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Sobre a atualidade política da Teoria Crítica: ciências sociais entre alienação e emancipação

On the political actuality of Critical Theory: social sciences between alienation and emancipation

Sobre la actualidad política de la Teoría Crítica: ciencias sociales entre alienación y emancipación

Resumo:

O objetivo deste texto, introdutório ao núcleo temático sobre a atualidade política da Teoria Crítica, é estabelecer um quadro referencial. Em um primeiro momento, coloca a questão da relação fundamental entre política, crítica e teoria social - atual já no tempo de Max Weber e na sua fundamentação das ciências sociais ao lado do político, a qual nunca perdeu a sua atualidade política. Em um segundo momento, por meio de uma retrospectiva histórica, são enfatizados aspectos fundamentais da forma de crítica da Teoria Crítica. Para tanto, recorremos a duas referências. Já Jean-Jacques Rousseau se ocupou da relação entre desigualdade e emancipação através de sua análise da alienação devida às condições sociais. Com Walter Benjamin a experiência com a política torna-se o ponto de partida para uma crítica da interconexão constitutiva entre o indivíduo e suas condições sociais. Ao assumir esses enfoques, a própria Teoria Crítica torna-se um instrumento para tornar o progressivo processo de sociação menos desigual e menos alienador - e a atualidade política permanente dessa escola de pensamento se torna evidente. Finalmente, sugerimos uma breve sistematização dos textos, em diálogo entre cientistas alemães e brasileiros, perguntando pelo lugar da política nas teorias sociais; pela relevância da política para diferentes teorias sociais atuais, notadamente pós-colonial e teoria crítica; por diagnósticos atuais de realidade feitos na perspectiva da Teoria Crítica.

Palavras-chave:
Teoria Crítica; Emancipação; Alienação; Diagnóstico de realidade; Metodologia

Abstract:

The objective of this text, introductory to the thematic nucleus on the political actuality of Critical Theory, is to establish a referential framework. At first, the text poses the question about the fundamental relationship between politics, criticism and social theory - present already in Max Weber’s time and his argument on the foundation of social sciences alongside the political which has not lost its political actuality. In a second moment, through a historical retrospective, fundamental aspects of the form of criticism of Critical Theory are emphasized. Already Jean-Jacques Rousseau has dealt with the relationship between inequality and emancipation through his analysis of alienation due to social conditions. With Walter Benjamin the experience of politics becomes the point of departure for a critique of the constitutive interconnection between the individual and social conditions. Thus Critical Theory itself turns to be an instrument to make the progressive process of sociation less unequal and less alienating - and the permanent political relevance of this school of thought becomes evident. Lastly we offer a systematization of the various contributions in this dossier (in dialogue between German and Brazilian scientists): asking for the place of politics in social theories; the relevance of politics for different current social theories, notably Post-colonial and Critical Theory; and actual diagnoses from the perspective of Critical Theory.

Keywords:
Critical Theory; Emancipation; Alienation; Diagnosis of reality; Methodology

Resumen:

El objetivo de este texto, introductorio al núcleo temático sobre la actualidad política de la Teoría Crítica, es establecer un marco referencial. En un primer momento, el texto plantea la cuestión de la relación fundamental entre política, crítica y teoría social - corriente ya en la época de Max Weber en su fundamentación de las ciencias sociales al lado de la política, que no ha perdido su actualidad política. En un segundo momento, a través de una retrospectiva histórica, se enfatizan aspectos fundamentales de la forma de crítica de la Teoría Crítica. Jean-Jacques Rousseau ya se ha ocupado de la relación entre desigualdad y emancipación con su análisis de la alienación debida a las condiciones sociales. Con Walter Benjamin la experiencia actual con la política se convierte entonces en el punto de partida para una crítica de la interconexión constitutiva entre las condiciones individuales y sociales. Así la propia Teoría Crítica se convierte en un instrumento para hacer menos desigual y menos alienante el proceso progresivo de sociación - y la permanente relevancia política de esta escuela de pensamiento se hace evidente. Al final este texto propone una sistematización de las diversas contribuciones, en diálogo entre científicos alemanes y brasileños: indagando sobre el lugar de la política en las teorías sociales; por la relevancia de la política para diferentes teorías sociales actuales, en particular las teorías poscoloniales y las teorías críticas; por diagnósticos de la actualidad desde la perspectiva de la Teoría Crítica.

Palabras clave:
Teoría Crítica; Emancipación; Alienación; Diagnóstico de realidad; Metodología

Teoria Crítica entre indignação política e conhecimento

Que sentido faz propor aqui, nesta revista de ciências sociais, a pergunta pela atualidade política da Teoria Crítica? E isso justamente em tempos como este, no qual os debates públicos são prioritariamente relacionados a atributos pessoais e cada vez menos fundados em argumentações abertas, que pressupõem o reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validade e se sujeitam à crítica? Começaremos, neste texto, primeiro a olhar pelas relações - reais ou potenciais, explícitas ou implícitas, críticas ou não - de diferentes formas dos afazeres acadêmicos com os problemas políticos, para então nos aproximarmos da questão da crítica e de sua atualidade política enquanto tais.

Um olhar sobre o cenário acadêmico revelará que muitos cientistas se ocupam de emancipação e alienação e, a partir de uma posição social bem segura, discutem grandes nomes da Teoria Crítica. Enquanto isso, o mundo atual é sobressaltado por um evento político atrás do outro, a tal ponto que já não se sabe mais a qual das tantas crises existenciais e ameaçadoras se deva dar atenção primeiro. Uma teoria social crítica não poderia se esquivar de problematizar a política - ou a aceleração das crises políticas - e a indignação e a polarização sociais que as acompanham, ou mesmo, de fundamentar os imperativos de reforma da sociedade preconizados politicamente. Mas ela também necessita tematizar a relação ambígua, (a)crítica e, por vezes, alienada da ciência com essa dinâmica. Por isso, se faz necessário colocar a pergunta sobre o lugar da política nas teorias sociais tradicionais.

Em outra perspectiva surge o questionamento: qual a pertinência de ainda dar tanta atenção ao que escreveram homens velhos e brancos de então, quando se desenvolveu em outras tradições uma consciência crítica relativa às relações de poder pós-coloniais e sobre justiça de gênero? É evidente que uma crítica da política atual ocorre ali onde povos indígenas atuam em protestos frente ao Palácio do Planalto contra decisões judiciais como a do marco temporal, relativas à demarcação de suas terras. A expropriação delas afeta toda sua forma bem específica de vida, ao mesmo tempo em que suas lideranças são constantemente ameaçadas e mesmo mortas. Crítica da política atual também acontece ali onde alguns reivindicam discursivamente uma política de assistência face aos efeitos da pandemia da Covid-19, reivindicação essa que, aos olhos de outros, os transforma em “socialistas” por defenderem direitos universais de liberdade e autonomia. Ou então: a crítica da política atual não é vivenciada justamente ali onde pessoas pobres, não acadêmicas, praticam e experimentam solidariedade em movimentos sociais ou cooperativas? Nessa perspectiva, pois, se coloca, comparativamente, a pergunta pela relevância política e pela capacidade explicativa das teorias críticas.

