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Processo de Aprendizagem de Matemática à luz das Metodologias Ativas e do Pensamento Computacional

The Process of Learning Math in light of Active Methodologies and Computational Thinking

Resumo:

Buscamos compreender o processo de aprendizagem de matemática quando se produzem jogos digitais e dispositivos de robótica destinados ao tratamento de Parkinson em um ambiente que privilegia a autonomia e o processo criativo engajado de importância social. Atividades de investigação foram desenvolvidas no Projeto Mattics do Instituto Federal Goiano e no Hospital do Idoso, norteadas pelas ideias construcionistas, do pensamento computacional, por metodologias ativas de aprendizagem e pela abordagem qualitativa de pesquisa. Os dados foram produzidos em sala de aula e no hospital usando materiais de robótica, entre os quais se destacam placas BBC micro:bit, MakeyMakey e softwares como GeoGebra e Scratch, analisados a partir de elementos do Construcionismo e do Pensamento Computacional. Como resultado, temos que o processo de aprendizagem de matemática é caracterizado pela construção não linear de significados e marcado pela dinamicidade da compreensão, invenção e aplicação dos conhecimentos de matemática a problemas reais encaminhados em sociedade.

Palavras-chave:
Programa de computação; Jogos digitais; Educação matemática; Pensamento computacional; Robótica

Abstract:

We seek to explain the process of learning mathematics when producing digital games and robotics devices for the treatment of Parkinson's disease in an environment that favors autonomy and the engaged creative process of social importance. Research activities were carried out at the IF-Goiano Mattics Project and at the Hospital do Idoso, guided by constructionist ideas, computational thinking, active learning methodologies and a qualitative research approach. The data were produced in classrooms and in the hospital, using robotics materials, including BBC micro: bit, MakeyMakey plates, software such as GeoGebra and Scratch, and were analyzed according to elements of Constructionism and Computational Thinking. As a result, we have found that the process of learning mathematics is characterized by the non-linear construction of meanings and marked by the dynamics of understanding, invention and application of mathematical knowledge to real problems addressed in society.

Keywords:
Computer program; Digital games; Mathematics education; Computational thinking; Robotics

Introdução

Renomados teóricos da Educação e da Educação Matemática já evidenciavam preocupações quanto à forma de ensinar e aprender nos séculos 19 e 20. Entre eles, destacamos John Dewey e Seymour Papert, que reforçavam os princípios das metodologias ativas de aprendizagem a partir da pedagogia de projetos. Norteados por essa concepção, defendiam que o processo formativo do aluno deveria valorizar as suas experiências, evidenciando a conexão entre os diferentes saberes sem se reduzir à transmissão de conhecimento. No Brasil, Paulo Freire também conduziu todo o processo de crítica à abordagem descontextualizada do currículo, propondo a formação do aluno a partir de experiências de exploração e investigação para além do conteúdo fracionado. A hierarquia procedimental conteúdo-exemplo-exercícios (AZEVEDO; MALTEMPI; LYRA-SILVA, 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V.; RIBEIRO, J. P. M. Produção de games nas aulas de matemática: por que não? Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 5, p. 950-966, 2018. DOI: https://doi.org/fcc7.
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) é rompida nessa concepção, dando lugar à inquietação e à criatividade a partir da experimentação do aluno, na qual o processo de aprendizagem passa a ser tão fundamental quanto o seu produto.

No que diz respeito à aprendizagem do aluno como pensador criativo, em especial, no processo formativo em matemática da Educação Básica, há nova onda de interesse que tem ganhado destaque ao propor ideias criativas a partir da produção de tecnologia digital. Por trás desta onda de interesse, como a eletrônica, a programação e a robótica, está a possibilidade de compreender como as coisas funcionam e como elas podem ser usadas em favor das pessoas (AZEVEDO, 2017AZEVEDO, G. T. Construção de conhecimento matemático a partir da produção de jogos digitais em um ambiente construcionista de aprendizagem: possibilidades e desafios. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.; AZEVEDO; MALTEMPI; LYRA-SILVA, 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. G. M. V. Processo formativo do aluno em matemática: jogos digitais e tratamento de Parkinson. Zetetike, Campinas, v. 26, n. 3, p. 569-585, 2018. DOI: https://doi.org/fcc5.
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). Há espaços criadores e clubes de codificação sendo estabelecidos em todos os lugares no Brasil e no mundo (BLIKSTEIN, 2013BLIKSTEIN, P. Digital fabrication and 'making' in education: the democratization of invention. [S.l.]: FabLab Book, 2013.; RESNICK, 2017RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017.; VALENTE, 2016VALENTE, J. A. Jogos digitais e educação: uma possibilidade de mudança da abordagem pedagógica no ensino formal. Revista Iberoamericana de Educação, Madrid, v. 70, n. 1, p. 9-28, 2016.), que buscam novas formas de incentivar a aprendizagem ativa em matemática interligada à forma como os alunos podem pensar, discutir, compartilhar e criar computacionalmente.

São espaços que têm contribuído para o avanço da democratização em desenvolver a concatenação de ideias que envolvam a robótica e a programação de maneira acessível, como BBC Micro:bit e Makey Makey. Um dos exemplos que se destaca é o entusiasmo em torno do Movimento Maker e do Movimento Coder, que oferecem oportunidade para revigorar e revalidar a tradição construcionista da Educação (RESNICK, 2017RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017.) a partir do pensar sobre o pensar de matemática do estudante, que carrega características do pensamento computacional (PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.). Não é o simples fato de incentivar a habilidade de codificar um programa, o objetivo é usar o pensamento computacional para forjar ideias para aprender a se comunicar e a resolver problemas (PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.; WING, 2006WING, J. Computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 49, p. 33-35, 2006.), para aprender a pensar (GUZDIAL, 2008GUZDIAL, M. Education: paving the way for computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 51, n. 8, p. 25-27, 2008. Disponível em: DOI: https://doi.org/bgmgpm.
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), para aprender a formular e a propor novas invenções (BARBA, 2016BARBA, L. A. Computacional thinking: I do not think it means what you think it means. [2016]. Disponível em: https://cutt.ly/Igqjorj. Acesso em: 2 maio 2018.
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).

