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Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade

Digital anthropology is not ethnography: cybernetic explanation and transdisciplinarity

Antropología digital no és etnografía: explicación cibernética y transdisciplinariedad

Resumo:

O artigo transpõe para a antropologia digital o argumento polêmico de Tim Ingold de que “antropologia não é etnografia”, reivindicando a vocação transdisciplinar da disciplina nos “quatro campos” a partir da perspectiva que Gregory Bateson chamou de explicação cibernética. Ilustra as possibilidades dessa abordagem explorando a produtividade de noções da teoria antropológica clássica para lançar luz sobre alguns dos efeitos antiestruturais – não pretendidos, porém sistêmicos – da plataformização.

Palavras-chave:
Antropologia; Cibernética; Mídias digitais; Liminaridade; Cismogênese

Abstract:

The article transposes to digital anthropology Tim Ingold's polemical argument that “anthropology is not ethnography,” reclaiming the discipline's transdisciplinary, four fields vocation from the perspective Gregory Bateson called cybernetic explanation. It illustrates the potential of this approach by exploring how notions from classical anthropological theory may shed productive light on some of the anti-structural – unintended yet systemic – effects of platformization.

Keywords:
Cybernetics; Anthropology; Digital media; Liminarity; Schismogenesis

Resumen:

El artículo traslada a la antropología digital el polémico argumento de Tim Ingold de que “antropología no es etnografía”, reivindicando la vocación transdisciplinar de la disciplina en los “cuatro campos” desde la perspectiva que Gregory Bateson denominó explicación cibernética. Ilustra las posibilidades de este enfoque explorando la productividad analítica de nociones de la teoría antropológica clásica para arrojar luz sobre los efectos anti-estruturales – involuntarios pero sistémicos – de la plataformización.

Palabras clave:
Cibernética; Antropología; Medios digitales; Liminaridad; Cismogénese

Introdução

Este artigo transpõe, para o campo da antropologia digital, a provocação de Ingold (2008Ingold, Tim. 2008. Anthropology is not ethnography. Proceedings of the British Academy 154: 69-92. https://doi.org/10.5871/bacad/9780197264355.003.0003.
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, 2017) de que “antropologia não é etnografia”. Com essa afirmação, o autor não nega que a etnografia seja o coração da disciplina, mas pondera que pode haver etnografia sem antropologia, e que essa última não deve ser reduzida à primeira. Como outros (Peirano 2014Peirano, Mariza. 2014. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos 20 (42): 377-391. https://doi.org/10.1590/s0104-71832014000200015.
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; Rifiotis 2016Rifiotis, Theophilos. 2016. Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (90): 85-98. https://doi.org/10.17666/319085-98/2016.
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), Ingold pretende problematizar a divisão radcliffe-browniana entre etnografia enquanto descrição ideográfica de casos particulares e antropologia enquanto generalização nomotética a partir desses casos. Antropologia, no seu entendimento, envolveria não (apenas) uma descrição do ponto de vista dos interlocutores, mas uma reflexão de caráter “especulativo” que é feita com eles, e que, portanto, difere da filosofia ao avançar seu processo reflexivo no mundo.

Ingold (2008)Ingold, Tim. 2008. Anthropology is not ethnography. Proceedings of the British Academy 154: 69-92. https://doi.org/10.5871/bacad/9780197264355.003.0003.
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ressalta que isso não significa convergência de visões ou valores com os interlocutores, mas um aprendizado por parte do antropólogo em resposta – mais precisamente, em “correspondência” – ao mundo etnografado. Desse aprendizado resultam formulações gerais sobre o processo social, entendido não nos limites microssociológicos da agência individual, mas abrangendo a “mente estendida” batesoniana. Peirano (2014Peirano, Mariza. 2014. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos 20 (42): 377-391. https://doi.org/10.1590/s0104-71832014000200015.
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, 386), que há décadas problematiza a ideia da etnografia apenas como método e descrição, acrescentou, ainda, que a boa etnografia, além de especificar contextos e transpor a experiência em texto, deve detectar “a eficácia social das ações de forma analítica”.

No caso da internet e das novas mídias, processo e eficácia social assumem um caráter explicitamente emergente, híbrido e performativo (Rifiotis 2016Rifiotis, Theophilos. 2016. Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (90): 85-98. https://doi.org/10.17666/319085-98/2016.
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). Com o avanço da plataformização, realidades digitalmente mediadas passam por uma arquitetura que, do seu próprio ponto de vista, toma os usuários individuais como ambiente (Luhmann 2016Luhmann, Niklas. 2016. Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Editora Vozes.) para um outro tipo de agência cibernética, a dos sistemas algorítmicos (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.). Essa agência não humana – hipercomplexa e, em última instância, opaca até mesmo para seus desenvolvedores – não é etnografável em um sentido estrito (Bratton 2015Bratton, Benjamin. 2015. The stack: on software and sovereignty. Cambridge: The MIT Press.; Seaver 2017Seaver, Nick. 2017. Algorithms as culture: some tactics for the ethnography of algorithmic systems. Big Data & Society 4 (2): 1-12. https://doi.org/10.1177%2F2053951717738104.
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). Mas sabemos que sua concepção e design se ancoram em um modelo de negócios baseado na atenção e na influência, e em uma visão “neocortical” do humano enquanto sistema cibernético alinhável até certo ponto com a agência maquínica (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.; Nadler e McGuigan 2017Nadler, Anthrony e Lee McGuigan. 2017. An impulse to exploit: the behavioral turn in data-driven marketing. Critical Studies in Media Communication 35 (2): 151-165. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1387279.
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; Marres 2018Marres, Nootje. 2018. Why we can't have our facts back. Engaging Science Technology and Society 4: 423-443. https://doi.org/10.17351/ests2018.188.
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; Hui 2020Hui, Yuk. 2020. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora.).

É importante ressaltar, desde o início, que os efeitos da agência algorítmica no mundo offline não seguem, e nem podem seguir, um caminho linear de comando e controle sobre os indivíduos – esses últimos, afinal, também são sistemas cibernéticos complexos (Luhmann 2016Luhmann, Niklas. 2016. Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Editora Vozes.).2 2 Connolly, William. 2021. A máquina de ressonância evangélica-capitalista. Blog do Labemus, 5 abr. 2021. Acessado 5 abr. 2021. https://blogdolabemus.com/2021/04/05/a-maquina-de-ressonancia-evangelica-capitalista-por-william-e-connolly. O que o novo ambiente cibernético faz não é e nem pode ser controlar diretamente os usuários, mas eles alteram profundamente, e de formas imprevisíveis, as mediações sociotécnicas por meio das quais as próprias pessoas e sociedades se fazem, propiciando novas “ressonâncias”2 2 Connolly, William. 2021. A máquina de ressonância evangélica-capitalista. Blog do Labemus, 5 abr. 2021. Acessado 5 abr. 2021. https://blogdolabemus.com/2021/04/05/a-maquina-de-ressonancia-evangelica-capitalista-por-william-e-connolly. entre forças sociais, políticas e epistêmicas. Neste sentido, acusações de reducionismo ou conspiracionismo lançadas contra argumentos sobre capitalismo de vigilância ou operações psicológicas de influência em certa medida erram o alvo, pois entre intenção e efeito há toda uma neuropolítica (Connolly 2002Connolly, William. 2002. Neuropolitics: thinking, culture, speed. Minneapolis: University of Minnesota Press.; Lakoff 2009Lakoff, George. 2009. The political mind: a cognitive scientist's guide to your brain and its politics. Nova Iorque: Penguin Books.) sobre a qual a antropologia tem tido pouco a dizer (Laterza 2021Laterza, Vito. 2021. Could Cambridge Analytica have delivered Donald Trump's 2016 presidential victory? An anthropologist's look at Big data and political campaigning. Public Anthropologist 3 (1): 119-47. https://doi.org/10.1163/25891715-03010007.
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).

