Resumo
Este artigo investiga as implicações urbanas da plataformização do trabalho, a partir da observação direta do cotidiano laboral e da atuação política de entregadores de aplicativo na macrometrópole paulistana. Ao relacionar o fenômeno com a reestruturação produtiva do capitalismo e a financeirização, busca-se discutir novas maneiras da informalidade e do trabalho precarizado, que se entrelaçam às dinâmicas urbanas contemporâneas e às novas tecnologias. Evidencia-se que a conexão entre espaços urbanos de circulação, infraestruturas logísticas e plataformas digitais reorganizam a cidade e intensificam o controle sobre os fluxos de mercadorias e corpos, transformando as relações entre o urbano e os sujeitos políticos por meio da multiplicação de fronteiras de conflito e negociação entre a concretude da cidade e a nuvem.
Palavras-chave
logística; uberização; informalidade urbana; plataformização; financeirização
Abstract
This article discusses urban implications of the platformization of work through direct observation of the daily work routine and political action of app-based delivery drivers in the São Paulo macro metropolis. By relating the phenomenon to the production restructuring of capitalism and financialization, it seeks to discuss new forms of informality and precarious work that are intertwined with contemporary urban dynamics and new technologies. The article shows that the connection between urban circulation spaces, logistical infrastructures, and digital platforms reorganizes the city and intensifies control over the flow of goods and bodies, transforming the relationship between the urban dimension and political subjects by multiplying the conflict and negotiation borders between the physical reality of the city and the cloud.
Keywords
logistics; uberization; urban informality; platformization; financialization
Introdução
No contexto da pandemia de coronavírus, em 2020, a atividade de entregadores de aplicativo ganhou considerável destaque na mídia. Por um lado, as entregas por delivery tornavam-se atividades extremamente relevantes para as classes média e alta confinadas devido ao isolamento social. Por outro, em meio à emergência sanitária e à consequente crise social, as condições daquele trabalho tornavam-se agudamente mais insatisfatórias: em meio à crise crescia o número de pessoas dispostas a arriscar suas vidas trabalhando para os aplicativos, que se aproveitavam da enorme disponibilidade de “entregadores-parceiros” para diminuir os pagamentos e lucrar com a situação de emergência. Nesse cenário, manifestações, paralisações e greves de entregadores de aplicativo explodiram e proliferaram, escancarando contradições inerentes à forma do trabalho “plataformizada”. Foi possível, então, observar e acompanhar diretamente a proliferação de táticas de revolta que pareciam falar a língua do trabalho flexível e incidir mais diretamente na cadeia logística de acumulação das plataformas de aplicativo: os “breques” – espécie de piquetes invertidos para impedir que as mercadorias saíssem dos pontos de coleta e entrassem em circulação – se espalharam em shoppings, dark kitchens e dark stores entre 2020 e 2022.
A observação direta que realizamos não foi originalmente estruturada metodologicamente a partir de uma pesquisa teórica prévia, nem conduzida sob a forma de incursões etnográficas sistemáticas. Trata-se de uma experiência inicialmente situada fora do escopo acadêmico, decorrente do acompanhamento de breques e greves, bem como de diálogos com entregadores de aplicativo com os quais estabelecemos contato e confiança, principalmente durante os anos de 2020, 2021 e começo de 2022. Somente em um momento posterior, a partir de questões suscitadas por essa experiência, foram elaboradas discussões teóricas e estruturado um projeto de pesquisa interessado na relação entre a observação direta – que foi sistematizada a partir das questões teóricas que iremos apresentar neste artigo – e novas dinâmicas do urbano.
Neste percurso entre a discussão teórica sobre as transformações contemporâneas do urbano e a experiência política participante, a relação entre o trabalho por aplicativos, as revoltas e a cidade não passou despercebida, na medida em que a sua realização só se faz mediante a habilidade dos trabalhadores de transitarem, constantemente, por lógicas urbanas bastante distintas, em territórios heterogêneos. É a partir de questões como esta que o presente artigo busca esboçar uma compreensão acerca de novas dinâmicas urbanas que se moldam de maneira conjunta aos processos de plataformização e se encontram, na periferia do capitalismo, com trajetórias de informalidade que historicamente marcaram os expedientes urbanos periféricos e que agora se transformam, adaptando-se e lastreando a fase atual de predominância do capital financeiro, na sua face urbana.
Dentre os resultados que apresentamos aqui, observamos que a conjugação dialética de lógicas homogeneizantes e heterogêneas dá notícia de um espaço urbano capaz de articular múltiplas escalas – locais e globais, formais e informais, virtuais e concretas – diluindo os binarismos da cidade segregada da era industrial. Apesar do skyline urbano reluzente da era financeira, essa articulação transescalar só se faz por meio da realização de um trabalho precário que amarra essas escalas, mas permanece invisível nas “portas dos fundos” da metrópole global. Os momentos de revolta desses novos trabalhadores, no entanto, têm o potencial de escancarar essa contradição e revelam que a conjugação de universos aparentemente distintos implica uma produção do espaço urbano que se faz mediante a proliferação incessante de fronteiras de conflito e mediação. O mundo do capital flexível precisa que se conectem escalas, registros e realidades de uma maneira extremamente controlada e calculada – sempre em benefício do capital – para que um sistema baseado na dispersão possa funcionar de maneira unitária. Nesse sentido, buscaremos no presente artigo investigar “fronteiras de tensão” (Feltran, 2011), no sentido da demarcação, divisão e regulação de fluxos que se estabelecem “justamente para regular os canais de contato existentes entre grupos sociais, separados por elas, mas que obrigatoriamente se relacionam” (ibid., p. 15).
Neste artigo faremos uma breve contextualização das transformações do capitalismo global que possibilitaram o surgimento de empresas-plataforma para, então, discutir a logística como braço espacializado do processo de financeirização do capital e, assim, olhar para a plataformização como forma de produção do espaço urbano que multiplica a conformação de fronteiras em muitos sentidos – o que, nas lutas de entregadores de app, revelou-se um grande desafio a ser enfrentado.
A estrutura expositiva do artigo difere, em certa medida, do percurso da pesquisa. Enquanto a pesquisa teve como ponto de partida as experiências diretas com os entregadores de aplicativo, o presente artigo inicia-se com a revisão teórica e bibliográfica que nos ajudou a ler os elementos observados na dinâmica urbana desses novos trabalhadores para, ao final, apresentar a dimensão concreta observada de maneira já sistematizada. Essa concretude emerge, a partir do item “Novas fronteiras urbanas, novos sujeitos políticos”, na forma de pequenas cenas descritivas que são posteriormente analisadas. Esse movimento inverso na organização do texto propõe reexame das experiências concretas prévias à luz da reflexão teórica desenvolvida.
Plataformização do trabalho
De acordo com Harvey (1989), a reestruturação produtiva do capital pode ser entendida a partir da emergência de um regime de acumulação flexível do capital, ante o esgotamento do projeto moderno de industrialização – manifesto na crise global de 1973. Esse processo resultou na progressiva concentração de poder na esfera financeira e, para o urbano, em uma flexibilização geográfica que tanto fez com que a produção se dispersasse pelo tecido urbano, quanto embaralhou fronteiras antes muito demarcadas entre centro e periferia (Telles, 2006a, 2006b). O processo de reestruturação produtiva iniciado na década de 1970 segue em desenvolvimento e a entrada em cena de plataformas digitais, aplicativos e smartphones lhe dá, hoje, novas camadas de complexidade – alterando radicalmente relações de trabalho e tornando mais agudas as tendências observadas no início do processo.
Tais processos de transformação da economia e do trabalho não podem ser compreendidos sem que se olhe para o desenvolvimento tecnológico que os acompanhou. Produto da dita Revolução Tecnológica, a generalização dos telefones celulares no início dos anos 2000 é paradigmática de uma tendência à eliminação total da porosidade do trabalho deste novo momento. Encarnando o hibridismo entre produção e reprodução social – sendo simultaneamente meios de comunicação, lazer e trabalho –, os aparelhos possibilitam que o trabalho aconteça em qualquer momento e lugar, invadindo qualquer tempo livre ou de descanso. No caso do motofrete – atividade precursora do delivery por aplicativo –, a chegada dos celulares tanto aumentou o controle do trabalho quanto acelerou o seu ritmo, pois colocou como possibilidade a comunicação em tempo real das empresas com os motoboys e tornou mais eficiente a distribuição das entregas, de forma que elas pudessem ser realizadas em menos tempo (Abílio, 2015), “diminuindo ‘os poros de não-trabalho ao longo de sua jornada’ e barateando o serviço aos contratantes” (Um grupo de militantes na neblina, 2022, p. 44).
