Resumos
O relativo declínio econômico das atuais potências na geoeconomia mundial acentuou a noção de que estamos em meio a um processo de mudança, com a ascensão das chamadas economias emergentes, conhecidas pelo acrônimo BRICS. Quais são os determinantes de um desenvolvimento diferenciado dos BRICS frente às potências centrais, aos demais países periféricos, e entre os próprios integrantes do grupo? O seu ritmo de desenvolvimento é sustentado no longo prazo? Quais são os seus entraves e o impacto da sua ascensão para a governança econômica global? Partimos da premissa de que, na era do conhecimento, ciência, tecnologia e inovação (CT&I) têm importância estratégica no processo de desenvolvimento qualitativo e sustentado de longo prazo dos países. Este artigo examina o processo de concentração e difusão da produção de riqueza mundial em termos do PIB/Poder Paritário de Compra ao longo do século XX e início do século XXI, verificando em que medida ele foi acompanhado na evolução da produção científica e tecnológica mundial. Apontamos que, ao aumento relativo da participação das potências emergentes no PIB/PPC mundial, segue-se, com delaye ritmos distintos, o incremento na participação desses países na produção e detenção de conhecimento. Esta última dimensão - a da proteção de direitos de propriedade sobre o conhecimento gerado, a partir de processos de patenteamento - continua altamente concentrada nas potências centrais, especialmente nos Estados Unidos, apesar de significativos avanços nas economias emergentes, especialmente na China.
Desenvolvimento Desigual; BRICS; CT&I
The relative economic decline of the current powers in the world geoeconomy stressed the notion that we are in the midst of a process of change, particularly marked by the rise of the so-called emerging economies, known by the acronym BRICS. What are the determinants of differential development of the BRICS vis-à-vis the traditional powers, other peripheral countries, and among the members of the group themselves? Is the pace of their development sustained in the long run? What are the barriers, as well as the impact of their rise to global economic governance? We start from the premise that science, technology and innovation (ST&I) have strategic importance in the long-term qualitative and sustained development of nations. Thus, this article aims to demonstrate the process of concentration and diffusion of the global production of wealth in terms of GDP/Purchasing Power Parity throughout the twentieth century and early twenty-first century, while indicating to what extent it was whether or not accompanied by the global production of scientific and technological knowledge. We conclude that the relative increase in the participation of the emerging powers in the world GDP/PPP follows, with delay and different paces, the increase in the participation of these countries in the production and possession of knowledge. This latter dimension-i.e. the property rights protection on knowledge, which follows patenting processes-remains highly concentrated in the central powers, especially the United States, despite significant advances in emerging economies, particularly China.
Uneven Development; BRICS; ST&I
Introdução
Estamos diante de uma transição estrutural em curso na economia global, na qual os Estados Unidos estão perdendo poder na ordem mundial? Em que medida a China, juntamente com outros polos emergentes, está desafiando a posição dominante dos Estados Unidos e da Europa, indicando um novo centro de poder no futuro? Estes questionamentos vêm sendo feitos em debates recentes, especialmente a partir da crise econômica mundial, iniciada em 2008 nos países centrais. O relativo declínio econômico das atuais potências acentuou a noção de que estamos em meio a um processo de mudança, com a ascensão das chamadas economias emergentes, conhecidas pelo acrônimo BRICS. Para melhor compreensão desse fenômeno, cabe-nos buscar ferramentas que ajudem na análise mais aprofundada dos mecanismos de mudança na ordem mundial. Quais são os determinantes de um desenvolvimento diferenciado dos países dos BRICS perante as potências tradicionais, os demais países periféricos e entre os próprios integrantes do grupo? O seu ritmo de desenvolvimento é sustentado no longo prazo? Quais são os seus entraves? Qual é o impacto da sua ascensão para a governança econômica global?
Partimos da premissa de que ciência, tecnologia e inovação (CT&I) têm importância estratégica no processo de desenvolvimento quali tativo e sustentado de longo prazo dos países. Ao longo da história do capitalismo, as potências tradicionais fizeram uso de diferentes políticas públicas de CT&I de modo a alavancar seus processos de industrialização e alcançar níveis cada vez mais altos de desenvolvimento industrial e tecnológico. Somente depois de alcançado determinado nível de desenvolvimento econômico e institucional, essas potências pregaram o liberalismo econômico generalizado. Isso resultou em um processo de desenvolvimento desigual na economia mundial, na medida em os países que detêm tecnologia buscaram evitar ou retardar sua difusão para outros países, criando meios pelos quais outros países foram impedidos de fazer uso das mesmas políticas públicas de promoção industrial e tecnológica. Cada vez mais, na atual fase do capitalismo global, a chamada era do conhecimento, inovação significa também poder político.
Assim, este artigo objetiva demonstrar o processo de concentração e difusão da produção de riqueza mundial em termos do PIB/Poder Paritário de Compra ao longo do século XX e início do século XXI, verificando em que medida ele foi acompanhado ou não pela produção de conhecimento científico e tecnológico mundial. Para demonstrar isso, analisaremos a evolução da participação dos BRICS em periódicos científicos indexados internacionalmente, a evolução dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), bem como os depósitos e registros de patentes nos escritórios nacionais e no exterior, além das patentes concedidas pelo escritório americano United States Patent and Trademark Office (USPTO). Verificamos que o relativo aumento do PIB/PPC nas potências emergentes nas décadas anteriores não foi acompanhado, na mesma velocidade, de uma maior capacidade de produção e detenção de conhecimento. Este continua bastante concentrado nas potências centrais, especialmente nos Estados Unidos, apesar de significativos avanços nas economias emergentes, especialmente na China.