Também é necessário perguntar como a mudança climática, guerras regionais como na Síria ou políticas públicas como o “Titula Brasil” de governos nacionalistas-populistas, como temas atuais da política, desafiam os olhares analíticos. Cada teoria terá que se perguntar sempre de novo se, face a um mundo extremamente desigual, e ameaçado, ela se posiciona de modo crítico ou afirmativo; ela precisa refletir e escolher politicamente se quer “aspirar à domesticação ou à libertação” (Freire 1974Freire, Paulo. 1974. Uma educação para a liberdade. 4. ed. Porto: Dinalivro.). Ao mesmo tempo, agentes políticos, jornalistas e ativistas fundamentam-se em tradições teóricas e em perspectivas críticas fundamentais - ora mais, ora menos explicitamente - para dar forma ao universo político atual. Nesse sentido, a política atual também depende de que seja cultivado um campo teórico, caracterizado por posições distintas, cujo conteúdo e importância política necessitam ser sempre de novo atualizados com base na práxis.

Em um sentido mais amplo do conceito de crítica,3 3 Em sentido acadêmico, a tarefa da crítica pode ser compreendida em forma mais restrita ou mais ampla. Em sentido estrito, e no uso cotidiano, a crítica serve para a avaliação de um objeto ou de um comportamento através de determinados padrões ou escalas. Em sentido amplo, ela significa um confronto sistemático e fundamentado com um objeto - como nas três críticas de Kant -, sendo que nessa crítica a tarefa principal é transformar o próprio sistema de avaliação em objeto (Foucault 1990, 33-80). Importante remeter também a um debate atual, fortemente influenciado pela Teoria Crítica, como presente no livro Was ist Kritik (Jaeggi e Wesche 2013) e, também, no grupo de excelência (Frankfurter Exzellenzcluster) Die Herausbildung normativer Ordnungen, que colocou para si a questão sobre quando e como determinados sistemas de avaliação alcançam validade, se estabilizam ou se desfazem (Forst e Günther 2021). portanto, é possível distinguir provisoriamente questionamentos em três diferentes dimensões relevantes: pelo lugar da política nas teorias sociais (clássicas); pela relevância da política nas diferentes teorias sociais; e pelas perspectivas e análises da política atual com base em determinadas teorias. Na presente edição de Civitas, o ponto de partida é pela atualidade da Teoria Crítica em sentido estrito.4 4 Estamos cientes de que existe todo um debate sobre a própria existência da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt (Wiggershaus 1991). Contudo, o próprio fato de que exista um debate vivo a respeito do que seja o cerne e o estilo da Teoria Crítica, como em Bohmann e Sörensen e em Kerner nessa edição, indica que há um motivo forte para essa discussão existir.

O lugar das ciências sociais no político: de Max Weber à Teoria Crítica - a objetividade e a totalidade do social

Para aprofundar a questão da relação da Teoria Crítica com a política, pareceu-nos importante primeiro dar um passo atrás e perguntar: até que ponto Ciência Social consegue ser apolítica? Max Weber não tinha fundamentado a criação das ciências sociais com o argumento de que o ganho em conhecimento orientado metodologicamente antecede o posicionamento político - estando portanto comprometido primeiro com um apoio externo (a metodologia) para além do objeto em si e do político (Weber 1995Weber, Max. 1995. O sentido da “neutralidade axiológica” nas Ciências Sociais. In Metodologia das Ciências Sociais, 2. ed., 361-98 São Paulo: Cortez.)?5 5 Um tempo que, em semelhança aos dias atuais, também foi politicamente agitado e acometido de crises, uma boa razão para se reler atentamente aqueles textos históricos sobre a relação entre política e ciência. Essa “neutralidade axiológica”, no entanto, não significa que os e as cientistas não possam ter sua opinião política (contanto que a tornem explícita como tal), ou que, com base em investigações sobre fenômenos políticos atuais, não possam chegar a juízos fundamentados que por sua vez dão suporte a reivindicações políticas de um outro futuro. Também seria uma falsa compreensão de Weber argumentar que em disputas metodológicas sobre fenômenos sociais e culturais seria possível uma “objetividade” neutra e independente de contextos sociais (Weber 2006Weber, Max. 2006. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática.). No contexto politicamente caótico da primeira Guerra Mundial e face a uma sociedade alemã profundamente dividida e em disputas internas, Weber, ao contrário, se viu impulsionado a apontar para a diferença entre ciência e política (1982Weber, Max. 1982. Ensaios de sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara., cap. 4 e 5), para a necessidade social de uma diferença, na qual é tarefa da ciência justamente criar e difundir conhecimento sobre o mundo, e que não lhe compete a tarefa de formatar esse mundo.

Por isso é o método ou a argumentação sistemática que primeiro determina o caminho para o conhecimento - e não o desejo político sobre qual argumento será empregado ou qual teoria será rejeitada. Weber inverte a relação da política com a teoria social. Somente esse procedimento permitirá então a formação de um juízo fundamentado, de modo que não será qualquer “besteira inconsistente” que, no debate político, substituirá conhecimento metodologicamente adquirido nem subsistirá como legítima manifestação do livre pensamento. E nesse momento, o conhecimento se torna altamente político! Nesse sentido não surpreende, embora seja altamente preocupante, que justamente no Brasil, especialmente durante o governo Bolsonaro, as ciências sociais tenham se tornado mais do que nunca um campo de disputas políticas, sistematicamente reduzidas a “manifestações da esquerda” e cerceadas nos processos de nomeações e de promoções, no financiamento público, na interferência na definição de conteúdos acadêmicos, na exclusão total de temas de humanidades em linhas de fomento.

