguns livros didáticos ainda apresentam muitas paisagens e animais não autóctones do Brasil. Segundo Pinheiro da Silva e Cavassan (2003), os livros didáticos estão marcados por paisagens e espécies estrangeiras, que substituem paisagens brasileiras, mais próximas da realidade dos alunos. Os autores não são contra a utilização dessas imagens, mas ressaltam que devem ser usadas de acordo com o contexto do trabalho.

Respondendo às perguntas iniciais desta pesquisa, podemos afirmar que as fisionomias que podem ser associadas à Floresta Ombrófila Densa são representadas com maior importância. As árvores genéricas são os principais elementos da flora, e as aves os principais elementos da fauna, embora os "rabiscos" dessas aves sejam percepções dos livros infantis, representando apenas elementos ilustrativos da paisagem, e não componentes principais da cena. Já a onça, segundo elemento da fauna representado com maior importância, é muito temida e valorizada nos programas de televisão, no contexto social, e faz parte da fauna nativa de Joinville, pois ainda vive nas florestas que existem na Serra do Mar. Notamos que, apesar das dificuldades para representarem graficamente um ecossistema associado à Mata Atlântica com a sua diversidade de espécies, essas representações mostram uma interação entre animais e plantas e, em poucos desenhos, uma interação também com o homem.

É preciso ressaltar que países com grande biodiversidade, como o Brasil, têm dificuldade de conhecer partes relevantes da biota, destacando seus aspectos culturais, sociais e ecológicos. As pessoas estão acostumadas a conviver com ambientes biodiversos, portanto acham que sempre será assim, independente de sua atitude ou ação sobre o meio.

Não existem diferenças significativas nas representações de animais exóticos e o gênero dos entrevistados. Isso pode denotar que as influências culturais de uma comunidade têm semelhantes efeitos sobre as percepções e os registros destas, independentes do gênero.

A região onde vivem as crianças avaliadas se caracteriza por conjuntos de colinas costeiras e pela Serra do Mar, cobertos pela Floresta Ombrófila Densa, representada em quase a totalidade das obras.

Grande número de crianças entrevistadas mora em apartamentos ou casas, com vistas para os morros de Joinville cobertos pela Mata Atlântica, servindo esta de espetacular moldura ou cenário para a vida cotidiana, mas sem o contato real, qual seja, o caminhar em seu interior, perceber suas texturas, formas, cores, cheiros propiciados pela vida que abriga. Muitos das crianças habitam residências com uma espetacular vista para a Mata Atlântica, avistada ao longe, em geral através de janelas, sugerindo que, muitos dos desenhos, onde aparece uma vegetação homogênea, são sinais dessas percepções distantes, onde tudo parece ser uniforme.

As representações também retratam forte interação entre animais e plantas, registrando a realidade de um ambiente que possui uma das maiores diversidades de animais e plantas do Planeta, com fortes interações interespecíficas (TREIN, 2002). Em geral, as crianças estão cientes de que há uma grande quantidade de animais e plantas na Mata Atlântica, e que ocorre interação entre as espécies.

A maioria das representações (62%) retrata o bom estado de conservação da Mata Atlântica, podendo denotar a existência de lugares bastante preservados no ambiente próximo onde vivem, o que de fato ocorre. Segundo Luquet (1984), dos quatro até 12 anos, a criança passa a desenhar não somente o que conhece, mas também o que sabe existir. Isso foi evidenciado nos desenhos que retratam a Mata Atlântica em lugares elevados, com floresta preservada e algumas áreas em recuperação no município de Joinville. Os morros e encostas são lugares de difícil acesso e atualmente cobertos por remanescentes da floresta ombrófila densa e seus estádios sucessionais. Simmons (1994) sugere que as pessoas categorizam o ambiente natural com base nas preferências pela forma, pelas características de seu conteúdo, como a topografia, a vegetação e sua estrutura, como a densidade da vegetação. Outros autores afirmam que a familiaridade ou a experiência relacionada à natureza resulta numa preferência ambiental (LINDEMANN-MATTHIES, 1999; SIMMONS, 1994; KAPLAN, KAPLAN e BROWN, 1989).

Existe uma conexão lógica entre os elementos representados segundo o gênero e os temas que surgem. Como as meninas desenharam com maior freqüência o bom estado da Mata Atlântica, fizeram também maior comparação entre o bom e o péssimo estado, e também foram as que mais fizeram recomendações para a preservação da Mata Atlântica. Os desenhos delas possuem mais elementos com características do "belo" e "perfeito", ou seja, são representações mais otimistas sobre o estado de conservação da Mata Atlântica, possuindo maior quantidade de sol, nuvens, árvores, ervas, flores e borboletas. As flores e borboletas são elementos bastante desenhados pelas meninas menores, isto pode estar relacionado à cultura, onde, desde bebês, elas presenciam estes elementos na decoração do quarto, nas roupinhas, nos acessórios de moda, e ainda muito presentes na vida delas. Já na decoração e acessórios dos meninos os elementos são outros, como animaizinhos, super-heróis, carros, caminhões, etc. Elas são mais positivas que os meninos e vêem menos problemas relacionados à Mata Atlântica. Resultado semelhante também foi encontrado por Alerby (2000). Podemos também sugerir que as presenças de flores, sol e borboletas estão relacionadas com o elemento estético valorizado pelas meninas e desvalorizado pelos meninos e, que por razões culturais, os amigos podem rir quando um menino maior desenha uma flor ou uma borboleta.

Na realidade, os desenhos das meninas possuem maior número de elementos desenhados, com uma média de sete elementos. Os meninos obtiveram uma média de 5,8 elementos. A preferência por flores e plantas ornamentais também foi constatada em estudos realizados por Tunnicliffe e Reiss (2000) e Lindemann-Matthies (2005).