Desenvolvimento Desigual na Ordem Mundial
No início do século XX, período de decadência da hegemonia britâ nica, a Europa Ocidental ainda concentrava a maior parte do PIB/PPP mundial, com 32%, como pode ser visto no Gráfico 1. Os países que compõem hoje os BRICS reuniam 28%, seguidos dos Estados Unidos, com 16%. Este recorte abarca o período final do Império Russo e da antiga China imperial. O Gráfico 2 mostra que a participação da China no PIB dos BRICS nesse mesmo ano era de 39%, seguida da Índia com 31%, e da área que, mais tarde, viria a compor a União Soviética - correspondendo parcialmente ao Império Russo -, com 28%. O Brasil tinha uma participação relativa de 2% no PIB do grupo. Os dados para a África do Sul para esse ano não estão disponíveis. Para referência, vale registrar que, em 1913, o PIB daquele país equivalia a cerca de metade do brasileiro.
O Gráfico 3 retrata o momento de mudança estrutural na economia mundial no pós-Segunda Guerra Mundial, com a consolidação dos Estados Unidos como principal economia do planeta, correspondendo a 27% do PIB global em 1950. A participação da Europa Ocidental caiu para 24% após as duas grandes guerras, e os países que hoje compõem o agrupamento BRICS viram sua parcela no PIB mundial diminuir para 21%. No âmbito destes países (Gráfico 4), destaca-se a ascensão da União Soviética, que ultrapassa a China e a Índia no PIB dos BRICS, representando 47%, contra 22% e 20%, respectivamente. Já o Brasil e a África do Sul ampliam sua participação no PIB do grupo para 8% e 3% cada.
Após os anos de reconstrução da Europa e do Japão, no período dos choques do petróleo e pós-crise financeira na década de 1970, pode mos observar um novo movimento de difusão e distribuição territo rial dos polos dinâmicos da economia mundial. Como pode ser visto no Gráfico 5, a participação do Japão no PIB mundial passou de 3% em 1950 para 8% em 1980. As participações relativas dos Estados Unidos e da Europa Ocidental caíram para 21%, cada. Os países BRICS, por sua vez, mantiveram o percentual de 21%, mas com alterações nas posições relativas dos distintos países (Gráfico 6). A participação da antiga União Soviética no PIB do grupo recuou para 41%, mas manteve-se em primeiro lugar. A China ampliou sua participação para 25%. Na sequência do chamado "milagre econômico", o Brasil alcançou em 1980 seu melhor desempenho relativo entre os BRICS na série histórica examinada, chegando a 16% do PIB do grupo, ultrapassando a Índia (15%). A África do Sul manteve-se no patamar de 3%.
Ao final da primeira década do século XXI, quase vinte anos depois do fim da Guerra Fria, a configuração territorial dos polos de produção de riqueza no mundo já era bastante diferente. Em 2008, ano de início da crise econômica mundial, os países BRICS juntos (considerando a Rússia, sem a área da antiga URSS) já representavam aproximadamente 30% do PIB mundial, frente a 19% dos Estados Unidos, 14% da Europa Ocidental e 6% do Japão (Gráfico 7). Se somarmos ao cômputo dos BRICS os PIBs dos países que integravam anteriormente a União Soviética, sua participação alcança 31% do total mundial (Gráfico 8). O destaque inconteste deste desempenho é o da China. Como pode ser visto no Gráfico 9, sob o impacto do processo de reformas deflagrado em 1979 com o Programa das Quatro Modernizações, sua participação no PIB combinado dos países BRICS saltou de 25% para 59% em 2008. A Índia alcançou 23%. Tanto a Rússia como o Brasil viram sua participação relativa no PIB do grupo recuar para 8%, e a África do Sul para 2%. Juntos, a China e a Índia passaram a ser responsáveis por 82% do PIB combinado dos BRICS, dobrando a sua participação relativa, se comparado a 1980.
Os dados reproduzidos nos gráficos anteriores ilustram sucessivas reconfigurações territoriais dos polos dinâmicos da economia mundial ao longo do último século, com a erosão do dinamismo econômico das economias centrais e a ascensão de polos de crescimento mais acelerado em áreas da chamada "periferia" do sistema. Segundo a abordagem de Robert Gilpin (1987), isto alimentaria processos de "mudança estrutural" na economia política das relações internacio nais. A desigualdade de poder no sistema é, paradoxalmente, a pró pria fonte de onde surgem os mecanismos de mudança estrutural. Um conceito-chave, originalmente de Lenin, e recuperado por Gil pin para compreender esse tipo de transição na economia política global, é o de desenvolvimento desigual. Segundo Lenin:
A exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente. Se, em consequência disso, a referida exportação pode, até certo ponto, ocasionar a estagnação do desenvolvimento nos países exportadores [de capital], isso só pode ter lugar em troca de um alargamento e de um aprofundamento maiores do desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo (LENIN, 2005, p. 64).
Em outras palavras, a expansão do capitalismo para um sistema realmente global, consolidado ao longo da hegemonia da Inglaterra no século XIX, deu-se através dos empréstimos internacionais dos bancos e do investimento externo de determinadas indústrias nas zonas periféricas, dinamizando essas economias, ao passo que, temporariamente, estagnava as economias monopolistas centrais.
Trazendo para a economia política internacional, na visão de Gilpin, toda economia é uma estrutura hierárquica composta por um centro (ou alguns centros) dominante(s) e uma periferia dependente. O desenvolvimento desigual é fruto de dois processos opostos: de um lado, há o efeito de polarização do capital, da indústria e das atividades econômicas no centro; de outro, há a tendência a um efeito de difusão dessas atividades e da riqueza do centro para a periferia, criando novos pontos nodais no sistema. Para Gilpin (1987, p. 94), na esfera internacional, esses processos de concentração e difusão têm im plicações políticas profundas.
A vantagem inicial do centro sobre a periferia é sua superioridade técnica e organizacional. A inovação e capacidade da indústria geram mais eficiência, maior lucro e acumulação de capital, levando a um rápido crescimento do centro. No curto prazo, o efeito de polarização do centro tende a predominar sobre os efeitos de difusão para a periferia. Entretanto, ao longo do tempo, a taxa de crescimento do centro tende a desacelerar e a locação de atividades econômicas ten de a ser difundida para novos polos de crescimento na periferia. Nesse processo de difusão, a periferia goza do que Alexander Gerschenkron (1962, p. 95) chamou de "vantagens do atraso", ou seja, alguns países iniciam sua industrialização utilizando as técnicas mais atuais e eficientes, assim como as lições aprendidas pelas economias avançadas. Consequentemente, novos centros industriais se formam na periferia, podendo chegar a substituir velhos centros por novos polos de crescimento no sistema.