Em particular, umas das invenções que privilegiam a aprendizagem de matemática a partir do Pensamento Computacional para além dos muros escolares é a construção de games e dispositivos de robótica destinados ao tratamento de sintomas da doença de Parkinson (AZEVEDO, 2017AZEVEDO, G. T. Construção de conhecimento matemático a partir da produção de jogos digitais em um ambiente construcionista de aprendizagem: possibilidades e desafios. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.; AZEVEDO; MALTEMPI; LYRA-SILVA, 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V. Computacional thinking and active learning in mathematics as a contribution to the treatment of Parkinson’s disease. In: ATEE WINTER CONFERENCE 2019. Programme and Abstracts Book. [...]. Braga: Universidade do Minho, 2019. v. 1, p. 75.; AZEVEDO; MALTEMPI; LYRA-SILVA, 2019AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Metodologias ativas de aprendizagem nas aulas de Matemática: equação da circunferência e construção criativa de pontes. Educação Matemática Debate, Montes Claros, v. 3, n. 9, p. 236-254, 2019. DOI: https://doi.org/fcc4.
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; AZEVEDO; MALTEMPI, 2020AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Aprendizagem matemática e tecnologias digitais: invenções robóticas para o tratamento de Parkinson. Paradigma, Maracay, v. 41, n. ex. 2, p. 81-101, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/KgqhLri. Acesso em: 28 set. 2020.
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). Neste sentido, buscamos neste trabalho compreender o processo de aprendizagem em matemática nesse contexto, em que os alunos assumem, durante o processo formativo, a "[...] posição de ativo-construtores quanto ao seu processo de aprendizagem, uma vez que nada é dado pronto a eles, mas são favorecidas situações para que possam pensar, conjecturar e compreender um assunto de Matemática de forma contextual e aplicada" (AZEVEDO; MALTEMPI, 2019AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Metodologias ativas de aprendizagem nas aulas de Matemática: equação da circunferência e construção criativa de pontes. Educação Matemática Debate, Montes Claros, v. 3, n. 9, p. 236-254, 2019. DOI: https://doi.org/fcc4.
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, p. 237), além de terem a chance de errar e encontrar soluções para os desafios encaminhados de forma dialógico-questionadora e argumentivo-ativa do conteúdo de matemática mobilizado em sala de aula.

Discutimos esse processo à luz do referencial teórico. Para tanto, organizamos a seção de análise em dois principais momentos sequenciais. Inicialmente, evidenciamos as etapas da produção de jogo digital Pegar Peixe em termos de programação. Evidenciamos contribuições ao processo de aprendizagem que não obedecem a uma estrutura fixa de códigos e regras de memorização, como conceito-exemplo-exercícios. Focamos no processo de aprendizagem de matemática durante a construção do movimento do algoritmo do peixe, que expressa ideias de matemática e conteúdos como o da função polinomial quadrática. Em seguida, destacamos a aplicação desse jogo na sessão de fisioterapia no Hospital do Idoso em Anápolis, GO, corroborando discussão, reflexão e compreensão do processo de aprendizagem não linear dos conhecimentos de matemática a problemas reais encaminhados em sociedade.

Processo de Aprendizagem em Matemática e Pensamento Computacional

Pensar computacionalmente não significa programar um computador, é uma forma de incentivar novos modos de pensamento e novos caminhos de produção de conhecimento a partir de metodologias ativas de aprendizagem que estimulam a autonomia e a criatividade do aluno para além das diretrizes curriculares e dos muros da escola. Isso não significa dizer que a maioria das pessoas vai crescer e se tornar programador profissional ou cientista da computação (PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.). Se assim fosse, estaríamos fadando o ato de aprender outro idioma apenas para torna-se, por exemplo, um professor desta área - o que não é verdade. Aprende-se outro idioma para conhecer um mundo novo de possibilidades e poder intervir nele. O pensamento computacional pode ser visto como forma de se tornar fluente, seja escrevendo ou codificando ideias, que ajuda a desenvolver o raciocínio, a voz e a autonomia do aluno (BARBA, 2016BARBA, L. A. Computacional thinking: I do not think it means what you think it means. [2016]. Disponível em: https://cutt.ly/Igqjorj. Acesso em: 2 maio 2018.
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). Entendemos que o pensamento computacional, quando aliado a metodologias ativas de aprendizagem criativa, no contexto escolar, em especial na aprendizagem em matemática, indica, por não ser neutro, possível caminho para se compreender a formação do aluno. Tais metodologias podem, quando há objetivos bem definidos, caracterizar a formação contextual e incluir, em sua própria estrutura, os componentes do fazer e saber matemática sem a conotação de se reduzir a uma receita de bolo.

As características do pensar computacional privilegiam elementos do saber e do fazer matematicamente no processo de aprendizagem, como: formular problemas; representar dados através de abstrações, como modelos e simulações; automatizar soluções através do pensamento algorítmico; identificar, analisar e implementar possíveis soluções; lidar com problemas abertos e imprevisíveis, como: abstração, algoritmo, decomposição, reconhecimento e generalizações de padrões, etc. (BARBA, 2016BARBA, L. A. Computacional thinking: I do not think it means what you think it means. [2016]. Disponível em: https://cutt.ly/Igqjorj. Acesso em: 2 maio 2018.
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; WING, 2014WING, J. M. Computational thinking benefits society. Social Issues in Computing, New York, 2014. Disponível em: https://cutt.ly/KgqkRIX. Acesso em: 4 abr. 2019.
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). As características do Pensamento Computacional aliadas ao processo das características do fazer e aprender matematicamente valorizam: (i) o desenvolvimento de ideias; (ii) a resolução de problemas; (iii) a reflexão, análise e descrição de hipótese; (iv) a formulação criativa de soluções para um dado problema; (v) a construção e aprimoramento de estratégias, indo além da computabilidade; (vi) a compreensão dos fenômenos locais e globais com o uso da programação e robótica; e (vii) o incentivo à tomada de decisões individual/coletiva, etc.

A visão corrente do pensamento computacional é de que todos podem se beneficiar dele, desde um cientista da computação até um aluno em fase inicial escolar. A ideia não é se centrar no algoritmo, tampouco nos códigos de programação, pelo contrário, é o modo de desenvolver o encadeamento da lógica, da formulação de estratégias e a concatenação de ideias da mais simples até as mais elaboradas (DENNING, 2017DENNING, P. J. Remaining trouble spots with computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 60, n. 6, p. 33-39, 2017.; PAPERT, 1988PAPERT, S. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1988., 1993PAPERT, S. Mindstorms: children, computers and powerful ideas. New York: Basic Books, 1993., 1994PAPERT, S. Instrucionismo versus construcionismo. In: PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 133-149.; WING, 2006WING, J. Computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 49, p. 33-35, 2006., 2011WING, J. Computational thinking: what and why? The Link, Pittsburg, 6 mar. 2011. Disponível em: https://cutt.ly/jgqkQsC. Acesso em: 10 dez. 2019.
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). Contudo, não podemos simplesmente incorporá-lo de qualquer forma no contexto escolar (em especial, o processo de aprendizagem em matemática do Ensino Médio). Isso, claro, pressupõe ter olhar mais atento e reconhecer que nem todos se beneficiam do mesmo modo e no mesmo ritmo e tempo de aprendizagem. Não basta apenas lançar olhares para os benefícios que o Pensamento Computacional pode trazer ao ensino de modo geral, é preciso refletir sobre como podemos incorporá-lo no processo formativo do aluno.

Processo Formativo: Pensamento Computacional e Currículo de Matemática

Passo significativo foi dado recentemente no Reino Unido e nos Estados Unidos, a ideia do Pensamento Computacional foi incorporada ao currículo (WING, 2006WING, J. Computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 49, p. 33-35, 2006.). Embora o recente movimento de encorajamento se concentre principalmente na codificação por si só ou para o desenvolvimento de habilidades genéricas de resolução de problemas e de alfabetização digital, há oportunidade de reconectar a codificação, a robótica e a programação com diferentes áreas do conhecimento (AZEVEDO; MALTEMPI, 2019AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V. Computacional thinking and active learning in mathematics as a contribution to the treatment of Parkinson’s disease. In: ATEE WINTER CONFERENCE 2019. Programme and Abstracts Book. [...]. Braga: Universidade do Minho, 2019. v. 1, p. 75., 2020AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Aprendizagem matemática e tecnologias digitais: invenções robóticas para o tratamento de Parkinson. Paradigma, Maracay, v. 41, n. ex. 2, p. 81-101, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/KgqhLri. Acesso em: 28 set. 2020.
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).

