Open-access Uma fábrica para unicórnios: refuncionalização contínua e flexível na era digital de Lisboa

Resumo

Hub Criativo do Beato é uma infraestrutura voltada à inovação digital da cidade de Lisboa, Portugal, que vem sendo constituída, desde 2016, por um processo que chamo de refuncionalização contínua e flexível de um antigo complexo industrial militar. Também a compreendo como âncora de reabilitação urbana e como dispositivo de representação para uma Lisboa que compete internacionalmente por atração de capitais em contexto de ascensão global da economia digital. Multiplicidade de ideias, experimentações, aberturas a mudanças e adaptações dão o tom dos projetos lá realizados. O artigo busca compreender criticamente os enlaces possíveis entre produção do urbano e economia digital. Trata-se de um estudo de caso derivado de pesquisa qualitativa de caráter explicativo-interpretativo e baseada no modelo grounded theory.

refuncionalização; patrimônio industrial; economia digital; ecossistema de inovação digital; Lisboa

Abstract

Hub Criativo do Beato is an infrastructure targeted at digital innovation in the city of Lisbon, Portugal, that has been constituted, since 2016, through a process that I call continuous and flexible repurposing of an old military-industrial complex. I also understand it as an anchor for urban rehabilitation and as a representation apparatus for a city that competes internationally to attract capital in the context of the global rise of the digital economy. A multiplicity of ideas, experiments, and openness to change and adaptations guide its projects. The article seeks to critically understand the connections between urban production and the digital economy. This case study derives from qualitative research of an explanatory--interpretive nature based on grounded theory.

repurposing; industrial heritage; digital economy; digital innovation ecosystem; Lisbon

Introdução1

Os edifícios de paredes robustas não podiam esconder os vestígios de obsolescência daquele antigo complexo industrial militar. À vista, amplas janelas quadradas e antigos dutos de metal expostos, cercados por largos e esvaziados corredores e imensos silos para armazenamento de grãos. Dentro do complexo, sinais de limpeza recente e alguma organização do maquinário, mobiliário e entulho que ocupavam áreas livres e espaços cobertos. Em um trecho de uma via interna, acimentada e ladeada por estreitas calçadas revestidas com mosaico português em calcário branco, destacavam-se uma mesa de madeira sobre um tapete vermelho e dezenas de cadeiras à sua frente. Nesse local, em 17/6/2016, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML, a prefeitura), Fernando Medina,2 assinaram um contrato em que o Estado português cedeu à CML, por 50 anos, a Ala Sul da Manutenção Militar do Beato. O intuito era a transformação do lugar em um hub de inovação, um espaço criativo e empreendedor que, segundo Medina, seria um passo importante para o futuro de Lisboa e, em particular, da zona oriental (da cidade) (Fernando Medina e António Costa apresentam o Hub Criativo de Lisboa, 2016).

No ano anterior, Lisboa conquistara o direito de sediar a conferência internacional de economia digital Web Summit, antes sediada em Dublin (Irlanda), então considerada a maior e mais prestigiosa do mundo. A primeira edição do evento ocorreu em novembro de 2016, cinco meses após o anúncio dessa nova infraestrutura. Embora tendo como base uma arena esportiva e um centro de convenções no Parque das Nações,3 a Web Summit de 2016 passou pelas futuras instalações do hub do Beato com algumas atividades e visitas técnicas. Ambos, o grande evento e a infraestrutura, estão articulados numa estratégia estatal para transformar Lisboa numa capital da inovação de reconhecimento global.

Tendo esse breve contexto como pano de fundo, indico que o objeto deste trabalho é o processo que vem transformando a antiga Manutenção Militar (MM), num complexo industrial militar listado no acervo do patrimônio material da cidade de Lisboa e desativado em 2011, em uma nova infraestrutura, posteriormente batizada como Hub Criativo do Beato (HCB). O principal objetivo é analisar e compreender criticamente essa refuncionalização, fenômeno que defino como uma reconversão sociotécnica sobre “remanescentes materiais do passado” (Rufinoni, 2013, p. 31), que prevê “conservação histórica” e uma “sadia economia logística” (Choay, 2006, pp. 219-220).

O fato de o HCB constituir-se aos poucos é uma de suas características mais especiais. Multiplicidade de ideias, experimentações e aberturas a futuras mudanças e adaptações dão o tom dos projetos que, sobre ele e dentro dele, são lançados. Isto ocorre, justamente, nesse momento de ascensão global da economia digital e de grandes incentivos à “transição digital” na União Europeia (UE) e em Portugal (Conselho Europeu, 2019; República Portuguesa, s.d.). Como “economia digital” defino um campo globalizado da economia capitalista em que “inovações fundamentais” (semicondutores, processadores, softwares), “tecnologias essenciais” (computadores, dispositivos de telecomunicações) e “infraestruturas facilitadoras” (Internet, redes de telecomunicações, centros de inovação tecnológica)” são intensamente usadas por empresas que mudam “os padrões de produção (oferta) e consumo (demanda)” e que, em grande medida, são afetadas por esses mesmos serviços e ferramentas digitais e repercutem profundamente em muitos outros campos econômicos (Unctad – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, 2021, p. 22). A economia digital também tem sido pensada a partir de conceitos como “nova reestruturação produtiva” (Tonelo, 2020), “indústrias 4.0” (Sony e Naik, 2020), “capitalismo informacional-digital” (Praun e Antunes, 2020) e, já no início da última década, “era digital” (Fisher, 2010; Orton-Johnson e Prior, 2013).

Assim, as seguintes perguntas guiaram a escrita deste artigo: a) a transformação de um antigo complexo industrial em um hub de inovação pode contribuir para a compreensão da produção do urbano na era digital? b) caso sim, por quais elementos? Parti de duas hipóteses: 1) o objeto, a refuncionalização em suas ideias e práticas, demonstra algumas condições atuais para a reconversão de infraestruturas urbanas pretendidas como alavancas da economia digital; 2) trata-se de um fenômeno “bom para pensar” (Lévi-Strauss, 1980) a materialização das “cidades digitais” ou “capitais da inovação”, redesenhadas sob os dilemas de um campo econômico em que virtualidade, nomadismo, risco e efemeridade são as normas (cf. Pimentel, 2021). O objetivo do trabalho é, portanto, e respondendo às questões preliminares, avaliar a pertinência dessas hipóteses, ou “tornar inteligível a causa e a natureza” de objetos e fenômenos bem delimitados e a sua significação contextualizada (Weber, 2003, p. 91). Em termos gerais, o trabalho buscou conciliações possíveis entre produção do urbano e economia digital a partir de um estudo de caso.

Para demonstrar a confirmação das hipóteses 1 e 2, trarei dados qualitativos ainda não publicados (de entrevistas, cenas etnográficas, dados documentais e bibliográficos, notícias jornalísticas) e adequados a um objeto que é um microprocesso “manifesto”, ou seja, “reconhecido, previsto e pretendido” (Sztompka, 2005, pp. 49 e 53). O artigo tratará dessas duas questões, amparado por uma bibliografia que dialoga com debates sociológicos contemporâneos, textos de antropologia das infraestruturas e de estudos urbanos vinculados à emergência de uma era digital. Este é um estudo de caso derivado de uma pesquisa qualitativa (2021-2023) de caráter explicativo-interpretativo e baseada no modelo grounded theory (Glaser, 2002).