Notoriamente, a difusão e o processo de crescimento da periferia não se dão de forma fluida e igual para todos. A distribuição de matérias-primas, as capacidades empreendedoras, as redes de comunicação, assim como políticas governamentais, favorecem algumas áreas, regiões ou países em detrimento de outros. É necessário um esforço po líticopara desenvolver indústrias viáveis, e um Estado forte que possa se equiparar e compensar as forças de mercado que tendem a concentrar riqueza, atividades econômicas e poder no centro (GERSCHENKRON, 1962, p. 96). Assim, a difusão desigual acaba gerando novas divisões dentro da periferia. Essas áreas ou países se diferenciam dos demais, tornando-se novos polos de crescimento com capacidades próprias, podendo tornar-se um centro para um novo ciclo de difusão de crescimento econômico, gerando um novo efeito de polarização.
A produção e detenção de conhecimento e tecnologia são impulsores do desenvolvimento desigual entre centro e periferia, e dentro da própria periferia. Quando o efeito de polarização começa a dar lugar ao de difusão, gerando maior pressão competitiva nos países cen trais, esses tendem a fazer uso de medidas protecionistas para desacelerar ou mesmo deter a ascensão de novos polos de riqueza. De acordo com Gilpin (1987, p. 97), o liberalismo cede lugar ao nacio nalismo e ao protecionismo no sistema internacional. De fato, o pro tecionismo comercial dos EUA e Europa na Organização Mundial do Comércio, assim como seu sistema de proteção ao direito de pro priedade intelectual são exemplos disso.
Em Chutando a escada, Ha-Joon Chang (2002) demonstra que, em seus períodos iniciais de industrialização, os países hoje avançados usaram ativamente políticas industriais, comerciais e tecnológicas para promover a indústria nascente. Hoje, esses mesmos países, ao alcançarem certo nível de desenvolvimento econômico, cobram políticas e procuram impor medidas econômicas sobre os menos desenvolvidos que eles mesmos não adotaram quando se encontravam em estágio histórico equivalente. Baseado no economista alemão Friedrich List, Chang afirma que os países atualmente desenvolvidos mudaram sua postura, ao passarem a ocupar outra posição relativa no sistema internacional: aqueles que usaram amplamente medidas restritivas e protecionistas em seu desenvolvimento histórico hoje de fendem o livre-comércio com os países menos desenvolvidos e acabam "chutando a escada" pela qual subiram, procurando impedir que os demais percorram um caminho parecido. Segundo Chang (2002, p. 114),
Quando estavam em situação de catching-up, os países hoje avançados protegiam sua indústria nascente, cooptavam mão de obra especia lizada e contrabandeavam máquinas dos países mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressaram no clube dos desenvolvidos, puseram-se a advogar o livre-comércio e a proibir a circulação de trabalhadores qualificados e de tecnologia; também se tornaram grandes protetores das patentes e marcas registradas. Assim, pare ce que as raposas têm se transformado em guardiãs do galinheiro com perturbadora regularidade.
Há, assim, um padrão histórico relativamente recorrente, que se es tende da Grã-Bretanha do século XVIII à Coreia do fim do século XX, pelo qual se viabiliza o desenvolvimento econômico bem-sucedido por meio de políticas públicas que buscaram fomentar e proteger suas respectivas indústrias nascentes. Os instrumentos políticos vão além da proteção tarifária, e envolvem subsídios à exportação, redução das tarifas de insumos usados para a exportação, concessão do direito de monopólio, acordos para a cartelização, créditos diretos, planejamento de investimentos, planejamento de recursos humanos, apoio à P&D e a promoção de instituições que viabilizassem parcerias público-privadas (CHANG, 2002, p. 115).
Os países integrantes dos BRICS puderam contar com certas "vanta gens do atraso", iniciando sua industrialização com técnicas mais atuais e eficientes, podendo usufruir de lições aprendidas pelas economias avançadas. Absorveram, assim, a difusão de atividades industriais e tecnológicas, com capacidade política e econômica diferenciada em relação aos demais países periféricos. Esse processo de difusão gera maior pressão competitiva nas economias centrais, que buscam deter ou diminuir o ritmo da difusão por meio de políticas protecionistas como, por exemplo, o protecionismo comercial e o sistema de propriedade intelectual. Essas medidas representam constrangimentos estruturais no processo de difusão de atividades agregadoras de valor em outros países. Por sua vez, os BRICS têm buscado viabilizar o desenvolvimento de setores considerados estratégicos, objetivando mudar a posição relativa de suas economias no sis tema por meio da inovação.
A Participação Relativa dos BRICS na Produção Mundial de C&T
A partir do indicador tradicional de publicações em revistas científicas internacionais indexadas, podemos ilustrar nos gráficos a seguir a participação relativa dos países BRICS na produção científica mundial, comparando-os aos Estados Unidos, à Europa Ocidental e ao Japão. Como se pode ver no Gráfico 10, em meados dos anos 1990, os países BRICS somados eram responsáveis por aproximadamente 8% do total de publicações em periódicos científicos internacionais indexados, perante 30% da Europa Ocidental como um todo, 29% dos Estados Unidos e 7% do Japão. No âmbito da Europa Ocidental, a produção de conhecimento medida por este indicador era liderada pelo Reino Unido, seguido pela Alemanha e pela França.
A distribuição relativa da produção científica e tecnológica dos BRICS nesse ano pode ser vista no Gráfico 11. Fruto do forte apoio dado à área de C&T no período soviético, a Rússia ainda liderava em 1996 o ranking da produção de conhecimento dos BRICS com um terço do seu total, seguido pela China com aproximadamente 30%, Índia com 22%, Brasil com 9%, e, por último, África do Sul com 5%.