A chegada e popularização dos celulares com GPS e smartphones, nos últimos anos da primeira década do século XXI, puderam acentuar ainda mais esse processo. O aparecimento dessas novas funcionalidades, é importante ressaltar, insere-se em uma mudança qualitativa das relações sociais relativa ao processo de financeirização do capital. O que havia sido adiantado por Harvey ainda em 1989, ganha novas dimensões e, com os smartphones, é possível falar em um “sequestro do tempo privado pela produção” (Oliveira apud Viana, 2013), onde “todos devem estar de prontidão para as eventualidades que são regra” (Viana, 2013, p. 53).
Foi nesse contexto que apareceram e difundiram-se plataformas digitais que, propagandeando um “novo modelo de negócios”, foram capazes de centralizar e gerir interações de multidões dispersas no espaço. Tomando a forma de marketplaces, aplicativos de serviços, plataformas de streaming e assinatura ou plataformas “de pessoa para pessoa” (peer-to-peer), pipocaram pela década de 2010 – no Brasil e no mundo – novas empresas como Airbnb, Uber, Netflix, iFood, Rappi, Taskrabbit ou Quinto Andar.
No centro do capitalismo, muitas dessas plataformas prometiam conectar possíveis relações comunitárias não realizadas pela sua dispersão no espaço. Aplicativos de caronas, empréstimo de ferramentas ou troca de favores entre vizinhos comprometiam-se, no discurso, a usar o desenvolvimento tecnológico mobilizando esforços coletivos. Mas, ao observar aquilo que nomeia como “economia do compartilhamento” e lançando olhar para seus principais representantes, Slee (2019) denuncia o que identifica como um mergulho desse novo modelo de negócios nos circuitos de capital de risco, que se distanciaria de uma promessa inicial do fortalecimento de trocas não mediadas pelo dinheiro, favorecendo as já grandes corporações. É nas periferias do capitalismo, contudo, que o fenômeno da plataformização nos mostra “a que veio” – dando novo caráter ao já nosso conhecido mundo do “trabalho sem forma” (Oliveira, 2003), que, ganhando tal forma plataformizada, passa a ser subsumido de maneira real pelo capital (Abílio, 2017), em sua fase financeira.
A emergência das plataformas, mais do que simples desenvolvimento tecnológico, deu ao capital uma importante saída para os limites encontrados em empresas onde o controle e gerenciamento do trabalho ainda eram feitos por humanos, envolvendo relações pessoais. No caso do motofrete isso fica claro, já que, por mais que no antigo modelo das empresas terceirizadas – as chamadas “Express”, surgidas na década de 1980 (ver Silva, 2009) – houvesse uma central que poderia monitorar os motoboys na rua por meio dos telefones celulares, esse monitoramento tanto não poderia ser feito em tempo real e constante, quanto limitava o número de motoboys que a empresa poderia contratar – justamente porque era exercido por pessoas. Assim, os aplicativos de entrega e delivery trouxeram a possibilidade de controle constante e em tempo real por meio de GPS e puderam substituir essas empresas terceirizadas, muitas vezes de porte familiar e de abrangência local na cidade. Com isso, foi possível que se concentrasse e controlasse de maneira mais precisa e eficiente os motoboys que passavam da escala de dezenas ou centenas para dezenas de milhares. Também muito mais disperso no espaço, o trabalho passou a ser exercido just-in-time, sob a imediatez das demandas. Os limites para o crescimento das empresas puderam, então, ser extrapolados e o motofrete passou a ser dirigido por grandes corporações, em sua maioria ligadas ao capital internacional.
Se, do ponto de vista das empresas, a transformação de relações sociais no “novo modelo de negócios” lançou startups em circuitos de capital de risco (Slee, 2019), do ponto de vista do trabalho, tal transformação também reconfigurou sua dinâmica, em um processo que tem sido chamado de “uberização”. Antunes (2020) a entende como “um processo no qual as relações de trabalho são crescentemente individualizadas e invisibilizadas, assumindo, assim, a aparência de ‘prestação de serviços’ e obliterando as relações de assalariamento e de exploração do trabalho” (p. 11).
Abílio (2017) vai mais longe, entendendo a uberização como a “subsunção real da viração”, isto é, a tomada e o controle pelo capital, numa fase de avanço de formas de ganho por mais-valia relativa e alta rotação de capital – na forma de empresas-aplicativos – dos trabalhos informais, bicos e outros variados meios com os quais grande parte da população, antes sozinha, “se virava” para sobreviver. A autora, caracterizando a relação entre a gig economy – ou economia do compartilhamento – e “viração”, entende a primeira como o “nome internacional e globalizado” da última, caracterizando um mercado movido por trajetórias instáveis de “serviços remunerados que mal têm a forma trabalho, que contam o engajamento do trabalhador-usuário, com seu próprio gerenciamento e definição de suas estratégias pessoais” (ibid.).
Assim sendo, atividades ligadas à esfera da reprodução social – historicamente associadas a formas de sobrevivência e complementação de renda – puderam ser geridas por grandes empresas por meio das plataformas, embaralhando ainda mais as distinções entre o tempo livre e o tempo de trabalho – na medida em que o trabalhador, just-in-time, passa a estar em um estado constante de prontidão para realizar as “empreitadas” que podem chegar a ele a qualquer momento por meio dos aplicativos (Abílio, 2020). Agora, mais do que nunca, é o próprio trabalhador que passa a administrar os custos e riscos da realização da mercadoria na esfera da produção e, no entanto, o controle sobre esse processo permanece ainda mais nas mãos do capital: com alto refinamento tecnológico e utilização de inteligência artificial, as plataformas podem gerenciar e controlar o trabalho com extrema precisão – sem arcar com os ônus que as relações formais de assalariamento implicam – e, ao mesmo tempo, conectá-lo aos fluxos do capital financeiro mundial.
Em meio à generalização do desemprego, os aplicativos passaram a oferecer um caminho, à primeira vista interessante, para quem se encontra sem alternativas para obtenção de renda. A possibilidade de trabalhar de acordo com seus próprios horários e não responder a patrões e superiores aparece como uma vantagem real para muitos que já não veem horizonte nem possibilidades de melhora de vida no trabalho formal. Isso, somado ao fato de que, nos primeiros anos em que os aplicativos se instalaram no País, não foram poucos os que conseguiram aumentar consideravelmente os rendimentos mensais, contribui para demonstrar que a ilusão produzida do “empreendedor de si” (Dardot e Laval, 2016) não deixa de ter fundamento concreto e real, por mais que ilusório.
Logística: o urbano na era financeira
Vemos, portanto, que o processo de plataformização radicaliza as tendências da acumulação flexível observadas por Harvey na década de 1980, redesenhando o mundo sob predominância financeira atual. Entendemos, portanto, que, para além do espaço do capital fixo da esteira da produção de mercadorias, atualmente é necessário olhar para as técnicas de circulação, que embaralham, inclusive, o mundo da produção e o da reprodução social. Nesse sentido, faz-se necessário um olhar para a logística e suas formas atuais de rearticulação do trabalho, do urbano e das lutas.
Expressão de um pensamento militar surgido no século XVIII, a logística passou a incidir sobre os territórios transformando “a totalidade do espaço em território logístico” (Cordeiro, 2022, p. 16) e colocando “em movimento um complexo sistema de vetores de produção, transporte e destruição” (ibid., p. 18). Nesse processo se operaria a “homogeneização logística do planeta, integralmente transparente ao olhar da mira e percorrível pelos vetores de destruição” (ibid., p. 20).
Depois de já assentada como disciplina militar pós-Grandes Guerras, a logística se transforma, a partir da década de 1950, em uma disciplina civil, convertendo-se em forma de organização das relações sociais na sua totalidade. Depois da década de 1970, enquanto o processo de reestruturação produtiva possibilitou que o capital financeiro e flexível tomasse as rédeas da acumulação, realizou-se, ao mesmo tempo, a virada logística, reorganizando o espaço e a produção de forma a, inclusive, fornecer a base material e a infraestrutura física necessária para que o capital desse seu salto para a virtualidade financeira (Peregalli, 2022).
