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Aproximações etnográficas em territórios marginais: As cenas abertas de uso do crack em Cuiabá

Ethnographic approaches in marginal territories: The open scenes of crack use in Cuiabá

Aproximaciones etnográficas en territorios marginales: Las escenas abiertas de uso de crack en Cuiabá

Resumo:

Com base no método etnográfico e lançando mão da perspectiva biopolítica e de aportes sobre o conceito de territorialidade da antropologia urbana, o presente artigo visa problematizar algumas dinâmicas da vida que perpassam as cenas abertas de uso de crack e outras drogas ilegalizadas no centro histórico da Cuiabá, MT, Brasil. Os resultados demonstram que esses territórios são alvo de mecanismos diversos de controle social, que se expressam por meio de violências múltiplas e permanentes, mas também se constituem enquanto espaços que reúnem pessoas estigmatizadas e expulsas da sociedade normalizada, ou seja, pessoas que constroem laços e interações sociais, se auto-organizam e resistem ante a pluralidade de violências perpetradas sobre elas.

Palavras-chave:
Situação de rua; Territorialidades marginais; Controle social; Resistências

Abstract:

Based in an ethnographic approach and following a biopolitic theory and urban anthropology's understandings of territoriality, this paper investigate some dynamics of daily life in open scenes of crack, cocaine base paste and other drugs use in the historic center of Cuiabá (MT), Brazil. Findings show that the open scenes of illegal drug use are crisscrossed by multiple and persistent forms of violence. But they also constitute fields that bring together stigmatized and relegated people, who interact and build social bonds, self-organize and resist the plurality of violence perpetrated on them.

Keywords:
Homelessness; Marginal territorialities; Social control; Resistances

Resumen:

A través del método etnográfico y subsidiándose de la perspectiva biopolítica y de aportes sobre el concepto de territorialidad de la antropología urbana, este artículo se propuso indagar sobre algunas dinámicas de la vida cotidiana que atraviesan las escenas abiertas de uso de crack y otras drogas ilegalizadas en el centro histórico de Cuiabá (MT), Brasil. Los resultados señalan que esos territorios son objeto de diversos mecanismos de control social, que se expresan por medio de violencias múltiples y permanentes. Sin embargo, estas escenas también se constituyen como espacios que reúnen personas estigmatizadas y expulsadas de la sociedad normalizada, personas que interactúan y construyen lazos, se auto-organizan y resisten ante la pluralidad de violencias perpetradas sobre ellas.

Palabras clave:
Situación de calle; Territorialidades marginales; Control social; Resistencias

Introdução

O presente artigo problematiza as dinâmicas da vida que perpassam as cenas abertas de uso de crack e outras drogas ilegalizadas no centro histórico da Cuiabá, Mato Grosso. Essa reflexão surgiu da experiência construída no decorrer de uma pesquisa de mestrado que indagou sobre os processos de produção de saúde e não saúde nesses locais.

Um dos pressupostos sobre os quais se baseia o presente artigo é que existe uma pluralidade de usos de crack/pasta base de cocaína (PBC)/similares, sendo que as características, os danos (em sentido amplo, não só físicos) e significados associados a eles se encontram fortemente relacionados aos contextos particulares, nos quais são desenvolvidas as práticas de uso (Velho, 2008VELHO, Gilberto. O consumo de psicoativos como campo de pesquisa e de intervenção política. Entrevista concedida a Maurício Fiore. In: Beatriz Caiuby Labate; Sandra Lucia Goulart; Mauricio Fiore; Edward MacRae; Henrique Carneiro (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: Edufba; 2008. p. 123-140.; Jorge et al., 2013JORGE, María; BONFIM, Leni; QUINDERÉ, Paulo; LIMA, Lielson. Olhares plurais sobre o fenômeno do crack. Fortaleza: Eduece, 2013.).

Por isso, o grupo de sujeitos desse estudo não foi constituído por qualquer pessoa que fazia uso de crack/PBC/similares, mas por sujeitos em situação de rua e que habitavam as cenas abertas de uso dessas substâncias no centro histórico de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, localizado na região Centro-Oeste do Brasil.

Nas linhas que seguem, refletimos sobre como o proibicionismo enquanto sistema de controle social, se expressa cotidianamente nas cenas de uso por meio de uma multiplicidade de violências que geram dor, sofrimento e morte, mas que também impactam nos modos de viver, produzindo espaços e relações de resistência.

Excede aos objetivos desse estudo qualquer tentativa de estabelecer uma relação causal entre a situação de rua e o uso de crack/PBC/similares, porém, vale ressaltar que é na interface dessas situações que as condições de marginalidade, estigmatização e vulneração de direitos, são aprofundadas. Romani (2010)ROMANI, Oriol. Adicciones, drogodependencias y el “problema de la droga” en España: la construcción de un problema social. Cuicuilco, v. 17, n. 49, p. 83-101, 2010. discute como o proibicionismo e a visão simplista da “droga” impõem piores condições para aqueles com vidas já complicadas, tornando-as, em muitos casos, praticamente, inabitáveis.

Nesse sentido, a etnografia emerge como importante abordagem para articular elementos macrossociais, microssociais e biográficos (contextualizados), ajudando-nos a identificar a complexa expressão do ambiente macrossocial sobre o microssocial e vice-versa. Em outras palavras, permite ao pesquisador encontrar “diferentes formas e significados para o uso de drogas lícitas ou ilícitas, mas também formas de sociabilidades, afetividades, emoções” (Silva e Adorno, 2013SILVA, Selma L.; ADORNO, Rubens. A etnografia e o trânsito das vulnerabilidades em territórios de resistências, registros, narrativas e reflexões a partir da Cracolândia. Saúde & Transformação Social/Health & Social Change, v. 4, n. 2, p. 21-31, 2013., p. 23).