Parte 1 – Um hub de inovação digital para uma Lisboa pós-crise

Para compreensão da conjuntura que possibilita e estimula as ações analisadas neste artigo, ressalto que Lisboa é a capital de um Estado europeu periférico que sofreu grave crise de dívida soberana na última década e que está comprometido com políticas, valores e repasses financeiros da UE. O recorte temporal desta investigação (2012-2023) foi um período de reestruturação econômica portuguesa após a crise e os acordos com a troika (Fundo Monetário Internacional – FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu, entre 2011 e 2014), cujos principais efeitos (e condições para estes acordos) foram a diminuição do Estado e dos direitos da população, a privatização de importantes ativos públicos e a abertura de mercados, especialmente o imobiliário e aqueles vinculados à urbanização (cf. Amaral, 2022; Carmo, Ascensão e Stevens, 2018; Seixas, 2021). Tudo isto ocorreu paralelamente à explosão de serviços urbanos de um “capitalismo de plataforma” (Antunes, 2021; Srnicek, 2017). Lisboa foi considerada por alguns autores como “laboratório da Uber” (Tomassoni e Pirina, 2022), como locus de um “extrativismo financeiro alicerçado no digital” desencadeador de “lutas urbanas” (Silva, 2022) e como um lugar privilegiado para observação de estímulos estatais a “alojamentos locais” (moradias direcionadas a aluguéis turísticos ou de curto prazo, mediados por plataformas digitais) e seus efeitos gentrificadores (cf. Alves et al., 2023; Gago, 2018; Mendes, 2022).

Também tiveram importante impacto na cidade as novas formas de trabalho remoto ou teletrabalho, que atraíram “novas figuras translocais que quebram o laço entre espaços de trabalho e de residência, como o nómada digital” (Drago, 2022, p. 18). Como nômade digital (nómada, em português lusitano) entendo os agentes com trabalhos flexíveis que podem transitar em diferentes territorialidades sempre que julgarem necessário, porque possuem qualificações que lhes permitem empreender e/ou prestar serviços profissionais de maneira remota (on-line, utilizando a Internet, computadores portáteis, smartphones, softwares e outras ferramentas digitais) para mercados de diferentes países e também porque possuem recursos financeiros suficientes e/ou remunerações relativamente boas para assumirem os desafios dessa mobilidade. Esse tipo de profissional demanda arquiteturas e serviços urbanos inovadores, de uso flexível e ocasional, como espaços de trabalho compartilhados (coworkings e colabs), habitações com dormitórios pequenos e espaços de refeição e lazer compartilhados (colivings) ou cafeterias com mesas e Internet disponíveis. De forma geral, para o nômade digital e o turista, tipos urbanos já disseminados mundo afora, toda a cidade é flexível e ocasional: um grande equipamento que se pode usar de forma passageira. Eles não se caracterizam pelos compromissos públicos de um citadino tradicional, “com residencialidade mais permanente” (Seixas, 2021, p. 93) e imerso nas políticas de vizinhança e municipais, mas vivem como “usuários da cidade” (city users), com “residencialidade mais esporádica”. Mesmo assim, são tidos por governos e empresários locais como fundamentais para o “dinamismo cultural” e a “economia criativa” (ibid., pp. 94-97). No caso do nômade digital, ele é considerado tão indispensável para a alavancagem da economia digital, que sua atração se dá, inclusive, por benefícios fiscais e pela emissão de vistos especiais de residência e trabalho.4

Parto da constatação de que, em uma nova etapa da competição interurbana global por atração de investimentos, Lisboa esforça-se na montagem de um ecossistema de inovação digital (EID) que muito contribui com os eventos e atores citados. Defino este EID como uma rede de agentes, eventos, lugares e infraestruturas que (1) tem sido construída, patrocinada e dinamizada principalmente pelos governos da cidade e do país; (2) é abastecida pelos investimentos e interesses de indivíduos ou empresas (startups, scaleups, unicórnios e big techs)5 que almejam trabalhar, empreender e desenvolver produtos e serviços digitais mercantilizáveis globalmente a partir de Lisboa; (3) mobiliza circulações e interações (competitivas ou cooperadas) entre esses agentes pela cidade e entre esses agentes e a cidade. Portanto, para tentar sair mais rapidamente da crise da dívida soberana, atrair capital, ampliar o volume e a média salarial de seus empregos e, paralelamente, avançar na concretização de antigos planos urbanísticos, a CML, em parceria com o governo de Portugal e com a UE, vem adotando, na última década, um conjunto de novas e antigas gramáticas de “empreendedorismo urbano” (Harvey, 1989, 2005; Wu, 2018), articuladas à digitalização que reestrutura o capitalismo vigente.

Cabe, também, realçar os efeitos da pandemia de covid-19 (2019-2022) nesse processo. Para alguns autores, foi uma “segunda crise” que Lisboa e Portugal tiveram que enfrentar (cf. Drago, 2022; Tulumello e Mendes, 2022). Por um lado, obras infraestruturais foram interrompidas, investimentos foram suspensos, turismo e serviços sofreram enorme abalo. Por outro, o distanciamento social propiciou uma aceleração da digitalização da vida. Com a reabertura gradativa de serviços e a retomada de investimentos, os agentes e as infraestruturas da economia digital ganharam muito mais relevância, legitimidade e urgência no debate público, nas políticas estatais e no planejamento privado.

Zona ribeirinha oriental: histórica zona industrial e frente de reabilitação urbana

As freguesias de Beato e Marvila eram arrabaldes até o primeiro terço do século XIX, com muitos conventos católicos, palacetes e quintas da antiga nobreza portuguesa e uso da terra para atividades rurais. Alguns desses traços persistem visíveis até hoje na toponímia, em patrimônios materiais (igrejas, palacetes, chafarizes, fachadas) e em tradições rurais, como o pastoreio de caprinos e a agricultura familiar em terrenos públicos ociosos (Mapa 1).

Mapa 1
– Concelho (município) de Lisboa

Durante o século XIX, com o fim do absolutismo e o triunfo do liberalismo, após um período de intensos conflitos civis, “[...] muitos conventos serão transformados em equipamentos fundamentais para a cidade (hospitais, escolas, tribunais, quartéis)” (Seixas, 2021, p. 18). Houve, também, alienação de propriedades outrora da Coroa e da antiga nobreza. Era o século da industrialização em Portugal: foi ampliado o porto, construída a ferrovia, foram instaladas indústrias, vilas, pátios, clubes e sociabilidades de operários nessa região à margem do Tejo (cf. Silva, 2020; Marques, 1996). Em 1890, eram 156 “ramos industriais” nas “freguesias orientais” de Lisboa (Folgado e Custódio, 1999, p. 19).

Em 1888, o Convento das Grilas, cuja memória é hoje residual, foi transformado em uma infraestrutura fabril pertencente às forças armadas portuguesas, que já ocupavam áreas próximas, chamada Manutenção Militar – esta, sim, com memória vivíssima entre moradores, gestores públicos, novos empreendedores e visitantes do HCB (Figura 1).

Figura 1
– A Manutenção Militar do Beato em 19326

Em 1908, passou a funcionar na freguesia de Marvila, a 15 minutos a pé do Beato, a Fábrica Braço de Prata, responsável pela produção de armas e munições para as forças armadas portuguesas, que foi encerrada na década de 1990. Importa ainda dizer que ambas as infraestruturas fabris-militares – Manutenção Militar (Beato) e Fábrica Braço de Prata (Marvila) – declinaram após a Revolução dos Cravos, com o fim do império português e das guerras coloniais em África (Ribeiro, 2017).

Na virada do século XX para o século XXI, a desindustrialização que varreu as economias periféricas da Europa naquele período e os pactos econômico-produtivos que condicionaram a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1984, e na zona do euro, em 2002, contribuíram para o fechamento ou enfraquecimento das fábricas e para o esvaziamento dos bairros ao redor como consequência (cf. Pereira, 2016).

Tal zona, hoje em dia, atrai negócios anunciados por governos, pela mídia e por investidores como criativos e inovadores: galerias de arte, cervejarias artesanais, espaços culturais e de coworking e colab (De Xabregas..., 2017). Também chegam empreendimentos imobiliários de alto custo, articulados aos novos “investimentos materiais e simbólicos” (Brito, 2021; Costa, 1999) que aproveitam o passado industrial desses lugares, suas memórias, seus patrimônios e sua estética. Fala-se de um rebranding urbano (Azevedo, 2019) e de “imaginários conflitantes” (Pereira e Brito, 2022a) e “sobrepostos” (Pereira e Brito, 2022b) nessa região desindustrializada e em reabilitação gradual.