Um primeiro sentido da chamada “revolução logística” (ibid.) teria se processado no sentido da emergência de um setor capitalista que funciona como infraestrutura do momento de circulação do capital – que ganha importância em meio à reestruturação –, deslocando-se da esfera estritamente militar para o próprio interior das “ciências econômicas” capitalistas. A reorganização espacial da produção capitalista (Harvey, 1989) contou, portanto, com o desenvolvimento de todo um conjunto de procedimentos técnicos e infraestruturas que possibilitaram que a “ciência de gestão da mobilidade de pessoas e coisas com objetivo de aumentar a eficiência econômica” (Neilson, 2012, p. 323; tradução nossa) tomasse escala global. Essa reorganização, fundada no deslocamento da produção em um sistema de “redes profundamente conectadas umas com as outras ao longo de cadeias de suprimento em escala global” (Peregalli, 2022), fez com que a superação de obstáculos espaciais para a circulação do capital se tornasse ainda mais importante, mobilizando infraestruturas físicas e digitais como os suportes objetivos que, organizados pela racionalidade logística, possibilitam a descentralização da produção, da circulação e do consumo de mercadorias e informações (ibid.). Concretamente, isso produz novos contextos metropolitanos, cadeias de abastecimento mundiais, plataformas para comércio e transporte microlocais e reconfigurações territoriais ou de trabalho associadas a projetos de infraestrutura – “pesada” ou “leve” (ibid.).
A virada logística, portanto, reorganiza o urbano de forma que os pontos no espaço onde se realiza a extração de matérias-primas, a produção de mercadorias e o consumo fragmentem-se e espalhem-se pelo globo, de forma concomitante a um esforço de redução máxima do tempo de conexão entre eles. Nesse processo, as próprias cidades emergem como grandes infraestruturas logísticas que devem servir à passagem dos fluxos globais, articulando diversos modais, escalas (globais e locais) e registros (materiais e virtuais). Para que isso se faça da maneira mais veloz e sem fricções possível, toda a estrutura urbana passa a se organizar a partir de uma “lógica da circulação desimpedida, e deixando a possibilidade de uma expansão indefinida” (Cuppini, 2018). Nesse sentido, o movimento da urbanização se daria de maneira planetária a partir de tecidos urbanos que ligam, por meio dessas infraestruturas, “os grandes centros metropolitanos com os lugares de extração de matérias-primas, as rotas de transporte continental e oceânico com a nuvem de poeira de urbanização difusa que, vista à noite desde os satélites, faz resplandecer de luzes artificiais áreas cada vez maiores da superfície terrestre” (ibid.).
Mezzadra e Neilson (2013) também andam nessa direção ao centrar a análise da lógica do capitalismo contemporâneo no exame da interseção entre finanças, extração e logística. Os autores colocam a logística como ciência responsável por organizar materialmente a financeirização, por meio tanto da instalação de uma rede de infraestrutura espalhada mundialmente, quanto da exploração de formas variadas de trabalho que produzem “vários graus de lubrificação e fricção para o funcionamento fluido do capitalismo” (ibid., p. 14; tradução nossa). Nesse sentido, ao colocarem também o trabalho como um elemento de análise importante – observando a precarização do trabalho e o endividamento como formas espoliativas necessárias –, os autores chamam a atenção para o caráter “variegado” que assume o trabalho na globalização: correndo em paralelo com a sua intensificação, proliferam formas de exploração para além dos contornos legais, sociais e de poder do assalariamento (ibid., p. 13) – e que, por sua vez, também produzem territórios heterogêneos. Entender que, no capitalismo contemporâneo, as possibilidades de valorização estão profundamente atreladas com essa multiplicidade de formas heterogêneas de trabalho – cujo elo são justamente infraestruturas logísticas – parece-nos central, e nos leva ao argumento de Tsing acerca da tensão permanente entre heterogeneidade e integração global.
Quando a autora americana descreve o “capitalismo de cadeia de suprimento” (Tsing, 2009), ela nota que se de um lado a expansão das cadeias de mercado baseia-se em mecanismos de integração global – que contam com uma tendência à homogeneização das infraestruturas, concretas e virtuais, de comunicação e circulação –, de outro é a formação e exploração de nichos diferenciados e fragmentados que torna essa expansão possível – com a tendência oposta, à produção e reprodução da heterogeneidade nas cadeias de produção. Se essa tensão não é algo novo, repetimos, é a articulação constante entre esses dois registros – salto qualitativo dado pelo desenvolvimento tecnológico a que assistimos – que parece ser o ponto crítico dessas cadeias de suprimento. Não seria disso que se trataria, em alguma medida, a “subsunção da real viração” (Abílio, 2017) que observamos na uberização? Quando uma plataforma-aplicativo consegue gerenciar e controlar bicos, expedientes de sobrevivência e trabalhos informais, capturando fluxos de renda para cadeias internacionais de acumulação, ela não estaria operando justamente a tarefa logística de integrar globalização e heterogeneidade?
A percepção dessa tensão dialoga com as investigações de Sandra Lencioni acerca do fenômeno de metropolização, que caracterizaria a urbanização contemporânea (Lencioni, 2015). Para a autora, estar-se-ia diante da constituição de uma nova forma urbana, condizente com as necessidades espaciais do capital financeiro. Dilatado, difuso e disperso, o espaço urbano extrapolaria a própria cidade, chegando a todos os espaços, mas sem constituir uma forma: “Como nebulosa, o fenômeno urbano apresenta-se esgarçado, rompido, com porosidades e descontinuidades face a um quadro de volatividade permanente” (ibid., p. 9). Em meio à fragmentação, as operações de integração – por meio de fluxos, movimentos, ligações – ganham relevância, na medida em que são responsáveis por garantir ao sistema a sua unidade e, assim, a atividade logística passa a ser um fator estruturante do sistema urbano.
Planejando com a logística
Dessa maneira, ao sair do âmbito militar, a técnica de organização dos fluxos não adentra tão somente as ciências econômicas e o management, mas pode converter-se em uma nova disciplina de planejamento do espaço – ou ao menos é isso que sugerem as lições apologéticas de Lyster. Para a arquiteta estadunidense, a logística abre caminho para que as cidades possam ser entendidas em uma condição “fluida”, como sistemas operacionais e fluxos processuais (Lyster, 2016). Enquanto a própria força da geografia como agente urbanizadora estaria aparentemente perdendo espaço para os fluxos de comunicação – sejam esses fluxos materiais como as redes de transporte, sejam eles imateriais como as redes de internet – ,são os lugares em torno dessas redes de infraestrutura que podem emergir como grandes catalisadores urbanos, como aeroportos, centros de distribuição, data centers ou galpões logísticos. Mais do que isso, o próprio funcionamento das cidades poderia se aproximar das operações de empresas como FedEx ou Amazon. Sistemas híbridos de coordenação centralizada e descentralizada ou de precisão projetual e flexibilidade, a busca por simultaneidade de programas em localizações compartilhadas, a redução dos tempos de deslocamento, ou uma espécie de urbanismo on-demand são algumas das possibilidades aventadas pela autora para guiar o desenho urbano: “[...] como caracterizar o Urbanismo On-Demand? É um lugar físico? É um website? É um portal de informações? É um espaço cultural? É um sistema de infraestrutura? A resposta é que é tudo isso [...]” (ibid., p. 120).
Nesse sentido, o tecido físico da cidade se organizaria em função de plataformas logísticas que passam a constituir a esfera pública dominante do presente (ibid.). Na visão otimista de Lyster, a integração homogeneizadora de informações, tecnologia e espaço físico poderia revelar o laço da arquitetura com forças externas e parte de rede sistêmica de fluxos, onde a automatização dos processos pela logística poderia tanto liberar o desenho urbano para uma diversidade programática, quanto eximir as pessoas de processos penosos de trabalho a ponto de extingui-lo totalmente (ibid., p. 142). Contudo, quando homogeneizado como “espaço de transferência” dos fluxos logísticos e inteiramente percorrido por “teleoperações”, o urbano passa a organizar-se não de uma maneira criativa e diversa como a autora supõe, mas em torno da multiplicação de “enclaves fortificados” (Caldeira, 2011), nós estratégicos para a circulação, altamente controlados, policiados e conectados por uma rede de estruturas de circulação, físicas ou virtuais (Cordeiro, 2022, p. 37). Nesse sentido, a realização de uma tal “urbanização planetária” ligando um tecido urbano “logistificado, fluido, maleável e entretecido” (Cuppini, 2018), estaria escondendo – sob a aparente magia em torno da circulação veloz e sem fricções – não a extinção, mas a intensificação de expedientes precários e penosos de trabalho. O planejamento urbano logístico seria, então, parte de uma infraestrutura que tanto viabilizaria a globalização e a reestruturação produtiva, quanto organizaria a captura e direcionamento de fluxos espoliativos que, ao fim, estariam no cerne da livre circulação de fluxos financeiros.