Também notamos que as crianças menores possuem tendência a serem mais positivas e verem menos problemas ambientais relacionados à Mata Atlântica que as maiores. O mesmo resultado foi encontrado por Alerby (2000), onde ela sugere que o pensamento dos mais jovens pode vir da realidade concreta e que, nos mais velhos, pode se originar de uma visão mais global. A conclusão de Alerby (2000) foi resultado da pesquisa sobre o pensamento das crianças frente ao meio ambiente em geral. Entretanto, quando se trabalha com ambiente próximo e se atinge o mesmo resultado, sugerimos que a representação dos problemas relacionados ao meio ambiente é construída segundo as etapas do desenvolvimento intelectual infantil, mais precisamente por meio do desenvolvimento de suas percepções. As percepções constituem o resultado das atividades sensório-motoras, o conhecimento do real, que são desenvolvidas progressivamente ao longo do tempo, ou idade, e que foram descritas por Piaget (1966). As crianças maiores também comparam com maior significação o "bom estado de conservação da Mata Atlântica e o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica". A diferença entre meninas e meninos foi pequena.

Uma questão que necessita maior reflexão: por que numa região com tanta precipitação pluviométrica nenhum estudante desenhou a chuva? No Brasil, quando dizemos que está fazendo sol, afirma-se que o tempo está bom. Assim, tempo com chuva é mau tempo. Essa é uma visão culturalmente arraigada. Talvez os estudantes tenham desejado mostrar, com ênfase, somente o tempo bom.

É nítida a contribuição do desenho infantil sobre as representações de crianças e adolescentes urbanos da região de Joinville relativas à Mata Atlântica, mesmo a dos adolescentes de 13 a 14 anos. Como consideram o desenho uma forma de jogo, este jogo quase sempre é levado a sério (LUQUET, 1984). Podemos afirmar que as crianças e adolescentes agiram com desvelo na execução deste trabalho. Eles demonstraram, além da capacidade de desenhar, seu conhecimento e sua percepção visual, necessários ao desenvolvimento das representações mentais (BARRAZA, 1999). Mas não podemos deixar de acrescentar a importância das explicações no verso. Por exemplo: meninas adoram desenhar flores, sol, borboletas, e uma paisagem paradisíaca. Uma explicação no verso diz o seguinte: "Esta é uma amostra de como era a Mata Atlântica. Hoje, ela não existe mais, foi totalmente destruída ou modificada" (menina, 12 anos). Esta explicação foi indispensável para classificar este desenho representando o péssimo estado de conservação da Mata Atlântica.

Observamos que houve uma construção de temas essenciais para a transmissão de mensagens cheias de significação. Para a maioria das crianças, sobretudo as meninas e os mais jovens, a Mata Atlântica é um lugar paradisíaco, com muitas espécies vegetais, animais, flores, onde vêem inúmeros pássaros e sentem o calor do sol num céu muito azul. A idéia de "natureza intacta" realça o mito da natureza intocada descrito por Diegues (1998).

Considerações finais

A maioria dos desenhos retratou o gosto e simpatia por esse importante bioma, sem mostrar um conhecimento mais aprofundado sobre espécies de plantas e animais. Programas educativos aliados a visitas a parques ecológicos naturais, ricos em florestas, e animais, poderão desenvolver e ampliar as percepções das crianças em relação à Mata Atlântica. Os educadores podem empregar métodos que estimulem a atenção da criança nessas visitas e, também, em aula, para que essas experiências não sejam meros passeios extraclasse. McNair e Stein (2001) explicam que as crianças constroem a compreensão de conceitos biológicos por meio de experiências diretas, concretas com os seres vivos, os ciclos de vida e seus hábitats, mas a educação contemporânea deve observar e reconhecer as necessidades específicas relacionadas ao gênero das crianças.

Quando as crianças pensam no bioma de Mata Atlântica, fazem alusão a uma floresta em bom estado de conservação. A idade e o gênero também foram fatores determinantes no que diz respeito ao ecossistema representado, aos elementos, ao estado de conservação e aos problemas relacionados a esse bioma. Com o passar da idade, os meninos retratam com maior intensidade o "péssimo estado de conservação da Mata Atlântica", demonstrando ser a idade fator dominante para a compreensão dos problemas ambientais.

Necessário se torna estimular as percepções das crianças e jovens em relação ao bioma Mata Atlântica e sua biodiversidade, bem como a importância de sua conservação para o presente e o futuro. A Educação Ambiental é considerada um importante instrumento para minimizar os problemas socioambientais da atualidade; e pode enriquecer o cotidiano das crianças, sensibilizando, mostrando a importância dos ambientes em que vivem, por meio da transmissão e das trocas de conhecimentos, do desenvolvimento de atitudes e de valores dentro de manifestações voltadas para as ações, para o desenvolvimento de competências, mediante práticas responsáveis em relação ao meio ambiente e em atuações cotidianas a favor da biodiversidade da Mata Atlântica. Os conhecimentos obtidos com esta pesquisa podem auxiliar com dados científicos, melhorando, assim, o exercício da Educação Ambiental, num contexto da biodiversidade local. Este foi o desafio principal desta pesquisa.

Artigo recebido em dezembro de 2006 e aceito em julho de 2007.

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    Parte desta pesquisa foi financiada pela CAPES, por meio de bolsa de estudo.
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    C.P. 6128, Succursale Centre-ville Montreal - Quebec, Canadá H3C 3J7
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2007
    • Recebido
      Dez 2006
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