A plataformização complica, notadamente, pressupostos correntes sobre agência e ambiente, indivíduo e sistema, ameaçando desestabilizar ou mesmo inverter os polos da dialética particularismo-universalismo, invenção-convenção que sempre caracterizou essa que é a um tempo a mais geral e a mais particular das ciências sociais (Wagner 2017Wagner, Roy. 2017. A invenção da cultura. São Paulo: Ubu Editora.). Em boa parte da história da antropologia, essa tensão constitutiva se resolveu em uma separação onde a etnografia se dedicava ao polo particularista ou conjuntural, e as elaborações teóricas, ao polo universalista e sistêmico – justamente, a divisão do trabalho que Ingold e Peirano querem problematizar.

Sugiro aqui que, no contexto atual, essa instabilidade dialética inerente à disciplina pode se mostrar uma vantagem, devendo ser antes abraçada em sua produtividade do que “resolvida” em novas dicotomias onde um polo excluiria o outro. Isso envolve uma nova reintegração dos “quatro campos” da disciplina que foram se separando ao longo do século 20, e resultou, no caso brasileiro, na purificação da antropologia enquanto uma ciência social preocupada com o que Bateson (1972)Bateson, Gregory. 1972. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press. chamou de “explicação positiva” (Velho 2001Velho, Otávio. 2001. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7 (2): 133-40. https://doi.org/10.1590/S0104-93132001000200005.
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). Repovoar a antropologia do digital com agentes não humanos é levar a sério a sua agência e a sua relação com o humano “para além da simples justaposição” (Rifiotis 2016Rifiotis, Theophilos. 2016. Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (90): 85-98. https://doi.org/10.17666/319085-98/2016.
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, 85). O fato de, hoje, o alinhamento entre cognição humana e maquínica ser não uma consequência colateral, mas um objetivo explícito por parte das plataformas e de seus novos experts (Nadler e McGuigan 2017Nadler, Anthrony e Lee McGuigan. 2017. An impulse to exploit: the behavioral turn in data-driven marketing. Critical Studies in Media Communication 35 (2): 151-165. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1387279.
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; Marres 2018Marres, Nootje. 2018. Why we can't have our facts back. Engaging Science Technology and Society 4: 423-443. https://doi.org/10.17351/ests2018.188.
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) sugere a importância renovada do que Bateson chamou de “explicação negativa” ou “cibernética”, que exploraremos a seguir.

Há, portanto, bastante espaço para que a antropologia venha a exercer um papel maior nos debates interdisciplinares e públicos sobre novas mídias que não se limite a reequilibrar os polos da dialética particularismo-universalismo, usuário-plataforma em favor dos primeiros, e a oferecer corretivos etnográficos a formulações gerais avançadas por outras disciplinas. Diversas vias têm sido avançadas para incorporar técnica, linguagem e corporalidade no estudo antropológico da internet e das novas mídias (Horst e Miller 2012Horst, Heather e Daniel Miller, orgs. 2012. Digital anthropology. Londres: Berg.; Hine 2015Hine, Christine. 2015. Ethnography for the Internet: embedded, embodied and everyday. Nova Iorque: Routledge.; Rifiotis 2016Rifiotis, Theophilos. 2016. Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (90): 85-98. https://doi.org/10.17666/319085-98/2016.
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; Warfield, Abidin e Cambre 2020Warfield, Katie, Crystal Abidin e Carolina Cambre, orgs. 2020. Mediated interfaces: the body on social media. Nova Iorque: Bloomsbury Academic.). Aqui, explorarei uma delas, que reivindica o “pedigree” antropológico da cibernética pela via da linhagem batesoniana. Após desenvolver o argumento ingoldiano no campo da antropologia digital, apresento a perspectiva cibernética e a ilustro brevemente mobilizando conceitos antropológicos clássicos, como liminaridade e cismogênese, para pensar efeitos antiestruturais – não pretendidos, porém sistêmicos – da plataformização. Concluo com apontamentos sobre a importância dessas renovações para a antropologia, entendida enquanto processo educacional (Ingold 2017Ingold, Tim. 2017. Antropologia versus etnografia. Cadernos de Campo 26 (1): 222–28.).

Antropologia digital não é etnografia

O campo de estudos da internet e das novas mídias tem mudado muito, pari passu com seu objeto de estudo (Hine 2015Hine, Christine. 2015. Ethnography for the Internet: embedded, embodied and everyday. Nova Iorque: Routledge.; Rifiotis 2016Rifiotis, Theophilos. 2016. Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais 31 (90): 85-98. https://doi.org/10.17666/319085-98/2016.
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). Na Web 1.0, se podia falar do ciberespaço como camada demarcada do quotidiano, de onde “internautas” entravam e saíam por meio de computadores desktop e cybercafés (Escobar 2016Escobar, Arturo. 2016. Bem-vindos à cyberia: notas para uma antropologia da cibercultura. In Políticas etnográficas no campo da cibercultura, organizado por Jean Segata e Theophilos Rifiotis, 21-66. Brasília: ABA Publicações.; Miller e Slater 2004Miller, Daniel e Don Slater. 2004. Etnografia on e off-line: cibercafés em Trinidad. Horizontes Antropológicos 10 (21): 41-65. https://doi.org/10.1590/S0104-71832004000100003.
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). Hoje, a capilaridade crescente da web plataformizada dificulta, inclusive, delimitar esse como um subcampo dentro das ciências sociais (Horst e Miller 2012Horst, Heather e Daniel Miller, orgs. 2012. Digital anthropology. Londres: Berg.), refletindo o caráter transversal e hipercomplexo desse objeto de estudos (Bratton 2015Bratton, Benjamin. 2015. The stack: on software and sovereignty. Cambridge: The MIT Press.). Internacionalmente, o tema é hoje compartilhado por inúmeras disciplinas dentro e fora das ciências humanas, bem como por campos interdisciplinares já consolidados, como Science and Technology Studies, e emergentes, como New Media ou Platform Studies (Miller et al. 2019Miller, Daniel, Elisabetta Costa, Nell Haynes et al. 2019. Como o mundo mudou as mídias sociais. Londres: UCL Press.).