No Brasil, com ressalvas, já se apresentam alguns elementos do Pensamento Computacional para o Ensino da Matemática em documento oficial, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Acesso em: 1 jun. 2018.
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). A BNCC aponta, mesmo que timidamente, à concepção de que o aluno deva ser encorajado a forjar ideias e desenvolvê-las, não só receber tudo pronto pelo professor. É preciso, porém, ir além dos documentos oficiais e não atender apenas um modismo temporal ou uma corrente mercadológica. É preciso ter cuidado com as inserções ao currículo de modo a não sobrecarregá-lo (FREITAS, 2015FREITAS, L. C. Base nacional (mercadológica) comum. In: AVABLOG do Freitas. [2015]. Disponível em: https://cutt.ly/PgqjF6J. Acesso em: 6 jan. 2020.
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). A ideia aqui não é a de acrescentar mais uma disciplina em um já extenso currículo, isso sem falar das demandas e desafios atuais existenciais no contexto escolar. O foco está em garantir que o aluno, a partir de disciplinas como a Matemática, possa expressar ideias, construir conhecimento não fracionário, e, sim, compartilhado, valorizando novo significado de aprendizagem e impulsionando o processo ativo de aprendizagem do aluno e do professor em um processo maior de formação.

Uma vez que aceitamos que os alunos da Educação Básica - aqui, em especial, do Ensino Médio - são capazes de forjar ideias e aprimorá-las ou até mesmo aprender conceitos de codificação complexos e abstratos da programação a partir da produção de jogos digitais e dispositivos de robótica, como o uso de: algoritmos, loops, variáveis, declarações condicionais, então são mais prováveis que aceitemos que eles possam aprender conceitos mais significativos e abstratos. Desta forma, reconhecemos que a construção de jogos e dispositivos de robótica não devem se limitar ao conteúdo curricular matemático, mas oportunizar ao estudante da Educação Básica a pensar em outras estratégias que o façam desenvolver olhar menos limitado e mais problematizado quanto ao viés científico e social. Isso pressupõe ter a chance de vislumbrar amplos olhares que não se encerrem aos testes estandardizados (padronizados em larga escala). Isso porque concebemos a sala de aula como espaço formativo e não de treinamento, a compreendemos como um lugar para que o aluno desenvolva ideias e o seu potencial ativo, e que isso possa trazer contribuições à sociedade.

Aprendizagem Ativa de Matemática: Produção de Jogos e Dispositivos de Robótica

Mesmo os alunos que têm bom desempenho na escola muitas vezes não estão preparados para os desafios que encontram após a formatura, em suas vidas profissionais e em suas vidas pessoais (BLIKSTEIN, 2008BLIKSTEIN, P. Travels in troy with Freire: technology as an agent for emancipation. In: NOGUERA, P.; TORRES, C. A. (ed.). Social justice education for teachers: Paulo Freire and the possible dream. Rotterdam: Sense, 2008. p. 205-244.; BLIKSTEIN; VALENTE; MOURA, 2020BLIKSTEIN, P.; VALENTE, J.; MOURA, E. M. Educação maker: onde está o currículo? e-Curriculum, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 523-544, 2020. DOI: https://doi.org/fcc8.
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). Segundo Resnick, (2017RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017., p. 18, tradução nossa) "[...] muitos alunos aprendem a resolver tipos específicos de problemas, mas são incapazes de se adaptar e improvisar em resposta a situações inesperadas que inevitavelmente surgem no mundo em rápida mudança de hoje". É nesse sentido que lançamos luz à compreensão do processo de aprendizagem em matemática, que privilegia as características do Pensamento Computacional a partir da produção de jogos digitais e dispositivos de robótica destinados ao tratamento da doença de Parkinson. Um movimento que ofereça não só novas estratégias de ensino, mas que possibilite o aluno a ter formação ativa, contextual e menos isolada.

A metodologia ativa de aprendizagem busca promover o processo formativo do aluno, privilegiando a sua autonomia, investigação e a sua criatividade ao construir conhecimentos científicos e empíricos sem se reduzir ao compasso do treinamento de conteúdos curriculares. Algumas iniciativas de diversas partes do mundo procuram tornar o aprendizado mais relevante e atual para os alunos a partir desse tipo de metodologia em seus contextos, como se mostram nas pesquisas de Azevedo (2017)AZEVEDO, G. T. Construção de conhecimento matemático a partir da produção de jogos digitais em um ambiente construcionista de aprendizagem: possibilidades e desafios. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017., Papert (2008)PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008., Resnick (2017)RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017. e Valente (2016)VALENTE, J. A. Jogos digitais e educação: uma possibilidade de mudança da abordagem pedagógica no ensino formal. Revista Iberoamericana de Educação, Madrid, v. 70, n. 1, p. 9-28, 2016..

Sabemos que a aprendizagem a partir de metodologias ativas e o desenvolvimento do pensamento computacional vêm ganhando destaque nos diferentes espaços de aprendizagem - em especial em matemática, que se originam, ora ou outra, na produção de tecnologias que não se limitam ao contexto escolar. Embora algumas destas práticas e pesquisas reconheçam este modo de aprendizagem na Educação Básica (AZEVEDO, 2017AZEVEDO, G. T. Construção de conhecimento matemático a partir da produção de jogos digitais em um ambiente construcionista de aprendizagem: possibilidades e desafios. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.; AZEVEDO; MALTEMPI, 2019AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Metodologias ativas de aprendizagem nas aulas de Matemática: equação da circunferência e construção criativa de pontes. Educação Matemática Debate, Montes Claros, v. 3, n. 9, p. 236-254, 2019. DOI: https://doi.org/fcc4.
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; AZEVEDO; MALTEMPI, 2020AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Aprendizagem matemática e tecnologias digitais: invenções robóticas para o tratamento de Parkinson. Paradigma, Maracay, v. 41, n. ex. 2, p. 81-101, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/KgqhLri. Acesso em: 28 set. 2020.
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; BLIKSTEIN, 2008BLIKSTEIN, P. Travels in troy with Freire: technology as an agent for emancipation. In: NOGUERA, P.; TORRES, C. A. (ed.). Social justice education for teachers: Paulo Freire and the possible dream. Rotterdam: Sense, 2008. p. 205-244.; KAFAI, 2006KAFAI, Y. Playing and making games for learning: instructionist and constructionist perspectives for game studies. Games and Culture, UK, v. 1, n. 1, p. 36-40, 2006.; KAFAI; RESNICK, 1996KAFAI, Y.; RESNICK, M. Constructionism in practice: designing, thinking and learning in a digital world. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 1996.; MALTEMPI, 2012MALTEMPI, M. V. Construcionismo: pano de fundo para pesquisas em informática aplicada à educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (org.). Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2012. p. 287-307.; PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.; VALENTE, 2016VALENTE, J. A. Jogos digitais e educação: uma possibilidade de mudança da abordagem pedagógica no ensino formal. Revista Iberoamericana de Educação, Madrid, v. 70, n. 1, p. 9-28, 2016.; WING, 2011WING, J. Computational thinking: what and why? The Link, Pittsburg, 6 mar. 2011. Disponível em: https://cutt.ly/jgqkQsC. Acesso em: 10 dez. 2019.
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), é preciso observar que a sua incorporação não é trivial e não se trata de apenas apertar o botão e deixar que a máquina faça tudo para o professor e para o aluno. A sua incorporação carece ainda mais de entendimento e discussão para não se reduzir ao mesmo compasso da repulsa do criar, do fazer e do aprender matematicamente para além das práticas de sala de aula.