Complexidades do trabalho com populações oculta(da)s

O trabalho com pessoas em situação de rua é especialmente complexo, pelo fato de ser o que alguns autores chamam de população “oculta” (Lambert e Wiebel, 1990LAMBERT, Elizabeth; WIEBEL, Wayne. Introduction. In: Elizabeth Y. Lambert (org.) The collection and interpretation of date from hidden populations. Rockville: National Institute on Drug Abuse, 1990. p. 1-3.). O medo ante as possíveis intervenções repressivas, vinculadas ao caráter seletivo do sistema penal, e as resistências e desconfianças desenvolvidas pelos sujeitos, devido suas histórias serem atravessadas por sistemáticas vulnerações de direitos e violências, tornam difícil o acesso dos pesquisadores e profissionais que atuam na saúde e na assistência social a estes grupos.

No entanto, existem perspectivas que criticam a ideia de “população oculta e invisível”, pois o uso de tal terminologia esconde o fato de os sujeitos em situação de rua serem hipervisibilizados pelo sistema de controle social, tornando-os alvo da maior parte das violências produzidas por ele (Baratta, 1993BARATTA, Alessandro. Introducción a la sociología de la droga. Problemas y contradicciones del control penal de las drogodependencias. Revista Jurídica, n. 7, p. 197-224, 1993., 2004BARATTA, Alessandro. Criminología crítica y crítica del derecho penal: introducción a la sociología jurídica penal. Buenos Aires: Siglo XXI, 2004.). Nessa perspectiva, Rodrigues (2015)RODRIGUES, Igor. A construção social do morador de rua: o controle simbólico da identidade. Juiz de Fora: UFJF, 2015. Dissertação de mestrado. propõe usar o termo “naturalizados”, para descrever como as condições de vida dos moradores de rua e as situações de violência sobre eles passam despercebidas no cotidiano das cidades.

Concordamos com esse enfoque, mas gostaríamos de chamar a atenção sobre o caráter intencional e político da “naturalização”. Ela tem como objetivo ampliar o consenso social em relação aos valores hegemônicos, evitando o questionamento sobre as regras de um jogo que produz desigualdade e marginalidade social. Nesse sentido, propomos a ideia de populações ocultadas, cujo uso tem a intenção de expor a tensão entre invisibilização/hipervisibilização, mas também de ressaltar o caráter político das práticas de expulsão higienistas, as quais ocorrem, de modo contundente e sistemático, na cidade de Cuiabá, como nas outras grandes cidades do Brasil e da América Latina.

Uma das cenas presenciadas no início do trabalho de campo foi bem ilustrativa e significativa nesse sentido:

No domingo, 11 de junho de 2017, exatamente três semanas após a violenta intervenção na cracolândia de São Paulo, conduzida pelo prefeito João Dória, o governo do estado de Mato Grosso decretou a demolição da chamada Ilha da Banana e, em consequência, a expulsão dos sujeitos que ali permaneciam. A ação foi justificada evocando a necessidade de retomar as obras de revitalização do centro histórico da cidade e a construção do veículo leve sobre trilhos (VLT), idealizadas para a copa do mundo do ano 2014, e que até então se encontravam suspensas, devido às denúncias de corrupção e fraudes.

A Ilha da Banana era composta de vários prédios abandonados e dentre os quais se encontrava uma grande estrutura de concreto em ruínas, conhecida como o Casarão. O local era habitado e transitado, diariamente, por mais de sessenta sujeitos em situação de rua. Ele foi se configurando como uma cena aberta de uso de crack, sendo, em algumas oportunidades, referida midiaticamente como uma das “cracolândias cuiabanas”.

A jornada de demolição da Ilha da Banana e de seus arredores abrigou uma multiplicidade de atores: mais de trinta trabalhadores da empresa contratada para a obra; políticos e gestores de alta e média hierarquia (incluindo o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, o governador de Mato Grosso, Pedro Taques, e o secretário de cidades, Wilson Santos); organizações sociais; representantes de organizações e de instituições assistenciais; representantes do mundo acadêmico; um grande número de policiais; integrantes dos meios de comunicação (hegemônicos e alternativos); moradores da região, apoiando as ações de limpeza e dando testemunho de indignação ante as câmeras de televisão, discorrendo sobre a insegurança e insalubridade que implicava o convívio com “aquelas pessoas”; e, por fim, cerca de quarenta sujeitos desalojados, que não haviam sido remanejados para albergues, nem tampouco para comunidades terapêuticas. Eles retiravam colchões, caixas, malas e outros pertences do Casarão e passavam entre os espectadores, indo e vindo.

De um lado, vários atores sociais se encontravam ali com a explícita intenção de constituir-se enquanto uma espécie de supervisores, para evitar abusos policiais e situações semelhantes ao que tinha acontecido em São Paulo, vinte dias antes. Do outro lado, parecia ter sido montado um show que buscava legitimar as ações e tirar o maior ganho político da nova tentativa de implementação de uma política de higienização do centro histórico de Cuiabá.

Aquela espetacularização e a presença de diversas forças em tensão, assim como as repercussões midiáticas e políticas dos dias posteriores,1 1 Entre elas, no dia 20 de junho foi aprovado o projeto de lei Vida Nova. Após ter sido vetado pelo poder executivo, a Câmara Municipal de Cuiabá decidiu por maioria revogar o veto e aprovar uma lei que prevê a internação involuntária e compulsória para os “dependentes químicos” (Silva, 2017), contradizendo, assim, a lei federal de saúde mental n. 10.216/2001 (Brasil, 2001). pouco tinham a ver com uma situação invisível ou oculta, mas, ao contrário, evidenciaram a hipervisibilização de uma população que cotidianamente se mantinha ocultada. Essa situação deixa exposta a existência dos outros usos, o da droga e os usos políticos e econômicos, cujo impacto na vida cotidiana das pessoas que habitam as cenas abertas era bem maior que os usos vinculados ao consumo pessoal. Evidencia-se, assim, o uso político e econômico em semelhante situação. Como consequência esperada, a “limpeza” da Ilha da Banana contribuiu para a dispersão dos grupos que a habitavam, intensificando-se os fluxos e movimentos naquela área marginal do centro histórico da cidade.