A principal contribuição distintiva e original da antropologia a esses debates tem sido, como é de costume, a etnografia. O projeto comparativo Why We Post, coordenado por Daniel Miller, por exemplo, buscou olhar para as mídias sociais “a partir da perspectiva dos usuários” (Miller et al. 2019Miller, Daniel, Elisabetta Costa, Nell Haynes et al. 2019. Como o mundo mudou as mídias sociais. Londres: UCL Press., xi), não enquanto “plataformas em que as pessoas postam, mas em termos dos conteúdos que as pessoas postam” (Miller et al. 2019Miller, Daniel, Elisabetta Costa, Nell Haynes et al. 2019. Como o mundo mudou as mídias sociais. Londres: UCL Press., x). A autodescrição do projeto vende a imersão etnográfica na vida offline dos usuários como “única forma de apreciar e compreender algo tão íntimo e ubíquo quanto as mídias sociais”.3 3 University College London Press. 2016. How the World Changed Social Media, 2016. Acessado 13 ago. 2020. https://www.uclpress.co.uk/collections/series-why-we-post/products/106697. Esse e outros esforços etnográficos sem dúvida complexificaram e refinaram o conhecimento empírico sobre a diversidade das interações dos usuários com as plataformas em muitas partes do mundo. Contribuiu para corrigir o peso excessivo concedido à agência maquínica e outros vieses empíricos e teóricos inadequados na literatura interdisciplinar sobre plataformização e seus efeitos sociais (Miller et al. 2019Miller, Daniel, Elisabetta Costa, Nell Haynes et al. 2019. Como o mundo mudou as mídias sociais. Londres: UCL Press.; Costa 2018Costa, Elisabetta. 2018. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context colapse. New Media & Society 20 (10): 3641-56. https://doi.org/10.1177/1461444818756290.
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). Mas em que medida uma abordagem que privilegia o conteúdo, o usuário e o particular em detrimento da mecânica, da plataforma e do sistema contribui para limitar a antropologia à etnografia, no sentido problematizado por Ingold?

O argumento recente de uma das participantes do projeto Why We Post sobre “affordances na prática” (Costa 2018Costa, Elisabetta. 2018. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context colapse. New Media & Society 20 (10): 3641-56. https://doi.org/10.1177/1461444818756290.
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) me parece ilustrativo dessas limitações. Com base em etnografia entre usuários da internet na Turquia, ela problematizou um conceito corrente no campo de estudos de novas mídias, o de “colapso de contexto” (context collapse). Boyd (2011)Boyd, Danah. 2011. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In A networked self: identity, community, and culture on social network sites, organizado por Zizi Papacharissi, 39-58. Nova Iorque: Routledge. havia cunhado o termo para iluminar o modo como a arquitetura das mídias sociais faz colapsar a diferença entre contextos que eram mais facilmente mantidos separados no mundo offline, notadamente entre público e privado. Costa afirmou, por outro lado, não existir colapso de contexto na Turquia, pois seus interlocutores manipulavam as affordances das plataformas segundo particularidades culturais que não operavam com o pressuposto individualista embutido no design original. Ao invés de utilizar o Facebook como “deveriam” – 1 indivíduo = 1 perfil – eles criavam, por exemplo, perfis para uso coletivo, ou o mesmo indivíduo podia ter vários perfis, um para cada contexto.

Embora pretenda oferecer uma descrição empírica transparente, o argumento de Costa não escapa do “cobertor curto” de qualquer representação etnográfica (Strathern 2018Strathern, Marilyn. 2018. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Ubu Editora.). Ao enfatizar a lacuna unilateral entre design e uso, ele obscurece uma série de outras implicações potencialmente relevantes. Os usuários podem, do seu ponto de vista, de fato atualizar diferencialmente as affordances daquela parte do sistema que lhe diz respeito – mas a que custo? Um dos exemplos trazidos para refutar o argumento de Boyd (2011)Boyd, Danah. 2011. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In A networked self: identity, community, and culture on social network sites, organizado por Zizi Papacharissi, 39-58. Nova Iorque: Routledge. é de um interlocutor de campo que possuía 12 perfis no Facebook. Em que medida uma mesma pessoa gerenciar 12 perfis diferentes de uma mesma rede social é sinal de agência e autonomia diante da plataforma? O mesmo exemplo poderia nos levar a supor que a agência sistêmica continua atuando via colapso de contexto, porém, neste caso, enquanto um viés contra a qual o usuário deve “lutar” para fazer valer a sua idiossincrasia cultural. Outra questão obviada pelo ponto de partida inicial da autora diz respeito à reciprocidade das agências: em que medida as ações dos seus interlocutores de campo em uma cidade na Turquia conseguem influenciar o design da arquitetura no Vale do Silício?

Finalmente, a insistência na excepcionalidade etnográfica pode levar à redundância teórica travestida de inovação conceitual. Costa (2018)Costa, Elisabetta. 2018. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context colapse. New Media & Society 20 (10): 3641-56. https://doi.org/10.1177/1461444818756290.
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pretende avançar um conceito novo contra o uso reducionista que é feito da affordance pelos estudos de novas mídias, onde ele é utilizado inclusive de forma aplicada no design de arquiteturas de rede (Boyd 2011Boyd, Danah. 2011. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In A networked self: identity, community, and culture on social network sites, organizado por Zizi Papacharissi, 39-58. Nova Iorque: Routledge.). Mas embora a autora pretenda uma inovação conceitual de base etnográfica, ela não faz mais que reiterar o conceito original: afinal, não existe affordance que não seja “na prática”. A transposição da teoria de Gibson (1979)Gibson, James. 1979. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin. do campo da psicologia ecológica para o da tecnologia (Hutchby 2001Hutchby, Ian. 2001. Technologies, texts and affordances. Sociology 35 (2): 441-56. https://doi.org/10.1177/S0038038501000219.
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) já havia mostrado como um objeto técnico é inerentemente incompleto, sendo concretizado apenas na prática, e quase sempre de formas que excedem a intenção original dos seus designers. Affordance sempre disse respeito à coemergência de ambos: usuário e objeto técnico.

Assim, no artigo de Costa (2018)Costa, Elisabetta. 2018. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context colapse. New Media & Society 20 (10): 3641-56. https://doi.org/10.1177/1461444818756290.
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a etnografia aparece realizando correções em inconsistências de formulações conceituais avançadas por outros, mais do que contribuindo com suas próprias formulações. Uma outra via – mais “antropológica”, no sentido de Ingold – teria evitado restringir o domínio da prática apenas à agência do usuário, afinal, os algoritmos e sua agência sistêmica também são parte da prática. Mais que isso: no sentido cibernético da comunicação humano-máquina, ambas as agências são transversais ao divisor entre discurso e prática. Nesse sentido, teria sido interessante explorar essa transversalidade no caso da interação plataforma-usuário, e não apenas do “significado” atribuído pelo último à primeira. Isso permitiria dizer algo, por exemplo, sobre como se dá o espelhamento entre a incompletude do objeto técnico (Hutchby 2001Hutchby, Ian. 2001. Technologies, texts and affordances. Sociology 35 (2): 441-56. https://doi.org/10.1177/S0038038501000219.
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) e da linguagem humana (Laclau 2013Laclau, Ernesto. 2013. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas.) no contexto de interação humano-máquina.