A Teoria Crítica, compreendida como um programa de pesquisa e uma escola teórica, defende uma posição bem-determinada sobre a relação entre ciência e política. Foi nesse sentido que se desencadeou, há algumas décadas, a assim chamada disputa sobre o positivismo (Adorno et al. 1973Adorno, Theodor W., Karl R. Popper, Ralf Dahrendorf, Jürgen Habermas, Hans Albert e Harald Pilot. 1973. La disputa del positivismo en la sociología alemana. Barcelona: Grijalbo.), que envolveu como contraentes em um dos lados representantes da Teoria Crítica e, de outro, representantes de uma perspectiva mais tradicional de teoria social, em um debate justamente sobre a interpretação da “neutralidade axiológica” de Weber, sobre a questão até que ponto um conhecimento objetivo seria possível - ou não. E se, não sendo possível ser objetivo, ele poder ser, mesmo assim, metodologicamente fundado. O posicionamento científico dos teóricos críticos de então é implicitamente compartilhado no conjunto dos textos seguindo essa escola em sua forma de crítica (metodologia) e se manifesta em conceitos como emancipação, alienação e na perspectiva de totalidade do social. Para aprofundar esta posição queremos primeiro ousar uma breve retomada histórica.

O político como ponto de partida da Teoria Crítica e a atualidade política: Jean-Jacques Rousseau e Walter Benjamin - alienação e emancipação

“O homem nasceu livre mas em toda a parte está a ferros” (Rousseau 2010Rousseau, Jean-Jacques. 2010 [1762a]. O contrato social. Oeiras: Presença. [1762a], 17) é a poderosa expressão com a qual J.-J. Rousseau inicia o primeiro capítulo de O contrato social. Talvez um pouco menos conhecida - ou disseminada em outros círculos - mas não menos marcante, é a primeira frase de Emílio ou Da educação: “Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (Rousseau 1999Rousseau, Jean-Jacques. 1999 [1762b]. Emílio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes. [1762b]). Ambos os livros, aquele sobre a forma da sociedade e esse sobre a formação do (jovem) ser humano nessa sociedade, foram publicados no mesmo ano. Nas duas frases introdutórias em conjunto é expressa uma crítica à sociedade, como de resto nos dois livros ele dá uma resposta - ou seja: são uma resposta em conjunto a uma tensão que Rousseau havia formulado alguns anos antes no seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (Rousseau 2013Rousseau, Jean-Jacques. 2013 [1755]. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM. [1755]). O ser humano, em sua formação, depende da comunidade, do social, enquanto ele, ao mesmo tempo, constitui esse mundo, ou seja: enquanto o ser social humano contribui para o progresso cultural inevitável do mundo, ele fomenta a sua própria sociação, que é, ao mesmo tempo, uma alienação. Ou, como Marcuse (1997Marcuse, Herbert. 1997. Filosofia e Teoria Crítica. In Cultura e sociedade, 2. ed., 137-60. São Paulo: Paz e Terra., 119) formulou mais de 200 anos depois [1965], “a constituição do mundo ocorre às costas do indivíduo e é, mesmo assim, obra sua”. Para romper este círculo vicioso, Rousseau constrói um modelo de teoria crítica que mantém seu caráter orientador até hoje: face a que o sujeito humano é em princípio indeterminado, em que medida a forma atual da sociedade limita sua emancipação? Ou dito de outro modo: o caráter enculturador da sociedade pode e deve ser criticado porque ela aliena o ser humano de suas possibilidades - em princípio, infinitas - de ser. Queremos deter-nos brevemente nessa concepção antropológica e na forma de crítica das instituições políticas dali extraída por Rousseau.

Frequentemente se acusa Rousseau de ter uma visão muito positiva e, também, muito uniformemente igualitária do ser humano. As digressivas e longas considerações sobre o estado de natureza dele na primeira parte do Discurso induzem a essa interpretação. No entanto, essa descrição é um recurso estratégico-metodológico para tornar explícita a diferença entre as desigualdades naturais e as não naturais, portanto, morais ou políticas, entre os seres humanos.6 6 “Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma que chamo natural ou física, porque é estabelecida pela natureza e consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a outra que podemos chamar desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e é estabelecida, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios que alguns usufruem em detrimento dos outros, como o de serem mais ricos, mais honrados, mais poderosos que eles, ou mesmo o de se fazerem obedecer por eles” (Rousseau 2013 [1755], 30). Um recurso, assim, para revelar aquela desigualdade social que se estabelece devido a um progressivo processo de sociação com base em convenções ou instituições. A descrição das convenções não questionadas é tornada possível pela hipotética diferença com relação ao estado de natureza, e permite assim julgar a legitimidade de autoridade e governo, das instituições políticas atuais, preservando as convenções (Rousseau 2008Rousseau, Jean-Jacques. 2008 [1755]. Diskurs über die Ungleichheit: kritische Ausgabe des integralen Textes. Paderborn: Schöningh. [1755], 70).7 7 Edições acessíveis em português não eram completas, por isso o recurso a outro idioma. Essa determinação de uma totalidade atemporal da igualdade natural e ao mesmo tempo da diferença factual entre as pessoas é uma estratégia que permite a reflexão sobre o ser historicamente formado.

O problema fundamental para Rousseau em relação à política, pelo menos no Discurso, não é a existência de instituições políticas, convenções morais ou a crescente sociação em si (Rousseau 2008Rousseau, Jean-Jacques. 2008 [1755]. Diskurs über die Ungleichheit: kritische Ausgabe des integralen Textes. Paderborn: Schöningh. [1755], 396), mas sim como e onde elas se tornam as portadoras de uma determinada ideologia responsável pela desigualdade, sem estarem legitimadas mediante processos políticos de decisão e participação.8 8 Crítica essa que Rousseau em seu tempo realizou de modo exemplar na religião (Rousseau 2013 [1755], 31). Como a legitimidade pode ser estabelecida é o tema central do Contrato social e como uma educação poderia ser adequada ao ser indeterminado é o tema no Emílio. Em contrapartida, a desigualdade não natural deve ser questionada criticamente em relação a sua legitimidade em todos os lugares em que ela é constituída socialmente. O que leva à tarefa de desvelar convenções, estruturas, normas e instituições socialmente construídas “às costas” do indivíduo. O objetivo do Discurso, portanto, é o de tornar visível essa diferença entre as possibilidades em princípio infinitas, mas comuns a todas e todos humanos, e suas limitações sociais, culturais, políticas e econômicas historicamente formadas em e através das atuais convenções e instituições. O Discurso não deve ser interpretado como uma investigação empírica; ele apresenta um programa de pesquisa teórico, uma perspectiva atemporal de questionamento, um modelo fundamental de crítica da sociedade através da figura da alienação face ao padrão dado pela indeterminação do ser humano em formação, com o intuito de romper o círculo vicioso entre formação e sociação.

