Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento não cirúrgico de necrose pancreática infectada

EDITORIAL

Tratamento não cirúrgico de necrose pancreática infectada

Joel Faintuch; Salomão Faintuch

Department of Gastroenterology, Hospital das Clínicas, São Paulo University Medical School; Interventional Radiology, Beth Israel Deaconess Medical Center, Harvard Medical School, Boston, MA, USA Email: faintuch@net.ipen.br

Há muitos anos publicamos o primeiro relato existente na literatura sobre um paciente com necrose pancreática infectada que sobreviveu após tratamento clínico estrito, a saber, através de antibioticoterapia.1 O relato foi fortemente criticado, talvez apropriadamente, na medida em que o conceito prevalente era, e continua a ser, que o procedimento recomendado é a necrosectomia e drenagem, aplicada na quase totalidade dos casos.2

Há que notar que, no caso, a antibioticoterapia exclusiva não foi uma opção terapêutica, muito menos um experimento não autorizado. Na verdade o procedimento resultou da recusa irrevogável do paciente em submeter-se a qualquer intervenção cirúrgica por motivação religiosa.

Àquele tempo, mesmo cirurgiões experientes confessavam, em particular, que em raras ocasiões haviam se defrontado com esta mesma situação: pacientes não operados que havia sobrevivido através de antibioticoterapia. No entanto, a publicação de relatos de casos era tida como inaceitável.

Quinze anos e muitos artigos mais tarde a necrose pancreática infectada continua a ser um quadro clínico não trivial e provavelmente nunca será. Nem se pode afirmar que o tratamento não cirúrgico tornou-se aceitável.

No entanto, avanços na radiologia intervencionista e outras formas de manejo minimamente invasivo beneficiaram significativamente pacientes com focos infecciosos profundamente situados, inclusive àqueles associados com a pancreatite aguda.3,4

É evidente que o manejo minimamanete invasivo não é o tratamento padrão para necrose pancreática infectada e que o debridamento cirúrgico do foco contaminado continua a produzir os melhores resultados, com mortalidade entre 20 e 25%.2,5 Mas o uso de procedimentos minimamente invasivos continua a crescer em alguns centros médicos e pode, eventualmente converter-se numa alternativa geralmente aceita.

Necroses infectadas disseminadas e focos bacterianos mal localizados não se prestam a manejo percutâneo fácil, de modo que tratamentos não clássicos deveriam permanecer restritos a centros com interesse e competência nesta área. A mortalidade associada à laparoscopia ou à drenagem percutânea 3,4 tendem a ser maiores que as dos melhores centros cirúrgicos.2,5 No entanto, à medida que a técnica se aperfeiçoa e resultados melhores começam a se tornar mais freqüentes, é concebível que as técnicas não clássicas possam se tornar terapias de eleição.

A antibioticoterapia exclusiva, tal como recentemente a discutiram Amico et al,6 é defendida por alguns, mas é pouco provável que venha a se tornar uma opção de primeira linha, a menos que surjam novos fármacos ou novos protocolos de prescrição muito mais eficientes como tratamento destas complexas e perigosas lesões intra- e retroperitoneais. Pacientes em bom estado clínico são os que apresentam melhores resultados, de acordo com achados preliminares, em concordância com a nossa experiência1. No entanto estes são também os pacientes com resultados favoráveis quando submetidos a praticamente qualquer modalidade terapêutica.

A radiologia intervencionista já é aconselhada para pacientes metabólica e hemodinamicamente instáveis, bem como para outros para os quais não seja recomendável o procedimento cirúrgico4,5. Este tema pode em breve deixar de ser controverso à medida que novas provas mais conclusivas apóiem as respectivas revisões de recomendações terapêuticas.

REFERENCES

1. Faintuch J, Meniconi MT, Speranzini MB, Pinotti HV, Smolentsov H. Clinical regression of infected pancreatic necrosis. Case report. Int J Pancreatol. 1991;8:379-86.

2. Rau B, Bothe A, Beger HG. Surgical treatment of necrotizing pancreatitis by necrosectomy and closed lavage: changing patient characteristics and outcome in a 19-year, single-center series. Surgery. 2005;138:28-39.

3 Adamson GD, Cuschieri A. Multimedia article. Laparoscopic infracolic necrosectomy for infected pancreatic necrosis. Surg Endosc. 2003;17:1675.

4. Leone A, Violino P, Ghirardo D, Fioranti L, Borrelli M, Scarrone A, et al. Role of computerized tomography in percutaneous drainage of acute infected necrotic-hemorrhagic pancreatitis. Radiol Med (Torino). 1996;92:241-6.

5. Werner J, Hartwig W, Hackert T, Buchler MW. Surgery in the treatment of acute pancreatitis—open pancreatic necrosectomy. Scand J Surg. 2005;94:130-4.

6. Amico EC, Canedo LF, Machado CC, Faria SG, Vivas DV. Conservative treatment of pancreatic necrosis with suggestive signs of infection. Clinics. 2005;60:429-32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2006
Faculdade de Medicina / USP Rua Dr Ovídio Pires de Campos, 225 - 6 and., 05403-010 São Paulo SP - Brazil, Tel.: (55 11) 2661-6235 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: clinics@hc.fm.usp.br