Uma das dificuldades aqui está, é claro, em acessar etnograficamente o universo “interno” das plataformas (mas quando a etnografia nos deu acesso ao universo “interno” dos interlocutores humanos?). Não obstante, alguns antropólogos têm mostrado que é possível derivar da etnografia formas criativas e indiretas de pensar a agência maquínica (Seaver 2017Seaver, Nick. 2017. Algorithms as culture: some tactics for the ethnography of algorithmic systems. Big Data & Society 4 (2): 1-12. https://doi.org/10.1177%2F2053951717738104.
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, 2019; Laterza 2021Laterza, Vito. 2021. Could Cambridge Analytica have delivered Donald Trump's 2016 presidential victory? An anthropologist's look at Big data and political campaigning. Public Anthropologist 3 (1): 119-47. https://doi.org/10.1163/25891715-03010007.
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). Crystal Abidin (2021)Abidin, Crystal. 2021. From ‘networked publics’ to ‘refracted publics’: a companion framework for researching ‘below the radar’ studies. Social Media + Society 7 (1): 1-13. https://doi.org/10.1177/2056305120984458.
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, por exemplo, propôs, recentemente, a noção de “públicos refratados” (refracted publics) com base no conceito fundacional de “públicos-em-rede” (networked publics), também de Danah Boyd (2011)Boyd, Danah. 2011. Social network sites as networked publics: affordances, dynamics, and implications. In A networked self: identity, community, and culture on social network sites, organizado por Zizi Papacharissi, 39-58. Nova Iorque: Routledge.. Diferente de Costa (2018)Costa, Elisabetta. 2018. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context colapse. New Media & Society 20 (10): 3641-56. https://doi.org/10.1177/1461444818756290.
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, ela não pretende que seu conceito refute ou substitua outros no campo de estudos de novas mídias, mas que estenda e atualize essas discussões transdisciplinares. Ela não descarta o peso do viés arquitetônico das plataformas, mas mapeia etnograficamente efeitos que emergem a partir das suas interações reflexivas com usuários (no caso, influenciadores em Cingapura). Como outros também vêm notando (Gray, Bounegru e Venturini 2020Gray, Jonathan, Liliana Bounegru e Tommaso Venturini. 2020. “Fake news” as infrastructural uncanny. New Media & Society 22 (2): 317-41. https://doi.org/10.1177/1461444819856912.
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), esses efeitos, embora não pretendidos no design original das plataformas, assumem a partir delas um caráter sistêmico, e não um caráter particular de exceção etnográfica.

Bateson e a explicação cibernética

A antropologia é a única ciência social com uma linhagem genealógica diretamente ligada ao movimento original da cibernética, do qual participou Gregory Bateson e sua então esposa, Margaret Mead. Mead eventualmente se afastou desse campo para se tornar a principal antropóloga pública de seu tempo, enquanto Bateson prosseguiu para desenvolver uma das principais linhas de pensamento sobre a cibernética da vida (Bateson 1972Bateson, Gregory. 1972. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press.). Bateson sempre foi um desviante no campo da antropologia, não se encaixando nem no empirismo funcionalista dos britânicos da sua época, nem no culturalismo ascendente da primeira geração de discípulos de Boas. Naven (Bateson 2008Bateson, Gregory. 2008. Naven: um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné, desenhado a partir de três perspectivas. São Paulo: Edusp.) parece dizer mais sobre epistemologia do que sobre etnologia, e com efeito, seu reconhecimento no campo da antropologia foi relativamente tardio (Velho 2001Velho, Otávio. 2001. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7 (2): 133-40. https://doi.org/10.1590/S0104-93132001000200005.
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). Por outro lado, ele nunca precisou ou buscou esse reconhecimento – seu diálogo ao longo das décadas se deu não apenas fora da antropologia, mas também das ciências humanas, com contribuições no campo da psicologia, da etologia e da ecologia e, também, fora da academia, como na problemática da adicção (Bateson 2019Bateson, Gregory. 2019. A cibernética do “self”: uma teoria do alcoolismo. Ilha – Revista de Antropologia 21 (1): 258-90. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2019v21n1p258.
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). Em um momento em que a digitalização da vida tem acirrado o colapso de contexto entre disciplinas e levado à emergência de campos híbridos como humanidades digitais ou estudos de plataforma, a ecologia da mente batesoniana tem seu potencial renovado.

O que Bateson (1972)Bateson, Gregory. 1972. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press. chamou da “explicação cibernética” não é uma teoria no sentido usual do termo, mas um tipo de sensibilidade, de atenção ao mundo enquanto uma composição de sistemas não lineares coemergentes, que é gradualmente cultivada e encorporada (embodied) (Velho 2001Velho, Otávio. 2001. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7 (2): 133-40. https://doi.org/10.1590/S0104-93132001000200005.
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) por meio da imersão nessa prática de conhecimento. Passar da explicação causal-conjuntural à sistêmica ou cibernética envolve mudar não o recorte empírico, mas a Gestalt (Kuhn 2006Kuhn, Thomas. 2006. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.): ou seja, olhar para o mesmo objeto, mas ver primeiro o sistema, as relações a partir das quais ele emerge. Embora explicações neste plano sejam menos usuais nas ciências sociais, a tradição antropológica, em muitas de suas linhas, já opera com essa sensibilidade (Velho 2001Velho, Otávio. 2001. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7 (2): 133-40. https://doi.org/10.1590/S0104-93132001000200005.
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), seja no diálogo direto com a cibernética (como no estruturalismo lévi-straussiano), seja porque esforços comparativos de compreensão de sociedades não modernas levam à problematização dos “grandes divisores” que organizam a visão de mundo ocidental (Latour 1994Latour, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34.). É possível identificar explicações do tipo cibernética em clássicos como Mary Douglas (2010)Douglas, Mary. 2010. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva., Evans-Pritchard (2004Evans-Pritchard, E. E. 2004. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar., 2011) ou Victor Turner (2013)Turner, Victor. 2013. Processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes., e em desdobramentos pós-estruturalistas como Marilyn Strathern (2018)Strathern, Marilyn. 2018. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Ubu Editora. ou Roy Wagner (2011Wagner, Roy. 2011. A pessoa fractal. Ponto Urbe 8: 1-14. https://doi.org/10.4000/pontourbe.173.
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, 2017).