Como pode ser visto no Gráfico 12, mais de quinze anos depois, o quadro da distribuição da produção científica e tecnológica mundial já apresentava mudanças significativas. A produção de conhecimento do conjunto dos países BRICS, medida pelo indicador convencional, mais do que dobrou e já representava, em 2013, uma parcela na faixa de 25% do total mundial, tendo ultrapassado a participação dos Estados Unidos, que contabilizou 22% do total. A Europa Ocidental continuava responsável por uma fatia um pouco maior, embora sua participação tenha caído de 30% em 1996 para 29% em 2013. O ranking da produção científica e tecnológica europeia continuou sendo liderado por Reino Unido, Alemanha e França, nessa ordem. Já o Japão viu sua participação relativa na produção científica e tecnológica mundial cair de aproximadamente 7% para 5% no mesmo período.
A "locomotiva" do desempenho dos BRICS foi, uma vez mais, a China. Como pode ser visto no Gráfico 13, em 2013 ela foi responsável por 66% da produção científica e tecnológica do grupo. Sua participação na produção mundial de conhecimento saltou de cerca de 2% em 1996 para 14% em quinze anos. O destaque negativo dos BRICS ficou por conta da Rússia, que, sob o impacto do desmantelamento do sistema montado no período soviético, viu sua participação relativa na produção de C&T do grupo cair de aproximadamente 34% em 1996 para 7% em 2013. Apesar de ter aumentado a sua participação na produção mundial de conhecimento, passando de 2% para 4% no mesmo período, a participação relativa da Índia na produção dos BRICS também caiu, de cerca de 22% para 16%, em função do desempenho extraordinário da China. Pelo mesmo motivo, o Brasil manteve praticamente inalterado o tamanho da sua fatia na produção dos BRICS, correspondendo a aproximadamente 9% do total. Com desempenho inferior aos do Brasil e da Índia, a África do Sul viu sua fatia na produção científica e tecnológica do grupo cair de cerca de 5% em 1996 para 2% em 2010.
A evolução dos gastos em P&D é detalhada pelo UNESCOScience Report (UNESCO, 2010). Segundo o relatório mais recente, publicado em 2010, países em desenvolvimento como Brasil, México, China, Índia e África do Sul têm investido mais em educação e P&D do que anteriormente. A Índia, por exemplo, investiu em trinta novas universidades, estimando que seu número de estudantes passe de cerca de 15 milhões, em 2007, para 21 milhões até 2012. Em alguns casos, o incremento em gastos domésticos com P&D representou um corolário de um forte crescimento econômico, mais do que um reflexo de maior intensidade no campo de pesquisa e desenvolvimento. Embora os países emergentes tenham investido na capacitação de cientistas e engenheiros, muitos dos graduados desses países encontravam dificuldades no mercado de trabalho, levando-os a migrar do Sul para o Norte, gerando uma grande saída de pesquisadores qualificados de tais países (braindrain). Hoje esse processo começa a se reverter. No caso da China e da Índia, a diáspora atua como um ponto de partida útil para o desenho de políticas de transferência de tecnologia mais efetivas e difusão do conhecimento. Os governos hoje buscam medidas para atrair os expatriados para casa. O objetivo é incentivar o uso dos conhecimentos adquiridos no exterior interna mente, visando provocar mudanças estruturais benéficas. Devido à expansão econômica e uma melhora no nível social ocorrida na clas se média destes países, cada vez mais estrangeiros retornam "para casa". Observamos que, no caso do Brasil, o fenômeno braindrain foi menos acentuado do que na China e, principalmente, na Índia, uma vez que sempre houve uma tendência ao retorno de pesquisadores ao Brasil, resultado de mecanismos de incentivo e fomento, ou mesmo de aspectos culturais.
De acordo com o World Intelectual Property Report 2011, publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a geografia da inovação está mudando, apesar dos países de alta renda ainda dominarem os gastos globais em P&D. Eles realizam aproxi madamente 70% do total mundial de investimentos, gastando em torno de 2,5% do seu PIB em P&D. Isso representa mais do que o do bro da porcentagem dos países de renda média, como os BRICS. Entretanto, os países de renda média e baixa aumentaram em 13% sua participação no gasto global em P&D entre 1993 e 2009. A China responde por grande parte desse aumento - mais de 10% - tendo se tornado, no ano de 2009, a segunda maior investidora em P&D (WIPO, 2011, p. 6).
Deve-se observar, entretanto, que as análises internacionais que uti lizam como medida de comparação o total de gastos domésticos em P&D como porcentagem do PIB se baseiam nos PIBs de cada país, que, por sua vez, são extremamente desiguais (por exemplo, o PIB da China ou dos Estados Unidos em relação ao PIB do Brasil ou da Áfri ca do Sul). Assim, o volume por detrás das porcentagens é bastante diferenciado. Ademais, em geral, são diferenciadas as fontes de fi nanciamento às atividades de P&D entre o setor empresarial, gover nos, instituições de ensino superior, entidades privadas sem fins lu crativos e fontes provindas do exterior. Para poder melhor comparar os países dos BRICS com os Estados Unidos e a Alemanha, nos ate-remos aqui somente à evolução dos investimentos governamentais e empresariais (Tabela 2),1 além da evolução do percentual de gastos totais, em relação ao PIB de cada um desses países, de 2000 a 2012 (Tabela 1).