Da mesma forma que o ser humano, também a sociedade e seu processo de desenvolvimento são vistos como passíveis de múltiplas formatações, e sua forma atual pode ser considerada como uma entre muitas outras possibilidades de realização.9 9 “[…] resta-me considerar e aproximar os diferentes acasos que puderam aperfeiçoar a razão humana deteriorando a espécie, tornar má uma criatura ao torná-la sociável e, de uma origem tão distante, trazer finalmente o homem e o mundo ao ponto em que os vemos” (Rousseau 2013 [1755], 55). Assim, a descrição crítica do ser condicionado histórica e culturalmente permite o diagnóstico da perda, deformação ou alienação de suas potencialidades de ser-humano-social. Em especial, as instituições da política (Contrato social) e da pedagogia (Emílio), a quem cabe moderar explicitamente o desenvolvimento interconectado do todo social e do indivíduo, podem ser responsabilizadas por ignorarem as possibilidades que em princípio todo ser humano tem, e de estabilizarem as condições que o alienam. Em certa medida, Rousseau coloca assim a questão sobre qual o lugar da política na teoria crítica; sua forma de crítica que leva ao desvelamento dos pressupostos convencionais tácitos dominantes na política nunca perde a sua atualidade política.

Essa perspectiva crítica, no entanto, já Rousseau não pode desvencilhar-se nem negar seu próprio condicionamento histórico-cultural. O tratamento das convenções supostamente dadas sempre está acompanhado de uma certa imprecisão, porquanto elas “agem ininterruptamente” e são difíceis de serem desveladas, razão pela qual a crítica não tem “condições de lhes dar o grau de certeza dos fatos” (Rousseau 2013Rousseau, Jean-Jacques. 2013 [1755]. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM. [1755], 56). Por isso, em contrapartida, sempre é necessário atualizar a própria forma de crítica, seus pressupostos básicos, seu sistema de avaliação, seja ele pós-colonial, decolonial ou crítico, bem como investigar quais são as convenções não questionadas, não legitimadas, mas poderosamente influentes dentro dele.

A política é sempre caracterizada por uma ambivalência fundamental devido à inevitável tensão inserida no processo de sociação e formação. Como mediadora entre indivíduo e sociedade no progressivo processo de sociação, ela é, em sentido crítico, sempre também uma limitação das possibilidades de ser do indivíduo, da sociedade e da relação concomitantemente constitutiva de ambos. A atualidade política desse modelo de crítica está em que ele pode ser aplicado sempre renovadamente para transformar a lógica desse círculo.

Cerca de um século e meio depois de Rousseau, por volta de 1933, Walter Benjamin escreveu um pequeno, mas refinado texto com o título “Experiência e pobreza” (Benjamin 1984Benjamin, Walter. 1984. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense., 104-8). Ele inicia o texto com uma parábola sobre a ordem das gerações, que é transmitida e, ao mesmo tempo, mantida viva através da experiência, como um bem que pode ser passado adiante. Também nesse texto está em primeiro plano a interação constitutiva entre o indivíduo em formação e a sociação através da forma da ordem social:

Tais experiências nos foram transmitidas, de modo benevolente ou ameaçador, à medida que crescíamos. [...] Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a filhos e netos. (1984, 104).

Mas, como segue imediatamente, “Que foi feito de tudo isso?” Face a ela, Benjamin descreve então uma experiência bem diferente:

Não, está claro que as ações da experiência estão em baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como parece. Na época, já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros de guerra que inundaram o mercado literário nos dez anos seguintes não continham experiências transmissíveis de boca em boca. Não, o fenômeno não é estranho. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto [unter freiem Himmel], numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. (Benjamin 1984Benjamin, Walter. 1984. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense., 104).

Uma experiência tão desilusionadora quanto assustadora de sua geração foi o fracasso radical da política bem como da ideia do progresso social, técnico e econômico pela primeira Guerra Mundial, tão profundamente desprezadora e destruidora de seres humanos. Mas essa experiência direta da jovem geração - pelo menos de uma parte dela - ao mesmo tempo permite livrar-se da ordem das gerações, sim, ela exige inclusive com veemência o abandono daquela ordem. “Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência?” (Benjamin 1984Benjamin, Walter. 1984. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense., 104). Benjamin colocou assim a questão, muito atual hoje, sobre a criação da possibilidade de interromper o círculo de reprodução da ordem vigente. A experiência pessoal da exclusão, e às vezes também a experiência mediatizada pela análise crítica da política atual e o desvelamento de convenções sociais fracassadas que estão na origem da desigualdade social, de relações (pós)coloniais, racismo e de injustiças de gênero, poderiam provocar essa interrupção. Assim, a mera indignação com situações poderá evoluir para uma crítica da “ordem” das gerações e a forma do “progresso” da sociedade desigual, bem como para práticas transformadoras. Em um primeiro momento, não é tão central o que fracassa, mas a experiência do fracasso que provoca a crítica dele, que permite ao indivíduo assumir uma postura distanciada e metodologicamente orientada frente às condições prefiguradas que sobre ele próprio foram e são poderosamente eficazes “atrás de suas costas”. Assim talvez abra a possibilidade de interromper a interação constitutiva da ordem social que ocorre entre o indivíduo em formação e as condições sociais de sua sociação. Da necessidade desse distanciamento, dessa interrupção do círculo reprodutor, resulta a atualidade política e a necessidade de teorias críticas, acima e além das respostas concretas aos desafios cotidianos da política atual, tornando o processo de sociação mais refletivo, uma transição gerada pelo próprio caráter progressivo da sociação a partir da experiência política.

E, mesmo assim, esse pequeno texto de Walter Benjamin, escrito sobre uma experiência ocorrida há mais de 100 anos, um tempo que, pelo menos na Europa, em muitos aspectos era semelhante ao nosso hoje, é carregado de uma notória ambivalência de uma insegurança esperançosa. Primeiro, é o tempo de uma “paisagem diferente em tudo, [...] e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras” (Benjamin 1984Benjamin, Walter. 1984. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense., 104), que suscita perguntas. Se o presente se modificou, ou melhor: se a postura perante o presente se alterou, sobre que fundamento posso construir expectativas e sobre quais não? Quais tradições (ainda) são boas e quais convenções de uma suposta “ordem” e orientadoras de um almejado “progresso” são “legítimas”? Ou, perguntando de outro modo: como posso saber o que é bom e o que é legítimo, se não posso confiar na experiência das convenções e instituições sociais porque minha experiência pessoal-reflexiva revelou que a atual ordem social não se sustenta, que ela é injusta e desigual?