Se no passado era a modernização industrial que se impunha naquele sítio, com um futuro pensado a longo prazo e alguma estabilidade de empregos, processos e produtos, agora é a emergência de pessoas, espaços e objetos que busca territorializar a fluidez de uma nova e impositiva economia digitalizada, pensada, a priori, pelos seus próprios agentes como flexível, arriscada e potencialmente disruptiva. Baseando-me em Christensen (1997) e em Christensen, Raynor e McDonald (2015), entendo a disrupção tecnológica ou de inovação como um fenômeno de profunda e acelerada transformação de um mercado ou ramo de negócios capitalistas a partir da criação de um novo produto ou processo, seja pelo incremento de uma nova tecnologia, seja por um novo uso de tecnologia já existente ou, ainda, por um novo modelo organizacional de uma empresa. Como se pode observar no caso da Uber e das plataformas de alojamento local (AirBnb, Booking, Idealista etc.), a disrupção tecnológica e digital tem grandes efeitos urbanos, como maior atração de turistas, city users e investimentos estrangeiros, por um lado; e, por outro, o enfraquecimento da coesão social e a emergência de novas lutas políticas e conflitos por espaço.

Se outrora a massa de gente que comporia aquele lugar urbano era formada por operários fabris, agora a expectativa recai sobre os nômades digitais e as “vanguardas sociotécnicas” (Hilgartner, 2015). O futuro, esse “fato cultural” (Appadurai, 2013), é então anunciado como uma emergência e uma “promessa” (Costa, 2020) para uma Lisboa próspera e bem posicionada na arena global de cidades.

Como mais um ponto nodal nessa teia de estratégias públicas e interesses privados, tem-se o HCB: uma infraestrutura anunciada em 2016 e que, aos poucos, e mesmo durante a pandemia, foi sendo aberta a eventos privados e ao público, atraindo investidores e recriando funcionalidades no percurso de seus usos cotidianos e temporários. Hoje, o seu maior edifício, com vista para o rio, abriga a Factory Lisbon – “um campus de inovação e empreendedorismo onde a tecnologia e a educação se encontram com as artes”. 7

Parte 2 – A refuncionalização em curso

Em janeiro de 2018, quase dois anos após a divulgação da transferência da MM do Estado português para a CML, foi divulgado ao público o documento Projeto Global para o Hub Criativo do Beato – Memória descritiva e justificativa, após sua aprovação pela Assembleia Municipal de Lisboa. O documento foi elaborado pela Startup Lisboa, uma instituição público-privada criada em 2011 e anunciada como uma “incubadora de empresas” que constrói, organiza e dinamiza o EID, acolhendo, treinando, assessorando e apoiando empreendedores que pretendem investir e trabalhar em Lisboa.8 Também já estava decidido que a Startup Lisboa faria a gestão do HCB. Pouco tempo depois, tiveram início as suas primeiras obras infraestruturais a cargo da CML: “rede de águas, esgotos, abastecimento de energia elétrica, gás, telecomunicações, tratamento de resíduos, pavimentação, zonas verdes” (Barbosa, 2000). Cabe, agora, analisar mais detalhadamente alguns pontos desse documento primordial.

O projeto do HCB e seus pressupostos materiais e simbólicos

O Projeto Global para o Hub Criativo do Beato – Memória descritiva e justificativa (CML, 2018) traz no item “Conceito estratégico” a seguinte definição:

Tendo por objetivo contribuir para a melhoria das condições e meios para a Cidade atrair e reter talentos, empresas, investimento, dinamizar clusters estratégicos, e estimular a ligação entre a inovação, a criatividade e o empreendedorismo, e potenciar os efeitos da realização da Web Summit em Lisboa, será instalado no suprarreferido imóvel um hub empreendedor e criativo, que se dever a constituir como um novo polo agregador dos players que posicionarão Lisboa, definitivamente, como uma cidade aberta, empreendedora, inovadora e criativa. [...]. Pretende-se, em síntese, que este espaço se assuma como verdadeiro catalisador e âncora de um mais amplo e profundo processo de regeneração e revitalização da zona oriental da cidade, mais concretamente no eixo entre Santa Apolónia e o Parque das Nações, dando continuidade às intervenções já realizadas e em curso de reabilitação da frente ribeirinha. (CML, 2018, p. 8)

Em relação às expectativas governamentais lançadas sobre o HCB, em conexão com os desafios propostos pela Carta Estratégica de Lisboa 2010-2024, e pelo Plano Diretor Municipal de Lisboa, destaco os pontos “Promover uma cidade inovadora e criativa, capaz de competir num contexto global e gerar riqueza e emprego” e “Afirmar a identidade de Lisboa num mundo globalizado” (CML, 2018, p. 11). Percebe-se, portanto, que essa infraestrutura está inserida tanto nas estratégias estatais de (1) “regeneração e revitalização” de uma parte da cidade (a zona ribeirinha oriental) a ser explorada por novos capitais da era pós-industrial portuguesa (imobiliário, turístico, indústrias criativas e digitais) quanto nas estratégias de (2) internacionalização do território e do imaginário sobre a cidade – este último em ressignificação tecnocentrada.

No item “Preservação do patrimônio industrial”, é citada a importância de identificação e salvaguarda dos “equipamentos industriais a preservar no local bem como os elementos notáveis e que caracterizam os edifícios do ponto de vista arquitetónico e construtivo” (CML, 2018, p. 42). Também se afirma a necessidade de promoção de uma “convivência harmoniosa entre as novas funções e a memória do espaço” (ibid., p. 42). No que se refere à “conservação”, “alteração” ou “demolição”, diz o documento que se procurará “reter o significado, evocando e interpretando a sua antiga função. Os projetos de espaços exteriores e os elementos de ligação entre edifícios também deverão evocar e interpretar a história e o funcionamento industrial do conjunto” (ibid., p. 48) e, ainda, estimula-se um “reaproveitamento de materiais e elementos disponíveis no local” – símbolos, equipamentos, cores, materiais como betão e metais identificados à MM (ibid., p. 57).

Aqui são detectados alguns conceitos centrais desse projeto e cruciais para a argumentação desse artigo: 1) adaptabilidade: “[...] permitir diferentes utilizações dos espaços, evitar condicionar áreas a determinadas utilizações” (ibid., p. 55); 2) permeabilidade com o bairro ao redor, “[...] promovendo a interação com o tecido social” e assegurando “o acesso de todos às novas condições de acessibilidade a gerar com a instalação do hub” (ibid., pp. 53-54); 3) reversibilidade e flexibilidade: “Evitar ocupar o espaço com mobiliário urbano fixo, recorrendo a elementos móveis ou suspensos [...] que possam ser movidos ou retirados quando necessário” (ibid., p. 60). Logo adiante, afirma-se que ele “deve funcionar” como “uma plataforma de experimentação e divulgação tecnológica” (ibid., p. 61) e que “alguns edifícios poderão estar ocupados provisoriamente durante as obras de urbanização e não se prevê que todos sejam intervencionados ao mesmo tempo”, importando aos futuros interventores “ter estes aspetos em conta no desenvolvimento das soluções infraestruturais” (ibid., p. 88).

Com novos e reversíveis usos, essa renovada infraestrutura precisaria buscar incessantemente os vínculos entre: criatividade coletiva e mercadorias tecnológicas rentáveis; o físico e o digital; o local e o global; o passado e o futuro; as materialidades tecno-produtivas e as representações simbólicas prestigiosas e economicamente atrativas. Todas essas dualidades explicitam a articulação entre as estratégias de atração de “classes criativas” (Florida, 2002) e de agentes da economia digital à produção do urbano, permitindo avançar no entendimento de planos contemporâneos para: (1) (re)constituição de cidades em suas maneiras de viver e trabalhar; (2) atualização de suas gramáticas urbanísticas e da arquitetura de seus novos e emblemáticos edifícios; (3) (re)criação de seus imaginários e divulgação de novas representações sob a forma de branding urbano (Freire, 2011; Van Ham, 2008).