Ainda que a produção de jogos e dispositivos de robótica nas aulas de matemática possam apresentar bons resultados no desenvolvimento da formação do aluno em matemática para além do contexto de sala de aula, muitas ações ainda as tratam e as reduzem como meros transmissores de conteúdos (AZEVEDO et al., 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V.; RIBEIRO, J. P. M. Produção de games nas aulas de matemática: por que não? Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 5, p. 950-966, 2018. DOI: https://doi.org/fcc7.
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). Por isso, reconhecemos que se faz necessário, em diálogo com as ações que vêm sendo realizadas no projeto Mattics desde 2015, envolver o aluno no processo de produção, no qual ambos, professor e aluno, caminhem juntos e se responsabilizem mutuamente pelo processo de aprendizagem.

Mattics é um projeto de extensão do Instituto Federal (IF) Goiano que tem possibilitado aos alunos da Educação Básica a construírem jogos digitais e dispositivos de robóticas destinados ao tratamento de Parkinson, ao mesmo tempo em que desenvolvem competências do saber e fazer matemática computacionalmente. As relações estabelecidas entre os diferentes atores no projeto não são neutras, elas acabam influenciando como o aluno se apropria de conceitos matemáticos e como a sua formação é feita ao interagir com o outro. Diante deste contexto, avançamos para a próxima seção a fim de compreender o caminho deste trabalho, sua fundamentação e seus atores de investigação.

O Percurso Metodológico da Pesquisa: Projeto Mattics e Parkinson

Tendo assumido o processo da aprendizagem em matemática que privilegia as características do pensamento computacional a partir da produção de jogos digitais e dispositivos de robótica destinados à doença de Parkinson, este trabalho investigativo se constitui como campo qualitativo, pois busca "[...] atingir aspectos humanos sem passar pelos crivos da mensuração, sem partir de métodos previamente definidos e, portanto, sem ficar presos a quantificadores e aos cálculos recorrentes" (BICUDO, 2006BICUDO, M. A. V. Pesquisa qualitativa e pesquisa qualitativa segundo a abordagem fenomenológica. In: BORBA, M. C.; ARAÚJO, J. L. (org.). Pesquisa qualitativa em educação matemática. 2. ed. São Paulo: Autêntica, 2006. p. 94-113., p. 107).

A pesquisa foi realizada no cenário do Projeto Mattics do Instituto Federal Goiano (IF-Goiano), em Ipameri (GO), semanalmente, e no Hospital Dia do Idoso, mensalmente, ao longo de 2 (dois) semestres do ano de 2018. A pesquisa contou com a participação de 30 alunos do Ensino Médio, 12 idosos acometidos com a doença de Parkinson, em Anápolis (GO), além dos 25 profissionais da área da computação, educação e saúde/médica. Esse Projeto acontece no contraturno semanalmente ao longo do ano letivo e, no final de cada mês, os alunos participam das sessões fisioterapêuticas. Dos mais de 30 jogos e 15 dispositivos robóticos desenvolvidos, trazemos, nesta pesquisa, à discussão-análise a produção e uso do jogo Pegar Peixe e do dispositivo robótico Vara de Pescar destinados ao tratamento de Parkinson. Vale reforçar que a doença de Parkinson é, conforme Camargos et al. (2004)CAMARGOS, A. C. R.; CÓPIO, F. C. Q.; SOUZA, T. R. R.; GOULART, F. O impacto da doença de Parkinson na qualidade de vida: uma revisão de literatura. Brazilian Journal of Physical Therapy, São Carlos, v. 8, n. 3, p. 267-72, 2004. e Gonçalves, Leite e Pereira (2011)GONÇALVES, G. B.; LEITE, M. A. A.; PEREIRA, J. S. Influência das distintas modalidades de reabilitação sobre as disfunções motoras decorrentes da Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Neurologia, Rio de Janeiro, v. 47, n. 2, p. 22-30, 2011., uma doença neurológica de caráter crônico-degenerativa progressiva que acomete 1 em cada 1.000 sujeitos da população geral. Suas causas podem se dar por diversas razões, como fatores genéticos, toxinas ambientais, alterações do envelhecimento, estresse, etc. Um dos principais agravantes da doença é o sintoma relacionado às capacidades motoras.

A doença não tem cura, mas pode ser retardada de modo a trazer qualidade de vida ao paciente. E uma das atividades do Mattics é a de desenvolver jogos e dispositivos de robótica para auxiliar no tratamento da doença, contribuindo com a redução das limitações funcionais causadas pela rigidez, lentidão dos movimentos e alterações posturais; manutenção ou aumento das amplitudes de movimento prevenindo contraturas e deformidades; incentivando o equilíbrio, marcha e coordenação; assim como, estímulo ao autocuidado e motivação.

Os dados foram produzidos a partir de diferentes instrumentos de coleta, categorizados e trazidos no formato de imagens, entrevistas, transcrições de falas a partir de gravações das ações e produções feitas no Projeto e no hospital e, em especial, dos depoimentos coletados. Para a apresentação e análise dos dados da pesquisa utilizaremos recortes dos diálogos e discussões gravados e anotados. Salientamos que os jogos são desenvolvidos apenas no Mattics (IF-Goiano) e utilizados no hospital com os pacientes. Para a análise dos dados em relação à compreensão do processo da aprendizagem de matemática utilizamos a Teoria de Aprendizagem Construcionista. O construcionismo considera que o desenvolvimento cognitivo do aluno é processo ativo de construção das estruturas mentais, no qual o conhecimento não pode ser simplesmente transmitido de uma pessoa para outra. O aprendizado deve ser "[...] um processo ativo, em que os aprendizes 'colocam a mão na massa' na produção de artefatos [que pode ser um jogo digital, um dispositivo robótico, um sensor, um castelo de areia, um poema, etc.], em vez de ficarem sentados atentos a fala do professor" (MALTEMPI, 2012MALTEMPI, M. V. Construcionismo: pano de fundo para pesquisas em informática aplicada à educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (org.). Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2012. p. 287-307., p. 288). O entendimento quanto à aprendizagem de matemática na visão construcionista, em especial, a partir da produção de jogos e dispositivos robóticos, não é vista como ato minimalista de transferência de conhecimento do professor para o aluno ou vice-versa. É vista como forma de aprendizagem ativa, que privilegia a investigação para o desenvolvimento do aluno, favorecendo proposta que incorpora em suas diretrizes a leitura de mundo, o desenvolvimento criativo e emancipatório e a sua autonomia.