Uma tentativa de metadefinição dessa perspectiva foi realizada por Bateson (1972)Bateson, Gregory. 1972. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press. ao diferenciá-la da “explicação positiva” prevalente no senso comum, principalmente em termos de como conceber causalidade e agência. Enquanto a explicação positiva busca identificar relações entre agentes preexistentes e foca em conteúdos particulares, a perspectiva cibernética atenta para a coemergência de agências em um mesmo campo multiescalar (fractal) de complexidades dinâmicas, e busca padrões formais. Uma trabalha com causalidades lineares, e a outra, com causalidades recíprocas e recursivas afins ao que Hacking (1995)Hacking, Ian. 1995. The looping effects of human kinds. In Causal cognition: a multidisciplinary debate, organizado por Dan Sperber, David Premack e Ann Premack, 351-94. New York: Clarendon Press. chamou de looping effects. Esses padrões são transversais a domínios tratados de forma separada na modernidade, como natural e social, indivíduo e coletivo, mente e ambiente, liberdade e controle, micro e macro, assim como entre esferas sociais.4 4 Connolly, William. 2021. A máquina de ressonância evangélica-capitalista. Blog do Labemus, 05 abr. 2021. Acessado 05 abr. 2021. https://blogdolabemus.com/2021/04/05/a-maquina-de-ressonancia-evangelica-capitalista-por-william-e-connolly/.

A explicação negativa está inscrita na genealogia da cibernética enquanto tentativa de construir uma metaciência que perpassasse os processos de “comunicação e controle no animal e na máquina” (Wiener 2017Wiener, Norbert. 2017. Cibernética ou controle e comunicação no animal e na máquina. São Paulo: Perspectiva.). O objetivo era buscar “os elementos comuns no funcionamento de máquinas automáticas e no sistema nervoso humano, e desenvolver uma teoria que cubra todo o campo da comunicação e controle em máquinas e organismos vivos” (Wiener 1948Wiener, Norbert. 1948. Cybernetics. Scientific American 179 (5): 14-19. https://doi.org/10.1038/scientificamerican1148-14.
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, 14). Sua antropologia ia, portanto, menos no sentido humanista do Iluminismo, focada na autonomia do sujeito humano, do que no sentido daquilo que a cognição humana teria em comum com a de outros animais e máquinas. Estabelecido sob a liderança de Wiener, a partir da primeira Conferência Macy, em 1941, o ousado experimento transdisciplinar não durou muito em sua forma original, tendo eventualmente se fragmentado em linhas distintas nos anos que se seguiram.

Uma cisão importante se deu em torno da ênfase em máquinas, por um lado, e em organismos, por outro. Muitos, inclusive Wiener, enveredaram para a pesquisa tecnológica, apoiada na época por volumoso financiamento governamental e industrial durante o esforço de guerra e, depois, a Guerra Fria. Essa via, mais ligada à teoria da informação, matemática e engenharias, eventualmente chegou ao computador analógico e, mais recentemente, às tecnologias digitais, influenciando, inclusive, o deslocamento da teoria econômica para a direção neoliberal que hoje se tornou hegemônica (Mirowski 2006Mirowski, Philip. 2006. Machine dreams: economics becomes a cyborg science. Cambridge: Cambridge University Press.). A outra linha seguiu com o interesse no que Darwin chamou de “teia da vida”, ou no “padrão que conecta” (Bateson 1972Bateson, Gregory. 1972. Steps to an ecology of mind. Chicago: University of Chicago Press.) todas as formas de vida. Foi aos poucos convergindo com universos mais familiares à antropologia, como a autopoiese de Maturana e Varela, ou a teoria de Gaia de Lovelock e Margoulis (Thompson 1990Thompson, William, org. 1990. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia.). Enquanto a primeira linha se ligou à big science e à indústria tech, a segunda se aproximou de epistemologias não científicas e não ocidentais, como o movimento contracultural dos anos 1960 e a metafísica budista (Macy 1991Macy, Joanna. 1991. Mutual causality in buddhism and general systems theory: the dharma of natural systems. Albany: State University of New York Press.).

Hoje, as duas vertentes se reaproximam (Hui 2020Hui, Yuk. 2020. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora.), porém em um contexto distinto daquele que marcou a sua origem comum. Essa reaproximação se dá não em um plano teórico-abstrato, mas prático, com o avanço da plataformização e da coprodução cada vez mais capilar entre agentes humanos e maquínicos no quotidiano das sociedades estudadas por antropólogos em toda parte (Hine 2015Hine, Christine. 2015. Ethnography for the Internet: embedded, embodied and everyday. Nova Iorque: Routledge.; Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.). Embora Ingold (2008)Ingold, Tim. 2008. Anthropology is not ethnography. Proceedings of the British Academy 154: 69-92. https://doi.org/10.5871/bacad/9780197264355.003.0003.
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esteja certo ao apontar que sistemas cibernéticos orgânicos e maquínicos não são e nem podem ser ontologicamente equivalentes – os primeiros são autopoiéticos e os segundos, não (Luhmann, 2016Luhmann, Niklas. 2016. Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Editora Vozes.) –a dimensão técnica de sua interação tem se sobressaído em muitos processos sociais característicos do nosso tempo (Hui 2020Hui, Yuk. 2020. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora.). É possível à antropologia aprofundar sua contribuição para esse campo de estudos transdisciplinar de duas formas que não se limitam à etnografia.

Primeiro, pelo seu potencial de síntese integrativa entre os “quatro campos” da cultura, linguagem, técnica e biologia. Isso está implicado no próprio sentido do digital (Boellstroff 2012Boellstroff, Thomas. 2012. Rethinking digital anthropology. In Digital anthropology, organizado por Heather Horst e Daniel Miller, 39-60. Londres: Berg.): a etimologia do termo se refere não ao binarismo estático pelo qual o senso comum pensa a linguagem dos computadores (zero e um), mas ao processo dinâmico de desenvolvimento orgânico dos dedos por bifurcações que emergem a partir de estados anteriores do sistema (Luhmann, 2016Luhmann, Niklas. 2016. Sistemas sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Editora Vozes.). O sentido dialético que Horst e Miller (2012Horst, Heather e Daniel Miller, orgs. 2012. Digital anthropology. Londres: Berg.) associam ao digital aproxima sua antropologia da perspectiva cibernética e, também, de outros campos, como as teorias de sistemas, psicanálise, (pós)estruturalismos, estudos da técnica e da cognição encorporada (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.; Hui 2020Hui, Yuk. 2020. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora.). A fertilidade da perspectiva cibernética para compreender efeitos transversais da internet contemporânea ancora-se nessa camada compartilhada de articulação cognitiva entre humanos e máquinas – mais especificamente neste caso, mídias (Connolly 2002Connolly, William. 2002. Neuropolitics: thinking, culture, speed. Minneapolis: University of Minnesota Press.).

Em segundo lugar, a transversalidade entre humano, animal e máquina prevista na formulação original da cibernética se estende, por implicação, ao conjunto das culturas humanas. Eis outra contribuição potencial da antropologia que não seja apenas etnográfica: a renovação de temas e de conceitos da teoria antropológica, clássica e contemporânea, objetivados a partir da etnografia entre povos não modernos (Wagner 2017Wagner, Roy. 2017. A invenção da cultura. São Paulo: Ubu Editora.). Em contextos de crise e/ou mudança sociotécnica rápida como o que vivemos, essas abordagens podem iluminar formações emergentes que a explicação positiva pode não estar capturando bem por trabalhar com categorias historicamente sedimentadas que, justamente, vêm se desestabilizando (Kuhn 2006Kuhn, Thomas. 2006. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.). Não se trata de rejeitar ou diminuir a importância da etnografia – pelo contrário, trata-se de valorizá-la em debates transdisciplinares sobre novas mídias e seus efeitos cujo protagonismo teórico e público têm, até o momento, recaído em outras disciplinas. No que segue, buscarei ilustrar brevemente essas possibilidades a partir de conceitos antropológicos clássicos da linha estrutural-funcionalista.

