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Transformações na comunicação religiosa: Análise dos dois modelos comunicacionais operantes no Brasil atual

Changes in religious communication: Analysis of the two communication models operating in Brazil today

Resumo:

Busca-se, através deste artigo, a análise da utilização de modernas tecnologias de comunicação por grupos e/ou indivíduos vinculados a religiões e religiosidades no Brasil atual. Isso será feito analisando-se tanto os Meios de Comunicação de Massa (MCM), como a emergente Comunicação Mediada por Computador (CMC). Também será dada especial atenção aos aspectos mercadológicos implicados nestes usos, já que, levando em conta esse fator interveniente, joga-se importantes luzes nesse processo que se pretende analisar. Como resultado ficou a convicção de que se trata de dois modelos de comunicação religiosa que possuem profundas “afinidades eletivas” com duas maneiras atuais de vivenciamento da religião: a religião institucionalizada das “firmas religiosas” e a religiosidade autônoma favorecida pelo individualismo atual.

Palavras-chave:
comunicação religiosa; religião e comunicação; meios de comunicação de massa e religião; internet e religião; mercado religioso e comunicação

Abstract:

This article aims to analyze the use of modern communication technologies by groups and/or individuals associated with religion and religiosity in Brazil today. This will be done by analyzing both the Mass Communication Media (MCM) and the emerging Computer Mediated Communication (CMC). Special attention will be given to the marketing aspects involved in these uses, since by taking into account this intervening factor, it decisively throws light upon this process to be analyzed. As a result, it is shown that these are two models of communication that have deep religious “elective affinities” with two current ways of religious living experiences: the institutionalized religion of “religious firms” and the autonomous religiosity favored by today’s individualism.

Keywords:
religious communication; religion and communication; mass media and religion; religion and internet; communication and religious market

Introdução

A religião no mundo atual se apresenta como um dos tópicos mais instigantes para aqueles que desejam compreender as complexas relações entre modernidade e tradição. A capacidade que este dispositivo cultural tem de compor com aquilo que presumivelmente deveria corroer – secularizando, laicizando, desencantado – suas condições de existência, atesta o quão as negociações entre a inovação modernizadora da sociedade e a sobrevivência das cosmovisões religiosas estão longe de serem previsíveis.

O artigo aborda uma destas zonas em que ocorrem composições negociadas deste tipo: a utilização de modernas tecnologias de comunicação por grupos e/ou indivíduos vinculados à religiões e religiosidades no Brasil atual. Isso é feito se analisando tanto os Meios de Comunicação de Massa (MCM), como a emergente Comunicação Mediada por Computador (CMC). Também é dada especial atenção aos aspectos mercadológicos implicados nestes usos, já que, levando em conta esse fator se jogam importantes luzes no processo que se pretende analisar. Iniciemos, pois, por este ponto.

Emergência do mercado religioso brasileiro e mídia

A religião brasileira, inegavelmente, tem se revitalizado nas últimas décadas. Contribuem para esse processo uma série de mudanças no campo religioso local. Com a migração de grande parte da população rural para os centros urbanos, muito do rebanho religioso até então majoritariamente católico começou a ser assediado por novas ofertas religiosas que foram se multiplicando conforme o processo se desenvolvia. Sujeito às ações destradicionalizantes do cosmopolitismo urbano, o campo religioso brasileiro passou a se pluralizar rapidamente evoluindo para um situação de disputa mercadológica cada vez mais acirrada. Logo começaram a surgir análises que diagnosticavam a emergência de um “mercado religioso” brasileiro, uma situação nova para um país acostumado com o quase absoluto monopólio católico. O recurso à metáfora do “mercado”, para explicar tal processo, se fez, na maior parte das vezes em que foi empregada por cientistas sociais brasileiros, através da adoção implícita ou explícita da teoria norte-americana denominada “Economia Religiosa”.

Segundo Rodney Stark, um dos principais idealizadores desta perspectiva – também endossada por Roger Finke, Laurence Iannaccone e William Sims Bainbridge – uma economia religiosa é:

[…] constituída de todas as atividades religiosas que se desenvolvem em qualquer sociedade. As economias religiosas são como economias comerciais, no sentido de que consistem em um mercado de consumidores potenciais e concorrentes, em um conjunto de firmas religiosas que procuram servir aquele mercado e em ‘linhas de produtos’ oferecidas pelas diversas firmas (Stark, 2006STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história. São Paulo: Paulinas, 2006., p. 215-216).

Baseado em princípios clássicos da economia, tomados de empréstimo de Adam Smith, os defensores desta perspectiva teórica observam que os mesmos impulsos individuais e coletivos autointeressados da economia de livre mercado funcionam como motivadores também nesse subsistema e que “os benefícios da competição, o peso do monopólio e o risco de regulação do Estado são tão reais na religião como em qualquer outro setor da economia” (Mariano, 2008MARIANO, Ricardo. Usos e limites da teoria da escolha racional da religião. Tempo social, USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 41-66, 2008., p. 47-48).