Para a produção dos jogos foram utilizados os softwares1 1 Comunidade Scratch, disponível em: https://scratch.mit.edu/ e software GeoGebra, disponível em: https://www.geogebra.org/. Acesso em: 4 out. 2020. Scratch e GeoGebra e a placa[2] 2 Micro:bit, disponível em: https://microbit.org/. Acesso em: 4 out. 2020. BBC Micro:bit. O Scratch é um ambiente de programação baseado em blocos que se encaixam, desenvolvido pelo grupo Lifelong Kindergarden do Massachusetts Institute of Technology (MIT). O GeoGebra é um software de matemática dinâmica, que abrange todos os níveis de ensino e combina diferentes vertentes da matemática, como geometria, álgebra, estatística e probabilidade. O Micro:bit é considerado um pequeno computador com grandes potencialidades. Seus sensores detectam movimento, luz, temperatura e magnetismo. Todos os participantes da pesquisa receberam os termos de consentimento/autorização e manifestaram interesse em participar sem o anonimato de suas identidades. Salienta-se que o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Apresentação e Análise de Dados

O jogo Pegar Peixe foi construído pelo grupo de alunos como forma de valorizar a prática usual de movimentos dos pacientes acometidos com Parkinson, do Hospital Dia do Idoso. Mais do que construí-lo no sentido de contribuir com o tratamento dos pacientes, o grupo propôs, inerente à mediação pedagógica do professor, desenvolvê-lo de modo a incentivar movimentos estratégicos e coordenados dos pacientes para o combate à doença, valorizando a orientação dos profissionais da área da saúde/médica. O grupo lançou mão de conhecimentos matemáticos, de programação e robótica para aprimorá-lo, utilizando programação Beta Scratch e placa BBC Micro:bit. A construção deste jogo se deu ao longo de 6 (seis) encontros e se constituiu em 3 (três) principais fases, que chamamos de (i) registros e esboços, (ii) brainstorming (tempestades de ideias) e (iii) Ideações - Aprimoramentos.

Conforme mostrado nas fotos da Ilustração 1, a imagem à esquerda exemplifica os registros e o esboço inicial das ideias mobilizadas pelo grupo de forma exploratória com a mediação pedagógica do professor. Há planejamento e tomadas de decisão em conjunto, valorizando estratégias e ideias coletivas. Nesta fase, o objetivo, os cenários e os personagens dos jogos são definidos. Os alunos discutem e estabelecem a estrutura do jogo à sessão de fisioterapia dos pacientes, destacando às ideias iniciais envolvidas por trás de cada personagem, como as dos algoritmos e dos conceitos matemáticos. Uma das ideias que destacamos, nesta produção, como caso particular, mobilizada por este grupo, é a do movimento do peixe em forma de parábola com a concavidade voltada para baixo (coeficiente angular negativo, ponto de máximo).

Ilustração 1
Fotos do Projeto Mattics: diferentes etapas da produção do Jogo Pegar Peixe3 3 Página do jogo Pegar Peixe no site Scratch, disponível em: https://scratch.mit.edu/projects/294527235/. Acesso em: 4 out. 2020.

A trajetória do peixe em forma de parábola é aprimorada pelos alunos na segunda fase. A partir da elaboração do algoritmo da função do segundo grau no plano cartesiano, novas ideias vão aparecendo e são testadas e inter-relacionadas com outros personagens. A última imagem da Ilustração 1, à direita, mostra a primeira tela do jogo pré-finalizado. É uma fase em que os alunos desenvolvem outras ideias específicas e globais para o funcionamento do jogo de forma coletiva com todos os participantes do Projeto. O grupo recebe feedbacks de outros grupos. Discutem ideias explícitas e implícitas de matemática, superam desafios em conjunto, corrigem erros e bugs dos algoritmos e do layout do jogo a partir de distintas contribuições.

As 3 (três) principais etapas se constituem como espaço de formação a partir do movimento de troca de ideias, de discussões e depurações, além de pesquisas e um processo ativo de aprendizagem quanto aos conceitos de matemática e as ideias de programação mobilizadas entre professor-aluno e aluno-aluno. As discussões entre os distintos atores se constituíram como ampliação conjunta e não isolada de ideias matemáticas, traduzindo-se "[...] na crença que nem a pessoa nem o conhecimento, incluindo a matemática, podem ser atingidos isoladamente" (PAPERT, 1988PAPERT, S. Logo: computadores e educação. São Paulo: Brasiliense, 1988., p. 196). De forma mais específica, além do aspecto visual e da estrutura de programação e de conteúdos matemáticos explorados, de cada personagem do jogo Pegar Peixe, destacamos, a fim de exemplificar, pelo escopo deste artigo, alguns conteúdos matemáticos e de programação utilizados nos algoritmos do peixe e da nuvem (Quadro 1).

Quadro 1
Pegar Peixe: alguns algoritmos - ideias mobilizadas - Peixe e nuvem

No Quadro 1, observamos algumas ideias de matemática e programação mobilizadas pelos alunos durante a construção dos algoritmos do peixe e nuvem, como: [na matemática] plano cartesiano, dimensões, coordenadas cartesianas, função, variável, porcentagem, números aleatórios, intervalos numéricos, inequação algébrica, intervalos, equação linear, proporção, variáveis dependentes independentes, inequação do 1º grau, equação diofantina, etc.; [na programação] operadores lógicos, paralelismo, argumentos condicionais, variáveis globais, loops, controles, clones, etc.

Os conteúdos foram trabalhados de forma conjunta e relacionada. Os alunos basearam suas ideias a partir de pesquisas e atividades exploratórias mobilizadas. Eles exploraram novas estratégias e, com a mediação pedagógica do professor, formalizaram conceitos matemáticos. Os conteúdos, porém, não se mostraram em primeiro plano nas atividades do projeto. As ações de investigação e discussões coletivas das características do fazer matematicamente e do pensamento computacional ocuparam o primeiro plano de aprendizagem nos encontros. Os alunos foram incentivados a investigar a estrutura de programação e ideias envolvidas de matemáticas; argumentar o funcionamento desta estrutura; simular diferente resultados; formular hipótese de descoberta; descobrir valores estratégicos, etc. (Ilustrações 2A e 2B).

Ilustração 2A
Recorte: argumentação/discussão do algoritmo da parábola com o uso do Micro:bit

Ilustração 2B
Simulação do comportamento do paixe no Software GeoGebra [função quadrática b = 0, a < 0, −180 ≤ c ≤ 180]

No sentido de entender melhor tais incentivos e produções de investigação, avançamos para o excerto a seguir, que evidencia as discussões de ideias dos alunos quanto à construção dos algoritmos da parábola fx=ax2+bx+c,x=0,a<0,b=0,b=0.