Revelando-se, então, a logística uma técnica eminentemente urbana – que orienta a produção das cidades e seus entornos para tornar a circulação eficiente e controlada –, podemos entender que ela ganha um aspecto total, mas que articula expedientes diversos. Seria possível arriscar que há uma combinação de meios de circulação crescentemente padronizados e homogêneos com aspectos heterogêneos, inclusive espaciais, mobilizados na criação de nichos diversificados de exploração?
Na cidade: o avesso dos espelhos
Dentre tais meios de circulação crescentemente padronizados, emerge o espaço virtual da “nuvem” como mais uma tecnologia homogeneizadora – tal qual o espaço da cidade global, de estética e qualidade urbana homogeneizantes – que permite a eficiência do controle à distância de toda uma realidade dispersa que integra a esfera da circulação do capital e precisa amoldar-se à sua lógica, queremos também enfatizar que a característica homogênea do espaço urbano mundial liga-se menos ao reluzente desenvolvimento do que à incorporação de precários e violentos expedientes de sobrevivência – que são múltiplos e variados –, ao processo produtivo, à mistura de precariedade e luxo. Seria a “subsunção da viração” (Abílio, 2017) a totalidade que amarra todo o processo?
Se a homogeneidade em meio à esquizofrenia parece ser a própria subsunção da viração, também é possível notar a diversidade de formas como ela se materializa. Ao revelar o homogêneo, enxergamos a unidade do sistema urbano contemporâneo. Contudo, façamos agora o esforço contrário: ver a heterogeneidade no que parece ser igual em todos os cantos do mundo. O trabalho de Tsing (2009) chama a atenção para a forma como a heterogeneidade cumpre um papel importante nos processos de globalização de capital. O termo “capitalismo de cadeia de suprimento” – referindo-se a “cadeias de mercadorias baseadas em subcontratação, terceirização e arranjos nos quais a autonomia das empresas integrantes é legalmente estabelecida, mesmo que as empresas sejam disciplinadas dentro da cadeia como um todo” (ibid., p. 148; tradução nossa) – é central para que Tsing defina as dinâmicas do capital flexível e global, na medida em que sublinha a possibilidade de cadeias de mercado expandirem-se globalmente, por meio da mobilização de nichos econômicos fragmentados, porém interconectados (ibid.).
Cadeias globais de mercado não são algo novo no funcionamento do capitalismo, mas elas parecem estar transformando-se qualitativamente na medida em que, enquanto novas tecnologias facilitam a rapidez da comunicação e do deslocamento, novos acordos financeiros regularizam a circulação do dinheiro pelo globo, de maneira que essas cadeias passem a responder a expectativas de retorno de stokholders. Nesse sentido, a forma flexível do capital permite que ele aterrisse sobre territórios econômicos diversificados e, quando vantajoso, se aproprie de formas sociais e de trabalho muitas vezes entendidas como “não capitalistas”. A expansão global das cadeias de mercado baseia-se tanto na integração global quanto na exploração e formação de nichos heterogêneos. “O capitalismo, aqui, incorpora contingências sem formar uma única e homogênea estrutura; essa é, de fato, a genialidade da sua disseminação” (ibid., p. 152; tradução nossa). Assim, o capitalismo contemporâneo manteria relações constantes com a contingência, a experimentação, a negociação e acordos instáveis nesses territórios e nichos diversos – onde, frequentemente são formadas “zonas cinzentas” de legalidade em meio aos fluxos de oportunidade – vocabulário de que, aliás, se vale Roy (2017) para descrever “espaços intermediários” que evidenciam a flexibilidade soberana dos espaços de exceção e que permanecem constantemente gerenciados e tolerados, mas sempre enquanto possíveis ameaças para a ordem.
A grandeza do capitalismo contemporâneo precisa ser pensada, então, considerando simultaneamente a integração global e a heterogeneidade das escalas locais (Tsing, 2009, p. 150). Aliás, essa tensão é também sinalizada por Harvey, quando a extração de renda sobre monopólios passou a basear-se em particularidades locais, sem prescindir, entretanto, de um processo de homogeneização que possibilitasse que essas mesmas particularidades fossem negociáveis e intercambiáveis mundo afora.
Assim, a ilusão de homogeneidade da cidade global se dissipa quando os lugares são observados com atenção nas diferentes partes das cidades nas quais acompanhamos as mobilizações dos entregadores de aplicativos. Pudemos observar que existem lugares específicos que se espalham pela cidade de maneira conjunta à expansão das plataformas de delivery. A precariedade do trabalho dentro e fora desses estabelecimentos fica evidente tanto nos incômodos e improvisados espaços de espera nos arredores de shoppings e centros comerciais, quanto nos espaços institucionalizados por estabelecimentos para a coleta de pedidos – onde permanecem, discretamente, seguranças privados contratados para disciplinar e vigiar o trabalho. Essa observação atenta direciona-se principalmente às relações sociais mobilizadas por esses espaços, na sua concretude. É a partir delas que se torna possível compreender especificidades locais, mesmo que em composição com um todo que as abarca.
No caso do objeto aqui estudado é possível notar, por exemplo, que as docas de shoppings centers localizados em regiões centrais não são as mesmas que aquelas localizadas em zonas periféricas. Nas primeiras, onde o preço da terra é mais elevado e a disputa sobre ela mais acirrada, entregadores parecem ser mais atomizados, pois a grande quantidade de pedidos concentra e reúne, em um ritmo frenético, trabalhadores dispersos no espaço. Já nas regiões periféricas ainda parece ser possível a constituição de uma dimensão comunitária: onde a demanda é menor e as corridas são feitas dentro de bairros pequenos, é mais comum que um mesmo grupo de entregadores acabe esperando sempre junto em docas ou bolsões, se conhecendo e criando vínculos. Nesse sentido, os próprios espaços também divergem: não é à toa que seja preferencialmente em shoppings luxuosos que se instalem os hubs das plataformas ou institucionalizem-se as docas com vigias e seguranças contratados. Bolsões e espaços de espera informais, por sua vez, são mais comuns em estabelecimentos menos centrais.
Da mesma maneira, a divisão das diferentes categorias de trabalho no aplicativo também leva em conta elementos locais do espaço urbano: é notório que nas regiões centrais de São Paulo existe uma atuação mais presente de operadoras logísticas,1 pois, na medida em que parecem ter maior importância financeira para os aplicativos, o controle sobre elas deve ser mais preciso, levando em conta a sensibilidade do controle humano. Ao mesmo tempo, os aplicativos em cidades médias também contam com um grande número de operadoras logísticas, mas, ao que parece, por outros motivos: apropriando-se das relações comunitárias já existentes nessas cidades de menores dimensões, é possível valer-se de relações e vínculos de grupo e direcioná-las para uma espécie de cooperação para o trabalho, quando a força de trabalho disponível é incerta.
Outros espaços que pudemos presenciar foram as chamadas dark kitchens e dark stores. O sentido desses dois novos lugares parece ser o mesmo: são empreendimentos de aluguel para logística de comércio mediado pelos meios digitais. As dark kitchens são “cozinhas comerciais em locais estratégicos, aliando facilidade operacional e tecnologia de ponta”2 em que restaurantes alugam de uma outra empresa um espaço de uma dessas cozinhas exclusivamente para atender pedidos de delivery – quase sempre de aplicativos. As dark stores, de forma análoga, são galpões que funcionam como centros de distribuição em escala local, onde podem ser retiradas encomendas realizadas pela internet ou por apps. Nas palavras de uma página de gestão de negócios do banco Santander, um empreendimento como este “funciona como um estabelecimento de abastecimento, comumente instalado em grandes centros urbanos, tendo como foco a fácil distribuição de compras feitas on-line”.3
Se as dark kitchens e stores aparentam ser o que há de mais avançado na conexão entre a circulação de capital no meio digital e a esfera da concreta produção e distribuição de mercadorias, elas escondem, contudo, faces ocultas. Para além de ser obscura a regulamentação dos aluguéis e a forma de propriedade que se tem sobre esses “negócios fantasma” – situação híbrida que combina com a maneira igualmente híbrida de gestão de trabalho e a esfera de indistinção entre a produção e a reprodução na qual ele se encontra no capitalismo financeiro –, as fachadas descaracterizadas que não se distinguem em meio às edificações vizinhas abrigam um cotidiano de sofrimento dos que trabalham em seu interior.4 Não é à toa, portanto, que, apesar de muito próximas dos grandes centros, esses estabelecimentos não se encontrem nas ruas mais movimentadas e cheias de lojas e restaurantes caros e não tenham a aparência luxuosa dos shoppings centers. De certo modo camuflados em ruas de menor circulação, confundindo-se com um entorno genérico, materializam o encontro da viração com o mundo financeiro high-tech.