Na África do Sul, os investimentos em P&D variaram entre 0,73% de seu PIB em 2001 e 0,93% em 2006, demonstrando de forma evolutiva um aumento nesses gastos. A partir de 2009, porém, verifica-se uma ligeira queda nesse percentual, tendo atingido seu valor mais baixo em 2010: 0,76% do PIB. Embora os gastos totais em P&D na África do Sul tenham permanecido entre 0,73% e 0,93% do seu PIB, é interessante notar que a média desse percentual ao longo do período analisado se aproxima da média do percentual apresentado pela Índia, onde os recursos aplicados em P&D variaram entre 0,77 e 0,89% do seu PIB. No que se refere às fontes de financiamento, observa-se uma tendência de aumento relativo nos gastos em P&D provenientes do governo sul-africano, que passa a superar os investimentos empresariais a partir de 2007. Nos anos anteriores, os gastos em P&D foram feitos majoritariamente por empresas, que responderam por 55,8% dos dispêndios totais em P&D realizados no país. Esse percentual foi gradualmente caindo, até atingir 42,7% em 2007, e 40,1% em 2010 (contra 45,7% e 44,5% dos gastos governamentais, respectivamente).
O Brasil investiu, em 2000, 1,06% de seu PIB em P&D. Após relativa queda entre 2002 e 2006, esse percentual voltou a subir em 2007, quando os gastos totais em P&D foram de 1,11% do PIB, atingindo 1,20% em 2011. A estimativa do governo brasileiro é de que esses gastos tenham passado para 1,24% do PIB em 2012. Ao longo de todo o período analisado, a maior parte dos investimentos em P&D no Brasil foi aplicada pelo governo, com exceção dos anos de 2004 e 2005, quando os gastos empresariais superaram os governamentais, representando 50,5% e 52,3% do total aplicado, respectivamente. A participação do governo brasileiro nos dispêndios totais em P&D no país evoluiu modestamente de 2000 a 2011, passando de 51,7% para 52,9%. A estimativa é que esse percentual tenha sido de 54,9% em 2012, contra 45,1% investidos pelo setor empresarial.
Na China, o percentual dos gastos totais em P&D em relação ao PIB do país aumentou gradualmente ao longo de todo o período analisado, tendo passado de 0,9% em 2000 para 1,98% em 2012. Se comparado aos demais países BRICS, é interessante notar que, embora a China apresente hoje o percentual mais elevado do grupo, em 2000 seu percentual era menor do que os registrado no Brasil e na Rússia, cujos gastos em P&D totalizaram 1,06% e 1,05% dos seus PIBs, respectivamente. Em 2002, entretanto, o percentual chinês já havia ultrapassado o brasileiro, finalmente superando o russo em 2004. Outra singularidade da China em relação aos demais BRICS diz respeito à principal fonte de financiamento à P&D, que na China são as empresas, e não o governo. Em 2000, elas aplicaram 57,6% dos investi mentos totais, tendo sido 33,4% aplicados pelo governo chinês. Nos anos seguintes, a participação do setor empresarial continuou aumentando, tendo atingido 74% em 2012.
Na Índia, os gastos em P&D mantiveram-se relativamente constantes ao longo do período analisado, tendo passado de 0,81% do seu PIB em 2000 para 0,87% em 2009. O governo indiano estima que esse percentual tenha se mantido inalterado em 2010 e se elevado levemente para 0,88% em 2011 (dado mais recente disponível). Ao contrário da China e como nos demais BRICS, na Índia os recursos destinados às atividades de P&D são providos majoritariamente pelo governo. Contudo, embora os recursos governamentais ainda sejam a principal fonte de financiamento à P&D, a participação governa mental vem apresentando queda gradual neste país, tendo passado de 76,8% em 2000 para 65,8% em 2009 (a estimativa é de que esse percentual tenha se reduzido ainda mais, totalizando 64,9% em 2011).
Na Rússia, por sua vez, a evolução dos gastos totais em P&D demonstra oscilações que variam entre 1,04% e 1,29% do seu PIB. Em 2000, esse percentual era de 1,05%, tendo aumentado para 1,25% em 2009. Desde 2010, a Rússia demonstra esforçar-se para manter os investimentos em P&D acima de 1,10% do seu PIB (1,12% em 2012). A principal fonte de financiamento a este tipo de atividade é o próprio governo russo, que registrou aumentos contínuos em sua participação, se comparada aos investimentos empresariais. Em 2000, os gastos governamentais representaram 54,8% do total, tendo atingido 67,8% em 2012. Vale destacar que, entre os BRICS, a Rússia apresenta atualmente o maior percentual de gastos governamentais em P&D, sendo seguida pela Índia, Brasil, África do Sul e, finalmente, a China.
Comparando os países BRICS com a principal potência mundial, os Estados Unidos, estes investiram 2,62% do seu PIB em P&D em 2000, e 2,64% em 2011. Entre 2002 e 2007, essa porcentagem teve queda, oscilando entre 2,55% em 2002 e 2,63% em 2007. Em 2008, contudo, mesmo em um ano de crise, o país incrementou seus investimentos em P&D como parte de sua política anticíclica, passando a destinar 2,77% do seu PIB para esse tipo de atividade. O dado mais recente indica um total de gastos em P&D equivalente a 2,79% do PIB, em 2012. A principal fonte de financiamento a essas atividades nos Estados Unidos é o setor empresarial. Em 2000, as empresas arcaram com 69% dos investimentos, perante 26,2% aplicados pelo governo. Nos anos seguintes, embora esse percentual tenha apresen tado queda relativa, a participação do setor empresarial nos gastos totais em P&D continuou maior do que a do governo norte-americano, tendo passado de 67,2% em 2001 para 59,1% em 2012.
Observamos, assim, que nos Estados Unidos e na China (assim como na Alemanha), o setor empresarial é o principal investidor em P&D, provavelmente resultado de um ambiente em que as empresas investem em P&D de modo a melhorar sua competitividade. No Brasil e na África do Sul, há atualmente um relativo equilíbrio entre o investimento governamental e empresarial. Na Índia e na Rússia, por outro lado, o investimento é predominantemente governamental. Esses di ferentes patamares de fontes de investimentos em P&D implicam também diferentes capacidades dos governos desses países e de suas empresas de garantir que as inovações beneficiem suas economias. Nos países onde há maior envolvimento do setor empresarial em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, a propriedade intelectual torna-se um dos principais mecanismos pelo qual as grandes empresas buscam prolongar seu monopólio sobre produtos e processos produtivos inovadores. Regimes internacionais de pro priedade intelectual ajudam a prolongar esse monopólio.