André O nosso grupo propôs fazer o Jogo Pegar Peixe. Simulamos o movimento das mãos amarrado à estrutura cartesiana do palco a partir da construção de algoritmos [explica os algoritmos] e verificamos os valores de modo a incentivar movimentos adequados à postura do paciente. Estamos criando o algoritmo da vara de pescar ligada a placa micro-bit. O paciente vai manipular a vara e será incentivado a pegar os peixes com ela com o auxílio [...].   Para o movimento do peixe, usamos a ideia da parábola [mostra a curva]. Precisamospensar na estrutura da função [...] exploramos os comandos operatórios e relacionais. Isso não foi direto, precisamos testar valores pensar em novas formas de comandos [Placa micro-bit com a vara de pescar]. Guilherme Estudamos o algoritmo da parábola [equação do 2º grau] pela lei de formação y=ax2+bx+c,a=0. Declaramos as variáveis x e escrevemos x.x para representar o x2, junto ao professor. O problema maior é que precisamos analisar, como: o movimento, a altura e também a concavidade da função. Fernanda O coeficiente [a] ficou pequeno [grandeza menor] e negativo. Por quê? E se a gente aumentá-lo? [Silêncio na sala: reflexões e rascunhos]. J. Guilherme É porque o primeiro item [coeficiente angular], se ele for positivo, a concavidade da parábola vai ser pra cima. Se negativo, a parábola será voltada para baixo. Queremos que ela faça assim [mostra a ideia]. André Isso mesmo. Se fosse um valor maior [o movimento do peixe, que é uma parábola],ultrapassaria as dimensões do palco. O valor negativo é porque a concavidade é para baixo. Este ponto aqui é a altura máxima. Joyce [...] o valor de c [coeficiente c] que vocês colocaram está entre -180 e 180 por causa do eixo y. [...]. André Isso mesmo, a altura definida por nós do grupo é de -180 e 180 [- 180 ≤ y ≤ 180;dimensão palco]. Professor E se o coeficiente b for zero? [b = 0]. O que será que acontece com a parábola emrelação a y? [Turma: levantamento de hipóteses e testes em conjunto]. Joyce [...] Por exemplo, se c = 175 e b = 0, temos este ponto de máximo [mostra], se c = - 30 e b ≠ 0 temos outro ponto de máximo [mostra] [referindo-se ao ponto de máximo da parábola no eixo y]. André Vimos que [Scratch] o peixe toca apenas no y e seu valor é sempre máximo... Joyce Programamos o micro-bit na vara de pescar e foi trabalhoso criar o algoritmo dele, masele servirá de apoio no tratamento [movimentos coordenados].

A transcrição "[...] simulamos o movimento das mãos amarrado à estrutura cartesiana do palco a partir da construção de algoritmos [explica os algoritmos] e verificamos os valores [...]", evidencia a relação de ideias geradas pelos alunos quanto à construção do jogo Pegar Peixe, relacionando conteúdos específicos com as ideias de programação. A ideia aqui não é a de unir simplesmente termos de áreas correlatas isoladamente. Pelo contrário, a essência, que se apresenta, neste caso, está na forma de conduzir o processo de testar ideias (simular e verificar valores) para forjar ideias (PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.; RESNICK, 2017RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017.). Há um contexto de argumentação ativa, que se sustenta atrás do processo de procura, de erros e dificuldades superadas ao longo do trabalho, como se destaca nos excertos: "Para o movimento do peixe, usamos a ideia da parábola [mostra a curva]" e "Precisamos pensar na estrutura da função" e "exploramos os comandos operatórios e relacionais". Observa-se o processo de busca para construção do algoritmo relacionado à compreensão do funcionamento do peixe. Este processo de compreensão, porém, não se apresenta trivial e nem linear de passos pré-definidos, passa, ao contrário, por idas e vindas, que é sinalizado pela fala: "Isso não foi direto, precisamos testar valores e pensar em novas formas de comandos". O processo não é conhecido a priori e nem dado de forma verticalizada pelo professor, há um processo de engajamento, que demanda concentração, análise e busca permanente de interpretação e compreensão. Um dos aspectos que se destaca neste recorte é o movimento do peixe para a formação da parábola, relacionando o conteúdo explícito de função com ideias de programação. No entanto, o conteúdo mobilizado não é um fim em si mesmo. Isto é observado na fala do aluno Guilherme: "[...] discutimos o algoritmo da parábola y=ax2+bx+c,a=0, declaramos as variáveis x e escrevemos x.x para representar o x2” e "o problema maior é que precisamos analisar algumas coisas, como: o movimento, a altura e também a concavidade". O contexto aqui não é o de concentrar esforços no conteúdo matemático, nem no algoritmo e nem na robótica, mas é o modo de desenvolver o encadeamento da lógica [movimento da parábola], da formulação de estratégias [tamanho e altura do peixe] e concatenação de ideias da mais simples até a mais elaborada [trajetória do peixe pelas dimensões do palco e vara de pescar]. O processo de aprendizagem estrutura-se pela mobilização de ideias, valorizando a compreensão de significados matemáticos à formalização de termos geométricos e algébricos relacionados (AZEVEDO et al., 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V.; RIBEIRO, J. P. M. Produção de games nas aulas de matemática: por que não? Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 5, p. 950-966, 2018. DOI: https://doi.org/fcc7.
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).

A discussão/questionamento na língua falada, que se relaciona à linguagem matemática e à linguagem de programação, é percebida no diálogo entre as falas dos alunos, Fernanda e João Guilherme. Os excertos: [Fernanda] "O coeficiente [a] ficou pequeno [grandeza menor] e negativo. Por quê? E se a gente aumentá-lo?" e [João Guilherme] "É porque o primeiro item [coeficiente angular], se ele for positivo, a concavidade da parábola...", demonstram relação processual de análise conjunta dos coeficientes em relação aos termos algébricos e geométricos. A concavidade da parábola é analisada pelas projeções feitas e simulações de valores realizados no programa, verificando a altura do peixe compreendido nas dimensões do palco. Esta discussão, que parte da construção realizada pelo grupo, se mostra como uma "[...] oportunidade de aprender e usar a matemática através de um modo não [necessariamente] formalizado" (PAPERT, 1994PAPERT, S. Instrucionismo versus construcionismo. In: PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 133-149., p. 22). São ideias intuitivas que partem de uma linguagem não necessariamente teórica e que corroboram para o pensamento algorítmico (DENNING, 2017DENNING, P. J. Remaining trouble spots with computational thinking. Communications of the ACM, USA, v. 60, n. 6, p. 33-39, 2017.), referindo-se especialmente ao uso de sequência lógica, ordenada e precisa de etapas para compreender um dado problema encaminhado, como no caso da trajetória da parábola no jogo.