Por trás da camuflagem da forma opaca e fechada desses espaços – em muito diferente da transparência das cortinas envidraçadas que velam os edifícios corporativos da tipologia global –, a violência e o mundo sujo do trabalho aparecem neles, contudo revelados. Enquanto os edifícios envidraçados aparecem enquanto símbolo e materialização do capital financeiro, mas escondem o trabalho (Guerreiro, 2010), nessas “construções fantasma” parece operar o inverso. Os muros de alvenaria, os poucos andares, as aberturas pequenas, os letreiros coloridos, a aparência um tanto abandonada: nada disso parece contar a história de empresas de tecnologia de ponta que movimentam grandes fluxos de capital de risco constantemente. Nesse jogo entre o que se esconde e o que se revela, a exploração assume uma forma cínica. Revela a violência e a contradição, ao mesmo tempo que adere a elas e as reforça. É nesse sentido que as dark kitchens e dark stores podem se autodenominar dark, exibindo seu lado obscuro como um troféu.
A presença de empreendimentos obscuros como as dark kitchens no coração do tecido urbano corrobora a percepção de Telles (2006a) ao sublinhar o entrecruzamento dos trânsitos de riqueza e pobreza na cidade global. Contudo, a forma como esses universos se encontram não pode ser livre: a conexão entre esses trânsitos conflitantes deve ser controlada e calculada de forma que, junto com a sua proliferação, multipliquem-se também as fronteiras que balizam o imbricamento entre esses mundos – não é à toa, aliás, que os lugares de fronteira e as portas dos fundos não se notem com facilidade, desaparecendo na imagem que a cidade faz dela mesma: das empresas de motofrete terceirizadas aos empreendimentos fantasma que se proliferam nas áreas de franja, a face oculta da cidade financeirizada é ofuscada pelo brilho das fachadas envidraçadas dos enormes prédios espelhados que se estampam nos cartões-postais.
Novas fronteiras urbanas, novos sujeitos políticos
Estamos vendo, portanto, que o espaço urbano contemporâneo parece estar sendo conformado pela presença constante de fronteiras – que podem materializar-se, inclusive, nas próprias ruas, como vimos. Elas são responsáveis por determinar em que medida universos aparentemente distintos podem se conectar ou separar. Se o que percebemos é que, na cidade, aparecem como separados o mundo espetacular das finanças e o mundo obscuro dos expedientes de sobrevivência, mas os sabemos profundamente conectados e interdependentes, é possível arriscar que as fronteiras, de maneira oculta, operam no sentido de mediar a sua conexão e de controlar a sua permeabilidade.
O curioso disso é que o discurso da globalização da década de 1990 chamava a atenção para a superação das fronteiras mundiais, enquanto hoje notamos, ao invés disso, uma proliferação de fronteiras – físicas e virtuais – como mecanismo próprio pelo qual o capitalismo se expande (Mezzadra e Neilson, 2013). No padrão de acumulação de crise permanente, as fronteiras emergem como elementos centrais em uma organização heterogênea do espaço, na medida em que funciona como um dispositivo de hierarquização, junção e separação dos territórios (ibid.). Esse dispositivo estaria relacionado com os mecanismos espoliativos que dão a base material para a expansão das finanças como processo de extração da economia.
Nesse cenário urbano de multiplicação de fronteiras e contexto das relações de trabalho em meio ao processo de plataformização, a subjetivação do trabalhador não poderia ser, portanto, a mesma, nem seus processos de luta. Nesse aspecto, a forma como o urbano participa desse processo de subjetivação ganha novos contornos, numa multiplicação de fronteiras que não são apenas de classe ou de capital cultural – como a narrativa da segregação espacial definiu os conflitos urbanos na era industrial. O que vemos atualmente é que a formação do sujeito político, que antes se dava no espaço urbano entre a fábrica e o assentamento autoconstruído, agora se desloca para a imediaticidade just-in-time na qual as fronteiras não mais segregam, mas medeiam e conectam faces ambivalentes da relação entre o trabalho e o urbano, dialeticamente formando uma totalidade.
Dentre as múltiplas fronteiras que poderíamos elencar, as seguintes foram especialmente observadas e vividas em meio ao acompanhamento do cotidiano e das lutas de motoboys que realizamos entre 2020 e 2022 na macrometrópole paulistana. O leitor verá que, na articulação entre elas, não é possível exatamente desenhar uma forma específica de categorizar trabalho, lutas e espaço urbano contemporâneo. No entanto, elas nos ajudam a nos aproximar dos conflitos e contradições atuais, buscando novas formas de intervenção política que articulem trabalho e cidade em meio ao extrativismo urbano e financeiro.
Fronteiras de espera
O encontro das avenidas Eusébio Matoso, Rebouças, da rua Ibiapinópolis e da Marginal Pinheiros circunda o Shopping Eldorado, com seus 137 mil m2 de área construída e suas 304 lojas, na região centro-oeste da cidade de São Paulo. Do outro lado da avenida Rebouças – onde se encontra o acesso aos fundos e ao estacionamento do shopping –, há mais de uma dezena de motos estacionadas na esquina com a rua Içana. Mais adiante, ainda na avenida, uma outra porção de motocicletas paradas no que parece ser o recuo de diante de uma residência. Parte dos veículos não conta com motorista à vista. Outra parte fica pouco, mal chega e logo vai embora sob a direção de um entregador que carrega sacolas ou uma mochila térmica e retorna do shopping olhando a tela de seu celular. Há também as motos que permanecem com seus motoristas: alguns dormem sentados em cima da moto, outros ficam no chão, recostados nos veículos enquanto conversam. Há também os que, sem em momento algum tirar os olhos de algum aplicativo de entregas aberto na tela do celular, esperam – ora ansiosos, ora entediados – por uma notificação que anuncie uma corrida de motofrete a ser realizada. Mochilas térmicas espalhadas pelo chão, ou nas costas de algum motoboy que não quis retirá-la.
Parte das motos está parada no que parecem ser vagas públicas, reservadas pela prefeitura ou pelo Estado, para a permanência de motocicletas por um determinado período – tempo que quase sempre é excedido pelos que se utilizam das vagas. Parte fica parada na rua, onde a guia não é rebaixada e está pintada de branco, o que também indica permissão para estacionar. Parte pode ser encontrada em estacionamentos vazios para carros – muitas vezes bloqueados com correntes que são ignoradas pelas motos – de estabelecimentos privados, ou na própria calçada, atrapalhando a passagem de pedestres ou a entrada e saída das edificações que acompanham a avenida. Vez ou outra, uma viatura da polícia pode aparecer e, então, rapidamente, muitos dos que esperam estacionados dão partida e desaparecem – pode ser que o lugar onde estivessem parados fosse proibido; pode ser que estivessem há mais tempo do que o permitido nas vagas públicas; pode ser que os documentos da moto não estivessem regularizados; pode ser que estivessem devendo multas, ou com a carteira vencida. Enfim, querem evitar problemas.
A cena descrita busca chamar a atenção para a monotonia que conforma os espaços onde entregadores esperam por pedidos durante boa parte das jornadas, e onde pudemos, na pesquisa de campo, nos aproximar e conversar com vários deles. O contraste entre a correria dos enxames de motos coletando e distribuindo pedidos nas ruas e avenidas da cidade e o tédio nos momentos de espera que se processa nesses espaços de franja de que falamos parece exemplar. Isso porque, quando não estão indo retirar ou entregar um volume, a principal atividade realizada por esses trabalhadores consiste em esperar. Nas franjas – ao redor de shoppings centers, restaurantes, comércios, dark kitchens e dark stores – concentram-se, em docas de shoppings ou bolsões de motos nas ruas, motoboys que, no aguardo de uma notificação do aplicativo avisando que há uma corrida a ser realizada, permanecem parados. Esse “tempo morto” – durante o qual, obviamente, os entregadores não recebem nada, apesar do estado de prontidão e disponibilidade em que se encontram – é indispensável à forma de trabalho just-in-time, já que para que a realização de entregas possa acompanhar a demanda de pedidos – mais ou menos imprevisível – é necessário que exista sempre uma porção deles ociosos, em espera, disponíveis para começar a trabalhar de forma imediata (Liberato, 2020).