Associada à transformação de espaços pós-industriais em espaços “smartificados” (Morozov e Bria, 2019; Scalzotto, 2019; Vanolo, 2013), em constante animação, esta singular infraestrutura é composta por um conjunto de materialidades antigas e renovadas, de práticas e rituais públicos, de símbolos tangíveis e virtuais que têm a pretensão de ampliar e legitimar para Lisboa um novo “imaginário sociotécnico”, aquilo que Jasanoff (2015) define como uma “visão coletivamente mantida e realizada” de um “futuro desejável”, que é “animada por entendimentos compartilhados de formas de vida e ordem sociais atingíveis através de, e apoiados por, avanços da ciência e da tecnologia” (ibid., p. 19). Para a autora, um imaginário sociotécnico é um fenômeno que vai além do discurso, pois está associado a “ação e performance” ou a “materialização” – neste caso, (re)materialização – “através de tecnologia” (ibid., p. 20). Não uma tecnologia qualquer, mas, para este caso, aquela potencialmente mercantilizável, inovadora e digital (Figura 2).

Figura 2
– Maquete virtual do HCB

Redesenhando tempos e espaços

Ainda em 2018, foram anunciados alguns ocupantes dos muitos e diferentes edifícios do complexo de 35 mil metros quadrados. A CML divulgou que os interessados em cada um dos prédios disponíveis arcariam com suas obras específicas. Assim, a antiga Central Elétrica seria ocupada por uma cervejaria artesanal do Super Bock Group. A Fábrica de Carnes e a Administração e Oficina ficariam a cargo de uma loja de “restauração e serviços”. Venceu o edital um empreendimento chamado A Praça, que engloba empório, escola gastronômica e restaurante de produtos portugueses tradicionais, com inauguração prevista para 2021. Para o Edifício do Relógio/Antigo Convento, a antiga residência dos militares, foram buscados investidores dispostos a criar e gerir um espaço de coliving (moradia compartilhada) para os empreendedores do hub e do ecossistema da cidade. Convergindo com os “estilos de vida móveis” (Buhr, 2023) do público-alvo, nômades digitais e vanguardas sociotécnicas, o edital previa “a instalação de um projeto de habitação partilhada, para utilização temporária de curta ou média duração” (ibid.; grifo nosso).10

Os demais ocupantes até então anunciados seriam: uma nova sede para a Startup Lisboa, que ficaria hospedada no edifício da antiga Fábrica do Pão; a Fábrica de Moagem resguardaria as máquinas e demais itens que comporiam um futuro Museu da Manutenção Militar, de responsabilidade da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (Egeac), entidade estatal de patrimônios e equipamentos culturais. Por fim, a Fábrica de Massas e a Fábrica da Bolacha formariam o edifício principal e seriam requalificadas e ocupadas pela Factory, empresa alemã especializada em espaços de coworking (trabalho compartilhado) e incubadoras de inovação digital. Foi noticiado que o edifício da Factory seria entregue em 2019, com 11 mil metros quadrados, teria capacidade para 700 pessoas trabalhando, área para eventos, uma academia de ginástica, um restaurante.

Contudo, a inconstância no tempo das obras combinava com mudanças constantes nas ações e perspectivas para o complexo. No momento em que as obras começavam, o presidente da CML, Fernando Medina, manifestava o interesse de ampliar o Hub Criativo do Beato para a Ala Norte da Manutenção Militar, terreno maior e ainda ocupado pelo Exército português, situado do outro lado da rua do Grilo, também no Beato. Em novembro de 2019, porém, nenhuma obra estava concluída. A mídia noticiava os atrasos na contratação e na realização de serviços, a ampliação da previsão de gastos públicos e o baixo interesse de parceiros privados. Entretanto, a CML já citava, também, a viabilização de uma nova estação ferroviária na linha norte, junto ao HCB.11

No início de 2020, surgem os primeiros e tristes episódios da chegada do novo coronavírus na Europa. Durante esse ano, aos poucos, o governo português foi criando normas que limitavam as interações sociais para redução da transmissão viral e proteção dos mais vulneráveis. Em janeiro de 2021, foi determinado o primeiro lockdown em Lisboa. Durante as muitas etapas de desconfinamento e reabertura de serviços públicos e privados, com rigorosas estratégias de distanciamento social, e até a minha chegada a Lisboa em outubro de 2021, o HCB teve obras paralisadas, depois lentamente retomadas e recebeu iniciativas chamadas pop-up (de ocupação temporária), como a Casa do Capitão, um misto de bar, feira cultural e espaço de espetáculos artísticos a céu aberto que ocupou diferentes áreas do complexo entre maio e novembro de 2021.12

Questionado sobre a demora para a conclusão das obras do HCB, o então presidente da Startup Lisboa, Miguel Fontes, afirmou em 2020 que “100% e seguramente são dois pressupostos difíceis” para esse tipo de iniciativa (Machado, 2020). Noutra entrevista, agora em 2022 e já com uma nova administração municipal eleita, Fontes disse que:

[...] não vai haver um momento mágico de abertura (do HCB), porque não vamos estar à espera do último edifício para abrir. Vai abrindo, isto é um projecto que sempre foi pensado assim, para ser orgânico, e ir crescendo ao seu próprio ritmo. (Grifo nosso)

Sobre os futuros escritórios da Startup Lisboa na antiga Fábrica de Pão da MM, revelou que o projeto “É flexível e ágil, porque permite que salas comecem com uma determinada dimensão, digamos módulos de 25 m2, mas depois podem crescer facilmente em função das necessidades” (Lobo, 2022; grifo nosso).

Em suma, pelas exigências e recomendações do Projeto Global, dos editais específicos de cada edifício e pelas ideias expostas por Miguel Fontes, um dos construtores dessa pretensa “capital da inovação” europeia, título reconhecido pela Comissão Europeia em 2023 (European Commission, 2023), a concepção arquitetônica de um lugar de trabalho e negócios no capitalismo digital precisa dialogar com a lógica de inovação aberta e colaborativa dessa nova economia. Indo além, percebe-se, pelas declarações de Fontes, que essa nova arquitetura deve seguir sem muitas definições prévias, aberta e mutável. Tão instável quanto o capital de risco (venture capital) que abastece o empreendedorismo digital e tão fluida quanto a mobilidade dos agentes digitais que hoje chegam a Lisboa e que, amanhã, não se sabe onde estarão.

Ativando a incompletude: experimentações e representação simbólica

O HCB apresenta aquelas “formas de mobilidade seletiva de artefatos, pessoas, práticas e capitais por meio de redes locais e globais de especialização” apontadas por Vailati e D’Andrea (2020, p. 8). Enquanto um lugar da cidade, esta infraestrutura promove desde cedo “concentração e a distribuição de recursos” (espaço seguro, boa localização, waterfront, publicidade gratuita para eventos) e, ao mesmo tempo, recebe e distribui esses fluxos internacionais (de inovadores, techies e criativos) como uma “arena de aterrissagem organizada em hierarquias múltiplas e frequentemente dispersas” (ibid.). Noutras palavras: ela não serve a qualquer evento, nem a qualquer público, mas vai descobrindo e inventando suas vocações no ritmo da colocação de novo reboco nas paredes que ali já estavam, da instalação de luminárias nos tetos com novos dutos e fiações, da colocação de plantas ornamentais em corredores que preservam a rusticidade industrial.