O termo, independentemente da função do segundo grau, torna-se ponto de discussão entre os alunos, relacionando a altura do peixe [ponto de máximo da parábola] e a altura máxima do palco [y =180] do jogo. A aluna Joyce destaca que o "[...] valor de c [termo independente c] que vocês colocaram [os alunos] está compreendido entre180 e 180 por causa do eixo y. [...]”. O "por causa" vai ao encontro de deixar a parábola dentro do palco, garantindo a visualização completa do movimento do peixe. Percebe-se a relação de diferentes conceitos ao produzir um simples movimento de um personagem no jogo. Uma relação de discussão à compreensão de conceitos matemáticos e, em especial, do funcionamento do algoritmo. A construção do algoritmo da parábola pela discussão entre os alunos, à luz do construcionismo, se mostra como forma de desenvolvimento conceitual e analítico, como fonte para expressar ideias pelo sentido e pela compreensão, caminhando no sentido contrário da mera instrução de programar um computador ou de fazer um programa puramente procedimental, como, por exemplo, lista de exercícios (PAPERT, 2008PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.). A ideia é construir um programa para além do campo curricular, dando mais significado ao que se constrói e à razão que se constrói.

Mais do que isso, a partir deste diálogo entre alunos, pela construção do algoritmo, o professor lança questão sobre a nulidade do coeficiente b da função. Em resposta ao questionamento, a aluna Joyce apresenta duas hipóteses dos valores de c e b, como forma de analisar e exemplificar as duas possíveis situações: "[...] se c = 175 e b = 0, temos este ponto de máximo [mostra o movimento do peixe no palco], se c = −30 e b ≠ 0 [temos este outro caso]". Mais do que uma análise do movimento do peixe em relação à função do segundo grau, é um contexto permeado de ideias que vão sendo aprimoradas e compreendias em conjunto no ambiente de aprendizagem, demonstrando à investigação dos valores dos coeficientes, que são testados e analisados quanto ao ponto de tangencia ao eixo y. Isto é, o ponto de tangência do peixe quando passa por y [termo independente c da função quadrática, que pode ou não ser o ponto de máximo] e também o b = 0 que garante a altura máxima do peixe como ponto de tangencia em y. Este caso específico mostra um processo de aprendizagem inverso daquele definido pelo conceito-exemplo-exercícios mecânico, corroborando para um processo de aprendizagem que dá lugar à investigação e a aprendizagem mão na massa.

O que se percebe aqui é que, a partir da construção do algoritmo, à luz da compreensão y = c para x = 0, ponto de máximo no eixo y, a problematização do conteúdo matemático que se interconecta com outras áreas de conhecimento, como a da programação, indicando o processo da aprendizagem de matemática pelo forjar de ideias, que vai impulsionando mais ideias e reflexões conjuntas e, ao impulsioná-las, criam-se novos outros contextos de debate, intepretações e conjecturas. Situação esta que vai além de conceitos encapsulados, que se constrói à medida que ocorrem os processos de transformação das atividades práticas, que ganha forma e atribui significado ao contexto de criação (PAPERT, 1993PAPERT, S. Mindstorms: children, computers and powerful ideas. New York: Basic Books, 1993.; RESNICK, 2017RESNICK, M. Lifelong kindergarten: cultivating creativity through projects, passion, peers and play. Cambridge: MIT Press, 2017.). No final da discussão entre os alunos, Joyce mostra a programação e o funcionamento do Micro:bit, reforçando o processo de construção: "Programamos o micro-bit na vara de pescar e foi trabalhoso criar o algoritmo dele, mas ele servirá de apoio no tratamento pela forma de incentivo aos movimentos coordenados, ao raciocínio do jogo e também a postura...". Percebe que, a partir deste recorte, a aprendizagem de matemática pela produção de dispositivos robóticos não se limita ao contexto escolar. É uma forma de incentivar os estudantes a construir conhecimentos científicos de forma coletiva para beneficiar a tantos outros, como, aqui, em especial, os acometidos no tratamento da doença de Parkinson em Goiás.

Todos os jogos construídos no Projeto Mattics são desenvolvidos a partir do uso dos conceitos matemáticos, de programação e robótica, bem como pela orientação específica dos diferentes profissionais da educação e da computação para o seu uso no hospital. Os jogos são testados e verificados antes das sessões de fisioterapia pelos alunos. Utilizam-se, em média, em cada encontro, quatro (4) jogos inéditos às sessões específicas de acompanhamento ao Parkinson. O jogo Pegar Peixe é um destes exemplos, foi utilizado no tratamento, contribuindo, em especial, para o equilíbrio e coordenação motora do paciente, sendo mediado com a supervisão dos profissionais da área da saúde. A visita ao hospital ocorre no fim de cada mês e se constitui em três (3) principais etapas. Tais etapas podem ser observadas na Ilustração 3.

Ilustração 3
Fotos do desenvolvimento do jogo na sessão de fisioterapia

Na Ilustração 3, a etapa 1 exemplifica a organização dos jogos utilizados e os movimentos da pré-atividade, como o jogo da bicicleta, que auxilia o movimento de postura e concentração do paciente, trazendo engajamento e interação inicial entre os diferentes atores do projeto, sendo orientada, a todo tempo, pelos profissionais da saúde do hospital. Os alunos do projeto apenas auxiliam neste processo de acompanhamento. As etapas 2 e 3 mostram a organização processual das atividades do Jogo Pegar Peixe ao lado dos alunos e profissionais da saúde. As atividades estimulam o treino de equilíbrio, raciocínio e coordenação. É um jogo que, em particular, é explorado através de atividades de rodar o tronco nas posições sentadas e em pé, inclinação do corpo, exercícios com mudanças de direção e em várias velocidades. São ações que, conforme especialista da área médica/saúde do projeto, trazem mais estímulos ao movimento mútuo corporal e coordenado, colaborando para o bem-estar geral e até em aspectos de motivação.

Conforme depoimento4 4 Disponível em: https://cutt.ly/zgqfl0r. Acesso em: 30 set. 2020. coletado da fonoaudióloga e participante do Projeto, Bruna Cândido, os jogos, desenvolvidos pelos alunos, embora tenham caráter potencialmente lúdico, têm auxiliado no "desenvolvimento do raciocínio e atenção dos pacientes acometidos com Parkinson, [...] na questão de movimento, agilidade e equilíbrio". Ainda, o uso do jogo tem sido usado como "um momento de interação, incentivando a postura ereta do paciente", ressalta Raquel Vieira, fisioterapeuta do hospital e integrante do Projeto Mattics. Uma das propostas do uso destes jogos desenvolvidos no IF-Goiano vai ao encontro da iniciativa defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que objetiva incentivar o envelhecimento saudável do Idoso, trazendo contribuições à qualidade de vida destes. Esta iniciativa recebe o nome Envelhecimento Ativo, que busca incentivar espaços para o desenvolvimento físico, motivacional e o bem-estar da saúde mental dos idosos.

O paciente5 5 Disponível em: https://cutt.ly/MgqfNSR. Acesso em: 30 set. 2020. Adão Ferreira, por exemplo, destaca que as atividades desenvolvidas "ajudam a mexer e a usar a mente". Para a paciente Dona Vicentina, "as atividades aqui são uma interação importante, porque auxilia nos movimentos, [...] ajuda a despertar a alegria através da interação com os alunos". Percebemos que não há apenas acompanhamento isolado e sistemático do uso do jogo, há uma combinação fraterna de ações que se mostram relevantes entre os alunos, os profissionais e os pacientes. É um momento que capta o diálogo dos idosos com os mais novos de forma humana, motivacional e responsável.