Segundo, as “nuvens” são a única coisa que não mudou nessa paisagem, e a nova geração está sob o “céu aberto” (unter freiem Himmel). Portanto, permaneceu ali um símbolo da esperança, dos sonhos, do futuro e, sobretudo, do caminho livre até ele, mediante o rompimento da ordem das gerações - o ciclo tradicional de sociação, tão logo as nuvens ameaçadoras do presente tiverem se dispersado. Assim, a experiência crítica é, em em um primeiro momento, uma chance para a nova geração e para o indivíduo. Enquanto o indivíduo está situado no centro de “um campo de forças de correntes e explosões destruidoras […]”, o “frágil e minúsculo corpo humano” se coloca frente ao desafio de sua formação mediante uma nova relação com a sociação. Walter Benjamin reformula aqui a questão da formação da teoria crítica. Ele coloca em evidência que não basta apenas denunciar ou desconstruir o “fundamento” de uma tradição, mas do que se trata é de como avaliar, na incerteza, qual tradição é suficientemente sólida e qual não. “O frágil e minúsculo corpo humano” no seu devir, na sua formação, necessita um fundamento e depende da constituição recíproca por e com uma coletividade social. Então, como lidar, como sociedade, com esse fundamento frágil? Como introduzir uma reflexividade crítica, uma outra relação necessária no processo de sociação, para que ela ocorra um pouco menos “às nossas costas”, distante de populismos e de respostas maniqueístas? A crítica da sociedade atual é sempre simultaneamente chance e risco - em especial, em tempos politicamente instáveis.10 10 Aqui surge também um problema metodológico que, no marco deste texto, só pode ser apontado: sobre um “novo”, “outro” ou “alternativo” caminho não há “experiência” a qual se possa recorrer e se apoiar. Entre outras razões, é por isso que a Teoria Crítica toma como foco a “totalidade” do social, porquanto análises “empíricas”, cuja base é a experiência, sempre apenas reproduzem o já existente. Não se pode mensurar experiência de algo que ainda não ocorreu, que ainda não se realizou. Segundo Benjamin, pela (possibilidade da) crítica essa geração torna-se livre para tomar outro caminho, que, possivelmente, conduza a menos alienação. A grande insegurança consiste sempre em que é igualmente disputado tanto quais tradições, fundamentos e estruturas sociais devem ser questionadas como também é incerto onde novos caminhos levarão - a um mundo melhor ou então para a “barbárie” (Benjamin 1984Benjamin, Walter. 1984. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense.).11 11 Certamente não é casualidade que Benjamin escreveu esse previdente texto em 1933, no ano da tomada de poder pelos nacional-socialistas. Também no texto Educação após Auschwitz, Adorno (s. d.) aborda exatamente essa temática da barbárie - como também a discussão em torno do “autoritarismo”, presente como temática também nesta edição de Civitas; ele tenta encontrar alternativas para lidar com esse problema, como analisar quais “fundamentos” ou “tradições” levam à barbárie e devem ser desconstruídas. O ser humano é frágil e dependente em seu devir, em sua formação, da coletividade social. Precisamente por isso torna-se tão aguda a pergunta sobre como, na atual situação política, um tempo de crises, de polarizações, de transformações técnicas e sociais cada vez mais aceleradas, e em uma época de tão grandes inseguranças, não só é possível chegar a uma teoria crítica da sociedade, mas mostrar outras sociedades possíveis, começando por uma relação mais madura com a atualidade e dando nova qualidade à interconexão entre formação e sociação.12 12 Ver a edição do periódico Soziale Passagen com o tema Zusammenhalt | differença (Bunk e Sobottka 2020a), que procurou refletir sobre essa pergunta e encontrou em práticas de movimentos sociais, em grupos e cooperativas locais uma base consistente, coletividades sociais inclusivas onde, com trabalho socialmente compartilhado, se construiu resistências ali onde se havia experimentado a exclusão social.

Então, como é possível formular crítica em tempos politicamente inseguros e turbulentos, sem que o ser humano (e as instituições na sociedade), sobrecarregado com mudanças, siga o apelo populista por ordem e segurança, por respostas simples e polarizadas entre o bem e o mal, por inequívocas identidades nacionais? Como estabelecer uma outra relação entre formação do indivíduo e sociação? Justamente por isso nos pareceu importante que, nestes tempos políticos atuais, a tradição da Teoria Crítica seja questionada com relação à teoria política, ao lugar do político nela, e compará-la com outras tradições teóricas, na expectativa que resulte em respostas politicamente relevantes para a atualidade (ver o texto de Hartmut Rosa nesta edição). Pois a Teoria Crítica, em especial o Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, como tentamos mostrar com referência a W. Benjamin e H. Marcuse, desde seus inícios estava muito consciente desse problema pedagógico e sociológico dentro da crítica. Mesmo que isso não tenha sido sempre um tema explícito, essa preocupação encontrou abrigo em seu programa de pesquisa através da construção metodológica da coletividade social inclusiva - a totalidade do mundo social enquanto um “céu aberto”, um constante apego à esperança da emancipação como possibilidade e utopia. Por sua abordagem metodológica, essa forma de crítica - disso estamos convictos - é atemporalmente política e politicamente atual.

A reconstrução feita acima tentou mostrar que Rousseau desenvolveu uma estratégia paradigmática de crítica da sociedade independente de contexto. Ela pode ser encontrada - ou pelo menos ecos dela ressoam - de forma análoga em muitas propostas de teoria crítica da sociedade, mas está presente, em especial, na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.13 13 A pretensão nesse texto não é a de fazer uma história das ideias sobre como Rousseau foi recebido pela Teoria Crítica através de Hegel e Marx. Também não será feita uma contextualização de Rousseau nas disputas sobre as teorias de estado de seu tempo. A questão que ele descreve e sua forma de tratamento dado a ela são paradigmáticas para a crítica - como a distância histórica permite reconhecer com nitidez. Também ela volta seu olhar crítico para relação entre o indivíduo em formação na e ao mesmo tempo com a sociedade. Face às possibilidades em princípio ilimitadas de ser de cada ser humano, no que todos seres humanos se igualam e são unos, sua enculturação e seus condicionamentos tanto sociais como políticos podem ser descritos como alienação daquelas possibilidades e a atual desigualdade social, como resultado do desenvolvimento histórico das condições sociais dominantes. Essa análise vem acompanhada da ideia da emancipação frente às convenções predominantes e aponta que as condições sociais poderiam ser totalmente outras, que elas são politicamente moldáveis. Enquanto “a desigualdade entre os homens” puder ser apontada como resultante de condições sociais e de decisões políticas, essa forma de crítica permanece politicamente atual, porquanto seu objeto é o desvelamento dos mecanismos de dominação e de opressão da sociedade atual e a prospecção de possibilidades de transformações em direção a uma sociedade decente, de seres humanos emancipados.