O HCB também tem sido imaginado e conduzido pela CML e seus parceiros privados como um dispositivo de representação (cf. Foucault, 2000), pois, a partir dele, busca-se criar um imaginário cosmopolita e criativo sobre Lisboa, almejando tal reconhecimento internacionalmente e tentando reposicionar a cidade como a mais promissora capital europeia para a inovação. Seguindo as ideias de Vailati e D’Andrea (2020, p. 6), trata-se de uma infraestrutura pensada e continuamente constituída para moldar “a imaginação por meio de promessas otimistas para o futuro”, direcionadas a portugueses e a estrangeiros, plenamente vinculadas a “mercados tecnocientíficos” (ibid., p. 8), ou, ainda, como um “veículo semiótico e estético orientado para seus destinatários”, segundo a análise de Larkin (2020, p. 30) sobre infraestruturas de nosso tempo. Mesmo com uma vagarosa reconstituição física de suas instalações – e até o início de 2023 com apenas um ocupante em funcionamento regular (A Praça) –, essa infraestrutura vem, há alguns anos, anunciando discursivamente um futuro desejado e, ainda, tem sido um equipamento e ambiente social de práticas e performances públicas que buscam antecipar o futuro inovador e tecnológico, reificando-o para os locais e os outsiders.

Nesse sentido, entre 2018 e 2023, foram muitos os eventos realizados no HCB que permitiram a reinvenção de seus espaços, os degradados e os já restaurados, bem como para os vazios entre as partes edificadas. Eventos e iniciativas como Casa do Capitão, ModaLisboa, Web Summit, Sónar Lisboa, exposições, tours e workshops13 ativaram o HCB mesmo antes da chegada dos desenvolvedores de inovações tecnológicas. As descrições etnográficas a seguir têm o intuito de qualificar a expressão “vai abrindo” dita por Miguel Fontes sobre a renovação do antigo complexo industrial militar.

Etnografando a refuncionalização: o Sónar Lisboa

De todos os eventos realizados dentro do HCB que pude etnografar, o Sónar Lisboa foi aquele que melhor se apropriou do conjunto e de seus diferentes ambientes. Criado em Barcelona em 1994, o evento artístico-cultural ganhou escala e tem como prerrogativa combinar música de vanguarda e experimental, artes plásticas, audiovisual e outras tecnologias. Seu lema é Music, Creativity & Technology14 e sua chegada a Lisboa está diretamente relacionada aos investimentos simbólicos e às estratégias de city branding que a governança da cidade promove para reposicioná-la internacionalmente como capital da inovação tecnológica, fato explicitado na conferência de imprensa com os criadores, o presidente da Startup Lisboa, o responsável pela Factory Lisbon (reabilitadora e gestora do principal edifício do HCB), além de membros de alto escalão da CML e do governo nacional português.15 A escolha do HCB como casa do Sónar expressa o alto grau de importância que esta infraestrutura tem como um dispositivo de representação para uma Lisboa que se anuncia mais tecnológica e inventiva.

Durante a primeira edição do evento em Lisboa, em abril de 2022, pude observar os frequentadores e interagir com eles, caminhando entre os edifícios e por dentro deles de forma curiosa, descobrindo-os (Figura 3).

Figura 3
– Circulações nas áreas entre os edifícios do HCB durante o Sónar+D

Por vezes, a sensação era de que se caminhava por um labirinto, tamanha a quantidade de escadas, corredores e salas que se sucediam, em geral pouco iluminadas e com acessos improvisados com corrimãos de madeiras e grossas fitas plásticas. Isso ficou mais evidente na Factory Lisbon, onde havia lojas para venda de cerveja e outras bebidas numa das entradas, espaços para as instalações e performances artísticas, plantas decorativas e também uma espécie de auditório montado para o evento, com arquibancadas de madeira e almofadas, o principal espaço para as talks – que versavam sobre arte e ciência, sustentabilidade, futuro da tecnologia, aplicações tecnológicas no cotidiano, etc.

Em todos os ambientes do evento, percebi que havia entre os frequentadores um tipo de encantamento com o patrimônio industrial expresso na arquitetura e no maquinário ali expostos. As pessoas fotografavam, através de grandes e envelhecidas janelas, as estruturas externas, as chaminés, os silos, as paredes de tijolos expostos, a relação do conjunto com o porto e o rio Tejo ali na frente. Fotografavam, regularmente, a diferença de escala entre o corpo humano (primeiro plano) e aquelas estruturas (fundo). Eram dias frios, chovia eventualmente, e ainda assim havia centenas de pessoas circulando pelas ruas internas do complexo, pelos edifícios e pelas instalações. Grande era a presença de público e a participação nas talks. Muitas pessoas passavam longos momentos bebendo cervejas e comendo sanduíches nas tendas e food trucks temporários das áreas externas, sozinhas ou acompanhadas, sempre a observar os passantes e a materialidade circundante. Apropriavam-se da infraestrutura tendo-a como um verdadeiro e aprazível “ambiente de interações” (Larkin, 2020, p. 29).

Na antiga Fábrica de Moagem da MM, hoje de responsabilidade da Egeac, com quatro pisos repletos de máquinas obsoletas, mas bem preservadas, uma instalação combinava música experimental, jogos de luzes e uma espécie de neblina, por vezes muito densa, que pairava sobre o maquinário e ganhava corredores, salas e as escadas de acesso aos andares. Esse conjunto de elementos deixava o ambiente confuso, enigmático e, em certa medida, realçava a estranheza dos frequentadores diante daquele mundo industrial de outrora, com azulejos envelhecidos, escadarias empoeiradas, janelas com vidros foscos, estruturas metálicas algo enferrujadas, pinturas a descascar. Tudo aquilo compunha um cenário e uma experiência de estranhamento, mas também de fascínio para as pessoas que ali circulavam. Poltronas e almofadas espalhadas pelo cenário estavam sempre ocupadas, eram disputadas, o que demonstrava que as pessoas não fugiam dali, mas estavam satisfeitas em experimentar aquelas sensações.

O que isso nos leva a pensar sobre essa infraestrutura supostamente disfuncional mas em pleno uso? O fato de ser pós-industrial, tecnicamente improdutiva, em parte preservada e em parte deteriorada, era fascinante e atrativo, o que diz muito sobre os interesses do público do Sónar: não se buscava, no HCB, a sua prometida eficiência técnica. O improviso e a bricolagem entre elementos de época, formas e materiais distintos em exposição no hub encontravam respaldo no ethos daquele público de apreciadores artísticos. A realização do Sónar muito revelou, também, sobre a capacidade do HCB de acionar as vanguardas sociotécnicas internacionais e os visitantes que nelas confiam ou com elas se identificam, mesmo distante da plenitude em suas novas funcionalidades técnicas: os escritórios e os espaços de coworking e de coliving não estavam prontos, longe disso. Mesmo assim, o lugar trouxe satisfação a quem o visitou no Sónar e nos eventos culturais e artísticos que lá foram realizados.

Etnografando a refuncionalização: o tour da Made of Lisboa

Made of Lisboa (MOL) era uma das iniciativas da CML para apresentar a cidade, promover e animar a cena inovadora lisboeta a potenciais talentos e investidores por meio de masterclasses, workshops e tours, on-line e presenciais, em português e em inglês. Em maio de 2022, durante a 11ª Semana do Empreendedorismo de Lisboa, pude acompanhar um tour com a MOL ao HCB.

A guia do tour, funcionária da Startup Lisboa, fez suas explanações em inglês para um público de duas dezenas de pessoas e majoritariamente estrangeiro, mas também respondeu em português para uma minoria. Disse que o hub tem o intuito de produzir os benefícios da Web Summit durante todo o ano e que trará comércio, novos empregos e desenvolvimento urbano para Beato e Marvila, sendo a intenção trazer companhias globais para o lugar, além das indústrias criativas – citando web design e gaming. Disse, ainda, que o complexo será importante para criação de inovação em rede (networking innovation).

