O livro analisado nesta resenha é fruto da pesquisa de doutorado realizada sob orientação de Luiz António Machado da Silva no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) pelo, atualmente, professor catedrático e ex-decano da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN – Luanda – Angola). Trata-se de uma daquelas raras pesquisas acadêmicas em que se conciliam uma profunda análise de teoria social aplicada a um problema prático. Na verdade, ao contrário do que costuma acontecer em algumas teses de doutorado, a teoria social utilizada contribui, de fato, para esclarecer aspectos controvertidos da vida social, ajudando a desvelar sua lógica imanente, ao invés de complicar e confundir a análise dos dados.
Ponto alto do trabalho é, sem dúvida, a pesquisa empírica. O livro nos brinda com mais de oitenta páginas de anexo, que permitem ao leitor acompanhar, controlar e reconstruir cada passo do estudo de caso realizado, cujo foco é a análise da execução do programa de estabilização econômica do Banco Mundial, chamado de Fundo de Amparo Social, na cidade de Viana, na Angola. O cotejamento dos dados com os problemas e as hipóteses de pesquisa é feito de forma criteriosa e com o espírito da dúvida sobre seus próprios pressupostos, típicos de uma pesquisa acadêmica séria. Na verdade, já de saída, o autor deixa claro os problemas e as hipóteses, a partir das quais a pesquisa foi construída: em primeiro lugar, ele pretende verificar se, na relação entre os beneficiários dos projetos e o Fundo de Apoio Social (FAS) – como agente intermediário na implementação de um tipo específico de intervenção –, os beneficiários podem ser partícipes de estratégias em que se incluem novas oportunidades e responsabilidades para si próprios e, em segundo lugar, se os beneficiários podem se beneficiar dos programas sem que, obrigatoriamente, se enquadrem nas estratégias previamente definidas por agentes exteriores (p. 32).
O trabalho realiza uma exaustiva revisão da bibliografia referente aos Fundos Sociais, não só daquela produzida por analistas do próprio Banco Mundial, mas também daquela produzida a partir de pesquisas externas, em sua grande maioria crítica acerca da capacidade de se produzir mudanças e melhorias sociais duradouras através, única e exclusivamente, de Fundos Sociais. No que diz respeito à bibliografia referente ao caso específico de Viana, a pesquisa explorou a documentação base do Fundo de Apoio Social de Angola, desde a que lhe deu origem até os respectivos relatórios a ele vinculados, tanto sobre os FAS em geral, como daqueles referentes ao caso específico de Viana. Além disso, o autor recorreu também à base de dados geral da avaliação social participativa produzida pelo Fundo de Apoio Social, fazendo um recorte do município de Viana. Esta nova base de dados foi analisada a partir de indicadores que tinham por objetivo avaliar a confirmação ou não das hipóteses de pesquisa.
O livro é dividido em seis capítulos. No primeiro, o autor faz um panorama histórico dos Fundos Sociais, privilegiando o olhar do Banco Mundial. À análise são contrapostos estudos críticos sobre a natureza, os objetivos, o funcionamento e os efeitos dos Fundos. No segundo capítulo, os contextos social, político e econômico da Angola são apresentados com ênfase no período de independência. Para os leitores pouco familiarizados com a história da Angola, este capítulo revela-se de capital importância para a contextualização e compreensão dos resultados da pesquisa. Nos capítulos subsequentes, a pesquisa empírica sobre o caso de Viana é apresentada com detalhes em três momentos: inicialmente apresenta-se o projeto do Fundo de Apoio Social, tal qual foi desenvolvido na Angola, focando em suas características e singularidades. Logo após, apresenta-se a base de dados geral da avaliação social participativa do Fundo de Apoio Social, a partir da qual foi elaborada a base de dados referente ao caso de Viana. Por fim, o caso de Viana é discutido criticamente, com especial ênfase às preocupações que levaram o autor a elaborar a pesquisa.
A pesquisa procura mostrar que não estão completamente certos, nem os críticos radicais dos Fundos Sociais, nem os seus maiores entusiastas. Contra os primeiros, demonstra que há, de fato, melhorias incorporadas à vida das comunidades beneficiadas pelos Fundos. A pesquisa mostrou que os beneficiários deixam claro que os projetos dos Fundos Sociais de maior impacto para a melhoria de sua condição de vida foram aqueles vinculados à área da educação, da saúde e do saneamento básico (p. 175). Entretanto, os Fundos Sociais não logram êxito em mobilizar e garantir a participação democrática e as perspectivas futuras dessas comunidades. Portanto, o autor também é cético em relação às posições demasiadamente otimistas das funções do fundo. Os Fundos Sociais revelam-se, na prática, soluções pontuais, que podem “criar possibilidades para o início do exercício da cidadania e vida cívica desde que para isso haja principalmente empenho dos governos nacionais e locais no combate à pobreza” (p. 182). Dessa forma, o estudo mostra que o “bom e velho” estado, já há muito tempo abandonado pela “crítica pós-moderna”, ainda tem o papel central no desenvolvimento de políticas sociais.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Jul 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2012
Histórico
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Recebido
06 Dez 2011 -
Aceito
29 Dez 2011