É nesse sentido que Rousseau introduz já no Discurso uma forma inicial de crítica da ideologia, na qual ele toma como alvo especificamente as instituições políticas, tanto em sentido estrito como lato. Uma crítica imanente da ideologia14 14 Para Adorno, a crítica da ideologia deve ser imanente, isto é, ela deve confrontar as estruturas e as instituições sociais (“o mundo dos produtos espirituais”) naquilo que elas são concretamente com a reivindicação contida em seu conceito, confrontando-as assim com “seu momento de verdade” (Adorno 1978). na qual importa desvelar os dogmas ocultos dessas instituições que não são explicitados nem foram legitimados, que alienam o ser humano em formação de suas possibilidades e estabilizam a desigualdade na sociedade.

Walter Benjamin segue basicamente essa forma de teoria crítica, mas com diferenças sutis, porém decisivas. Ele não recorre a utopias para poder indicar que e como a sociedade poderia ser diferente do que ela é, formulando deste modo implicitamente novas ideologias políticas. Ao contrário, seu ponto de partida é a experiência do fracasso total do desenvolvimento histórico-político - em seu tempo, com a primeira Guerra Mundial, mas hoje essas experiências poderiam ser a pobreza ou a crise climática. A experiência crítica provoca, por um lado, uma postura distanciada com relação à ordem entre presente e tradição e essa nova postura e prática possibilitam a emancipação do círculo vicioso da reprodução entre a inscrição das condições sociais no sujeito em formação e a constituição justamente dessas condições.15 15 A pandemia do Covid-19 suscita a pergunta se Benjamin não foi muito otimista. Justamente nessa crise, os discursos têm-se revelado menos voltados à solidariedade e a alternativas novas de desenvolvimento, e muito mais para um retorno à velha normalidade, dinamizando nacionalismos a crescente desigualdade. O aprendizado com a experiência parece ter fracassado. Por outro lado, uma teoria crítica se torna necessária exatamente porque as bases da tradição estão se tornando instáveis e frágeis. Por isso, torna-se necessário fundamentar aquilo que deve e aquilo que não deve ser preservado - e torna-se igualmente necessária orientação para o sujeito social e frágil em formação. Quando se enceta novos caminhos, não há experiência ou empiria que possam servir de base ou orientação. Portanto, de modo semelhante à realidade social em análise, também a crítica necessita da reflexão, porquanto ela própria é indelevelmente prefigurada por esta frágil base do devir do presente.

A atualidade política da Teoria Crítica surge, pois, da política atual. De um lado, ela busca incluir em sua reflexão também a crítica da crítica, consciente da interação frágil e ambivalente entre o sujeito em formação sob as condições sociais dadas. De outro, surge um problema da Teoria Crítica que Hartmut Rosa formulou assim, ao postular, ao mesmo tempo, uma forma de teoria crítica mais relacional:

O problema central das teorias anteriores sobre alienação consiste em nunca terem podido indicar precisamente o que caracteriza categorialmente um estado de não-alienação, o que, portanto, perfaz o conceito oposto a alienação. […] Pois para poder indicar um semelhante conceito oposto, o conceito de alienação parece implicar em pressupostos substancialistas sobre a essência do ser humano - sobre sua verdadeira natureza, sobre suas verdadeiras necessidades ou sobre a maneira correta de viver - que não conseguem ser fundamentados e que, face à histórica plasticidade do ser humano, também parecem questionáveis, porque eles podem servir - e historicamente serviram - para desacreditar práticas não desejadas (como por exemplo homossexualidade ou também urbanidade, tecnicidade etc.) como “alienadas” (entfremdet). A “verdadeira natureza humana”, por conseguinte, não serve (pelo menos como conceito entendido de modo substancialista) para a determinação do “outro” da alienação. (Rosa 2016Rosa, Hartmut. 2016. Resonanz: eine Soziologie der Weltbeziehung. Berlin: Suhrkamp., 300).

Sistematização dos textos sobre a atualidade política da Teoria Crítica

Para concluir, apresentamos uma breve sistematização dos textos desse dossiê que, em diálogo de cientistas alemães e brasileiros, pergunta pelo lugar da política nas teorias sociais, questiona sobre a relevância da política para diferentes teorias sociais atuais e traz alguns diagnósticos atuais de realidade feitos na perspectiva da Teoria Crítica.

As primeiras contribuições aqui reunidas retomam a discussão sistemática sobre a relação entre a política (atual) com a teoria social (crítica) e colocam em discussão como essa relação deve ser compreendida, justamente porque esse é o ponto de partida da tradição da Teoria Crítica. Além de uma escola de pensamento que agrega um círculo determinado de pessoas, Teoria Crítica se refere, de um lado, a uma tradição de teorias sociais que buscam incluir em sua perspectiva de análise a totalidade da cultura material e espiritual da humanidade (Horkheimer 1999Horkheimer, Max. 1999. A presente situação da filosofia social e as tarefas de um instituto de pesquisas sociais. Praga: Estudos Marxistas 7: 121-32.; Musse 2021Musse, Ricardo. 2021. Cultura e sociedade na primeira Teoria Crítica. Tempo Social 33 (2): 267-88. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2021.181238.
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) e pressupõem “a sociedade” ou “o social” como uma totalidade dotada de sentido.16 16 Pressupor essa totalidade é um dos argumentos de Adorno no debate sobre o positivismo, porquanto o conhecimento dos fenômenos sociais sempre é possível apenas nas interdependências do todo da sociedade e não isolados de uma teoria da sociedade. De outro, o que agrega essas teorias é a ideia da emancipação das ou frente às condições sociais dadas, consideradas como alienantes (Horkheimer 1999Horkheimer, Max. 1999. A presente situação da filosofia social e as tarefas de um instituto de pesquisas sociais. Praga: Estudos Marxistas 7: 121-32.). A alienação em que se encontra o ser humano foi ponto de partida de um programa de pesquisa decididamente político no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt (Adorno e Horkheimer 2006Adorno, Theodor W. e Max Horkheimer. 2006. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar.) e manifesto na exigência “que Auschwitz não se repita” (Adorno [s. d.]Adorno, Theodor W. [s. d.]. Educação após Auschwitz. Repositório. São Paulo. Acessado em 27 de dezembro de 2021. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5090779/mod_resource/content/1/Adorno-Educacao-apos-Auschwitz.pdf.
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). Justamente com referência a esse cânon implícito se coloca, pois, a pergunta conceitual indicada acima sobre o lugar da política na Teoria Crítica, tratada em Prospectando uma Teoria Crítica da política, de Ulf Bohmann e Paul Söhrensen e Towards a phenomenological contribution for social criticism, de Fabrício Pontin.