Sobre a etnografia como método de aproximação

Trabalhar com sujeitos que fazem parte de populações ocultadas, ou grupos de difícil acesso, exigiu maior criatividade, obrigando-nos a construir, artesanalmente, estratégias inovadoras e respeitosas em relação aos tempos, espaços e decisões do outro e que, por sua vez, promovessem a construção de vínculos de confiança. A itinerância, efetivamente, dificultou a tarefa de entrar em contato com os sujeitos, mas em um contexto velado pela criminalização da pobreza, pelas práticas repressivas e estigmatizantes, foi ali que observamos a emersão de modos alternativos de construir e viver a cidade. Assim, optamos por um campo focado nesses territórios marginais e nos deslocamentos constantes em diversas partes do centro histórico da cidade.

A decisão de entrar no campo para acompanhar as atividades desenvolvidas pela equipe do consultório de rua (eCR) foi justamente no sentido de facilitar a chegada, e a eCR nos permitiu acessar diferentes grupos, conhecer parte dos fluxos e circuitos noturnos dos sujeitos por diferentes áreas da cidade, mas também conhecer as condições de vida e observar concretamente suas interações com os serviços de saúde. Porém, após dois meses acompanhando três vezes por semana a eCR, entendemos que só conseguiríamos chegar aos sujeitos e estabelecer contatos aprofundados se complementássemos o acompanhamento da eCR com outras estratégias, que permitissem ficar mais tempo com um mesmo grupo, a fim de garantir que os nossos interlocutores nos reconhecessem e nos identificassem.

Semanas antes da demolição da Ilha da Banana, tínhamos começado a participar no projeto de extensão universitária Psicanálise Na Rua, que atua em outra cena aberta de uso de crack, localizada em frente ao local onde se encontrava a Ilha da Banana. Trata-se de uma equipe de psicoanalistas e estudantes da UFMT que, a toda terça-feira no mesmo horário, ofereciam um espaço aberto para a escuta dos sujeitos que circulam pelo Beco do Candeeiro. Nós acompanhamos o trabalho da equipe visando conseguir falar com as pessoas, esclarecendo sempre que não éramos psicanalistas, mas que a nossa presença lá estava vinculada a um trabalho de pesquisa acadêmica sobre saúde, em determinados contextos sociais.

A nossa presença regular e sistemática naquele espaço nos permitiu conhecer os sujeitos que moravam na Ilha da Banana e fazer o acompanhamento deles nos percursos posteriores à sua demolição. Essa estratégia garantiu a construção do reconhecimento e da confiança com alguns desses sujeitos e, assim, passamos a acessar o campo sem acompanhamento de outros atores. Ao nos concentrarmos em um “pedaço” (Magnani, 2002MAGNANI, José. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 1, n. 49, p. 12-29, 2002 <10.1590/S0102-69092002000200002>.
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) determinado da cidade, foi possível nos aproximar da difícil tarefa “de olhar de perto e de dentro” (Magnani, 2002MAGNANI, José. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 1, n. 49, p. 12-29, 2002 <10.1590/S0102-69092002000200002>.
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) os grupos ocultados. A nossa permanência com os sujeitos no seu contexto cotidiano, interagindo cara a cara e compartilhando com eles longos períodos de tempo, nos permitiu construir vínculos de confiança e identificar narrativas, intencionalidades e significados das práticas observadas. A observação flutuante (Pétonnet, 2008PÉTONNET, Colette. Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense. Antropolítica, v. 25, n. 1, p. 99-111, 2008.) foi se tornando, assim, uma descrição densa (Geertz, 2008GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.).

Habitar a partir do movimento

O desalojamento da Ilha da Banana, longe de se tratar de uma situação atípica, é um exemplo do “nomadismo urbano”, que caracteriza a cotidianidade desses grupos, alvos privilegiados de diferentes mecanismos de controle e perseguição. Nesse sentido, alguns estudos se serviram do conceito de “territórios itinerantes” (Perlongher, 1993PERLONGHER, Nestor. Territórios marginais. In: Antônio Lancetti (org.). Saúde loucura 4. Grupos e coletivos. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 49-69.) para analisar os deslocamentos das chamadas cracolândias, interpretando-os enquanto estratégias de resistência dos sujeitos ante às ações que procuram expulsá-los da região, no contexto das políticas higienistas e de requalificação urbana de governo (Frúgoli Jr. e Spaggiari, 2010FRÚGOLI JR, Heitor; SPAGGIARI, Enrico. Da cracolândia aos nóias: percursos etnográficos no bairro da Luz. Ponto Urbe, n. 6, 2010 <10.4000/pontourbe.1870>.
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). Os “territórios itinerantes” são definidos enquanto “campos de relações” que, embora situados em determinadas áreas geográficas, estão sujeitos a deslocamentos constantes. Nesse sentido, Rui (2014)RUI, Tanielle. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção. São Paulo: Terceiro Nome, 2014. acrescenta que na medida em que são itinerantes, aquilo que os identifica não são os limites geográficos, mas a “corporificação dos usuários” ou seja, a presença física de sujeitos que usam abertamente crack e outras drogas ilegalizadas, pois “a cracolândia é onde eles estão” (Rui, 2014RUI, Tanielle. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção. São Paulo: Terceiro Nome, 2014., p. 224). Frúgoli e Spaggiari (2010)FRÚGOLI JR, Heitor; SPAGGIARI, Enrico. Da cracolândia aos nóias: percursos etnográficos no bairro da Luz. Ponto Urbe, n. 6, 2010 <10.4000/pontourbe.1870>.
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também assinalam que, apesar de serem itinerantes, eles são fixados pelas políticas urbanas quando mapeados e delimitados os perímetros com o objetivo de tornar as cracolândias alvo das estratégias de intervenção voltadas à higienização e à requalificação urbana.