Sistema e antiestrutura

A investigação sobre o enorme espectro das formas de vida humana possíveis levou antropólogos de várias épocas a objetivarem conhecimento sobre essas sociedades e destilarem inovações conceituais através da diferença reflexiva com relação à sua própria sociedade (Ingold 2008Ingold, Tim. 2008. Anthropology is not ethnography. Proceedings of the British Academy 154: 69-92. https://doi.org/10.5871/bacad/9780197264355.003.0003.
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; Wagner 2017Wagner, Roy. 2017. A invenção da cultura. São Paulo: Ubu Editora.). Muitos desses conceitos, que operam em um pano sistêmico, podem lançar uma luz diferente sobre fenômenos que proliferam globalmente com a digitalização, como a desinformação, a política populista, e os conspiracionismos (Luhrmann 2016;5 5 Luhrmann, Tanya. The Paradox of Donald Trump's Appeal. Sapiens, 29 de jul. 2016, acessado em 13 abr. 2020, https://www.sapiens.org/culture/mary-douglas-donald-trump. Procházka e Blommaert 2019Blommaert, Jan. 2019. Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump's viral errors. Tilburg Papers in Culture Studies, 234, Universidade de Tilburg, Holanda.; Varis 2020Varis, Piia. 2020. Trump tweets the truth: metric populism and media conspiracy. Trabalhos em Linguística Aplicada 59 (1): 428-43. https://doi.org/10.1590/01031813683411620200406.
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). Eles ajudam a lançar olhares menos ortodoxos a padrões de discurso e socialidade que escapam à normatividade da democracia representativa, da esfera pública liberal, da ciência moderna e outras encasteladas na “Constituição Moderna” (Latour 1994Latour, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34.).

As formulações de Evans-Pritchard (2004)Evans-Pritchard, E. E. 2004. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar. sobre bruxaria azande, por exemplo, lançam luz sobre a eficácia de sistemas epistêmicos que prescindem do tipo de validação evidencial característico da ciência moderna, como é o caso de muitos fenômenos remetidos ao termo pós-verdade como os conspiracionismos (Cesarino 2021Cesarino, Letícia. 2021. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha – Revista de Antropologia 23 (1): 73-96. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2021.e75630.
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). Anos depois, o mesmo autor descreveu, entre os Nuer do Sudão meridional, a possibilidade de laços sociopolíticos eficazes, porém de caráter relativo, contextual e emergente (Evans-Pritchard 2011Evans-Pritchard, E. E. 2011. Os nuer. São Paulo: Perspectiva.). Seu conceito de segmentaridade denota uma estrutura identitária virtual e fractal (Wagner 2011Wagner, Roy. 2011. A pessoa fractal. Ponto Urbe 8: 1-14. https://doi.org/10.4000/pontourbe.173.
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) análoga à observada na mobilização do tipo populista por vias digitais, como no “corpo digital do rei” bolsonarista (Cesarino 2019Cesarino, Letícia. 2019. Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista de Antropologia 62 (3): 530-57. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165232.
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) ou na estratificação de públicos trumpistas (Blommaert 2019Blommaert, Jan. 2019. Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump's viral errors. Tilburg Papers in Culture Studies, 234, Universidade de Tilburg, Holanda.).

A forma segmentar, contudo, ainda segue de perto o viés algorítmico embutido nas plataformas (Lury e Day 2019Lury, Celia e Sophie Day. 2019. Algorithmic personalization as a mode of individuation. Theory, Culture & Society 36 (2): 17-37. https://doi.org/10.1177/0263276418818888.
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). Mais interessante são os efeitos sistêmicos, porém não pretendidos da plataformização, como os descritos por Gray, Bounegru e Venturini (2020Gray, Jonathan, Liliana Bounegru e Tommaso Venturini. 2020. “Fake news” as infrastructural uncanny. New Media & Society 22 (2): 317-41. https://doi.org/10.1177/1461444819856912.
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) e Abidin (2021)Abidin, Crystal. 2021. From ‘networked publics’ to ‘refracted publics’: a companion framework for researching ‘below the radar’ studies. Social Media + Society 7 (1): 1-13. https://doi.org/10.1177/2056305120984458.
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, que ecoam o que Turner (2013)Turner, Victor. 2013. Processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes. chamou de antiestrutura. Em outra ocasião, desenvolvi paralelos entre os contextos de liminaridade ritual descritos por Turner (2013)Turner, Victor. 2013. Processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes. para os Ndembo e affordances do aplicativo WhatsApp que convergiram para o amplo efeito de ruptura populista (Laclau 2013Laclau, Ernesto. 2013. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas.) observado em 2018. Entre esses está a invisibilização de diacríticos sociológicos que demarcam identidades correntes na vida offline, algo que Procházka e Blommaert (2019)Blommaert, Jan. 2019. Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump's viral errors. Tilburg Papers in Culture Studies, 234, Universidade de Tilburg, Holanda. também notaram para conspiracionismos ligados à alt-right. Ambientes de sociabilidade digital como os grandes grupos públicos despiam os usuários desses diacríticos, propiciando (affording) a construção por contágio (Lempert 2014Lempert, Michael. 2014. Imitation. Annual Review of Anthropology 43: 379-95. https://doi.org/10.1146/annurev-anthro-102313-030008.
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) de novas identidades antissistema, como a de “direita conservadora”. Essas identidades atravessavam domínios contextuais preexistentes (relações familiares, afinidades partidárias da “velha política” etc.) e irrompiam na forma das poderosas inversões antiestruturais como povo versus elite, análogas às elaboradas por Mary Douglas (2010)Douglas, Mary. 2010. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva. em sua teoria do tabu (Lurhmann 2016;5 5 Luhrmann, Tanya. The Paradox of Donald Trump's Appeal. Sapiens, 29 de jul. 2016, acessado em 13 abr. 2020, https://www.sapiens.org/culture/mary-douglas-donald-trump. Cesarino 2020aCesarino, Letícia. 2020a. How social media affords populist politics: remarks based on the Brazilian case. Trabalhos em Linguística Aplicada 59 (1): 404-27. https://doi.org/10.1590/01031813686191620200410.
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).