A seguir é colocada a pergunta pela relação entre diferentes teorias críticas com vistas à política atual. Nesse intuito pretendemos colocar especialmente diferentes tradições de teoria pós-colonial ou decolonial politicamente relevantes em diálogo com a Teoria Crítica. Ainda que a ideia da emancipação das relações sociais de poder esteja no centro de ambas as escolas teóricas, elas se diferenciam fundamentalmente quando uma pressupõe como totalidade “o social” e a outra pressupõe “a diferença” (Marchart 2013Marchart, Oliver. 2013. Die politische Differenz Zum Denken des Politischen bei Nancy, Lefort, Badiou, Laclau und Agamben. Acesssado em 16 fev. 2022, 2022, https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:101:1-2014021412961 .
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; Bunk e Sobottka 2020bBunk, Benjamin e Emil A. Sobottka. 2020b. Zusammenhalt und Differenz. Soziale Passagen 12 (2): 215-36. https://doi.org/10.1007/s12592-020-00367-w.
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, 230). São três contribuições com as quais autora e autores buscam levar adiante, dinamizar e aprofundar o necessário diálogo - ou melhor: a frutífera controvérsia. Cada qual a seu modo, e partindo de aproximações distintas, os três abordam e aprofundam a relação entre essas duas escolas teóricas: Ina Kerner inicia em Condições pós-coloniais abusivas e as tarefas da Teoria Crítica mostrando lacunas na Teoria Crítica e aponta para necessidades urgentes de sua renovação. Enrico Bueno, com A crítica do mito da modernidade - da Escola de Frankfurt ao giro decolonial, perscruta interfaces das escolas, com especial consideração para contribuições originais vindas da perspectiva decolonial latino-americana. Hartmut Rosa, em O equívoco da ontologia social antagonista e a crise de alienação da modernidade tardia, coloca frente a frente as formas de crítica que ele denomina de ontologia social antagonista, na qual o outro é visto como adversário ou inimigo, e a crítica feita em perspectiva de uma ontologia relacional, voltada para a qualidade das distintas formas de relações sociais estabelecidas em instituições sociais. Do nosso ponto de vista, esse debate no amplo campo de teorias críticas é necessário e esperamos que ele possa ser fomentado com essa publicação.

Semelhante atualização da Teoria Crítica, por fim, também pode acontecer a partir de objetos específicos. Assim é possível perguntar: qual crítica fundamentada da política pode ser formulada dentro do marco de uma teoria crítica da sociedade? Dentre as contribuições aqui reunidas, algumas se ocupam especificamente de temáticas politicamente vinculadas: direitos humanos (A busca por direitos humanos, de Evanway Soares), democracia (Democracia estancada, de Lara Góes), neoliberalismo (Crítica reconstrutiva do neoliberalismo, de Luiz Gustavo da Cunha de Souza). Na mesma linha, embora parte de outra seção desta edição, pode ser visto o texto de Alex DemirovicDemirović, Alex. 1999. Der nonkonformistische Intellektuelle: die Entwicklung der Kritischen Theorie zur Frankfurter Schule. Frankfurt am Main: Suhrkamp. (A questão do autoritarismo global). Mesmo distante de pretender reivindicar esgotar a temática, essas contribuições apontam para áreas centrais da atuação política na perspectiva de uma teoria crítica da sociedade. E sempre de novo se coloca a questão sobre qual o papel que a política tem nessas áreas, em que medida ela fomenta a emancipação ou a alienação, em que medida ela própria é expressão de desenvolvimentos mais emancipatórios ou alienantes da sociedade. Em todas essas situações está sempre colocada a pergunta, em que medida uma teoria crítica ainda está sendo politicamente atual.

No caso específico desta edição, ela resultou de nosso diálogo acadêmico-político em um contexto acadêmico alemão-brasileiro e de tempos políticos conturbados.17 17 Em certa medida, ela é a contraparte da edição mencionada acima (Bunk e Sobottka 2020a). Ponto de partida foram as estadias de Benjamin Bunk no Brasil (2017-2018) e Emil Sobottka na Alemanha (2019), com financiamento da Fundação Alexander von Humboldt, e dois outros simpósios junto com Hartmut Rosa em 2019 em Porto Alegre e no Congresso Brasileiro de Sociologia, Florianópolis, em 2019. Por fim, também o livro Kritische Theorie der Politik, editado por Ulf Bohmann Paul Söhrensen (2019), foi uma importante fonte de inspiração. Somou-se a isso o fato de que Civitas é há muito tempo um dos lugares no Brasil em que a Teoria Crítica tem recebido espaço e acolhida. Ao fim e ao cabo, a pergunta pela relação entre emancipação e as condições dadas é uma preocupação manifestamente política também em tempos de pandemia. A despeito de todas as possibilidades da digitalização, parece que a atual pandemia dinamizou ainda mais a renacionalização ao alçar a novos patamares de legitimidade a preocupação pelo bem-estar próprio e da própria nação. A despeito de todas as esperanças iniciais, a solidariedade com os outros e a compreensão recíproca parecem cada vez mais distantes - e necessitam ser conscientemente recriadas sempre de novo. Por isso, o texto gostaria de convidar a um diálogo: entre prática política e teoria crítica assim como entre cientistas alemães e brasileiros, contra a renacionalização e como permeabilização das membranas isoladoras das escolas de pensamento.