Os parágrafos que se seguem, extraídos do diário de campo, descrevem algumas dinâmicas e condições de vida na região da Ilha da Banana e seus arredores:

No dia 24 de maio, participei em uma visita noturna junto à equipe do Consultório Na Rua (eCR). A primeira parada foi no Beco do Candeeiro, localizado em frente à Ilha da Banana. O local era reconhecido midiaticamente como uma área de comércio sexual e de uso e venda de crack e outras drogas ilegalizadas […]. No caso do Beco do Candeeiro, trata-se de uma passagem estreita, de menos de 100 metros, que tem saída por ambos os lados. Esta característica habilita o trânsito de veículos, em geral pouco frequente, à exceção dos carros de polícia que atravessam o corredor constantemente.

Ao chegar no Beco, a escultura de Jonas Corrêa, que representa a chacina do Beco do Candeeiro, ocorrida em 1989, foi a primeira coisa que eu vi. Ela retratava a imagem de três meninos, em aparência, um deles deitado e os outros inclinados, cobrindo-se com um gesto de horror. Consta nos jornais da época (Holland, 2014HOLLAND, Carolina. Justiça absolve PM acusado de mortes de adolescentes em Cuiabá. G1 Globo portal de notícias, 17 set. 2014 <mato-grosso/noticia/2014/09/justica-absolve-pm-acusado-de-mortes-de-adolescentes-em-cuiaba.html> (12 jun. 2017).
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) que, embora um ex-policial militar fosse processado 16 anos depois, ele foi absolvido por falta de provas.

Sentamos-nos em uma meia parede, localizada na esquina onde começa o Beco. Desse local, podíamos visualizar o movimento no interior. Contei aproximadamente 30 pessoas distribuídas ao longo do corredor, em posições diversas e realizando diferentes ações, sendo que algumas se encontravam reunidas em grupos pequenos, e outras ficavam isoladas; algumas estavam sentadas nas calçadas e outras em pé; algumas falavam, outras dançavam, dormiam, se beijavam ou simplesmente deixavam o tempo passar. Também era possível observar mãos ocupadas com cachimbos, cigarros, copos de suco ou com marmitas, que algum grupo filantrópico havia distribuído recentemente […].

Uma das profissionais da eCR me explicou que estávamos ali em busca de Micaela, uma menina de 13 anos, que havia saído da casa. Micaela era uma menina em condição de sofrimento mental agudo, que fazia uso de crack há três anos e que se encontrava sob a responsabilidade da avó, a qual informou que a neta estava passando as noites no Beco, trocando práticas sexuais por drogas, conforme verbalizado pela própria menina. O objetivo da eCR era de se aproximar da Micaela, indagar sobre as suas necessidades e persuadi-la a regressar para casa e retomar o tratamento no CAPs […]. Naquela noite a encontramos em cada um dos pontos aos quais visitamos, mas não conseguimos realizar maior contato, Micaela não parava de caminhar (Diário de campo, 24 maio 2017).

Naquele primeiro dia em campo foi possível confirmar o que a revisão da literatura já havia nos antecipado: lá, existia uma diversidade de sujeitos, de subjetividades, de trajetórias e de modos de se relacionar com a substância (Rui, 2014RUI, Tanielle. Nas tramas do crack: etnografia da abjeção. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.; Borges, 2016BORGES, Susana Sandim. Entre ruas, pedras e sujeitos: uma etnografía sobre o crack por trajetos cuiabanos. Cuiabá: UFMT, 2016. Dissertação de mestrado em Ciências Sociais.). Evidentemente, o Beco do Candeeiro não era apenas um local de uso e comercialização de “pedras”. O crack estava lá, uma vez que, na maioria de nossas visitas noturnas, era possível visualizar alguém fumando, mas não era a única coisa que ali acontecia. Aqueles sujeitos faziam outras coisas e, sobretudo, davam sinais de conhecer-se, vincular-se e de auto-organizar-se (Lopes, 2016LOPES, Eliete. Comunidade da Ilha do Bananal: auto-organização da população em situação de rua na cidade de Cuiabá, MT. Albuquerque, v. 8, n. 16, p. 111-126, 2016.). Era possível perceber a presença de um tipo de uso e de apropriação do espaço, que durante o dia não acontecia, pois é lugar de comércio e de circulação de pessoas inseridas no mercado laboral formal, que transitam a área, mas não ficam lá.

A apropriação e a ressignificação do centro histórico de Cuiabá durante a noite, podem ser entendidas como a constituição de uma “territorialidade marginal” (Perlongher, 1993PERLONGHER, Nestor. Territórios marginais. In: Antônio Lancetti (org.). Saúde loucura 4. Grupos e coletivos. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 49-69.), no sentido de um campo de relações, de produção de identidades e de moralidades, que poderíamos chamar de dissidentes. À noite emerge como espaço de maior liberdade, por desprovido dos olhares condenatórios presentes durante o dia, emergindo como um ponto de fuga, “a maneira de uma válvula de escape que liberasse os impulsos reprimidos pela moral social” (Perlongher, 1993PERLONGHER, Nestor. Territórios marginais. In: Antônio Lancetti (org.). Saúde loucura 4. Grupos e coletivos. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 49-69., p. 55).