Como bem salienta Mariano, não há propriamente nenhuma novidade em se utilizar dessa “racionalidade economicista” para a produção de análises sociológicas da religião (ibidem, p. 47). Antes, Karl Marx, Max Weber, Peter Berger e Pierre Bourdieu já haviam recorrido a esse expediente analítico para tratar da religião.

A principal inovação desta perspectiva, segundo seus defensores e comentadores, é que ela permite privilegiar o pólo da “oferta”, ao invés da “demanda”, algo que subverte bastante a forma como a religião vinha sendo analisada sociologicamente. Segundo Ricardo Mariano, isso ocorre porque Stark, Finke e Iannaccone partem “do pressuposto de que a demanda religiosa é relativamente estável, o que justifica sua opção teórica por depositar as fichas da explicação na pesquisa da oferta religiosa. Isto é, sendo a demanda praticamente constante, os níveis de participação religiosa podem ser mais bem explicados em termos de oferta” (Mariano, 2008MARIANO, Ricardo. Usos e limites da teoria da escolha racional da religião. Tempo social, USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 41-66, 2008., p. 48). Por essa lógica, as feições assumidas por um grupo religioso, ou seja, o que ele oferece no mercado, são vistas como “função de suas estruturas organizacionais, de seus representantes de vendas, de seus produtos e de suas técnicas de marketing” (Wuthnow, 2005, p. 615, apud Mariano, 2008MARIANO, Ricardo. Usos e limites da teoria da escolha racional da religião. Tempo social, USP, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 41-66, 2008., p. 48).

Embora os representantes desta perspectiva afirmem que o privilégio analítico é dado preferencialmente aos grupos ofertantes (as “firmas religiosas”) o modelo não deixa de lado a perspectiva do consumidor e, para tanto, faz uso da Teoria da Escolha Racional. Através de seu uso são detalhadas, com grande minúcia, as lógicas que orientam as escolhas deste sujeito diante das ofertas que tem diante de si. No livro “Uma teoria da religião”, de Rodney Stark e William Sims Bainbridge, essas lógicas são minuciosamente explicitadas (Stark; Bainbridge, 2008STARK, Rodney; BAINBRIDGE, William Sims. Uma teoria da religião. São Paulo: Paulinas, 2008., p. 421).

Esse modelo de análise vem sendo, crescentemente, empregado para dar conta de um acirramento progressivo da disputa religiosa no Brasil. Essa disputa fica ainda mais dramática com o uso, cada vez mais eficiente, de estratégias tecnocomunicacionais de expressividade identitária das diversas religiões e religiosidades existentes no país. Vejamos, primeiramente, como isso se processa nas formas mais consolidadas de comunicação aqui existentes.

Características dos Meios de Comunicação de Massa (CMC)

Basicamente, a estrutura do processo comunicativo levada a termo pelos MCM está baseada numa ruptura fundamental entre o polo emissor e o polo receptor (Thompson, 1995THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995., p. 289). O polo emissor, além de estar incumbido da difusão de mensagens, também é quem produz os conteúdos, faz a escolha dos temas, a formatação técnica e estética daquilo que veicula. Ao polo receptor cabe apenas a recepção das mensagens, mesmo que se lhe reconheça a autonomia quanto à interpretação das mesmas. Embora se afirme, nas últimas décadas, principalmente os pesquisadores inspirados na Teoria da Recepção, que os espectadores não são tão passivos assim como se diz, é impossível desconsiderar o poder de quem escolhe os temas, os conteúdos e produz as mensagens. Autores representantes da Teoria da Agenda afirmam que os MCM “pode[m] não ter sucesso a maior parte do tempo em dizer às pessoas o que pensar, mas [têm] um sucesso impressionante em dizer aos seus [receptores] sobre o que pensar” (McCombs; Shaw, 1972, p. 177 apud Porto, 2007PORTO, Mauro Pereira. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: E-papers, 2007., p. 80). Mesmo autores da Teoria da Recepção parecem estar conformados em aceitar que, pelo menos em alguns casos a autonomia do receptor é baixa.

O sociólogo Stuart Hall, representante desta perspectiva, define três posições a partir das quais a decodificação do discurso veiculado pela televisão pode ser construída. Segundo sistematização de Mauro Pereira Porto, elas seriam:

a) a posição hegemônica-dominante, quando o telespectador interpreta o sentido do programa de televisão de forma direta e completa, operando dentro do código dominante; b) a posição do código negociado, quando o telespectador reconhece a legitimidade das definições hegemônicas em abstrato, ao mesmo tempo em que, em um nível mais restrito, desenvolve uma posição crítica sobre temas específicos; c) a posição do código de oposição, quando o telespectador decodifica a mensagem de uma maneira completamente contrária ao significado preferencial (Porto,2007, p. 89).