Como demonstrado no caso do Brasil e muitos outros países, a construção de equivalência do tipo populista tem passado pelos vieses das agências algorítmicas, tanto os intencionais, como a homofilia,6 6 Kurgan, Laura, Dare Brawley, Brian House et al. Homophily: The urban history of an algorithm. E-flux Architecture, 4 de out. 2019. Acessado 13 abr. 2020. https://www.e-flux.com/architecture/are-friends-electric/289193/homophily-the-urban-history-of-an-algorithm. quanto os não intencionais, como o antagonismo amigo-inimigo (Sinha 2017Sinha, Subir. 2017. Fragile hegemony: social media and competitive electoral populism in India. International Journal of Communication 11: 4158-80.; Gerbaudo 2018Gerbaudo, Paolo. 2018. Social media and populism: an elective affinity? Media, Culture & Society, 8 (5): 745-53. https://doi.org/10.1177/0163443718772192.
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; Maly 2018Maly, Ico. 2018. Populism as a Mediatized Communicative Relation. Tilburg Papers in Culture Studies 213. Universidade de Tilburg, Holanda.; Procházka e Blommaert 2019Blommaert, Jan. 2019. Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump's viral errors. Tilburg Papers in Culture Studies, 234, Universidade de Tilburg, Holanda.; Varis 2020Varis, Piia. 2020. Trump tweets the truth: metric populism and media conspiracy. Trabalhos em Linguística Aplicada 59 (1): 428-43. https://doi.org/10.1590/01031813683411620200406.
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). Na prática, equivalência e diferença são parte do mesmo movimento (Laclau 2013Laclau, Ernesto. 2013. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas.): a identidade emergente da nova direita conservadora era performada pelo antagonismo contra um inimigo comum, em uma dinâmica polarizadora que, em 2018, assumiu forma análoga ao que Bateson (2008)Bateson, Gregory. 2008. Naven: um exame dos problemas sugeridos por um retrato compósito da cultura de uma tribo da Nova Guiné, desenhado a partir de três perspectivas. São Paulo: Edusp. chamou, em sua análise do ritual iatmul do naven, de cismogênese (Leirner 2020Leirner, Piero 2020. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida: militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. São Paulo: Alameda Editorial.; Nunes 20207 7 Nunes, Rodrigo. Todo lado tem dois lados. Revista Serrote, 8 jun. 2020. Acessado em 13 abr. 2020, https://www.revistaserrote.com.br/2020/06/todo-lado-tem-dois-lados-por-rodrigo-nunes. ). Na cismogênese, a relação de oposição nasce e se intensifica a partir da circularidade entre a (re)ação de uma das partes à (re)ação do outro e vice-versa, em uma polarização progressiva que pode, se não aliviada, culminar em ruptura definitiva entre as partes. Esse padrão, que o próprio Bateson estendeu para outros contextos como a corrida nuclear durante a Guerra Fria, ressoa fortemente com o tipo de política digital avançada pela alt-right americana (Nagle 2017Nagle, Angela. 2017. Kill all normies: online culture wars from 4chan and Tumblr to Trump and the alt-right. Londres: Zero Books.), assim como em momentos-chave da última campanha presidencial brasileira, como a facada e o #EleNão (Cesarino 2020bCesarino, Letícia. 2020b. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital no Brasil. Internet & Sociedade 1 (1): 92-120.).

Como na liminaridade, na cismogênese os conteúdos particulares são subsumidos à forma processual: em um caso, para realizar as transições dos ritos de passagem, e no outro, para propiciar o alívio controlado de contradições sociais, uma ideia que viria a ser cristalizada no conceito de “rituais de rebelião” ou de inversão (Gluckman 2011Gluckman, Max. 2011. Rituais de rebelião no sudeste da África. Série Tradução 3: 1-34. http://www.dan.unb.br/images/pdf/serie-traducao/st%2003.pdf.
http://www.dan.unb.br/images/pdf/serie-t...
). Como argumentei com mais detalhe em outra ocasião (Cesarino 2020bCesarino, Letícia. 2020b. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital no Brasil. Internet & Sociedade 1 (1): 92-120.), a cismogênese eleitoral, alimentada por affordances técnicas como as guerras de hashtags, comportamento de enxame e os compartilhamentos em massa, também permitia, nos termos heideggerianos de Laclau (2013)Laclau, Ernesto. 2013. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas., subsumir o conteúdo da política (conjuntura) à forma do “político” (ontologia). Especialmente ilustrativa desse movimento era a palavra de ordem “se o PT [ou qualquer outro significante do inimigo] é contra, eu sou a favor”, não importando qual o conteúdo em jogo. A estrutura algorítmica dessa instrução (“Se… então…”) sugere, ainda, o viés de alinhamento cognitivo humano-máquina discutido acima.

Finalmente, como notou Chun (2016)Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press., a desintermediação espacial que leva à segmentação tem como contrapartida uma desintermediação temporal, ou estado paradoxal de crise permanente na forma de fluxos de eventos que demandam a atenção constante dos usuários. Isso permite sustentar estados liminares e cismogênicos que, nas formulações originais de Turner e Bateson, são reservadas a situações rituais excepcionais e controladas. Essa inversão antiestrutural, onde estado de exceção torna-se norma, parece introduzir um viés favorável a formas políticas e epistêmicas que vão de encontro aos padrões da esfera pública liberal e da ciência moderna (Fielitz e Marcks 2019Fielitz, Maik e Holger Marcks. 2019. Digital fascism: challenges for the open society in times of social media. Working Paper – Center for Right-Wing Studies. Berkeley: University of California.). Esse efeito, ainda que não pretendido pelos designers das plataformas, é não obstante também infraestrutural (Gray, Bounegru e Venturini 2020Gray, Jonathan, Liliana Bounegru e Tommaso Venturini. 2020. “Fake news” as infrastructural uncanny. New Media & Society 22 (2): 317-41. https://doi.org/10.1177/1461444819856912.
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). Ele emerge de forma sistêmica a partir dos loops recíprocos entre o comportamento dos usuários e affordances inscritas nas plataformas, como as que visam o aumento do tempo de tela (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.).

Considerações conclusivas

A internet contemporânea não é “enraizada, incorporada e quotidiana” (Hine 2015Hine, Christine. 2015. Ethnography for the Internet: embedded, embodied and everyday. Nova Iorque: Routledge.) apenas porque os usuários assim a moldaram, mas também porque essas são visões da relação humano-máquina já embutidas no design cibernético das plataformas (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.). Se, como quer Ingold (2017Ingold, Tim. 2017. Antropologia versus etnografia. Cadernos de Campo 26 (1): 222–28., 223), fazer antropologia é educar nossa atenção para corresponder com nossos interlocutores e, a partir daí, produzir conhecimento especulativo e crítico sobre “as condições e possibilidades da vida humana no mundo que habitamos”, não se pode ignorar o fato de esses interlocutores operarem hoje em um “ambiente de testagem total” (Marres e Stark 2020Marres, Noortje e David Stark. 2020. Put to the test: for a new sociology of testing. The British Journal of Sociology 71 (3): 423-43. https://doi.org/10.1111/1468-4446.12746.
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, 436) cuja arquitetura é projetada para engajar seus hábitos atencionais e deles extrair valor (Chun 2016Chun, Wendy. 2016. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press.).