Os trajetos percorridos por Micaela, também podem ser compreendidos enquanto expressão dessa territorialidade, sob o formato “itinerante” (Perlongher, 1993PERLONGHER, Nestor. Territórios marginais. In: Antônio Lancetti (org.). Saúde loucura 4. Grupos e coletivos. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 49-69.; Frúgoli Jr. e Spaggiari, 2010FRÚGOLI JR, Heitor; SPAGGIARI, Enrico. Da cracolândia aos nóias: percursos etnográficos no bairro da Luz. Ponto Urbe, n. 6, 2010 <10.4000/pontourbe.1870>.
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). Micaela perambulava pelas ruas, mas por uma determinada área, ligando pontos frequentados e habitados por ela na sua cotidianidade, os quais eram conhecidos não apenas por ela, mas também por todo um grupo que se conheceu, se reconheceu e se encontrou em cada ponto e nos trajetos. Tanto é que a eCR sabia qual era o próximo local pelo qual Micaela passaria, inclusive sem conhecer a menina.

Na próxima saída noturna com a eCR, ocorrida no dia 29 de maio, outros fatos nos permitiram ampliar a reflexão sobre as territorialidades marginais, a itinerância, as dinâmicas e condições de vida. Seguem algumas anotações realizadas daquele dia:

Passamos por um posto de gasolina. Durante o tempo de espera, o motorista mencionou que escutou pela rádio que durante o final de semana tinham matado uma menina de 13 anos em situação de rua. Ante a possibilidade dessa menina ser a Micaela, a coordenadora da equipe pesquisou, no próprio telefone, as matérias de jornais a esse respeito, mas não encontrou nada […]. Fomos para o Beco do Candeeiro. Após aproximadamente meia hora de permanência naquele lugar, respondendo a diferentes consultas, um carro da polícia irrompeu abruptamente, a poucos metros de nós. Um policial desceu do carro, sacou sua arma e apontou para frente. Logo após, enquanto o carro ingressou em alta velocidade pelo Beco, o policial começou a correr pela Av. Tenente Coronel Duarte, fazendo um movimento que parecia ter como objetivo evitar o retorno de alguma pessoa, encurralando-a. Rapidamente, a coordenadora da eCR sugeriu irmos embora […]. Fomos para a Praça Ipiranga na busca de Micaela, mas lá também não a encontramos (Diário de campo, 29 maio 2017).

Nem naquele dia e tampouco nos seguintes foi possível confirmar o rumor se a menina assassinada era efetivamente Micaela. Não a vimos mais, sendo que, provavelmente, o processo sobre ela caiu no olvido, como fica o destino dos “ninguéns” (Galeano, 2002GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.), ou, nas palavras de Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007., os destinos das “vidas nuas”. As condições de vida na rua e a possível morte de uma menina tão nova são, de fato, situações violentas, porém o que mais chama atenção é a naturalização de seu desaparecimento. A atribuição moral de determinadas trajetórias e a culpabilização de algumas pessoas parece promover a ideia de que existem vidas com menor valor, cuja morte é esperada. Trata-se de corpos “matáveis”, vidas que não são dignas de serem vividas (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007.).

Longe de se constituir exceções, as diferentes imagens retratadas (que correspondem a dois dias de trabalho de campo) são exemplos das violências que se materializam cotidianamente em diferentes cenas abertas de uso de crack e de outras drogas ilegalizadas. Essas situações fazem parte dos ditos “efeitos secundários das drogas” que, em termos de Baratta (1993)BARATTA, Alessandro. Introducción a la sociología de la droga. Problemas y contradicciones del control penal de las drogodependencias. Revista Jurídica, n. 7, p. 197-224, 1993., são “os custos sociais” produzidos pela criminalização de seu uso. Sob a nossa perspectiva, elas se inscrevem no que Foucault (1988a)FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a. chamou de “biopolítica”, ou seja, a “entrada dos fenômenos próprios à vida da espécie humana na ordem do saber e do poder – no campo das técnicas políticas” (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a., p. 134). É o momento em que o biológico se reflete no político, nas ações institucionalizadas pela polícia, sendo que o foco está na própria vida, no ser humano enquanto espécie.

Antigamente, o soberano exercia o direito absoluto sobre a vida e a morte dos seus súditos, e tinha o poder de fazer morrer ou deixar viver. Já na modernidade esse direito foi substituído pelo poder de fazer viver e deixar morrer. A partir de uma conjunção entre saber e poder, que permitiu o desenvolvimento das técnicas e dos conhecimentos relacionados com a vida em geral, foi possível regular e normalizar a vida coletiva para prolongá-la ao máximo, abrindo, assim, a possibilidade de ajustar “os fenômenos de população aos processos econômicos” (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a., p. 133).

O poder é exercido sobre a vida por meio de dois mecanismos: as disciplinas do corpo e a regulação das populações, ambos em função dos interesses da acumulação capitalista. Por um lado, a anátomo-política tem o poder de incrementar a produtividade e garantir a docilidade da população, por meio de micropoderes sobre o corpo, visando adestrá-lo. E, por outro lado, desenvolver políticas centradas no “corpo-espécie” e nos processos biológicos, “intervenções visam todo o corpo social ou grupos tomados globalmente” (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a., p. 138).

Ora, o poder que é exercido sobre a vida, também implica em poder de morte, quando se opta por uma separação entre as pessoas que devem viver e aquelas que podem/devem morrer. O poder de morte do estado consiste em fazer viver determinados conjuntos populacionais e, não necessariamente, de matar aquelas pessoas improdutivas ou excedentes no sistema econômico, mas, sim, deixá-las expostas à morte.