Durante o caminho, sob o sol da manhã, quando todos usavam um colete cor de laranja com a logomarca do lugar, a guia demonstrou um certo constrangimento ao explicar o atraso das obras. Disse que mesmo em construção, o hub é lugar vibrante que cria good vibes para a cidade. Aqui, ela positivamente realçou aquelas “dimensões invisíveis ou opacas” (Lima, 2020) comuns a infraestruturas complexas. Ela explicou que cada prédio tem uma ocupação e um ritmo específico e que, por isso, não há previsão de abertura completa do hub – fala que me pareceu honesta, precisa e, naquele instante, revelou-me a ideia de incompletude continuamente ativada para a refuncionalização (Figura 4).

Figura 4
Tour pelo HCB

Questionada dos boatos sobre a saída da Mercedes-Benz.io do HCB, informação que eu havia recebido dias antes de outro interlocutor, ela esquivou-se, dizendo que tudo ali é parte de grandes negócios (business) que demandam negociações: “Negotiations are negotiations”. Esclareceu que, durante a pior fase da pandemia de covid-19, a empresa responsável pelas obras da Factory Lisbon abriu falência, atrasando o cronograma – àquela altura, sendo retomado. Explicou tudo com otimismo, afirmando o que cada um dos edifícios será, terá e fará. Os visitantes demonstravam alguma curiosidade, mas percebiam que tudo estava muito longe da concretização daquelas ideias.

Havia uma obra em curso no primeiro edifício, à esquerda de quem entra pela rua da Manutenção, o da Claranet, empresa de cyber-segurança. Muitos operários ali trabalhavam, mobilizando máquinas e materiais. A guia não escondeu sua satisfação ao nos apontar aquela obra em curso acelerado. O edifício da Startup Lisboa não foi aberto à visita – a antiga padaria militar, frontal a quem entra no HCB, com três chamativas chaminés de tijolos vermelhos manchesterianos. A Praça, único empreendimento a funcionar no hub, estava fechada. Também não foi permitido subir ao terraço da Factory Lisbon para avistar o rio e os bairros do entorno. Foi possível entrar, entretanto, na antiga Fábrica de Moagem da MM, onde será a cervejaria Browers Beato. Lá dentro, muito entulho e restos de materiais ainda expostos, o que não impediu que algumas pessoas do tour ficassem mais tempo a fotografar suas bonitas janelas de ferro e vidros resistentes e um imenso motor cercado de ferro retorcido situado embaixo de um belo teto de madeira e armação metálica, deixando a guia seguir o percurso com suas histórias e seus futuros (ainda) imaginados.

O perfil do público do grupo em que estive era de pessoas mais velhas, bem diferente do público do Sónar. Aparentavam pertencer ao grupo dos empreendedores e investidores, e não o dos talentos (potenciais trabalhadores jovens). Diferentemente do Sónar e pelo fato de não estarem experimentando um evento artístico, musical ou gastronômico, os visitantes do tour pareciam mais focados nas reais possibilidades de usufruto técnico e corporativo da infraestrutura. Por isso, demonstravam alguma frustração com o estágio das obras, a despeito do interesse em estar ali e absorver o máximo de informação da guia e através de fotografias.

Sobre a informação de que a Mercedes-Benz.io desistira do HCB, a notícia se confirmou em maio de 2022 (Marcela, 2022a). Provisoriamente instalada no espaço de coworking NOW-Beato, vizinho de muro do hub, a multinacional buscou escritórios no Parque das Nações, bairro corporativo já consolidado na frente ribeirinha oriental. No início de 2023, após as eleições para a CML, a nova administração municipal resolveu acelerar a concretização de uma de suas promessas de campanha: uma “fábrica de unicórnios”. Esta seria instalada na Factory Lisbon, e é a etapa mais recente da refuncionalização em curso na antiga Manutenção Militar do Beato.

Parte 3 – O estágio mais recente e a promessa de unicórnios

No início de 2023, já superadas as limitações de circulação e de aglomeração da pandemia de covid-19 e no segundo ano da nova administração na CML, estive presente no evento de abertura da Unicorn Week, a antiga Semana do Empreendedorismo de Lisboa, rebatizada naquela edição. O novo nome surgiu com a reformulação da marca de Lisboa na nova administração municipal: Lisboa Unicorn Capital.17 O evento foi numa ampla sala da Factory Lisbon, principal peça do tabuleiro, que teve sua “arquitetura sobre o preexistente” (Sette apud Rufinoni, 2013, p. 75) baseada no método de “reutilização adaptativa” (adaptative reuse), elaborada por um escritório parceiro, também alemão. Dizem os arquitetos que as intervenções no prédio de 200 metros de comprimento e 11 metros de largura e os materiais utilizados (concreto, aço, vidro, madeira) tiveram o intuito de adaptar “a funcionalidade de uma antiga instalação de produção alimentar aos usos contemporâneos de escritórios e eventos” (Factory Lisbon, 2023). Um dos fundadores da Factory afirmou em texto recente publicado numa plataforma on-line: “O futuro do setor imobiliário é a reutilização adaptativa”. Disse, ainda, que os agentes do seu campo deverão enfrentar os desafios de fazer “retrofit” no “estoque de edifícios já existentes” com “criatividade” e “sustentabilidade” (Bamberg, 2024).

No que se refere à íntima relação entre a reutilização adaptativa de infraestruturas já existentes e a economia digital, cabe ressaltar dois pontos dramáticos sobre o atual estágio do sistema capitalista: os ciclos cada vez mais curtos de (1) disrupção tecnológica e de (2) crise econômica.

Como assinalado, disrupção tecnológica é o fenômeno em que novas tecnologias reorganizam rapidamente produção e consumo de algum campo econômico, eliminando empresas e empregos que, em pouco tempo, passam a ter baixa competitividade ou se tornam obsoletos, em geral com mudanças bruscas de mercado e efeitos socioculturais e socioeconômicos também disruptivos e desafiadores para a coesão social em ambiente urbano. Os avanços e novos usos possíveis para as diferentes ferramentas de inteligência artificial, por exemplo, dominam os debates sobre as próximas tecnologias disruptivas (Păvăloaia e Necula, 2023). Perguntado sobre projeções para negócios futuros na próxima década lisboeta, um gestor de um importante fundo português de capital de risco me alertou: “Não temos projeções sobre isso. Até porque uma década é muito tempo” (Entrevista 9, 2022).

Quanto às crises econômicas regulares, são uma questão sistêmica há muito analisada (Harvey, 2014; Krugman, 2009). Com a aceleração da globalização e da digitalização das finanças e trocas econômicas, as crises se tornaram uma probabilidade de curto prazo para quase todos os campos da economia capitalista, agora muito imbricados nos mercados globais de consumo, de crédito e dívida e nas cadeias transnacionais de recursos e suplementos para produção.

Ambos os fenômenos se manifestam em novas percepções hegemônicas sobre o tempo e o espaço da vida social, cada vez mais inconstantes e mutantes. Eles são cruciais para que se entenda tanto o abandono de infraestruturas quanto as suas reutilizações na contemporaneidade.