No novo momento da acumulação do capital observa-se, em meio à dissolução do assalariamento, uma verdadeira intensificação do trabalho. Essa mudança é acompanhada pela emergência do que Arantes (2014) chama de “estado de emergência penal e social” posto para governar a insegurança social e gerenciar um trabalho desclassificado e dessocializado. Se a virada dos tempos coloca toda uma população em estado de emergência ou insurgência – os “pobres problemáticos” ou o “exército criminal de reserva” (Feltran, 2011), fruto da desestruturação do exército industrial de reserva ocorrida com o fim da sociedade salarial –, é preciso então que ela seja processada e controlada, contida e punida. Seja pela via do encarceramento em massa, seja por um continuum punitivo nas ruas, a própria espera torna-se uma forma de punição. Sem propósito ou horizonte, ela [a espera] serve unicamente a um mecanismo de gestão do trabalho pela mobilização total. Tudo isso em compasso com a emergência de um regime temporal muito mais célere do que o fordista, no qual é absolutamente impossível perder tempo.
Embora, ao descrever as zonas de espera do mundo contemporâneo, Arantes não mencione especificamente bolsões ou docas de motocicletas, não é difícil enxergar nesses espaços a materialização da espera como punição que excede os indivíduos na onipresença do presente e se converte, de horizonte, em disciplina, “inerente ao regime de historicidade que caracteriza o momento atual da acumulação mundializada” (Arantes, 2014, p. 166). A espera sem horizonte opera como intensificadora de um sofrimento social disciplinador.
Contudo, a espera punitiva e o cínico escancarar só pode existir porque, de um lado, os edifícios de fundo e as zonas de franja permanecem ocultas da imagem total que a cidade faz de si própria – eles podem não esconder o mundo sujo do trabalho, mas eles próprios estão escondidos no tecido urbano. Daí, também, explica-se a necessidade de que esses espaços estejam sempre sob a vigilância dos seguranças privados que regulam as dinâmicas dos lugares de fundo e determinam o quanto e como um lugar transbordará ao outro. Isso quer dizer que as conexões entre esse par aparentemente binário se tornam igualmente importantes quanto o é a sua separação.
No controle dessas conexões, no policiamento das fronteiras, já vimos que vigias e seguranças privados cumprem um importante papel, mas há também novos sentinelas que entram em cena, combinando formas de vigilância. Isto é, em um mundo governado por plataformas, torna-se possível a conformação de um regime de vigilância, em muito relacionado a um monitoramento constante pelo compartilhamento de “imagens-texto” que carregam consigo informações interpretáveis por máquinas e, muitas vezes, inacessíveis aos seres humanos (Beiguelman, 2021). O armazenamento e a interpretação automatizada de dados compartilhados em rede – compartilhados, por vezes, pela ação dos próprios sujeitos implicados na sua autovigilância, que não deixa de ser uma vigilância também cínica – fazem com que se configure uma forma de vigilância distribuída e naturalizada no cotidiano – que se esconde e se escancara simultaneamente –, não mais um controle externo e total à maneira moderna. Em um caso de paralisação em um galpão da Rappi Turbo em Pinheiros-SP, por exemplo, ao não direcionar pedidos para os motoboys dentro do raio de 100 metros da loja, o aplicativo determinou onde os entregadores permaneceriam e bloqueou o seu acesso àquele pequeno pedaço da cidade. A rua, a princípio pública, submeteu-se ao domínio do algoritmo. Quando os entregadores se revoltaram contra essa gestão, declarando greve, o bloqueio de que o aplicativo lançou mão foi outro: ameaçou cancelar o cadastro dos grevistas caso permanecessem a menos de dois metros de distância uns dos outros.
Fronteiras de movimento
Outro elemento que ganha relevância para a tentativa de descrição do espaço urbano e de suas dinâmicas mais atuais é a rua. Em alguma medida, é por meio dela que o universo das finanças e o da informalidade se conectam. Ligando shoppings, edifícios corporativos, centros comerciais, galpões logísticos, cozinhas, bairros comerciais e residenciais, a rua desponta como um organismo único que amarra pontos distantes e aparentemente destoantes da cidade. Nela, encontram-se as trajetórias daqueles que saem de suas casas para o trabalho, dos que trabalham deslocando-se pela cidade, dos que se dirigem a supermercados e shoppings para fazer compras, dos que buscam lazer em momentos livres; enfim, nela materializa-se o encontro das várias dimensões da vida social – gerando disputas e conflitos em meio ao fluxo incessante.
Assim, se em bolsões, docas e dark kitchens o que parece preponderar é a dimensão da espera, é o avesso dela que, à primeira vista, manifesta-se na rua. Enquanto alguns esperam por horas nesses espaços de franja, a cidade é percorrida em alta velocidade por motos que costuram o trânsito, furam sinais vermelhos, dirigem na contramão e burlam qualquer lei de trânsito que as impeça de realizar o maior número de entregas o quanto antes possível. No revés da espera, a velocidade da rua. E não seria de se espantar se, ao mesmo tempo que se erguiam novos prédios corporativos e centros comerciais nas metrópoles brasileiras, também se espalhassem pelo tecido urbano grandes avenidas e vias expressas. Não é gratuito que os shoppings centers e edifícios corporativos sejam considerados “Polos Geradores de Viagens (PGV)”:5 grandes concentradores de tráfego exigem a infraestrutura das rodovias urbanas e grandes avenidas. À observação de Lencioni de que nas áreas de condomínios privados suburbanos “onde o que importa não é tanto o contato com o seu entorno, mas o acesso a alguma autopista” (Lencioni, 2011, p. 140), poderíamos adicionar os shoppings e condomínios corporativos – que não deixam de ser, à sua maneira, subúrbios dentro da cidade ou, nas palavras de Lencioni, “ilhas urbanas”. Nessas rodovias que se proliferam, a circulação frenética de motocicletas – que transitam entre os registros das vias expressas e de vias e vielas locais – nos mostra que não bastam vias expressas para ligar a cidade sem que se realize, em seu meio, o trabalho de conectar pontos distantes e separados.
A velocidade com que as motos costuram o trânsito caótico não parece, contudo, ser suficiente para o que é exigido pelo capital. Nesse sentido, também a possibilidade de ir ao limite do risco proporcionada pela moto – em nome da rapidez da circulação – combina com esse novo momento do capitalismo de que tratamos aqui. Em cima dela, vale de tudo para não perder tempo e não reduzir a velocidade. Os cortes no trânsito, os sinais vermelhos avançados, as contramãos ou a aceleração intensa colocam o motorista a todo momento frente a frente com a possibilidade da morte: arrisca-se a vida em nome de promessas que contam com a ligação de pontos da cidade. Essa situação vivida nas ruas reflete, em certa medida, uma condição de reprodução social também atravessada pela dimensão do risco. Quando é o próprio trabalhador que deve arcar com os custos de sua reprodução, multiplicam-se expedientes de endividamento relativos à moradia, alimentação e os custos dos próprios meios de trabalho – muitas vezes alugado – que o colocam constantemente face a face com a incerteza, gerando um tipo novo de precariedade no trabalho e na reprodução social, no qual é justamente o acesso à tecnologia, aos meios de trabalho e à moradia que trazem a insegurança, na medida em que estão ligados ao endividamento futuro.
Contudo, nas ruas a incerteza em relação à vida ganha dimensões mais imediatas: para se ter uma ideia do risco real, em 2022, 70% dos pacientes atendidos no setor de traumas do Hospital das Clínicas eram motoboys (Fioravanti, Martins e Rizek, 2024). A reluzente cidade global, atravessada por avenidas e pontes que serpenteiam em seus cartões-postais, só o pode ser porque costurada pela violência do trabalho na circulação – e não é à toa que, para além de sua faceta larga e brilhante, esse “organismo rua” espalhe finos tentáculos que desembocam nas tais portas dos fundos, bolsões, docas, galpões e dark kitchens onde o mundo do trabalho se escancara.
De forma perversa, a aceleração, a adrenalina, a imprudência e o risco, comumente associados ao motofrete, mostram-se elementos necessários à realização desse trabalho, com os quais as empresas-aplicativo implicitamente contam. Explicita-se aí a tal “subsunção da viração”, na medida em que o “savoir-faire da profissão” (Abílio, 2015) passa a ser empregado no ritmo ditado pela necessidade de circulação do capital. A expertise dos entregadores é utilizada em função de um aumento da produtividade e do ritmo de trabalho – e aqui a autonomia sobre o próprio tempo proporcionada pelo aplicativo mostra-se, na verdade, autonomia para intensificação do próprio trabalho. Na subsunção da viração, a subsunção da velocidade.