Para explicar o conceito de “vida nua”, Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007., p. 146) fala sobre a fixação “de um limiar além do qual a vida cessa de ter valor jurídico e pode, portanto, ser morta sem que se cometa homicídio”, e neste sentido, “toda sociedade fixa este limite, toda sociedade – mesmo a mais moderna – decide quais devem ser os seus ‘homens sacros’” (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007., p. 146).

Parece bastante claro que, no contexto das cidades modernas atuais, de países como o Brasil, a pessoa que habita cenas abertas de uso ocupa esse lugar, tornando-se “vida sem valor ou indigna de ser vivida” (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007.). Mas, o interessante é que as diferentes técnicas, normas e saberes que fazem parte da biopolítica moderna e que resultam na exposição daquelas pessoas à morte, se desenvolvam em nome da vida, apenas da vida das populações que são úteis para o sistema econômico. Os “desviantes”, ou seja, aquelas vidas não dignas de serem vividas são considerados um perigo para sua sobrevivência biológica na sociedade, e é em defesa dessas outras vidas que as “vidas nuas” (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007.) devem ser exterminadas. “São mortos legitimamente aqueles que constituem uma espécie de perigo biológico para os outros” (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a., p. 131). Sob esta perspectiva, as múltiplas violências descritas ganham sentido quando pensamos que fazem parte da sociedade normalizadora (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a.), e dos sistemas de controle social próprios da biopolítica moderna.

O território como campo de controle social e de violências

Sob o enfoque da criminologia crítica, Zaffaroni (1988)ZAFFARONI, Eugenio. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1988. e Baratta (2004)BARATTA, Alessandro. Criminología crítica y crítica del derecho penal: introducción a la sociología jurídica penal. Buenos Aires: Siglo XXI, 2004. consideram o proibicionismo e a “guerra às drogas” enquanto sistema de controle social, operando por meio de mecanismos diferenciados – formais e informais – que têm por objetivo controlar comportamentos. A população em situação de rua e que frequenta as cenas abertas de uso de crack e de outras drogas ilegalizadas é alvo privilegiado de ambos os tipos de mecanismos que fazem parte de um controle social global. Sob a perspectiva de Foucault (1988b)FOUCAULT, Michel. El sujeto y el poder. Revista Mexicana de Sociologia, v. 50, n. 3, p. 3-20, 1988b <10.2307/3540551>.
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, poderíamos dizer que são modos de exercitar o poder que, por meio da violência e/ou o consenso, acionam as ações dos outros, condicionando-as, estruturando e limitando o campo de possibilidade dos sujeitos. São modos de conduzir, ou melhor, de governar condutas.

Os mecanismos formais são aqueles institucionalizados e exercidos por meio de agências do estado. Entre eles, Zaffaroni, 1988ZAFFARONI, Eugenio. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1988.) identifica dois: aqueles que são “institucionalizados como punitivos” e aqueles que são “institucionalizados como não punitivos”. Os primeiros têm a ver com processos de criminalização institucionalizada, que se caracteriza pela “imposición de una cuota de dolor o privación legalmente previstos” e que conformam o sistema penal (Zaffaroni, 1988ZAFFARONI, Eugenio. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1988., p. 15).

No caso da nossa pesquisa, fazem parte desses mecanismos as situações de repressão policial, assim como as práticas de internação compulsória e as intervenções higienistas sobre o espaço público, legitimadas por meio de narrativas que procuram reafirmar a associação linear entre droga/toxicodependência/criminalidade/insegurança urbana (Fernandes e Pinto, 2004FERNANDES, José Luis; PINTO, Marta. El espacio urbano como dispositivo de control social: territorios psicotrópicos y políticas de la ciudad. Monografias Humanitas, n. 5, p. 147-62, 2004.), que resultam na repressão e remanejamento dos grupos rotulados como “perigosos”, com o objetivo de promover a valorização imobiliária de determinadas regiões. Nesse sentido, a remoção e a demolição da Ilha da Banana e a expulsão das pessoas que ali habitavam podem ser interpretadas com ações desse tipo. Mas, como veremos a seguir, ela também envolveu alguns mecanismos informais.

Em contrapartida, os mecanismos de controle social “institucionalizados como não punitivos” (Zaffaroni, 1988ZAFFARONI, Eugenio. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1988., p. 15). estão presentes nas funções administrativas, assistenciais, terapêuticas e tutelares do estado. Dentre elas, podemos mencionar aquelas ações do estado que procuram manter o status quo e conter possíveis demandas ou ações que pretendam subverter a ordem social. Por exemplo, o excesso de requisitos administrativos e burocráticos, assim como as atitudes culpabilizantes, que procuram disciplinar aos usuários dos serviços de saúde, fazem parte desses mecanismos. Os “mecanismos de controle social informais” são aqueles atos difusos e constantes que, por meio da propaganda e dos meios de comunicação em massa, têm como objetivo difundir e legitimar o processo de definição social de normas e a atribuição seletiva do rótulo de desviante a algumas pessoas, aquelas que quebraram tais normas (Becker, 2008BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.).

A naturalização da desaparição de Micaela e da chacina do Beco do Candeeiro, relatados anteriormente, emerge como expressão trágica da aplicação exitosa do rótulo de desviante na qualificação de determinadas pessoas, por parte de terceiros (Becker, 2008BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.). Porém, também fazem parte dele micropráticas mais sutis e dissimuladas, que Merhy (2012)MERHY, Emerson. Anormais do desejo: os novos não humanos? Os sinais que vêm da vida cotidiana e da rua. In: Grupo de trabalho de álcool e outras drogas (org.). Drogas e cidadania: em debate. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2012. p. 9-18. chama de “posturas minifascistas”, como podem ser os maus tratos ou a reprodução de narrativas que colocam os sujeitos numa condição de inumanidade ou simplesmente práticas que tendem a ignorá-los ou invisibilizá-los enquanto sujeitos de direitos.

