Acessibilidade / Reportar erro

Mulheres e violência

Women and violence

A literatura sociológica, no Brasil e no exterior, ao discutir o tema da violência em relação a mulheres, o faz quase que exclusivamente acentuando a sua condição de vítimas. De fato, os estudos disponíveis procuram dar conta da situação mais recorrente, ou seja, em que mulheres são vítimas de violência. Contudo, ao acentuar exclusivamente esse aspecto, outras perspectivas do fenômeno da violência ficam inobservados. O dossiê Mulheres e violência pretende contribuir para a análise da participação de mulheres como protagonistas na prática da violência, ainda que tenham igualmente a experiência de vítimas em suas trajetórias. A participação de mulheres em ações violentas se dá em contextos os mais variados, tanto aqueles aos quais podem ser atribuídos uma motivação política, como é o caso de mulheres em grupos neonazistas ou mesmo no contexto da ocupação nazista na Áustria, quanto a ações relacionadas ao tráfico de drogas no Brasil, ou mesmo em práticas violentas no cotidiano em contextos domésticos. O dossiê pretende ampliar os horizontes analíticos, mesmo que a literatura sociológica não tenha exaurido as investigações sobre o processo de vitimização, como o demonstram dois artigos adicionais publicados neste número da Civitas, em que se discute facetas pouco exploradas na análise do processo em que mulheres são alvo de violência.

Michaela Köttig contextualiza o debate nas ciências sociais da Alemanha, em especial na literatura de gênero e discute explicitamente a questão das causas relacionadas à prática de ações violentas de mulheres. A autora ilustra a discussão a partir da biografia de uma mulher jovem, engajada no movimento neonazista alemão, destacando-se que o comportamento violento está intimamente vinculado a causas históricas. O artigo de José Luiz Ratton e Clarissa Galvão apresenta uma discussão teórica sobre a participação de mulheres em crimes violentos, cujo principal argumento é o de que estes não podem ser explicados por transtornos mentais ou mesmo por processos de vitimização. Como alternativa, os autores discutem que a autoria de crimes violentos por mulheres também podem estar vinculados à volição e intencionalidade, associadas a processos de vitimização ou a transtornos mentais.

Já o artigo de Hermílio Santos é dividido em duas partes. Por um lado, explora os motivos pelos quais a sociologia brasileira tem até o momento dedicado relativamente pouca atenção ao tema de ações violentas praticadas por mulheres. Aqui, a distinção entre crime e violência, nem sempre acentuada, pode ajudar a explicar a ênfase dada ao envolvimento de homens, tendo em vista que a literatura dedica-se mais às evidências criminológicas e menos à violência, que não envolve necessariamente o cometimento de crime. Na segunda parte do artigo, o autor apresenta evidências empíricas com base em suas pesquisas recentes, em que o protagonismo de mulheres pode ser observado, tanto a partir de análises da frequência estatística em ações violentas cotidianas quanto de análise de narrativas biográficas de adolescentes.

Com base em histórias de duas mulheres engajadas no tráfico de drogas em favelas do Rio de Janeiro, Mariana Barcinski e Sabrina Daiana Cúnico discutem a maneira como a literatura disponível usualmente caracteriza as trajetórias de mulheres envolvidas em crimes. No caso do tráfico de drogas, as autoras apontam que aquelas que ocupam posições consideradas masculinas acabam por obter prestígio normalmente atribuído somente aos homens, o que serve como estímulo para que se envolvam e permaneçam engajadas na rede do tráfico de drogas.

Dois artigos completam o dossiê discutindo o envolvimento de mulheres em movimentos neonazistas na Alemanha, onde o tema já vem sendo debatido há mais tempo, em especial pela produção de Michaela Köttig, co-organizadora do presente dossiê, e a participação delas no regime nazista na Áustria. No primeiro deles, Johanna Sigl enfatiza o processo em que mulheres abandonam sua participação ativa em movimentos de extrema direita radical. A partir da análise de narrativas biográficas, a autora argumenta que as atitudes violentas dessas mulheres vinculam-se, por um lado, a suas histórias biográficas e, por outro lado, servem a outros objetivos que não podem ser explicados somente em termos de gênero. Já o artigo de Maria Pohn-Lauggas aborda um tema bem pouco explorado na sociologia austríaca, que é a participação de mulheres no nacional-socialismo austríaco durante a ocupação do regime nazista alemão. A autora pretende demonstrar, com base em entrevistas narrativas biográficas, como aquelas mulheres procuram acentuar e negar seus respectivos envolvimentos na sociedade nazista.

Este número da Civitas traz ainda dois artigos avulsos que discutem aspectos ainda relativamente pouco explorados na literatura sociológica sobre violência contra mulheres, no ano em que se completa dez anos da Lei Maria da Penha. O primeiro deles, de Alessandra Sampaio Chacham e Juliana Gonzaga Jayme, abordam como desigualdades de classe e gênero estão conectadas à violência relacionada à sexualidade de mulheres jovens de diferentes classes sociais. Por último, Kamila Almeida discute um aspecto praticamente invisível na literatura sobre violência contra mulheres, ou seja, a trajetória biográfica de órfãos, cujas mães foram assassinadas pelo parceiro. Evidencia-se, com isso, que a violência contra a mulher mãe não se encerra no momento do crime. Ao contrário, abre-se a partir daí um novo capítulo, que deixa marcas profundas na trajetória de vida dos filhos.

A presente edição se completa com mais quatro artigos avulsos, tratando de temas bem diversos.

Espera-se que o conjunto de artigos publicados nesse número da revista Civitas possa contribuir, mesmo que modestamente, para o debate sobre a prática da violência no cotidiano, tanto aquela praticada por mulheres quanto aquela em que as mulheres aparecem exclusivamente como vítimas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Av. Ipiranga, 6681 - Partenon, Cep: 90619-900, Tel: +55 51 3320 3681 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: civitas@pucrs.br