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Maternar, uma experiência fotossensível

Motherhood, a photosensitive experience

Tornar-se mãe exige uma força de expulsão, e não me refiro apenas ao bebê que chega ao mundo. A expulsão de uma racionalidade estreita, de um ideal de perfeição, de um querer-ser livre de oscilações, de um cômodo espaço interior onde repousam incertas certezas. A imagem dá margem a estas sensibilidades. Evoca, provoca, nos leva além das arestas.

Curiosamente, são estas mesmas imagens, e em especial as chamadas “imagens técnicas”, como a fotografia e o vídeo, que pretendem “iluminar” os obscuros e contínuos momentos da gestação e do parto. Sabe-se que, com os avanços da tecnologia médica, a visão têm sido o sentido privilegiado nos exames e procedimentos pré-natais e obstétricos, desde o grande número de prescrições de ultrassonografias capazes de tranquilizar a mãe e fazer emergir uma certa luz da escuridão de seu ventre, até as rotinas hospitalares que recomendam que a parturiente permaneça deitada na cama obstétrica de modo a facilitar a visão do especialista.

Por outro lado, as imagens fotográficas e fílmicas têm ocupado um espaço privilegiado nos debates acerca das políticas de parto, especialmente no contexto brasileiro, onde os altos índices de realização de cesarianas vêm sendo questionados por grupos de apoio ao parto humanizado. É através do compartilhamento de fotografias e vídeos de partos – naturais ou não, domiciliares ou hospitalares – que se organiza todo um debate acerca das formas de nascer, tornando o nascimento um evento a ser olhado, publicizado, problematizado.

Na gestação e concepção deste ensaio, no entanto, optei por não realizar um ensaio foto-etnográfico sobre gestantes e as diferentes situações de trabalho de parto. Também optei por não fazer um trabalho militante com belas imagens em prol do parto humanizado, nem um trabalho de foto-denúncia em torno da violência obstétrica. “Maternar, uma experiência fotossensível” se propõe voluntariamente a burlar o realismo que caracteriza as imagens do nascimento, para evocar sensações e reflexões mais amplas – e por que não dizer, mais profundas – sobre a maternidade.

Em tempos de um hiper-realismo das imagens, de valorização do claro, da linha contínua, da estaticidade na imagem, da ausência de marcas e ambiguidades, este ensaio faz o caminho inverso e opta pelo escuro, pelo ambíguo, pelo borrado, por uma atmosfera confusional. Estas fotografias foram originalmente produzidas como um estudo de movimento para o trabalho final do curso de dança da gestante. Resultado da exploração rítmica de movimentos e sentimentos vivenciados na gestação, na dança aqui apresentada a gestante se funde com o ambiente, se enterra, se expande, se suaviza e se fortalece. Maternar é expulsar o previsto.















Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2014
  • Aceito
    15 Jan 2015
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