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  • Wiggershaus, Rolf. 1991. Die Frankfurter Schule: Geschichte, theoretische Entwicklung, politische Bedeutung 3. ed. München: DTV.
  • 3
    Em sentido acadêmico, a tarefa da crítica pode ser compreendida em forma mais restrita ou mais ampla. Em sentido estrito, e no uso cotidiano, a crítica serve para a avaliação de um objeto ou de um comportamento através de determinados padrões ou escalas. Em sentido amplo, ela significa um confronto sistemático e fundamentado com um objeto - como nas três críticas de Kant -, sendo que nessa crítica a tarefa principal é transformar o próprio sistema de avaliação em objeto (Foucault 1990Foucault, Michel. 1990. Qu’est-ce que la critique? Critique et Aufklärung. Bulletin de la Société Française de Philosophie 82 (2): 35-63., 33-80). Importante remeter também a um debate atual, fortemente influenciado pela Teoria Crítica, como presente no livro Was ist Kritik (Jaeggi e Wesche 2013Jaeggi, Rahel e Tilo Wesche. 2013. Was ist Kritik? Berlin: Suhrkamp . http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:101:1-2014021412659.
    http://nbn-resolving.de/urn:nbn:de:101:1...
    ) e, também, no grupo de excelência (Frankfurter Exzellenzcluster) Die Herausbildung normativer Ordnungen, que colocou para si a questão sobre quando e como determinados sistemas de avaliação alcançam validade, se estabilizam ou se desfazem (Forst e Günther 2021Forst, Rainer e Klaus Günther, orgs. 2021. Normative Ordnungen. Berlin: Suhrkamp.).
  • 4
    Estamos cientes de que existe todo um debate sobre a própria existência da Teoria Crítica e da Escola de Frankfurt (Wiggershaus 1991Wiggershaus, Rolf. 1991. Die Frankfurter Schule: Geschichte, theoretische Entwicklung, politische Bedeutung. 3. ed. München: DTV.). Contudo, o próprio fato de que exista um debate vivo a respeito do que seja o cerne e o estilo da Teoria Crítica, como em Bohmann e Sörensen e em Kerner nessa edição, indica que há um motivo forte para essa discussão existir.
  • 5
    Um tempo que, em semelhança aos dias atuais, também foi politicamente agitado e acometido de crises, uma boa razão para se reler atentamente aqueles textos históricos sobre a relação entre política e ciência.
  • 6
    “Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma que chamo natural ou física, porque é estabelecida pela natureza e consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a outra que podemos chamar desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e é estabelecida, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios que alguns usufruem em detrimento dos outros, como o de serem mais ricos, mais honrados, mais poderosos que eles, ou mesmo o de se fazerem obedecer por eles” (Rousseau 2013Rousseau, Jean-Jacques. 2013 [1755]. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM. [1755], 30).
  • 7
    Edições acessíveis em português não eram completas, por isso o recurso a outro idioma.
  • 8
    Crítica essa que Rousseau em seu tempo realizou de modo exemplar na religião (Rousseau 2013Rousseau, Jean-Jacques. 2013 [1755]. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM. [1755], 31). Como a legitimidade pode ser estabelecida é o tema central do Contrato social e como uma educação poderia ser adequada ao ser indeterminado é o tema no Emílio.
  • 9
    “[…] resta-me considerar e aproximar os diferentes acasos que puderam aperfeiçoar a razão humana deteriorando a espécie, tornar má uma criatura ao torná-la sociável e, de uma origem tão distante, trazer finalmente o homem e o mundo ao ponto em que os vemos” (Rousseau 2013Rousseau, Jean-Jacques. 2013 [1755]. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM. [1755], 55).
  • 10
    Aqui surge também um problema metodológico que, no marco deste texto, só pode ser apontado: sobre um “novo”, “outro” ou “alternativo” caminho não há “experiência” a qual se possa recorrer e se apoiar. Entre outras razões, é por isso que a Teoria Crítica toma como foco a “totalidade” do social, porquanto análises “empíricas”, cuja base é a experiência, sempre apenas reproduzem o já existente. Não se pode mensurar experiência de algo que ainda não ocorreu, que ainda não se realizou.
  • 11
    Certamente não é casualidade que Benjamin escreveu esse previdente texto em 1933, no ano da tomada de poder pelos nacional-socialistas. Também no texto Educação após Auschwitz, Adorno (s. d.)Adorno, Theodor W. [s. d.]. Educação após Auschwitz. Repositório. São Paulo. Acessado em 27 de dezembro de 2021. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5090779/mod_resource/content/1/Adorno-Educacao-apos-Auschwitz.pdf.
    https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
    aborda exatamente essa temática da barbárie - como também a discussão em torno do “autoritarismo”, presente como temática também nesta edição de Civitas; ele tenta encontrar alternativas para lidar com esse problema, como analisar quais “fundamentos” ou “tradições” levam à barbárie e devem ser desconstruídas.
  • 12
    Ver a edição do periódico Soziale Passagen com o tema Zusammenhalt | differença (Bunk e Sobottka 2020aBunk, Benjamin, e Emil A. Sobottka, orgs. 2020a. Zusammenhalt | diferença -. Soziale Passagen. Journal für Empirie und Theorie Sozialer Arbeit 12 (2): 209-463.), que procurou refletir sobre essa pergunta e encontrou em práticas de movimentos sociais, em grupos e cooperativas locais uma base consistente, coletividades sociais inclusivas onde, com trabalho socialmente compartilhado, se construiu resistências ali onde se havia experimentado a exclusão social.
  • 13
    A pretensão nesse texto não é a de fazer uma história das ideias sobre como Rousseau foi recebido pela Teoria Crítica através de Hegel e Marx. Também não será feita uma contextualização de Rousseau nas disputas sobre as teorias de estado de seu tempo. A questão que ele descreve e sua forma de tratamento dado a ela são paradigmáticas para a crítica - como a distância histórica permite reconhecer com nitidez.
  • 14
    Para Adorno, a crítica da ideologia deve ser imanente, isto é, ela deve confrontar as estruturas e as instituições sociais (“o mundo dos produtos espirituais”) naquilo que elas são concretamente com a reivindicação contida em seu conceito, confrontando-as assim com “seu momento de verdade” (Adorno 1978Adorno, Theodor W. 1978. Ideologia. In Temas básicos da sociologia. Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, 2. ed., 184-205. São Paulo: Cultrix.).
  • 15
    A pandemia do Covid-19 suscita a pergunta se Benjamin não foi muito otimista. Justamente nessa crise, os discursos têm-se revelado menos voltados à solidariedade e a alternativas novas de desenvolvimento, e muito mais para um retorno à velha normalidade, dinamizando nacionalismos a crescente desigualdade. O aprendizado com a experiência parece ter fracassado.
  • 16
    Pressupor essa totalidade é um dos argumentos de Adorno no debate sobre o positivismo, porquanto o conhecimento dos fenômenos sociais sempre é possível apenas nas interdependências do todo da sociedade e não isolados de uma teoria da sociedade.
  • 17
    Em certa medida, ela é a contraparte da edição mencionada acima (Bunk e Sobottka 2020aBunk, Benjamin, e Emil A. Sobottka, orgs. 2020a. Zusammenhalt | diferença -. Soziale Passagen. Journal für Empirie und Theorie Sozialer Arbeit 12 (2): 209-463.). Ponto de partida foram as estadias de Benjamin Bunk no Brasil (2017-2018) e Emil SobottkaSobottka, Emil A. 1997. Ação comunicativa e filosofia da libertação como utopia: uma análise comparativa de Jürgen Habermas e Enrique Dussel. Veritas 42 (1): 13-34. na Alemanha (2019), com financiamento da Fundação Alexander von Humboldt, e dois outros simpósios junto com Hartmut Rosa em 2019 em Porto Alegre e no Congresso Brasileiro de Sociologia, Florianópolis, em 2019. Por fim, também o livro Kritische Theorie der Politik, editado por Ulf Bohmann Paul Söhrensen (2019Bohmann, Ulf e Paul Sörensen. 2019. Kritische Theorie der Politik. Berlin: Suhrkamp.), foi uma importante fonte de inspiração. Somou-se a isso o fato de que Civitas é há muito tempo um dos lugares no Brasil em que a Teoria Crítica tem recebido espaço e acolhida.
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    Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2022
  • Aceito
    27 Jan 2022
  • Publicado
    20 Jun 2022
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