Essas três possibilidades, podem muito bem ser observadas em outras modalidades de MCM, tais como rádios, jornais e impressos em geral (livros, revistas, etc.). Podemos, ainda, observar as seguintes características do modelo representado pelos MCM:

  • – As relações de poder entre esses dois polos aparecem descritas como ‘fundamentalmente assimétricas’ em favor, obviamente, do polo emissor.

  • – O fluxo das mensagens nos MCM, a maior parte do tempo, tende a ser unidirecional e, por esta razão, monológico. A arquitetura comunicacional é ‘um para muitos’.

  • – Em decorrência da unidirecionalidade e da monologia do emissor, os MCM teriam a capacidade de produzir o compartilhamento em larga escala de percepções comuns, atuando como um agente unificador de públicos heterogêneos, favorecendo, assim, o vínculo social (Wolton, 2001WOLTON, Dominique. Pensar la comunicación: punto de vista para periodistas y políticos. Buenos Aires: Editorial Docencia, 2001., p. 98-99).

  • – Por fim, os MCM só podem lograr sucesso em seus propósitos comunicativos contando com uma base institucional estruturada, contando com uma organização social especializada no processo de construção racionalizada das pautas, dos conteúdos, das mensagens.

Os grupos religiosos que fazem uso dos MCM no Brasil

Uma análise rápida sobre a realidade brasileira mostra que se trata de grupos bastante institucionalizados, representantes de doutrinas religiosas consolidadas e que poderíamos chamar de “religiões de igreja” ou, em alguns casos, quando se tratam de grupos recentemente formados, “religiões de seita”. Podem ser enquadrados conceitualmente dentro daquilo que alguns sociólogos da religião chamam de “firmas religiosas”, organizações com grande poder institucional sobre a produção, a validação e o controle dos bens religiosos que manipulam. A forma como essas organizações religiosas se comunicam com suas membresias e com o público à qual dirigem seus apelos proselitistas é, quase sempre, bastante centralizadora. O corpo eclesial gerenciador da doutrina exerce um controle persistente sobre a sua ortodoxia e, ao divulgá-la institucionalmente, toma todos os cuidados para que não ocorram ambiguidades que possam dar margem a interpretações heréticas, apostatas, etc.. Também age no sentido de coibir todas as interpelações internas e externas que possam ameaçar a sua ortodoxia doutrinal, seus posicionamentos institucionais, a legitimidade política e religiosa dos detentores da autoridade eclesial.

No Brasil, outrossim, pode-se perceber que o rádio e a televisão –os MCM mais eficientemente usados e/ou desejados para veiculação de mensagens religiosas – têm sido utilizados por grupos representan-tes das principais modalidades religiosas aqui existentes. Nota-se a presença de grupos católicos, evangélicos, espíritas e afro-brasileiros utili-zando-os.

Também é possível verificar a ocorrência de um espaço não ins-titucionalizado de expressividade destinado às religiosidades esotéricas vinculadas a chamada “New Age”, em programas não religiosos de várias emissoras de rádio e televisão brasileiras (programas e/ou entrevistas com “new agers”, astrólogos, “cromoterapeutas”, “cristalterapeutas”, praticantes de Wica, etc.).

O fato de haver essa ampla utilização dos MCM pelos segmentos mais representativos da religião e religiosidades existentes no Brasil não deve, contudo, nos cegar para o fato de que são os católicos e evangélicos – mais precisamente os pentecostais – que fazem um uso mais eficiente e expressivo destes veículos. No caso específico da televisão, por exemplo, que é hoje considerada o “filé mignon” dos MCM, são os grupos católicos (representantes da maioria religiosa) e os evangélicos (representantes da maior minoria religiosa) que detém os principais aparatos técnicos e institucionais que permitem o seu eficiente uso. Do ponto de vista da posse institucional desses recursos, com exceção da Rede da Boa Vontade (vinculada à “Religião de Deus”, uma modalidade ecumênica de espiritismo brasileiro) e da TV Mundo Maior (vinculada à Fundação Espírita André Luiz), todas as outras redes ou canais de televisão a serviço da religião estão vinculados a grupos católicos ou evangélicos. As católicas são: a Rede Vida, a TV Aparecida, TV Nazaré, a TV Século 21 e a TV Canção Nova. As evangélicas são: Rede Boas Novas; IURD TV, a TV Novo Tempo, Rede 21, a Rede Gênesis, a Rede Gospel, a Rede Super e a Rede Internacional de Televisão (mais conhecida pela sua sigla, “RIT”). Não só por possuir um número maior de recursos mas, também, um uso mais dinâmico e uma audiência mais significativa, garantem a essas duas modalidades de cristianismo um uso mais impactante no aberto jogo mercadológico que se assiste atualmente no campo religiosobrasileiro.