Ao mesmo tempo que a rua pode ser um organismo unificador de suporte da alta velocidade, ela também emerge como um espaço que imobiliza tanto quanto filas, prisões e bolsões de moto. Enquanto conecta a cidade, a rua também a separa, coloca-se como bloqueio. Martins descreve a construção de grandes avenidas expressas no correr do século XX como um processo que prejudicou os espaços públicos do seu entorno, impedindo o livre trânsito entre suas margens (Martins, 2017, p. 25).
Dessa maneira, a rua pode ser compreendida não apenas, de maneira binária, como conexão ou barreira, mas como espaço de disputa entre a maneira como a cidade se une ou é interrompida. Ao falar das mediações entre as periferias da cidade e o que chama de “mundo público”, Feltran (2011) utiliza-se justamente da noção de fronteira para referir-se ao sentido de demarcação, divisão e regulação de fluxos mobilizados nessas mediações. Ele entende que as fronteiras “se estabelecem justamente para regular os canais de contato existentes entre grupos sociais, separados por elas, mas que obrigatoriamente se relacionam. Onde há fronteira, há comunicação de um tipo desigual e controlado” (ibid., p. 15). Aqui a rua, como espaço público, pode emergir como lugar compartilhado por toda a sociedade, onde a cidade pode ser disputada. Sendo fronteira, ela existe, então, como espaço de conflito – mobilizando novas formas de controle (ibid.).
Nesse conflito – em que carros, motos, ônibus, caminhões, bicicletas e pedestres competem por um espaço que mistura as necessidades das esferas da produção e da reprodução social –, a velocidade que atravessa os espaços físicos de circulação pelo espaço urbano ganha dimensões bélicas. Assim, a cidade e suas ruas apresentam-se como campo de batalha, corporificando uma guerra que deixa de ser um fenômeno exclusivamente externo – relacionado a disputas territoriais entre Estados – para alojar-se no interior do espaço urbano, diluindo-se no cotidiano e configurando a vida de todos que nele se encontram (Graham, 2016).
Fronteiras virtuais
Ao som de buzinas e sirenes, uma avenida é percorrida por alguns motoboys vestindo corta-ventos vermelhos e carregando bolsas térmicas nas costas. Ao passo que o grupo se aproxima de um grande cruzamento, um deles diz: “Fecha a praça, fecha a praça!". Começa mais um protesto de entregadores de aplicativo na cidade. Mais manifestantes aparecem com o passar do tempo, e os motoboys estacionam suas motos no cruzamento, fechando a rua. Alguns gritam: “Motoboy também é gente!”, “Tá fechado, tá fechado!”. O trânsito na avenida é bloqueado e pessoas de fora se aproximam, tentando entender o que está acontecendo. Se uns apenas observam, há os que se incomodam com o protesto, tentam furar o bloqueio com seus carros, ou ameaçam com violência os manifestantes, mandando-os de volta ao trabalho.
Chega, então, uma primeira moto da polícia, que exige esclarecimentos sobre o que está acontecendo. Um grupo se amontoa ao redor da policial e, desordenadamente, entregadores explicam que se manifestam por seus direitos, que estão todos trabalhando de graça ou pagando para trabalhar, que “têm que fazer alguma coisa” ante as taxas abusivas do aplicativo, que aquele é o único modo de manifestarem-se. A “Dra.” pede então que eles retirem suas motos do cruzamento e protestem na calçada: “Vocês têm o direito de fazer uma manifestação, mas o de fechar a via vocês não têm”. Em seguida, ela pede reforços em seu walkie-talkie, “a greve do iFood tá fechando todas as ruas aqui”. Enquanto alguns já se direcionam para retirar suas motos do piquete, outros batem o pé e tentam convencer os colegas que eles têm que resistir e continuar bloqueando a via. Os reforços chegam e os policiais se alternam entre oferecer alternativas ao bloqueio, visto como tumulto, e ameaçar levar todos presos por desobediência caso não desbloqueiem o cruzamento. Uma ida à prefeitura ou uma “motoata” ocupando apenas uma faixa da avenida aparecem como sugestões. Surge a ideia de tentar contatar jornalistas, na esperança de conseguir visibilidade para as reivindicações. Segue a negociação e logo os motoboys já estão todos na calçada. Em paralelo, alguns apontam para um homem que havia anteriormente confrontado os protestantes, ameaçando “meter bala” se eles não voltassem a trabalhar, e pedem aos policiais que lidem com ele.
O trânsito na rua já retorna à normalidade quando o grupo concorda em ir à Prefeitura, mas a polícia volta atrás e proíbe essa possibilidade, por falta de contingente. Alguns decidem ir de qualquer forma, mas o momento de maior tensão já passou e o protesto já está desarticulado.
A cena descrita não ocorreu na cidade de São Paulo, muito menos em qualquer outra cidade do Brasil onde o iFood atua, mas na fictícia “Cidade Alta” no videogame online Grand Theft Auto (GTA), do qual o iFood tornou-se parceiro, permitindo que os jogadores trabalhassem virtualmente como entregadores em troca de cupons de desconto reais no aplicativo. Se esta greve não ocorreu de fato no “mundo real”, ela parece condensar o script seguido por diversos protestos de entregadores nas mais diversas cidades do país, que se intensificaram a partir de 2020.
Se os “teóricos da viração” (Telles, 2006a, 2006b) já haviam anunciado a condição de indistinção entre a esfera do trabalho e as outras esferas da vida, a parceria entre aplicativo e GTA potencializa essa tendência. Não apenas é a atividade que o jogador realiza na cidade virtual exatamente a mesma do trabalho de um entregador de aplicativos, de maneira que, no limite, não existe diferença entre a experiência do lazer e a experiência do trabalho, mas também, quando o entregador virtual, ao jogar, converte sua atividade em renda fictícia ou benefícios reais, como descontos, ele não deixa de estar vendendo sua força de trabalho – e sabe-se lá quais as operações financeiras que entram no meio disso tudo. Ao que parece, o iFood virtual leva ao extremo a “gamificação do trabalho” (Oliveira, 2021) – incluindo também a resistência a ele, como os momentos de greve. E não seria de se espantar se aqueles que controlam os entregadores virtuais no tempo livre fossem os mesmos que, nas ruas, trabalham para os aplicativos e rodam a cidade coletando e entregando pedidos.
Vemos, portanto, que na conexão entre a expansão financeira e a proliferação de fronteiras, as plataformas digitais parecem operar como mais um amálgama entre espaços heterogêneos e dispersos de extração e as determinações, a priori não localizadas, do movimento do capital financeiro mundial. Conformando uma espécie de cidade virtual e invisível, os fluxos de ativos em circulação frenética por meio delas revelam, pelo avesso, frações do espaço aparentemente desagregadas como algo único.
Se esse espaço virtual, em primeiro lugar, funciona como elemento que se descola da realidade e esconde o que nela se processa, ao fazer isso ele também revela a própria maneira do seu funcionamento, no qual tudo parece mover-se por si próprio e se perdem as origens das relações sociais. O espaço abstrato unifica o mosaico aparentemente desconexo da cidade, porque a sua lógica de esconder – mesmo que em cada lugar de uma maneira diversa – estende-se à totalidade das dinâmicas urbanas e, assim, pode revelar a sua unidade. Nesse sentido, esse espaço virtual, por meio de plataformas e aplicativos, pode ser entendido como uma outra fronteira capaz de intermediar e balizar o imbricamento entre realidade concreta e o espaço da nuvem.
Voltando às portas dos fundos, justamente porque estão camuflados dentro da cidade global, nas construções fantasma pode operar uma outra forma do fetiche. Quando um pedido é feito em um aplicativo de entregas, o consumidor que se utiliza do app simplesmente faz uma compra em seu celular e espera que o produto chegue em sua casa. Isso acontece de forma mágica, apenas com o apertar de alguns botões. O trabalho empregado na produção e no transporte desaparece. A “perda das origens”, portanto, não deixou de existir, apenas se processa em outro lugar. Ao invés de estar na forma arquitetônica, no espaço construído – o que antes era a fábrica, ou mesmo os shoppings e espaços comerciais das décadas de 1980 e 1990 –, o fetiche se desloca para a esfera virtual do aplicativo e, na “nuvem”, todo o processo de circulação parece se autonomizar – ocultando a sua violência. Seria possível imaginar uma cidade que é simulação total?