Todos esses novos termos e desafios estão articulados às novas ambições da cidade. No evento citado, o atual presidente da CML, Carlos Moedas, afirmou que o EID de Lisboa já estava internacionalmente consagrado e que a cidade – boa para viver e empreender e segura para investir – precisaria dar um passo maior. Assim, a Unicorn Factory Lisboa teria a missão de “escalar” (scaling-up) algumas startups locais promissoras e selecionadas pela CML para que, com uma legislação mais benéfica,18 a cidade conseguisse reter e atrair talentos, capital e empresas, como consta no Plano Plurianual de Investimentos 2023-2027 (CML, 2023, p. 40). É recorrente nos discursos dos tomadores de decisão estatais e privados o tema da retenção/permanência em Lisboa das empresas que, hospedadas na cidade, vão ganhando escala e se internacionalizando, assim como a retenção dos talentos que nessas empresas trabalham ou que outras criarão. No documento citado, Moedas evidencia uma preocupação referente aos investimentos externos, ao empreendedorismo e à competição interurbana internacional: “A cidade tem que ser mais do que um ponto de passagem” (ibid.). Sobre a problemática da permanência de startups em Portugal, disse-me o gestor do fundo português de capital de risco que “por razões de necessidade de crescimento, (algumas empresas) vão passar sua sede lá para fora” (Entrevista 9, 2022). Um pouco mais receosa estava a entrevistada que é líder no debate português sobre os enlaces entre tecnologias e questões de gênero. Questionada sobre as perspectivas de futuro, após reconhecer o fervilhar do ecossistema de inovação digital de Lisboa, disse-me:

Temo que muito rapidamente Lisboa fique cansativa para se viver e para atrair e reter esta nova geração que quer ser mais digital nomad, que quer ter outras condições, que quer ter mais sossego, quer ter tempo para viver outras coisas e que pode eventualmente procurar oportunidades fora de Lisboa. Acho que temos que ter atenção aqui. E por outro lado, sermos competitivos o suficiente para que as nossas pessoas não tenham um outro êxodo a trabalhar para fora. (Entrevista 18, 2023)

Essas preocupações fazem muito sentido. Na vigente configuração global de produção do urbano a partir de capitais flutuantes de empresas e agentes digitais adeptos do nomadismo, o futuro é uma aposta e o empreendedorismo urbano é um investimento de risco. Compreende-se, então, os sentidos da refuncionalização contínua e flexível de um antigo patrimônio industrial direcionada a negócios da era digital. Esse conceito tem, em si, as seguintes características:

  1. ativação da incompletude – é a ideia do “vai se constituindo aos poucos” e “vai abrindo”. Uma lógica de que a nova infraestrutura não deve ter um momento de abertura nem de conclusão das obras. Trata-se de um processo de utilização criativa de vazios, ruínas e espaços em (re)construção para o acionamento e a manutenção das expectativas e dos imaginários positivos;

  2. flutuação temporal e elasticidade espacial – o ritmo de criação e os espaços de utilização do hub e de suas partes constitutivas variam de acordo com os fluxos de investimento e com o manejo dos projetos dos agentes ali inseridos e dos que ali poderão se instalar;

  3. capitais e agentes intermitentes – no campo da economia digital, os capitais e agentes mencionados são altamente móveis e ansiosos. Assim, podem tanto reinvestir os lucros e os novos montantes de investimento de risco em outras empresas e territorialidades quanto podem desistir de um projeto ou empresa específicos, transferindo recursos financeiros e humanos para outras infraestruturas e para outros territórios. Podem, ainda, adotar e ampliar o trabalho remoto ou teletrabalho para suas equipes. As empresas desse campo recorrentemente adotam essas medidas e, com isso, reduzem o uso ou mesmo abandonam escritórios e cidades em que se instalaram há pouco.

Em uma zona urbana em reabilitação e disputa, refuncionalização contínua e flexível é também um mecanismo revelador das contradições e regulador das diferentes expectativas locais de proprietários e de locatários, de investidores e de pequenos comerciantes, de recém-chegados e de antigos moradores, como os da Vila Dias, velha e modesta vila operária a 200 metros do HCB. Sobre a chegada do hub e de seus agentes na rotina do Beato, disse-me o líder de uma associação dos moradores das vilas operárias locais:

parte lá do Hub Criativo. Ela está sendo projetada não para nós, mas para os nómadas digitais. O Hub agora traz problemas, desafios grandes. O Hub Criativo traz investimento, traz especulação, traz empresas com grande capacidade financeira. Trouxe o alojamento local (moradias temporárias alugadas por aplicativos digitais) que não existia aqui. Trouxe mais carros, mais poluição, trouxe mais ruído.

Como é que é possível ter aqui um hub criativo, uma plataforma digital, uma tecnologia de ponta com startups, com isto e com aquilo, e temos aqui um gueto sem esgotos, sem saneamento básico, que já existe desde o século XIX? Como é que é possível? O Hub não trouxe nada para a comunidade. É como ires à casa de um amigo teu almoçares e não levar uma garrafa de vinho. (Entrevista 19, 2023)

Conclusões

Até outubro de 2023, A Praça, Claranet e Factory Lisbon (esta última com 11 parceiros lá instalados, entre eles a Unicorn Factory Lisboa e os escritórios da Web Summit) eram os empreendimentos estabelecidos e em atividade no Hub Criativo do Beato, que passou a ser divulgado pela CML como a principal arena de participação presencial, de trocas face a face, dos múltiplos agentes do crescente ecossistema de inovação digital de Lisboa. Interdependentes – ora concorrendo, ora cooperando –, esses empreendedores organizados em startups e em facilitadoras (ecosystem builders) dão vida à infraestrutura e atraem novos visitantes aos bairros da freguesia do Beato. Em 2024, a CML rebatizou o HCB como Beato Innovation District (mas o nome anterior permanece em uso), reforçando a ideia de que esse grande equipamento tem um movimento ininterrupto de constituição simbólica

Considerando a máxima de Milton Santos (2012, p. 67) de que “sempre que a sociedade (a totalidade social) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como os velhos) assumem novas funções”, compreendo que a transformação da antiga MM em uma infraestrutura de inovação e empreendedorismo tecnológicos reflete as condições hegemônicas da acumulação capitalista na era digital. O Hub Criativo do Beato, como um todo, e os ocupantes de seus edifícios particulares, os que já estão em atividade e os ainda inativos, apostam na ideia de refuncionalização contínua e flexível, reafirmando que o espaço é “um produto social em permanente processo de transformação” (ibid.). Mas não só. Essa infraestrutura assume seu permanente processo de transformação como uma lógica própria de funcionamento ou modus operandi. Segundo seus formuladores e gestores, trata-se de uma característica indispensável para sua atratividade e adequação aos interesses dos agentes da economia digital.

No que se refere ao trato com os diferentes tipos de patrimônio industrial disponíveis, o fenômeno analisado revela que, atualmente, o estágio de especialização econômica e tematização das cidades já não se prende apenas às obras arquitetônicas prontas, mas também aos seus processos de feitura. Nesta lógica, é a mobilização constante das formas e funções da infraestrutura que tende a atrair e a otimizar os empreendimentos dos seus agentes internos. A ideia central presente em iniciativas como o hub lisboeta é de que a arquitetura da requalificação de edifícios pós-industriais em prol da economia digital não precisa definir todos os usos e reúsos a priori, mas, como nos negócios que lhe dão sentido, precisa permitir e estimular criativamente: (1) a experimentação sobre os espaços cheios e vazios e sobre os objetos eventualmente úteis e inúteis; (2) as trocas entre os usuários rotineiros (equipe fixa de empreendedores e de trabalhadores) e aqueles esporádicos (trabalhadores temporários, parceiros, visitantes); (3) a integração entre trabalho presencial e trabalho remoto; (4) as conexões com o exterior (o bairro do Beato, a cidade, fixos e fluxos globais do capitalismo digital) e o interior do HCB (membros do ecossistema ali presentes).

A ideia de que o HCB já precisava ser uma infraestrutura para dinamização e ajuste do ecossistema inovador de Lisboa antes mesmo da sua plena tecnicidade corresponde à constatação, entre os tomadores de decisão e entre os próprios agentes do ecossistema, de que os mercados digitais são volúveis e de que a permanência de indivíduos e empresas na cidade pode ser efêmera. O imediatismo, a pressa e a constância das ações de atração e de mobilização de novos agentes para o ecossistema de inovação digital lisboeta levavam em conta tanto a disputa com ecossistemas de outras cidades quanto uma expectativa, ora velada, ora explicitada, de que pode durar pouco este ciclo de atração e retenção de talentos, de criação e alavancagem de startups, scaleups e unicórnios, com retorno financeiro e ganhos em inovação para a sociedade portuguesa. A construção do HCB – contínua, adaptável e a partir de usos temporários – é, portanto, uma demanda de economia política e, concomitantemente, uma solução de gestão para um espaço com obras atrasadas, inacabadas, arriscadas ou com perspectivas de readequação. Os projetos referentes ao hub e aos seus edifícios particulares (de engenharia, arquitetura, design interior e operação) foram elaborados levando em conta essas condições e foram ininterruptamente ajustados por elas, valorizando a experimentação, a adaptabilidade e a possibilidade de mudança futura nos seus usos.