Por exemplo, na época da demolição, as declarações feitas pelos vizinhos da Ilha da Banana em favor da expulsão ou em favor da internação compulsória das pessoas que habitavam o local eram levantadas e reproduzidas constantemente pela mídia:

A retirada dos imóveis do Largo do Rosário/Ilha da Banana tem a aprovação dos moradores do entorno da região e do comércio, devido à presença de muitos dependentes químicos e marginais no local. A moradora Vera Lúcia Daud Neiva, 61 anos, mora na região há 53 anos e recebe com alegria o início das demolições no local: Pra mim, essa ação é uma alegria porque vai retomar a paz, disse ela esperançosa. O morador Márcio Augusto também vive na região há mais de 40 anos e comentou: Minha casa já foi invadida sete vezes (Maranhão, 2017MARANHÃO, Ivana. Governo do estado inicia demolição de imóveis na Ilha da Banana. Portal da Secretaria de estado de cidades, 11 jun. 2017 <cidades.mt.gov.br/-/7647941-governo-do-estado-inicia-demolicao-de-imoveis-na-ilha-da-banana> (12 jun. 2017).
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).

Esse tipo de narrativa moralizante reproduz (e reforça) o estereótipo de que a pessoa que consume drogas é, necessariamente, criminosa, constituindo um perigo ou risco para a sociedade. Assim, intervenções higienistas do estado sobre o local não foram só legitimadas, mas consideradas uma imperiosa necessidade.

O território como campo de resistências

Além da violência e das práticas de controle social no campo, também encontramos pontos de resistência móveis e transitórios, que constituem a outra face das relações de poder e estão necessariamente presentes em toda a rede:

da mesma forma que a rede das relações de poder acaba formando um tecido espesso que atravessa os aparelhos e as instituições, sem localizar exatamente neles, também a pulverização dos pontos de resistência atravessa as estratificações sociais e as unidades individuais (Foucault, 1988aFOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988a., p. 89).

Sob essa perspectiva, no contexto das cenas abertas de uso, interpretamos como resistência aqueles sinais (por vezes gritantes) que põem em questão a associação droga/ toxicodependência/criminalidade/insegurança urbana e o estereótipo segundo o qual as pessoas que consomem crack ou similares são “zumbis, não humanos” (Merhy, 2012MERHY, Emerson. Anormais do desejo: os novos não humanos? Os sinais que vêm da vida cotidiana e da rua. In: Grupo de trabalho de álcool e outras drogas (org.). Drogas e cidadania: em debate. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2012. p. 9-18., p. 9), quase objetos inertes. As cenas abertas de uso não se caracterizam apenas como violência, uma vez que as pessoas sofrem, adoecem, morrem, mas também se emocionam, interagem, constroem vínculos, quebram vínculos e, (o que nos interessa especialmente) são capazes de cuidar de si e dos outros.

Para aprofundar a ideia da cena aberta de uso enquanto “lugar de vida”, na concepção de Nery Filho et al. (2011NERY FILHO, Antonio; VALÉRIO, Andréa; MONTEIRO, Luiz (orgs.). Guia do projeto consultório de rua. Brasília: Senad, 2011., p. 29), voltaremos ao conceito de “territórios marginais” (Perlongher, 1993PERLONGHER, Nestor. Territórios marginais. In: Antônio Lancetti (org.). Saúde loucura 4. Grupos e coletivos. São Paulo: Hucitec, 1993. p. 49-69.). Sob o enfoque deste autor, as cenas abertas de uso poderiam ser interpretadas não apenas enquanto espaços de devastação subjetiva e de morte, mas também como momentos produtivos, como espaço que reúne pessoas estigmatizadas e expulsas da sociedade normalizada, as quais se identificam, se relacionam, constroem códigos, normas e estratégias de sobrevivência à margem das normas sociais hegemônicas. Nas palavras de Medeiros et al. (2015)MEDEIROS, Regina; SILVA, Carlos; GONÇALVES, Luis. Sujos, itinerantes e drogados: etnografia sobre vida na rua e uso de drogas. In: Anais. 5ª Reunião Equatorial de Antropologia e 14ª Reunião de Antropólogos do Norte-Nordeste, Maceió, 2015., o espaço da rua é um espaço “moralmente permitido”, no qual esses grupos constroem laços e interações sociais que “potencializam a troca de saberes sobre as drogas, sobre a rua, prazeres, medos, direitos e pertença” (Medeiros et al., 2015MEDEIROS, Regina; SILVA, Carlos; GONÇALVES, Luis. Sujos, itinerantes e drogados: etnografia sobre vida na rua e uso de drogas. In: Anais. 5ª Reunião Equatorial de Antropologia e 14ª Reunião de Antropólogos do Norte-Nordeste, Maceió, 2015., p. 15) e permitem encontrar alternativas para o cuidado de si e do corpo.

Nesse sentido, o encontro com a senhora Ana Maria, uma pessoa idosa, que morava no Casarão da Ilha da Banana, identificada como a líder do local, pode trazer elementos para a discussão. Conhecemo-la semanas antes da demolição, no dia em que visitamos o Casarão pela primeira vez. Após esse evento, ela se instalou no morro da Luz. Um dia, após várias semanas, numa saída junto a eCR, a encontramos:

Ao chegar no local, a cumprimentamos e uma das profissionais lhe perguntou como estava. A senhora Ana Maria respondeu que tinha uma dor insuportável. A profissional a lembrou que no dia seguinte estariam prontos os resultados do último teste diagnóstico de tuberculose e falou para o jovem que se encontrava ao lado da cadeira de rodas da senhora Ana Maria: você pode vir com a gente lá embaixo e trazer o xarope para a sua mãe? A senhora Ana Maria perguntou para a profissional se, além do xarope, poderia entregar ao filho uma máscara descartável porque em verdade tinha muita tosse e não queria propagar a doença. A profissional acenou com a cabeça e entregou para a senhora uma caixa com preservativos. Despedimos-nos de Ana Maria e descemos. O seu filho veio conosco e entregamos para ele a máscara e o xarope. Após isso, fomos embora e minutos depois, a profissional explicou para mim que a enhora Ana Maria se ocupava de distribuir e disponibilizar os preservativos para todo o mundo, especialmente para as meninas que faziam programa (Diário de campo, 18 jul. 2018).