A posse de propriedade intelectual tornou-se cada vez mais central para estratégias de negócios, movendo-se para o primeiro plano das políticas de inovação. O requerimento de patentes aumentou no mundo todo de 800 mil pedidos nos anos 1980 para mais de 2,5 mi lhões em 2013 (WIPO, 2011; 2014). Esse aumento ocorreu em diferentes momentos, com o Japão, juntamente com os Estados Unidos, impulsionando o aumento nos anos 1980; com a Europa e a Coreiado Sul nos anos 1990; e mais recentemente com a China. De acordo com a OMPI, existem muitas causas para esse rápido aumento do patente amento, incluindo alguns países e ramos da indústria específicos. Dentre eles, duas forças-chave se destacam: primeiro, a divisão do patenteamento mundial entre os chamados primeiros registros (novas invenções) e registros subsequentes (que são primeiros registros de novas invenções em países adicionais). Este último representa mais da metade do crescimento de registros nas últimas duas décadas, demonstrando que requerentes buscam, cada vez mais, proteger suas patentes no exterior em um número maior de países, em especial no escritório norte-americano, o USPTO.
Ao utilizarmos o patenteamento como indicador de inovação, é necessário, porém, distinguir entre (a) um pedidode patente que é depositado por um requerente em um determinado escritório nacional ou regional, e (b) um registrode patente que é concedido pelo escritório a um requerente, seja ele estrangeiroou residenteno mesmo país do escritório. A OMPI reúne informações sobre os pedidos de patentes depositados nos escritórios nacionais, regionais e no exterior, além do total de registros concedidos a residentes e estrangeiros por esses mesmos escritórios. Como nosso objetivo é avaliar a evolução do patenteamento como indicador de inovação nos BRICS em comparação às potências tradicionais, os pedidos e registros de patentes serão considerados aqui de acordo com a origem dos requerentes, de modo a indicar o desempenho inovador de seus respectivos países. Assim, registros concedidos, por exemplo, pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) a empresas estrangeiras sem sede no Brasil não serão considerados indicadores de inovação deste país, apenas os depósitos e registros de seus residentes, seja no Brasil ou no exterior.
Embora os registrosde patentes sejam indicadores de inovação mais precisos - pois nos permitem mensurar a quantidade de invenções que, em última instância, foram consideradas inovadoras no contexto de um determinado território -, os pedidosde patentes também devem ser levados em consideração, pois ajudam a mensurar os esfor ços empreendidos no sentido de inovar em cada país, a cada ano. Assim, há pelo menos dois aspectos principais pelos quais os pedidos de patentes não devem ser menosprezados nas análises comparativas internacionais. O primeiro deles refere-se aos custos elevados que envolvem o processo de patenteamento em todo o mundo. Isso significa que, em geral, os requerentes buscam patentear o que de fato imaginam ser os resultados positivos de seus esforços em inovação, restringindo consideravelmente a quantidade de depósitos derivados de pesquisas aleatórias.
O segundo aspecto, e talvez mais importante para nossa análise, diz respeito ao backlog de cada escritório - isto é, ao período de tempo compreendido entre o depósito de uma solicitação e a concessão da patente (ou sua negação). No caso do Brasil, por exemplo, esse processo pode levar até dez anos para ser concluído. Guardadas as devidas proporções, problemas decorrentes do backlog ocorrem nos escritórios de patentes do mundo todo, incluindo o USPTO. Conse quentemente, quando se busca analisar a participação relativa de cada país no cenário de patenteamento mundial num determinado ano, o foco exclusivo nos registros de patentes pode gerar grandes distorções. Por outro lado, a inclusão de dados referentes, não apenas aos registros obtidos, mas também aos pedidos de patentes depositados por esses mesmos países no ano em questão, pode ajudar a traçar um cenário mais preciso das participações desses países no quadro geral de patenteamento mundial.
Tendo em vista essas considerações metodológicas, apresentaremos a seguir a evolução da participação dos BRICS no total de pedidos e registros de patentes depositados/concedidos nos anos de 2000 e 2013, estabelecendo uma comparação com Estados Unidos, Japão, União Europeia e demais países, bem como entre os próprios BRICS. Em seguida, apresentaremos a participação dos BRICS no total de patentes concedidas pelo USPTO nesses mesmos anos.
Como ilustrado no Gráfico 14, o ano 2000 apresenta uma forte participação do Japão, que depositou 490.776 pedidos de patentes, correspondentes a 37% do total mundial de depósitos em escritórios nacionais e no exterior. Este cenário também apresenta uma significativa representatividade da União Europeia - cujos depósitos realizados por residentes de seus países-membros representaram, juntos, 25% do total mundial - e dos Estados Unidos, cuja participação atingiu 21% do total naquele ano. Dos 25% relativos à União Europeia, a Alemanha se destaca com 134.691 solicitações, seguida pelo Reino Unido e França, com 46.310 e 45.840 depósitos, respectivamente. No caso das solicitações oriundas dos países BRICS, estas representaram apenas 5% de todos os pedidos de patentes realizados em 2000, totalizando 58.737 solicitações.
No mesmo ano, os dados referentes à concessão de registros de patentes pelos escritórios nacionais e no exterior confirmam a tendência de concentração do patenteamento mundial por parte do Japão, Estados Unidos e União Europeia vis-à-visos BRICS e o resto do mundo. Foram mantidos os mesmos percentuais apresentados por esses países em relação ao total de depósitos, com exceção de uma variação de cinco pontos percentuais entre o Japão e os Estados Unidos, que obtiveram, respectivamente, 32% e 26% do total de patentes registradas naquele ano.
Entre os BRICS, os dados referentes a 2000 mostram um relativo equilíbrio entre os pedidos de patentes depositados por requerentes da China (45% do total) e da Rússia (41% do total) nos seus respectivos escritórios nacionais e no exterior (Gráfico 15). Em números absolutos, o total depositado por esses dois países foi de, respectivamente, 26.445 e 24.093 pedidos. As solicitações oriundas do Brasil e da Índia representaram 6% e 5% de todos os depósitos realizados por requerentes residentes nos BRICS, seguidos pela África do Sul (3%), que protocolou apenas 1.531 pedidos. Por outro lado, no que se refere aos registros de patentes, a Rússia se destaca em 2000, tendo con centrado 63% do total.