Portanto, compreendo o HCB como uma infraestrutura que: 1) serve como âncora para atração de outros investimentos à cidade e àquela zona oriental; 2) é acionada como dispositivo de representação de uma Lisboa que se pretende capital da inovação na Europa, mas com alcance global; 3) já organiza e anima o ecossistema de inovação digital de Lisboa, “mediando fluxos, trocas e conectando pessoas” (Larkin, 2020). Sobre as ações reabilitadoras e ressignificadoras que permitem a constituição do HCB, posso afirmar que elas vêm controlando seu ritmo temporal e sua elasticidade espacial – acionando diferentes tipos de espera (Lima, 2020) aos operadores locais e aos outsiders –, que regulam e alimentam as diferentes promessas da governança lisboeta sobre a urbe.

Até agora, no entanto, percebo duas ambiguidades inerentes a essa infraestrutura. A primeira surge durante os eventos e tours lá realizados e recebendo as notícias do andamento de suas obras e das negociações com as partes interessadas: por um lado aprecia-se o HCB como um patrimônio industrial transformando-se para o empreendedorismo digital e seu ecossistema; por outro, lamenta-se a demora para o que ainda não é visto como pronto – os edifícios ainda deteriorados ou em obras, e uma plena integração com o Beato e a cidade. O segundo fenômeno ambíguo refere-se às expectativas sociais geradas pela refuncionalização contínua e flexível do HCB: para uns, esperança e euforia, em geral para pessoas mais jovens, mais abastadas, proprietários de lojas ou moradias no entorno e/ou imersos nas oportunidades por ele abertas; para outros, mais velhos, pobres, com moradias ou lojas alugadas e cotidiano mais tradicional e analógico, um sentimento de perda, medo ou ansiedade diante desse futuro e dessa Lisboa inovadora que estão chegando.

Ou seja, o fazer-se hub de inovação continuamente e as promessas sobre um futuro de tecnologias digitais disruptivas são fenômenos vistos como virtude para alguns e problema para outros, a depender das posições relativas de cada agente no âmbito da estrutura socioeconômica da cidade. De fato, a mesma cidade que demanda mais e melhores empregos e que usufrui das novas ferramentas e serviços digitais é aquela que se preocupa, revolta-se e se manifesta contra a invasão de nômades digitais, city users e ricos investidores com benefícios fiscais em seus bairros que outrora eram acessíveis, mais baratos e socialmente mais coesos.

Nota de agradecimento

Agradeço aos colegas do Instituto de Ciências Sociais pelas contribuições ao longo desses dois anos, aos editores e organizadores de Cadernos Metrópole pela oportunidade de publicação e aos pareceristas pelos ajustes sugeridos.

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Notas

  • 1
    Este artigo é um produto do projeto de pesquisa pós-doutoral IN2LISBON – Innovative and Inclusive Lisbon (IN2LISBON – Lisboa Inovadora e Inclusiva), formulado e realizado por este autor, entre 2021 e 2023, junto ao Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, Portugal. Tal projeto recebeu financiamento do programa Horizon 2020, da Comissão Europeia, ao abrigo do contrato de subvenção Marie Skłodowska-Curie Actions, n. 101032494. Disponível em: https://cordis.europa.eu/project/id/101032494. Acesso em: jul 2024.
  • 2
    Ambos do Partido Socialista (PS). Medina substituiu Costa na CML quando este foi eleito primeiro-ministro, em 2015. Em fins de 2021, após um acirrado processo eleitoral, Medina foi substituído na CML por Carlos Moedas, do Partido Social-Democrata (PSD), um ex-comissário europeu para inovação.
  • 3
    Bairro de arquitetura global, inaugurado em 1998, na Exposição Universal de Lisboa (Expo-98). Primeira frente de reabilitação urbana da antiga área industrial da zona oriental lisboeta, tornou-se um paradigma de reabilitação urbana e de operação urbana consociada para todo o país. Hoje, a freguesia Parque das Nações possui os maiores e mais adequados escritórios para grandes empresas e é a área preferida para multinacionais que operam na cidade como a big tech Microsoft.
  • 4
    Como parte do pacote de ações para atração de investimentos estrangeiros, o governo de Portugal criou os vistos gold ou Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI), um tipo especial de permissão para residência e negócios no país. Como continuação dessa estratégia, foram lançados o Startup visa (2018) e o Tech visa (2019), ambos para empreendedores e trabalhadores qualificados da economia digital. Em 2023, após grande debate sobre seus efeitos no encarecimento da vida das cidades, os vistos gold foram encerrados. Os demais ainda são emitidos.
  • 5
    As startups são pequenas empresas com potencial de rápido crescimento, especialmente vinculadas à economia digital; as scaleups são aquelas que já têm robustez, mas que podem escalar globalmente seus negócios; os unicórnios são empresas de inovação tecnológica e digital que alcançam um bilhão de dólares em valores de mercado; as big techs são um conjunto pequeno de megaempresas hegemônicas que comandam as principais inovações e tendências da economia digital global (Alphabet/Google, Meta/Facebook, Microsoft, Apple, Amazon, Tik Tok).
  • 6
    Ressalta-se que naquela altura ainda não existia a avenida Infante Dom Henrique, hoje paralela ao porto.
  • 7
    Sobre a Factory Lisbon, ver: https://www.factorylisbon.com/about. Acesso em: mar 2024.
  • 8
    Mais detalhes sobre a Startup Lisboa em: https://www.startuplisboa.com/. Acesso em: mar 2024.
  • 9
    O maior e mais comprido edifício, de frente para a avenida Infante Dom Henrique e o porto, é a Factory Lisbon, do grupo alemão Factory, surgido em Berlim com o propósito de requalificar antigos edifícios industriais para novas indústrias criativas e tecnológicas.
  • 10
    Ver divulgação na página da Startup Lisboa (2019).
  • 11
  • 12
    Sobre a Casa do Capitão, ver: Real (2020).
  • 13
    Como exemplo, ver: Freitas (2022).
  • 14
    Ver: Sónar... (2021).
  • 15
    Ver: Sónar... (2021).
  • 16
    Ao fundo, o antigo edifício da confeitaria da MM, reservado para a StartUp Lisboa, administradora da infraestrutura. A frase na fachada – Startup Lisboa is Baking the Future Here! – indica a mediação entre o passado e o futuro do edifício, a antiga Fábrica de Pão da MM.
  • 17
    Lisboa Unicorn Capital também passou a ser o nome da plataforma de promoção do EID da cidade, a antiga Made of Lisboa. Diz a página oficial: “A ambição é clara: afirmar Lisboa como hub empreendedor, inovador e tecnológico a nível global, trabalhando com a comunidade para garantir o sucesso de Lisboa como capital da inovação”. Por essa definição, entende-se como o Hub Criativo do Beato tem o intuito de representar materialmente os anseios da cidade. Ver: https://lisboaunicorncapital.com/pt/sobre-nos/. Acesso em: mar 2024.
  • 18
    Sobre a Lei n. 21/2023, aprovada pela Assembleia da República em 25 de maio de 2023, conhecida como “Lei das Startups”, ver: Marcela (2022b). Ver ainda: “Nova Lei das startups. ‘Temos a oportunidade de criar um ecossistema de relevo internacional’, diz diretor executivo da Startup Lisboa” (Marcela, 2022b).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    Out 2025

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2024
  • Aceito
    29 Maio 2024
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