A Igreja Católica foi a pioneira, nos anos sessenta e setenta, na utilização da televisão como forma de levar aos lares brasileiros parte de suas práticas litúrgicas e mensagens, principalmente através de missas transmitidas em canais não religiosos ou em canais controlados por grupos católicos. Foi também a primeira instituição religiosa a dispor do controle de uma emissora comercial de TV para tal fim, a TV difusora de Porto Alegre, sob controle entre 1969 e 1979 de um grupo religioso, a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos1 1 Segundo um dos sites do Grupo Bandeirantes de Comunicação (http://www.bandrs.com.br/grupo/historia.php), grupo ao qual veio, posteriormente, a se vincular essa emissora, foi em 1961 que os freis capuchinhos conquistaram a concessão do canal junto ao Ministério das Comunicações. (Assmann, 1986ASSMANN, Hugo. A igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 86; Oro, 1996ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996., p.105). Nos anos oitenta recuou um pouco no seu ímpeto televisivo. Era o momento em que a ala progressista desta igreja desempenhava papel importante nos debates sobre as missões contemporâneas desta instituição e assim ocorreram uma série de questionamentos críticos a respeito do possível efeito massificador e alienador da televisão (Mariz, 1998MARIZ, Cecília Loreto. A Rede Vida: o catolicismo na TV. Cadernos de Antropologia e Imagem (UERJ), Rio de Janeiro, v. 7, n. 20, p. 41-55, 1998., p. 42), o que teria levado a um período “que revela dilemas, controvérsias e impasses” (Oro, 1996ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 101).

A relativa letargia dos anos oitenta, contudo, não veio a durar muito. Pressionados pelo rápido avanço do pentecostalismo sobre a televisão brasileira, que teve o seu momento mais preocupante para os católicos em 1990, quanto “a Igreja Universal do Reino de Deus compra a Rede Record e suspende todos os programas católicos dessa rede” (Mariz, 1998MARIZ, Cecília Loreto. A Rede Vida: o catolicismo na TV. Cadernos de Antropologia e Imagem (UERJ), Rio de Janeiro, v. 7, n. 20, p. 41-55, 1998., p. 42), grupos católicos mais autônomos em relação à elite eclesiástica dessa igreja, como os carismáticos, entram na guerra mercadológica proposta pelo emergente pentecostalismo eletrônico e iniciam uma reação para, pelo menos, tentar minimizar os estragos produzidos pela “concorrência”. O momento da compra da Rede Record pela IURD é, portanto, simbolicamente muito importante já que, não só marca ruidosamente uma transformação importante, a saber, o momento em que os pentecostais se transformam “de compradores de espaço a proprietários de suas próprias redes ou emissoras”, como, também, o momento em que “toca o alarme” católico (Campos, 2008CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos e mídia no Brasil – uma história de acertos e desacertos. Rever – Revista de Estudos da Religião (PUCSP), São Paulo, v. 4, p. 1-26, 2008., p. 18) para a inevitabilidade de iniciar a reação concorrencial no front televisivo. São vários os autores que, ao analisar o uso católico da televisão no Brasil das últimas décadas, diagnosticam o caráter “reativo” da entrada mais agressiva dos católicos nesse universo comunicativo (Montero e Della Cava, 1986MONTERO, Paula; DELLA CAVA, Ralph. A Igreja Católica e os meios de comunicação de massa. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 63-74, 1986.; Oro, 1996ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 107; Mariz, 1998MARIZ, Cecília Loreto. A Rede Vida: o catolicismo na TV. Cadernos de Antropologia e Imagem (UERJ), Rio de Janeiro, v. 7, n. 20, p. 41-55, 1998., p. 42; Mariano, 2005MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loiola, 2005., p. 14).

Essa reação, contudo, ocorre num momento em que se inicia um processo de “desmassificação” da TV brasileira, favorecida, entre outros fatores, pela segmentação permitida com o surgimento das TVs por assinatura. Cecília Mariz sugere que os canais católicos surgidos neste momento estariam a se desenvolver num novo clima televisivo onde os fiéis religiosos “tenderiam a assistir a visão de mundo que já possuem”, ou seja, de que eles estariam encerrados em “redomas midiáticas” (1998, p. 43) que os protegeriam de visões de mundo alternativas. Assim é de se supor que a entrada católica no universo da produção televisiva, provocada, como já se disse, pelos estímulos concorrenciais do emergente pentecostalismo, tenha se dado muito mais para conter a saída de fieis do que para trazer de volta os que foram ou, muito menos, para converter os que nunca foram católicos. Trata-se de produzir apelos direcionados para dentro do campo católico.

Muito diferente é a situação dos grupos pentecostais que tem claras e escancaradas intenções conversionistas e se dirigem, em grande escala, para os integrantes do rebanho católico. Nada mais natural para uma modalidade herdeira do protestantismo, que sempre manifestou um “apetite missionário” e que sempre fez das suas igrejas “instituições e movimentos voltados para fora, à busca de expansão contínua” (Campos, 2008CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos e mídia no Brasil – uma história de acertos e desacertos. Rever – Revista de Estudos da Religião (PUCSP), São Paulo, v. 4, p. 1-26, 2008., p. 23).