Pedidos e Registros de Patentes entre os BRICS, por Origem do Requerente -2000 (% do total)
Conforme ilustra o Gráfico 16, como seria de se esperar, os Estados Unidos se destacam como principal beneficiário entre os países que lograram registrar patentes pela USPTO, tendo sido contemplado com 55% das patentes concedidas por esse escritório em 2000. Diferentemente dos dados gerais disponibilizadas na OMPI, o USPTO apresenta um cenário de patenteamento menos equilibrado entre os Estados Unidos e as demais economias centrais. Contra os 55% referentes aos Estados Unidos, Japão e União Europeia obtiveram apenas 19% e 15% do total de patentes registradas no escritório norte-americano em 2000. Ademais, a participação relativa dos países BRICS foi insignificante nesse âmbito, contabilizando meros 0,3% do total.
Entre os próprios BRICS, por outro lado, nota-se certo equilíbrio: a Rússia e a China lideram com 26% e 23% do total de registros concedidos aos BRICS, seguidas pela Índia, África do Sul e Brasil, que apresentam percentuais muito próximos: 18%, para 17% e 16%, respectivamente.
Mais de uma década depois, em 2013, o cenário mundial de patenteamento apresenta uma participação relativa mais equilibrada entre as potências centrais no que se refere tanto aos pedidos quanto aos registros de concessão de patentes. Os Estados Unidos passaram à frente do Japão e da União Europeia, com 501.162 pedidos de patentes depositadas (19%). Em seguida, os depósitos oriundos do Japão e da União Europeia representam, atualmente, 18% do total mundial, cada. Dos 18% referentes à União Europeia, a participação da Alemanha destaca-se novamente, com o maior número de solicitações em 2013 (184.493 depósitos), seguida pela França com 71.083 e pelo Reino Unido, com 51.300 pedidos no total. Entretanto, o grande destaque do cenário de patenteamento mundial hoje se refere ao aumento expressivo do total de pedidos depositados pelos BRICS, cuja participação registrou um aumento de vinte e cinco pontos percentuais em relação a 2000, passando de 5% para 30% em 2013. Em termos absolutos, os pedidos oriundos dos BRICS contabilizaram 798.130 depósitos, sendo a China o principal motor desse crescimento, como veremos a seguir.
A participação dos BRICS no total de patentes concedidas em 2013 também apresenta um aumento significativo de dez pontos percentuais em relação ao total registrado em 2000, tendo passado de 5% para 15% do total mundial de registros de patentes - que, todavia, permanece dominado pelo Japão, com 29%.
Como já mencionado, o desempenho recente dos BRICS no patente amento mundial deve-se, especialmente, à China. Os dados mais recentes disponibilizados pela OMPI registram uma enorme discrepância entre este país e os demais BRICS: a China dominou 92% dos pedidos de patentes em 2013, perante 4% da Rússia, 3% da Índia, 1% do Brasil e menos de 1% da África do Sul. Embora o percentual chinês seja um pouco menor no que diz respeito ao total de patentes obtidas pelos BRICS em 2013, essa concentração também é verificada: a China obteve sozinha 83% desses registros, contra aproximadamente 13% da Rússia, 2% da Índia e 1% do Brasil e África do Sul.
Pedidos e Registros de Patentes entre os BRICS, por Origem do Requerente-2013 (% do total)
No USPTO, os Estados Unidos ainda dominam os registros de patentes, os quais foram contemplados com quase a metade do total das patentes concedidas por esse escritório em 2013. Entretanto, se comparado aos dados de 2000, nota-se uma relativa queda no valor de seis pontos percentuais na sua participação, que foi de 49% em 2013, contra 55% em 2000. As posições do Japão e da União Europeia permaneceram praticamente inalteradas; entretanto, verifica-se diminuição de um ponto percentual em relação aos valores de 2000: em 2013, o Japão e a União Europeia obtiveram, respectivamente, 18% e 14% do total de patentes registradas pelo escritório norte-americano.
Embora a participação dos BRICS ainda seja bastante tímida no USPTO, observa-se um crescimento relativo de 0,3% em 2000 para 2% em 2013. Destes, a expressa maioria refere-se às patentes concedidas a requerentes da China - cujos registros passaram de 23% do total concedido aos BRICS em 2000, para 66% em 2013 -, tendo superado a Rússia, que em 2000 obteve o maior número de patentes entre os demais BRICS. Além do crescimento expressivo da China de 43 pontos percentuais, a Índia também se destaca atualmente, tendo contabilizado, em 2013, um quarto do total de registros concedidos aos BRICS (25%). Atualmente, um maior equilíbrio é observado entre Rússia, Brasil e África do Sul, que lograram registrar, respectivamente, 4%, 3% e 2% do total dos BRICS em 2013.
Por meio dessa análise comparada dos dados disponibilizados pela OMPI, podemos concluir, portanto, que os escritórios nacionais foram mais receptivos à inovação local. Os BRICS demonstram um crescimento expressivo de sua participação nos depósitos mundiais, e um crescimento significativo também no que se refere aos registros. Essa tendência é verificada com menos força no escritório norte-americano, apesar de esse ainda ser considerado o principal órgão que garante a proteção da propriedade intelectual no mundo. Os dados do USPTO demonstram, assim, com maior clareza a desigualdade entre as potências tradicionais (e seu setor empresarial) e os países em desenvolvimento, de um modo geral. Visto que o registro no USPTO é custoso e de difícil acesso para empresas e instituições de pesquisa de fora dos Estados Unidos, especialmente as oriundas de países em desenvolvimento, os direitos de propriedade intelectual (e, com ele, o controle sobre novas tecnologias e produtos industriais inovadores no mercado mundial) permanece "em mãos" dos países atualmente desenvolvidos. Reproduz-se, desse modo, a desigualdade no sistema internacional.