É claro que, entre a intenção do designer e a sua atualização pelos usuários, há a enorme distância coberta pela teoria das affordances e outras formulações afins no campo da psicanálise, da técnica, da linguagem e, também, da política (Connolly 2002Connolly, William. 2002. Neuropolitics: thinking, culture, speed. Minneapolis: University of Minnesota Press.; Lakoff 2009Lakoff, George. 2009. The political mind: a cognitive scientist's guide to your brain and its politics. Nova Iorque: Penguin Books.; Laclau 2013Laclau, Ernesto. 2013. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas.). Mas a apreensão antropológica desse processo não precisa se limitar ao excepcionalismo etnográfico que visibiliza a perspectiva particular do usuário. Embora não haja dúvidas de que existe uma circularidade entre agência dos usuários e das plataformas, como defendem Miller et al. (2019)Miller, Daniel, Elisabetta Costa, Nell Haynes et al. 2019. Como o mundo mudou as mídias sociais. Londres: UCL Press., reciprocidade não significa simetria. Busquei sugerir aqui como esses loops podem se materializar de formas que se apoiam na sistematicidade da arquitetura das plataformas, porém se desdobram a partir de uma relação antiestrutural com elas, como no caso dos públicos refratados de Abidin (2021)Abidin, Crystal. 2021. From ‘networked publics’ to ‘refracted publics’: a companion framework for researching ‘below the radar’ studies. Social Media + Society 7 (1): 1-13. https://doi.org/10.1177/2056305120984458.
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, do “estranho-familiar” 8 8 O termo original dos autores é o uncanny, tradução convencional para o Das Unheimliche freudiano. infraestrutural de Gray, Bounegru e Venturini (2020Gray, Jonathan, Liliana Bounegru e Tommaso Venturini. 2020. “Fake news” as infrastructural uncanny. New Media & Society 22 (2): 317-41. https://doi.org/10.1177/1461444819856912.
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), e de dinâmicas liminares, cismogênicas e outras observadas na literatura antropológica sobre ritual e tabu (Luhrmann 2016;9 9 Luhrmann, Tanya. The Paradox of Donald Trump's Appeal. Sapiens, 29 de jul. 2016. Acessado em 13 abr. 2020, https://www.sapiens.org/culture/mary-douglas-donald-trump. Cesarino 2020aCesarino, Letícia. 2020a. How social media affords populist politics: remarks based on the Brazilian case. Trabalhos em Linguística Aplicada 59 (1): 404-27. https://doi.org/10.1590/01031813686191620200410.
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, 2020b).

Peirano (2014Peirano, Mariza. 2014. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos 20 (42): 377-391. https://doi.org/10.1590/s0104-71832014000200015.
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, 382) argumentou que o objetivo da antropologia é “o despertar de realidades/agências desconhecidas no senso comum”. Enquanto esse esforço pode e deve desestabilizar o senso comum sobre as novas mídias por meio de contraposições etnográficas, ele também pode envolver a desestabilização especulativa do que Simondon chamou de alienação técnica (Oliveira 2015Oliveira, Diego. 2015. A técnica como modo de existência em Gilbert Simondon: tecnicidade, alienação e cultura. Dois Pontos 12 (1): 83-98. https://doi.org/10.5380/dp.v12i1.36861.
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), à qual os usuários somos submetidos pela plataformização. Ambos os esforços – um mais ligado à explicação positiva, e o outro, à explicação negativa – são antropológicos: sua relação não é de exclusão mútua ou concorrência, mas complementaridade.

Peirano (2014Peirano, Mariza. 2014. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos 20 (42): 377-391. https://doi.org/10.1590/s0104-71832014000200015.
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, 382) argumentou, ainda, que fazer antropologia envolve “colocar-se em perspectiva”, negando “a demarcação de fronteiras intelectuais” para “vislumbrar um futuro sempre criativo”. No mesmo sentido, Ingold (2017)Ingold, Tim. 2017. Antropologia versus etnografia. Cadernos de Campo 26 (1): 222–28. ressalta o caráter da antropologia enquanto processo educacional, e não apenas etnográfico e teórico – ou seja, uma prática de conhecimento que “corresponde” não apenas com interlocutores de campo e pares acadêmicos, mas também com os estudantes e suas perspectivas de futuro. Não limitar a antropologia à etnografia é abri-la para o diálogo significativo com outras disciplinas, e assim “capitanear a criação das universidades do futuro” (Ingold 2017Ingold, Tim. 2017. Antropologia versus etnografia. Cadernos de Campo 26 (1): 222–28., 222). Os autores veem na antropologia, portanto, uma identidade disciplinar aberta aos desafios emergentes do contexto sociotécnico mais amplo. Ser fiel a essa tradição disciplinar não significa seguir uma fórmula fixa sobre o que pode ou não ser feito em nome da etnografia, mas experimentar com formas de renová-la em correspondência com o mundo.

Na era da plataformização, o papel de uma antropologia que não se restringe à etnografia envolve não apenas abrir as caixas-pretas dos sistemas algorítmicos e apoiar o desenvolvimento de novas formas regulatórias para uma indústria que desafia os próprios fundamentos dos arcabouços legais construídos para um ambiente de mídia anterior (Cruz 2020Cruz, Francisco. 2020. Novo jogo, velhas regras: democracia e direito na era da propaganda política e das fake news. São Paulo: Letramento.). Ela também pode participar de forma ativa nos novos sistemas de peritos – as novas formas de reintermediação (Santos 2020Santos, Nina. 2020. Novos caminhos da informação: mediação e visibilidade nos protestos brasileiros de 2013. XXIX Encontro Anual da Compós. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, (UFMS), Campo Grande.) – que vêm emergindo na sua esteira. A explicação cibernética trabalha com noções de “comando e controle” que não apenas problematizam as dicotomias do sistema de peritos moderno, que purificou a antropologia social ou cultural das demais dimensões do humano (Velho 2001Velho, Otávio. 2001. De Bateson a Ingold: passos na constituição de um paradigma ecológico. Mana 7 (2): 133-40. https://doi.org/10.1590/S0104-93132001000200005.
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). Ela propõe alternativas analíticas que convergem com o modo como pressupostos sobre o humano são mobilizados nos processos de plataformização, ou seja, transversalmente às distinções cartesianas entre homem, animal e máquina; indivíduo e coletivo; público e privado; liberdade e controle; fato e ficção; empiria e teoria; autenticidade e manipulação. Ao novo sistema de peritos que mobiliza análises transdisciplinares do humano para produzir sujeitos influenciáveis (Nadler e MacGuigan 2017Nadler, Anthrony e Lee McGuigan. 2017. An impulse to exploit: the behavioral turn in data-driven marketing. Critical Studies in Media Communication 35 (2): 151-165. https://doi.org/10.1080/15295036.2017.1387279.
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; Marres e Stark 2020Marres, Noortje e David Stark. 2020. Put to the test: for a new sociology of testing. The British Journal of Sociology 71 (3): 423-43. https://doi.org/10.1111/1468-4446.12746.
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), é possível contrapor uma abordagem crítica ciberneticamente orientada em seus pressupostos, metodologia e estilo analítico. Abrir novas fronteiras de pesquisa e trabalho nesses campos é, também, fazer antropologia, na dialética entre universidade e mundo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2021
  • Aceito
    14 Abr 2021
  • Publicado
    24 Ago 2021
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