Com um uso que começa com o aluguel de horários e evolui para a posse institucional desses meios, as igrejas pentecostais jogam abertamente o jogo do mercado. Esse pragmatismo expansionista, contudo, não se implantou sem que fosse necessário vencer resistências internas no meio evangélico ao uso da TV para fins proselitistas. O ascetismo que marcava o pentecostalismo mais tradicional foi durante muito tempo um obstáculo – e ainda é – para algumas denominações deste ramo do protestantismo. Vide, por exemplo, o caso da Igreja Deus é Amor que somente permite o uso de emissoras de rádio para o trabalho missionário. Anedoticamente, em alguns setores protestantes, falava-se que, para esses grupos, a televisão seria “o diabo encaixotado”. Foi necessário desfazer a associação dos MCM (particularmente a televisão) ao Diabo e/ou à mundanidade. Foi preciso convencer os setores mais tradicionais deste meio da “neutralidade” de tais ferramentas comunicativas (Campos, 2008CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos e mídia no Brasil – uma história de acertos e desacertos. Rever – Revista de Estudos da Religião (PUCSP), São Paulo, v. 4, p. 1-26, 2008., p. 14; Bellotti, 2009BELLOTTI, Karina Kosicki. Delas é o Reino dos Céus: mídia evangélica infantil e o supermercado cultural religioso no Brasil (anos 1950 a 2000). História, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 621-652, 2009., p. 629).

Como resultado disso tem-se hoje consolidado uma grande e expressiva presença evangélica na televisão brasileira, onde influentes “tele-pregadores” brasileiros – a semelhança dos “televangelistas” norte-americanos que consagraram o uso dos MCM para a expansão do pentecostalismo (Gurtwirth, 1998GURTWIRTH, Jacques. L’église életronique: la saga des télévangélistes. Paris: Bayard Éditions, 1998.) – e seus auxiliares se revezam na disputa pelas preciosas almas que ainda encontram-se disponíveis à conversão no aquecido mercado religioso brasileiro da atualidade. Assistiu-se, assim, a emergência para fama televisiva de figuras celebradas como o Bispo Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus – Rede Record), o Missionário Romildo Ribeiro Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus – Rede Bandeirantes e Rede TV), o Apóstolo Estevam Hernandes Filho (Igreja Apostólica Renascer em Cristo – Rede Gospel) e, mais recentemente, o Apóstolo Valdemiro Santiago de Oliveira (Igreja Mundial do Poder de Deus – Rede21, CNT e Rede TV) e o Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo – CNT, Redet TV, Rede Bandeirantes).

Segundo o que sugere Ari Pedro Oro, o uso dos MCM pelos emergentes grupos pentecostais e neopentecostais nas últimas décadas no Brasil atende às seguintes necessidades: a) viabilizar economicamente as instituições, uma vez que potencializa de forma muito eficiente a arrecadação de recursos – via doações – às igrejas; b) facilitar as estratégias proselitistas, já que permitem mensagens visando atraí-los aos templos; c) ser fator de legitimação no mercado, visto que “apropriar-se desses meios é uma maneira de reforçar o status social das mesmas, que atingem assim um grau de legitimação semelhante ao detido pelas igrejas estabelecidas”; d) dinamizar cotidianamente o pertencimento às igrejas para “manter os fiéis vinculados às instituições religiosas evitando assim que a rotina tome conta das mesmas” (Oro, 1996ORO, Ari Pedro. Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 67-70).

Em síntese, é possível, então, notar no caso do catolicismo brasileiro que alguns de seus grupos recorrem aos MCM reativamente para conter as “saídas” de seus fiéis, criando um tipo de atividade midiática que os mantenham ligados à religião ao qual pertencem. Trata-se tão somente de oferecer internamente produtos análogos àqueles que estão sendo oferecidos abundantemente fora do grupo, visando manter fidelizada a clientela tradicional. No caso do pentecostalismo, trata-se principalmente de conquistar clientes, de expandir o poder dos grupos emergentes, com um forte investimento midiático, através de uma exposição institucional sedutora que visa “roubar” clientes da concorrência. No primeiro caso – catolicismo – o emprego preponderante de energias centrípetas e noutro – pentecostalismo – o de energias centrífugas.