Verifica-se, contudo, que principalmente a China vem buscando romper esse desequilíbrio. Ela vem mostrando, ao longo dos últimos treze anos, um salto no registro de patentes, que reflete seu maior empenho no âmbito da inovação. Conforme mostra a Tabela 3, em comparação com os países centrais, os dados disponibilizados pela OMPI indicam que a China já apresenta um volume de patentes requeridas e obtidas que, em 2013, ultrapassaram os totais contabilizados por algumas das mais importantes economias centrais, como a Alemanha, a França e o Reino Unido. Os dados do USPTO confirmam a posição da China entre os países que mais lograram registrar patentes no escritório norte-americano no ano de 2013, estando atualmente um pouco à frente da França e Reino Unido também nesse âmbito.
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo escritório nacional de propriedade intelectual da China, o State Intellectual Property Office (SIPO), 2.377.000 pedidos de patentes foram depositados no SIPO em 2013. Do total de pedidos de patentes de invenção, a maior parte foi depositada por atores domésticos, 85,5%, contra 14,5% protocolados por atores de fora do país. Entre estes, o Japão, os Estados Unidos e a Alemanha foram responsáveis pela maior parte dos depósitos estrangeiros no escritório chinês em 2013. No que toca aos pedidos de patentes de invenção domésticos, o setor industrial responde pela maior parcela, seguido por universidades e institutos de pesquisa científica: em 2013, as empresas contabilizaram 74,8% desse total, enquanto 17,1% e 6,5% foram depositadas, respectivamente, por universidades e institutos de pesquisa científica (outras instituições e organizações contabilizaram 1,6%) (SIPO, 2013, p. 38-39).
Os dados referentes aos registros de patentes concedidos pelo SIPO no ano de 2013 confirmam essas tendências: do total de patentes de invenção concedidas, a própria China foi a maior contemplada com 69,2% do total, contra 30,8% concedidos a requerentes estrangeiros. Entre as patentes de invenção concedidas no âmbito doméstico, 63% foram obtidas pelo setor empresarial, seguido por universidades (26%) e institutos de pesquisa científica (9,4%) (outras instituições e organizações contabilizaram, novamente, 1,6% do total) (SIPO, 2013, p. 43). É importante ressaltar, entretanto, que o volume expressivo de pedidos e registros de patentes de invenção na China pelo setor industrial é resultado tanto da participação de empresas nacionais chinesas, quanto de centros de P&D de multinacionais instaladas no país.
Considerações Finais
Os dados aqui analisados nos permitem observar, em um marco geral, alguns dos determinantes de mudanças na ordem mundial. Vimos que os países que compõem os BRICS vêm se tornando novos polos econômicos dinâmicos por meio do deslocamento de atividades industriais, investimento e riqueza dos países centrais para as zonas periféricas. Desde meados do século XX, no período pós-Segunda Guerra Mundial, observamos o crescimento do PIB/PPC dos países dos BRICS perante os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão, deteriorando somente parcialmente a posição de poder dessas potências tradicionais através do processo do desenvolvimento desigual. O salto de crescimento dos países BRICS foi acompanhado pelo salto, mais lento e gradual, da produção científica nesses países. Constatamos que houve um aumento da participação de pesquisadores desses países com artigos e trabalhos em publicações internacionais indexadas. Acrescentado a isso, mostramos aqui um relativo aumento, ainda mais lento, do investimento desses países em P&D e o aumento significativo de sua participação no patenteamento mundial.
Esses dados agregados nos mostram "três tempos" do desenvolvimento desigual. No que se refere ao dinamismo econômico e ao deslocamento de atividades industriais e investimentos para os BRICS, as mudanças se dão em tempo mais acelerado, resultando no rápido e significativo crescimento do PIB/PPC desses países nas últimas décadas. A capacidade dos BRICS de produção científica, exemplificada nos dados sobre o aumento da participação desses países em publicações científicas indexadas, acompanha, em alguma medida, seu crescimento, porém em um ritmo mais lento. Já os pedidos e registros de patentes, como indicadores de inovação, nos mostram que a desigualdade entre os BRICS e as potências tradicionais ainda é acentuada, e não acompanha o tempo acelerado de seu crescimento econômico. Aparentemente, a China vem conseguindo incorporar a inovação como pilar de seu crescimento econômico, ao observarmos seu aumento considerável em relação ao total de pedidos e registros de patentes no mundo, já tendo superado importantes países centrais, como a França e o Reino Unido. Atentamos, assim, para a necessidade dos BRICS de incorporar a pesquisa, desenvolvimento e inovação em seu crescimento econômico, se quiserem torná-lo qualitativo e sustentado no longo prazo, com impactos sobre as posições de poder desses países na ordem mundial.
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. Devido à escolha metodológica de contrastar aqui somente os gastos em P&D oriundos dos governos e setores empresariais (excluindo-se, portanto, os gastos provenientes diretamente de instituições de ensino superior, setor privado sem fins lucrativos e exterior), o somatório das porcentagens na Tabela 2 não equivale, necessariamente, a 100. Ademais, vale ressaltar que, devido a diferenças conceituais na coleta de dados de cada país, pode haver diferenças na comparação entre países quanto aos percentuais atribuídos a cada fonte de financiamento. Exemplo disso são os gastos oriundos de empresas estatais, que no Brasil são incluídos nos gastos totais do setor empresarial, enquanto na Índia integram os gastos governamentais.
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Artigo recebido em 23 de janeiro de 2015 e aprovado para publicação em 13 de março de 2015. A pesquisa contida neste artigo resulta dos trabalhos do núcleo de pesquisa Sistemas de Inovação e Governança do Desenvolvimento do BRICS Policy Center e contou com o valioso trabalho das estagiárias Gabrielle França e Marina Caresia.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2015
Histórico
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Recebido
23 Jan 2015 -
Aceito
13 Mar 2015