Nessa descrição podemos visualizar o processo de auto-organização, que envolve a definição de líderes e seus papéis, bem como de práticas concretas de atenção à saúde e autoatenção, como a distribuição de preservativos e o uso de máscara descartável para evitar a propagação de doenças.

Ante as violências e as políticas de extermínio que, por ação ou omissão, resultam no padecimento e na morte de grupos sociais, cujos membros são construídos como “corpos matáveis” (Agambem, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2007.), emergem atividades que estão orientadas a “asegurar la reproducción biosocial de los sujetos y grupos a nivel de los microgrupos” (Menéndez, 2015MENÉNDEZ, Eduardo. De sujetos, saberes y estructuras: introducción al enfoque relacional en el estudio de la salud colectiva. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2015., p. 53). Em outras palavras, perante a produção e reprodução de narrativas que desumanizam as pessoas que habitam as cenas abertas de uso, as práticas de auto-organização emergem como sinais gritantes de humanidade, enquanto ações sociais orientadas para o outro.

Nesse sentido, muitas relações amorosas, de amizades, de inimizades ou, inclusive, relações de parentesco por consanguinidade são construídas nesses territórios marginais, bem como relações de parentesco por afinidade ou “grupos fictícios de parentesco” (Wirth, 1987WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: Gilberto Velho (org.). O fenômeno urbano. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.). No interior dos grupos que habitam as cenas abertas de uso, existem pessoas que cumprem o papel de mãe, de pai, de filho, de irmão, de genro ou nora, e se reconhecem assim. Por exemplo, são vários os jovens que chamam a senhora Ana Maria de mãe.

Tomando a proposta de Lopes (2016)LOPES, Eliete. Comunidade da Ilha do Bananal: auto-organização da população em situação de rua na cidade de Cuiabá, MT. Albuquerque, v. 8, n. 16, p. 111-126, 2016., podemos pensar essas relações de fraternidade e reciprocidade construídas no território como modo de “(re) existir”, quer dizer, de existir e resistir. Por um lado, garantem a sobrevivência do grupo por meio da procura de meios que resolvam as necessidades materiais e simbólicas. E, por outro, expressam resistências do grupo ante a pluralidade de violências perpetradas no território. Em resumo, expressam a pulsão de vida das pessoas diante da hegemonia da violência e da morte.

Considerações finais

A chamada “guerra às drogas” e o proibicionismo têm sido identificados como sistema de controle social operado por meio de diversos mecanismos (formais e informais), que se expressam cotidianamente em uma pluralidade de violências materiais e simbólicas, quais sejam, a repressão, a criminalização, a discriminação e a estigmatização.

O território marginal, enquanto espaço moralmente permitido e que reúne sujeitos “desviantes”, mas também corpos dissidentes cujas práticas e desejos são estigmatizados e proscritos na sociedade normalizada – operando enquanto desafio à moralidade instituída. Perante tentativas permanentes de extermínio, os sujeitos que ali habitam desenvolvem estratégias que lhe garantam a vida, existindo e resistindo. A auto-organização em geral e cada prática de autoatenção em particular configuram pontos de resistências (ou existência) ante as diversas estratégias biopolíticas de controle que pretendem tornar seus corpos matáveis.

As violências, chacinas, mortes, doenças e o sofrimento perpassam o cotidiano das cenas abertas de uso. No entanto, existe uma dimensão produtiva do território, uma vez que ele se constitui enquanto base concreta de relações, de produção de identidades, de sociabilidades e de moralidades, que poderíamos chamar de dissidentes, e que parecem explicar o motivo de essas pessoas ali permanecerem.

A etnografia nos permitiu ver e experimentar essas violências diversas e sistemáticas, o sofrimento, a dor e a morte, como também nos possibilitou uma aproximação com relações, cuidados, sentimentos, movimentos e outras estratégias de sobrevivência nas cenas abertas de uso de crack e outras drogas ilegalizadas, no centro histórico da Cuiabá. Em outras palavras, esse estudo nos aproximou dos sinais gritantes de vida, de humanidade e de resistência, que permanentemente são ocultados pelos mecanismos de controle social instituídos em nossa sociedade.

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    Entre elas, no dia 20 de junho foi aprovado o projeto de lei Vida Nova. Após ter sido vetado pelo poder executivo, a Câmara Municipal de Cuiabá decidiu por maioria revogar o veto e aprovar uma lei que prevê a internação involuntária e compulsória para os “dependentes químicos” (Silva, 2017SILVA, Arthur Santos da. Lei autoriza internação compulsória de dependentes químicos após demolição da Ilha da Banana. Olhar Direto, 8 jul. 2017 <olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=436050&noticia=lei-autoriza-internacao-compulsoria-de-dependentes-quimicos-apos-demolicao-da-ilha-da-banana> (10 jul. 2017).
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    ), contradizendo, assim, a lei federal de saúde mental n. 10.216/2001 (Brasil, 2001BRASIL. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União. Seção 1, 9 abr. 2001.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2018
  • Aceito
    09 Dez 2018
  • Publicado
    01 Mar 2019
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