Esses dois grandes grupos, contudo, – e também os demais grupos minoritários que se utilizam dos MCM (espíritas e afro-brasileiros) – ao se valerem de tais recursos tecno-comunicacionais, acabam por compartilharem a necessidade de terem suas ações institucionais harmonizadas com as lógicas dessa arquitetura um-para-muitos que caracteriza o modelo comunicacional na hora da produção de suas linguagens, mensagens e conteúdos. Esses grupos, que no momento mesmo de sua habilitação para o uso desses recursos já devem se apresentar institucionalmente burocratizados, necessitam, também, condescender com as práticas de produção inerentemente centralizadoras e administrativamente racionalizadoras dos MCM. Assim, soma-se a um certo centralismo organizacional desses grupos a verticalidade de semelhante tipo de produção mediática. E assim sendo, o resultado não pode ser outro que o de uma postura de “tutorização” do receptor alvo. Como nos alerta Antônio Fausto Neto a respeito de igrejas que se utilizam de MCM:

[…] as estratégias de produção e de ativação de vínculos realizadas pelas igrejas nos formatos midiáticos não visam apenas instituir novos procedimentos de visibilidade e de anunciabilidade de suas ações institucionais, mas se dispõem como dispositivos injuntivos muito precisos, na medida em que, pela competência do ‘fazer’, procuram ‘tutorizar’ os indivíduos via ações, com novas formas fundadas em enumerações de natureza instrumental. Esses pro-cessos de ‘tutorizações’ se dão por mais diversificadas estratégias e operações que perpassam os diferentes formatos pertencentes ao ‘mundo das mídias’. Temos, pois, a concretização de várias operações discursivas através das quais gêneros e modelos de programas, resoluções, processos de edição, tipos de enquadramentos, níveis de angulações, animações gráficas, desempenho de atores, em suma, um complexo ‘pacote significante’ opera como a instância em que os vínculos entre igrejas e fiéis/candidatos tomam forma. A religião como um ‘sistema abstrato’ mostra, desta feita, a sua cara. Através da moldura que é a sua programação midiática, seus neo-ministros (padres e pastores da mídia) passam a se constituir em ‘peritos’ desta nova ordem porque a eles – via seu corpo significante – é confiada a tarefa de enunciar este novo mundo (Fausto Neto, 2002FAUSTO NETO, Antônio. Processos midiáticos e construção das novas religiosidades: dimensões discursivas. Galáxia, São Paulo, n. 3, p. 151-164, 2002., p. 162-163).

Estabelece-se, assim, um influxo recíproco entre as três esferas de realidade que aqui têm sido tratadas interseccionadas de várias maneiras: um tipo de religião necessariamente institucionalizada – com todas as implicações decorrentes disso –, uma situação em que as lógicas do mercado religioso se impõem e a necessidade de uma instrumentalização midiática das mensagens desse tipo de religião em atenção às “demandas do mercado”. Passemos, agora, à análise do outro modelo comunicacional, a Comunicação Mediada por Computador (CMC), associado ao uso religioso.

Características da Comunicação Mediada porComputador (CMC)

Com a CMC, por sua vez, o processo comunicativo se desenvolve basicamente sem a ocorrência de nenhuma ruptura fundamental entre o polo emissor e o polo receptor. Quase tudo que há no mundo criado por esta modalidade de comunicação, o chamado ciberespaço, em termos de interfaces e plataformas de interação, favorece a polifonia e o fluxo multidirecional de mensagens, ou seja, trata-se de uma arquitetura comunicacional “muitos-paramuitos”. Assim, os atores em comunicação no ciberespaço têm a possibilidade de ser simultaneamente emissores e receptores de mensagens, produtores e consumidores de informação, e eis o porquê das relações de poder entre os interagentes neste espaço comunicacional tender à “simetria” em contraste à “assimetria” observada nos MCM.

Em decorrência da multidirecionalidade e da polifonia vigentes no ciberespaço os atores que ali habitam estão submetidos a exercícios constantes e, às vezes, frenéticos de confrontação identitária. Inúmeras versões de uma mesma informação, inúmeras interações, as vezes simultâneas, inúmeros contraditórios a um posicionamento, inúmeros argumentos a serem levados em conta num debate ou numa investigação pessoal, forçam o usuário da CMC a uma reflexividade identitária que, inegavelmente, potencializa a autonomia posicional deste sujeito. Por essa razão há quem diga que a Internet é a tecnologia do eu (ou do “self”) mais bem desenvolvida até hoje. Com ela o sujeito moderno está, por auxílio maquínico, como nunca antes esteve, liberto de muitos dos constrangimentos sociais existentes no mundo off-line. O uso, por exemplo, que pode fazer do anonimato permitido por todos os lados no ciberespaço, o torna capaz de um experimentalismo identitário inegavelmente libertário.

Características do uso religioso da internet?

Um diagnóstico rápido a cerca desse tipo de uso da Internet deve iniciar por reconhecer que ali todos que buscam religião são chamados a serem, ao mesmo tempo, artífices e desfrutadores, escritores e leitores, emissores e receptores, observadores e observados, produtores e consumidores de bens religiosos. Trata-se do melhor lugar do mundo para alguém se inteirar de tudo que precisa saber para tomar uma decisão, reforçar ou refutar uma posição, invalidar ou validar – autônoma ou mutuamente – uma percepção, um sentimento ou uma crença religiosa qualquer.