Um dos aspectos relevantes que se destaca na utilização dos jogos e robôs no tratamento da doença é a interação dos alunos com os profissionais e os idosos acometidos com Parkinson. Uma formação que não se limita ao próprio currículo ou prova/avaliação de matemática no contexto de aprendizagem. Todo conhecimento matemático é relacionado com outras áreas de conhecimento e que é, em tese, voltada para um bem-estar social, ajudando pessoas e contribuindo para uma sociedade melhor e menos desigual. A doença neurológica de Parkinson, segundo a área médica, não tem cura e, infelizmente, não tem como interromper a sua evolução. No entanto,

[...] uma boa combinação feita entre tratamento medicamentoso e sessões de terapia [assim como atividades desenvolvidas pelo projeto Mattics] são alternativas que podem minimizar os efeitos da doença, retardando a sua progressão e contribuindo para uma vida mais ativa do próprio paciente. (AZEVEDO; MALTEMPI; LYRA-SILVA, 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V.; RIBEIRO, J. P. M. Produção de games nas aulas de matemática: por que não? Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 5, p. 950-966, 2018. DOI: https://doi.org/fcc7.
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, p. 584).

A partir dos movimentos combinados, coordenados e orientados nas sessões de fisioterapia, todos são, na verdade beneficiados. É uma relação de aprendizagem mútua, valorizando o respeito e a colaboração humana, indo além dos muros escolares. A participação do aluno, que busca desenvolver ideias de matemática e robótica, é um contexto de autonomia e emancipação ativa não só para aprendizagem, mas também para transformação de realidades. É um movimento que proporciona intensa integração, olhar menos limitado ao conteúdo programado, além de favorecer trocas de experiências significativas entre as distintas idades dos integrantes, rompendo a concepção do treino e da mecanização de aprendizagem.

Considerações Finais

O contexto de aprendizagem em sala de aula foi organizado à luz do referencial teórico, visando oferecer experiências em matemática como modo de vida e não como ação mecânica e formalismos que tendem a minar a forma de pensar, investigar e criar do aluno. A partir dos dados apresentados entendemos que a produção de jogos e dispositivos de robótica destinados ao tratamento da doença de Parkinson favorece o questionamento, a argumentação, a sistematização de conceitos e a criação de estratégias provisórias de matemática, caracterizando aprendizagem não encapsulada de códigos e formalidades de programação e matemática. Com base nos recortes evidenciados, o processo de aprendizagem de matemática se mostra não linear, avesso a etapas cíclicas conteúdo-exemplo-exercício (AZEVEDO et al., 2018AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V.; LYRA-SILVA, G. M. V.; RIBEIRO, J. P. M. Produção de games nas aulas de matemática: por que não? Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 5, p. 950-966, 2018. DOI: https://doi.org/fcc7.
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). Tal processo se caracteriza, e mutuamente se reforça, pela dinamicidade das ideias-reflexões-discussões mobilizadas no coletivo e se demarca na compreensão, invenção e aplicação dos conhecimentos a problemas reais encaminhados em sociedade. O processo, que não recai em etapas enrijecidas, configura-se em encaminhamentos prévios de ideias-conceitos a serem pensados, depurados e resolvidos em grupo.

O processo de aprendizagem de matemática, portanto, mostra-se distante da mecanização e repetição desenfreada de procedimentos. Em vez de simplesmente consumir conteúdos que se encerrem em si mesmos, os alunos são incentivados a pensar, questionar, analisar e desenvolvê-los para fim útil em sociedade, coletivamente. São encorajados a pensar em soluções específicas para um dado problema encaminhado. As atividades à luz das metodologias de aprendizagem e do Pensamento Computacional não se resumem ao conteúdo de matemática: incentiva o questionamento, a reflexão e o trabalho colaborativo criativo, científico e tecnológico para além dos muros da escola. Há um propósito maior do que simplesmente obter uma nota, memorizar um procedimento e, por extensão, ser aprovado em um teste padronizado.

Ao trabalhar com os conteúdos curriculares de matemática em sala de aula, de forma intuitiva à formalização, sempre em nível crescente de dificuldade, permeado de desafios, pesquisa e engajamento, por meio da produção de jogos e dispositivos de robótica destinados ao tratamento de Parkinson, os alunos puderam questionar ideias intuitivas, a criar estratégias provisórias de matemática e a sistematizar conceitos a partir do fazer e saber matemática durante a construção dos algoritmos pela programação gráfica. Nesse sentido, as ações dos alunos empreenderam-se em processo de aprendizagem mais intuitivo, investigativo e exploratório, dando mais significado e contexto à aprendizagem de matemática do que simplesmente repetir a fala do professor ou reproduzir procedimentos sem significados. O processo de aprendizagem de matemática, portanto, à luz das características do Pensamento Computacional, caracteriza-se por passos não lineares ou repetitivos. Foca-se nas ideias iniciais dos alunos até a conceitualização de termos específicos, valorizando o espírito de investigação do aluno, a sua criatividade e a sua compreensão do conteúdo de matemática de forma teórico-prática ao construir algoritmos dos jogos e sistemas de eletrônicas dos robôs.

A produção de dispositivos de robótica amalgamada à aprendizagem de matemática é vista como matéria-prima na qual o aluno participa de todas as etapas de formação em vez de ficar simplesmente sentado à escuta da fala do professor, recebendo tudo pronto. Não há respostas prontas, receituários de procedimentos e nem zona de conforto. O desafio se mostra tanto pelo professor quanto pelo aluno, que pensam, discutem e aprendem conjuntamente. O cenário de sala de aula se constitui, assim, como espaço formativo à vida e não como contexto de admoestação e treinamento de conteúdos curriculares somente. Por fim, o processo de aprendizagem de matemática é compreendido como modo que os alunos sejam sujeitos capazes de interpretar e visualizar situações reais, tomar decisões, lidar com imprevistos, bem como construir/propor possíveis soluções para problemas reais a partir da Matemática e suas tecnologias a favor da sociedade, de modo que as carreiras científicas e tecnológicas sejam um de seus possíveis projetos de vida e transformação social e intelectual.

Agradecimentos

Aos queridos alunos do Ensino Médio do IF (IF-Goiano), Ipameri-GO, pela dedicação contínua no Projeto Mattics e também aos incríveis profissionais que sonham de perto essas invenções. Aos pacientes do Hospital Dia do Idoso, Anápolis-GO, vocês são inspiração. Agradecemos também ao revisor Antonio Netto Junior pelas contribuições e correções no texto. O segundo autor é apoiado pela FAPESP (Processo 2018/14053-2) e CNPq (Processo 308563/2019-0).

Referências

  • AZEVEDO, G. T. Construção de conhecimento matemático a partir da produção de jogos digitais em um ambiente construcionista de aprendizagem: possibilidades e desafios. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.
  • AZEVEDO, G. T.; MALTEMPI, M. V. Aprendizagem matemática e tecnologias digitais: invenções robóticas para o tratamento de Parkinson. Paradigma, Maracay, v. 41, n. ex. 2, p. 81-101, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/KgqhLri Acesso em: 28 set. 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2019
  • Aceito
    14 Ago 2020
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