Já foi relatado em outra ocasião (Jungblut, 2008JUNGBLUT, Airton Luiz. The use of the internet for religious groups in Brazil. Trabalho apresentado no First ISA Forum of Sociology, Barcelona, 2008.) que se destacam na utilização dos recursos comunicativos disponibilizados na internet brasileira aqueles grupos que, primeiramente, têm uma tradição de uso da cultura escrita na forma de vivenciarem sua fé (caso dos espíritas, evangélicos e, mais recentemente, esotéricos).

Em segundo lugar, destacam-se aqueles grupos e indivíduos que tomam como obrigação religiosa o proselitismo militante. Neste caso, os evangélicos estão sozinhos na dianteira pois, no Brasil atual, empenham-se, como ninguém mais, numa gigantesca mobilização pela expansão de seu rebanho e a internet, como já havia acontecido com o rádio e a TV, se tornou um front onde estes religiosos gastam muito de sua energia conversionista. Diferentemente de outros grupos, eles agem vigorosamente segundo a lógica do mercado, fazendo com que cada grupo ou indivíduo evangélico potencialize, aomáximo, na internet, os apelos salvacionistas desta modalidade de cristia-nismo.

Em terceiro lugar – e aqui, talvez, esse seja o dado mais importante a ser relatado – é preciso referir à grande autonomia que marca o uso que os indivíduos em geral, que pertencem a todas essas modalidades religiosas, fazem da internet. Mesmo os indivíduos vinculados a grupos mais exclusivistas, como os evangélicos por exemplo, atiram-se avidamente a exercícios de confrontação identitária onde são, por conta dos contraditórios a que se submetem, obrigados constantemente a redefinirem suas identidades, por mais atrelados que estejam a grupos exclusivistas. Por conta da desregulação social radical que caracteriza o ciberespaço (onde quase tudo é, potencialmente, possível), advinda principalmente da limitação dos recursos dramatúrgicos para a autorrepresentação, inerentes às formas mais populares de Comunicação Mediada por Computadores, mesmo os mais fundamentalistas militantes evangélicos são atraídos aos jogos reflexivos ali produzidos. O que se tem, como consequência, é um sujeito que, muito comumente, conforme se processa a exposição a esse meio, se autonomiza em graus variados, em relação aos constrangimentos advindos de seu grupo religioso. Isso quando essa autonomia não precede a sua entrada no ciberespaço. O que parece marcar indelevelmente o uso religioso individual da Internet é a propensão à autonomia identitária e, muito comumente, a insubordinação a sistemas de crenças muito exclusivistas.

É preciso também relatar que algumas das lógicas da arquitetura comunicacional “um-para-muitos”, mencionadas anteriormente, se transferem para a internet – que majoritariamente se caracteriza por uma arquitetura “muitos-para-muitos”. Nesse caso, o que, frequentemente, se assiste nestas situações é uma comunicação unidirecionalmente dirigida aos fiéis. Essa comunicação em quase nada se diferencia daquela praticada oficialmente através de outros modos de publicização de mensagens institucionalmente produzidas. Neste caso, a utilização segue, escancaradamente, uma lógica de mercado que busca, através deste meio, se fortalecer mercadologicamente, seja auxiliando na consolidação da clientela já conquistada, seja favorecendo seu aumento. Contudo, se há através da CMC algum espaço para a exibição de “firmas religiosas” nos moldes tradicionais, exibi-las ali talvez não seja uma boa ideia. São grandes os riscos dos crentes que para ali se dirigem, em busca destas mensagens, se perderem nos emaranhados trajetos hipertextuais formados pela internet e que, muito facilmente, costumam levar a uma reflexividade individual indelevelmente desinstitucianalizante.

É possível notar, outrossim, que o uso religioso da CMC descrito até aqui, guarda grande sintonia com as lógicas que orientam um tipo atual de consumo de religião, nomeadamente aquele experimentado pelos indivíduos nas sociedades urbano-industriais do mundo ocidental (e ocidentalizado), onde é possível notar um crescente ganho de poder ou autonomia dos atores sociais frente às cosmovisões religiosas. Esse ganho parece ocorrer pela perda de importância atribuída ao papel das tradições religiosas decorrentes de fenômenos, tais como o surgimento do pluralismo religioso, o surgimento do espontaneísmo, da “desteologização”, do reflexivismo individual, etc., mas também pela desinstitucionalização da pertença religiosa e pelo enfraquecimento da capacidade congregacional e ético-coercitiva das comunidades religiosas tradicionais. Como diz Danièle Hervieu-Lèger:

Se o próprio individuo produz, de maneira autônoma, o dispositivo do sentido que lhe permite orientar sua vida e responder às questões últimas de sua existência, se sua experiência espiritual se condensa em uma religião ínfima e puramente privada com o que ele decide ou não chamar de Deus, se esta experiência eminentemente pessoal não determina uma ação no mundo, então a pertença a uma comunidade crente se torna secundária, se não completamente inútil. Esta propensão a ‘crer sem pertencer’ se verifica no caso em que o indivíduo dá à sua busca espiritual um sentido religioso ou, dito de outra forma, quando ele estabelece um vínculo entre sua solução crente pessoal e uma tradição crente instituída à qual ele se reporta de maneira livre. ‘Eu me sinto espiritualmente cristão, mas não pertenço a nenhuma igreja’, ‘eu me sinto próximo do budismo’, ‘eu me sinto atraído pela mística muçulmana’. Para fazer valer tais preferências pessoais, hoje corretamente expressas por crentes que se posicionam com uma flexível liberdade diante delas, não é necessário unir-se a nenhum grupo religioso particular. Basta ler uma revista, frequentar uma biblioteca, seguir um programa de televisão, ou ainda – o que acontece mais e mais frequentemente – acessar esse ou aquele site na Internet. Essa disjunção entre a crença e a pertença é evidentemente ainda mais nítida naqueles casos todos em que o sujeito crente reivindica poder escolher, entre essas diferentes tradições, a que melhor lhe convém. Em certo sentido, podemos imaginar que a lógica da “bricolagem da fé” torna impossível a constituição de comunidades crentes reunidas em torno de uma fé comum (2008, p. 156-157, grifo meu)

Podemos também notar, neste caso, uma tripla interpenetração entre as esferas distintas da realidade que foram aqui focalizadas: um tipo de religiosidade desinstitucionalizada vivenciada por sujeitos que dispõem de grande autonomia identitária, uma mídia favorecedora da autonomia identitária e da reflexividade individual e, ainda, menos evidente, uma lógica de mercado favorecedora de trocas desinstitucionalizadas, distinta, portanto, daquela que caracteriza as ações das “firmas religiosas”. É preciso explicar, para esse último ponto, que a noção de “mercado religioso” sugerida aqui, em quase nada se relaciona com aquela proposta pelos formuladores da teoria da Economia Religiosa na qual as firmas religiosas é que controlam monopolisticamente os processos de “validação do crer”. Se há alguma ideia de “mercado” que seja útil neste caso é aquela que se refere às “negociações” individuais, o “mercado formiga” produzido por atores em busca de conteúdos e interlocuções que lhes auxiliem a melhor formular suas posições religiosas e que são, ou autovalidados, ou validados mutuamente em negociações com outros interlocutores colaboradores (Hervieu-Lèger, 2008HERVIEU-LÈGER, Daniele. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis: Vozes, 2008., p. 163).

Conclusão

Pelo exposto fica evidente que, da mesma forma que as religiões de “firma” (institucionalizadas, congregacionais, “de igreja”, etc.) souberam, no passado, e sabem, no presente, beneficiarem-se dos meios de comunicação massivos (veículos impressos, rádio e TV), as religiões e religiosidades desinstitucionalizadas da atualidade (“nova-erizadas”,2 2 D´Andrea (2000). “idiossincréticas”,3 3 Sanchis (1997). reflexivas, etc.) tendem cada vez mais a ter na comunicação mediada por computador seu principal espaço comunicacional.

Assim, se é possível sugerir uma “afinidade eletiva” entre as lógicas dos MCM e os grupos religiosos institucionalizados – ou as “firmas religiosas” – em favor de uma eficiência operacional no momento em que o campo religioso assume escancaradamente as lógicas “do mercado”, também é possível sugerir uma “afinidade eletiva” análoga entre as lógicas comunicacionais que operam no ciberespaço e as religiões e religiosidades desinstitucionalizadas. Sendo que estas últimas, como já referido, são inegavelmente favorecidas pelas condições históricas e sociais da atualidade que promovem tanto a autonomização crescente – e até exacerbada, diriam alguns – do “eu” contemporâneo, como a otimização maquínica das estratégias de pertencimento social, de posicionamento identitário, de construção de trajetos subjetivos do eu, etc. que se assiste através da emergência do ciberespaço.

Tratam-se, assim, nos dois casos, de processos afins que mantêm entre si uma visível “confluência ativa” (Löwy, 1989, p. 23) pois, da mesma forma que a religião institucionalizada tira proveito do centralismo racionalista implícito nos Meios de Comunicação de Massa, também a religiosidade desinstitucionalizada beneficia-se da desregulação social que marca os espaços criados através da Comunicação Mediada por Computador.

  • 1
    Segundo um dos sites do Grupo Bandeirantes de Comunicação (http://www.bandrs.com.br/grupo/historia.php), grupo ao qual veio, posteriormente, a se vincular essa emissora, foi em 1961 que os freis capuchinhos conquistaram a concessão do canal junto ao Ministério das Comunicações.
  • 2
    D´Andrea (2000)D’ ANDREA, Anthony Albert Fisher. O self perfeito e a Nova Era: individualis- mo e reflexividade em religiosidades pós-tradicionais. São Paulo: Edições Loyola, 2000..
  • 3
    Sanchis (1997)SANCHIS, Pierre. O campo religioso contemporâneo no Brasil. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. (orgs.) Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 103-116..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2012

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2012
  • Aceito
    28 Set 2012
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