Em alguma medida, Beiguelman aponta nessa direção quando explora a relação entre a produção de imagens e a vida urbana. Quando as cidades podem ser entendidas como intersecções entre espaços físicos, realidade concreta e territórios informacionais da nuvem, a produção de imagens participa da vida urbana não apenas como representação simbólica, mas com o poder de “fazer coisas funcionarem concretamente” (Beiguelman, 2021). Quanto mais se aproxima do mundo físico, mais a tecnologia ganha capacidade de extrapolar a realidade. E, se nos primórdios da internet podia haver uma percepção de que as relações sociais migravam para o mundo da nuvem, hoje a tendência parece ser, na verdade, o contrário: a invasão da vida física e concreta pelo mundo virtual.
Quando planejadores urbanos podem ser substituídos por “grandes players do mercado de TI” (ibid.), o espaço urbano transmuta-se em “mercado de tecnologias inteligentes de vigilância” – capazes de prever acontecimentos e integrar o espaço a “imagens feitas para não serem vistas” (ibid., p. 103). A arquitetura, por sua vez, extrapola suas finalidades construtivas, para tomar parte na conversão da cidade em um lugar onde a vida social é mediada por imagens e informações.
Essa dimensão não escapa a Augé (2007) quando nota que naquilo que chama de não lugares “são instaladas as condições de circulação em espaços onde se supõe que os indivíduos só interajam com textos” transmitidos “pelos inúmeros ‘suportes’ (painéis, telas, cartazes) que são parte integrante da paisagem contemporânea (ibid., p. 89). Diversas formas de escrita visual no espaço se relacionam com sujeitos constantemente em trânsito pela cidade. Com camadas ocultas que só podem ser interpretadas com a mediação da tecnologia, as imagens ganham uma nova tangibilidade e, ao mesmo tempo, borram-se os limites entre real e virtual. Por trás desses sistemas, Beiguelman sinaliza o interesse de empresas em criar sistemas de comando invisíveis, capazes de controlar a cidade – algo que culmina na própria noção, cada vez mais difundida, de smart cities. Nesse sentido, operando em lógica opaca, essas imagens espalhadas pelo urbano se colocam entre os “olhos humanos” e o “mundo da nuvem” – algo que nos parece essencial para refletir sobre as contemporâneas formas do fetiche no espaço urbano.
As ruas que fazem circular de forma incessante uma imensidão de mercadorias, não parecem conter, entretanto, a circulação do capital. Ele já se descolou do espaço físico da cidade e o seu movimento parece realizar-se apenas na esfera virtual. O movimento paralelo de motoboys que se movimentam em um ciclo interminável e o ciclo insaciável da circulação do dinheiro é atravessado por um descompasso: a circulação do capital e a circulação na rua não ocorrem no mesmo espaço, nem ao mesmo tempo. O movimento do capital financeiro mundial opera com promessas e adiantamentos que a imediatez da circulação de mercadorias na rua, como, por exemplo, no caso de entregadores de aplicativo, não necessariamente acompanha – talvez daí venha uma grande dificuldade de revoltas que têm a interrupção da circulação como alvo, já que, se logram bloquear a compra e venda de mercadorias, o capital financeiro pode transpassar barreiras físicas e continuar se movendo. É claro que o espaço da “nuvem” não pode abrir mão da rua – se assim fosse, não seriam tamanhos os esforços para controlá-la –, pois é nela que está colocada a possibilidade de algum dia cumprirem-se as promessas de valorização de capital aos investidores. No entanto, se essas esferas podem se apresentar de maneira desvinculada, seria possível falar na subsunção da rua pela nuvem? Isto é, poderia operar-se uma inversão, na qual o espaço virtual aparenta determinar o real de acordo com suas necessidades específicas? Seria possível que o aplicativo se revelasse ele mesmo, no limite, como abstração da rua? Essa ideia não poderia remeter-nos a imagem de Beiguelman de “nuvens computacionais que abrigam as redes” consolidando-se como as “novas cidadelas do século XXI” (Beiguelman, 2021, p. 74)?
Nesse jogo, continua Beiguelman, as “estruturas de imagens” podem funcionar como abstrações de um sistema inteiro de capital, vigilância e controle, e, mesclando internet, geolocalização e mídias eletrônicas, as plataformas podem ser compreendidas como “ferramentas [de informação] usadas para cadenciar a produção e da troca dessas mercadorias imateriais dominantes, imagens e informações”, colocando em jogo uma “territorialidade distribuída entre as redes e a cidade física, que emaranha os poderes políticos do Estado e das corporações” (ibid.). Novamente: estruturas que funcionam como fronteiras virtuais da permeabilidade entre realidade concreta e “nuvem”.
Conclusão
Neste artigo buscamos entender o processo de plataformização como uma transformação das relações de trabalho que altera profundamente a articulação binária entre as esferas da produção e da reprodução social, típica da era industrial. Nesse esfumaçamento, vemos borrar também as binaridades do formal/informal, legal/ilegal, lícito/ilícito (Telles, 2006b), numa dinâmica de multiplicação de “fronteiras de tensão” (Feltran, 2011). O espaço urbano se transforma, sendo necessário rever as dinâmicas estáticas da segregação espacial na direção de uma metropolização policêntrica e dispersa (Lencioni, 2011, 2015), na qual a heterogeneidade espacial ganha muitas camadas, misturando centro e periferia. A logística, num urbano revirado, passa a ter centralidade como gestão da circulação de mercadorias e corpos, articulando homogeneidade de meios de circulação com a heterogeneidade dos espaços urbanos e suas relações sociais e políticas.
Na segunda parte do artigo, ao acompanhar pela cidade a mobilização política dos motoboys, pudemos observar que sua subjetividade como trabalhador é conformada por múltiplas fronteiras, diversas da relação capital-trabalho da era industrial, nas quais as relações urbanas vinculadas à circulação são centrais. A cidade ganha novas camadas, inclusive virtuais. Era de se esperar, portanto, que a mobilização política desses trabalhadores não fosse delimitada pela forma sindical – e uma reflexão específica sobre esta nova forma política merece outro artigo.
Tais transformações parecem revelar que, mais do que uma “nova forma de trabalhar”, o que estamos entendendo como plataformização parece, na verdade, caracterizar um processo social mais profundo, que contamina as variadas dimensões da vida e configura uma espécie de gestão pela iminência do fim. Isto é, na medida em que, em meio à crise generalizada do presente, se restringem as possibilidades de construção de uma vida melhor, o que parece restar é a incerteza da sobrevivência: diante do possível fim das possibilidades de trabalho, do prazo de um empréstimo, de uma ocupação temporária, do dinheiro guardado, confronta-se com o iminente fim da própria vida. Em outras palavras, é a vulnerabilidade intensa que permite a gestão flexível e arbitrária operada pelas plataformas (Fioravanti, Martins e Rizek, 2024). É por meio da urgência permanente que as plataformas podem subsumir os expedientes de viração.
Seja em puxadinhos alugados em periferias, seja em bolsões de moto nos arredores de shoppings centers, a conexão entre espaços de franja da cidade com um mundo financeiro globalizado dá notícia de uma dinâmica que parece se estender cada vez mais à totalidade do espaço urbano no capítulo da reestruturação produtiva em que nos encontramos agora. Ao observar o trabalho ou a reprodução social mediada por plataformas, nosso olhar imediatamente se desvia do cenário principal de construção do espetáculo urbano e volta-se para as ruas de fundos, vielas laterais, entradas de serviços e bairros populares. É nas franjas e nos limiares, nas conexões e nas “portas dos fundos” que o luxuoso espaço das finanças encontra a informalidade e a viração. No trabalho sobre duas rodas dos entregadores de aplicativo, intimamente ligado tanto à circulação pela cidade quanto à circulação do capital, motoboys ligam shoppings, edifícios corporativos, centros comerciais, galpões logísticos, cozinhas, bairros comerciais e residenciais. Amarram pontos distantes e destoantes da cidade, e possibilitam que a cadeia logística da acumulação se complete – algo que nos escapa quando olhamos apenas para o vetor de valorização. Essa amarração transescalar é um dos elementos que nos fazem enxergar a conexão entre os processos econômicos e a complexa rede de relações sociais e atores que se materializam no urbano e pode, quem sabe, revelar o papel desses lugares na subsunção, a nível espacial, das formas de viração encontradas para tornar o trabalho possível.
– Embora localizada em Fortaleza, a fachada desta Dark Kitchen explicita bem o uso do termo “Dark” por esse tipo de estabelecimento
– Notificação da Rappi no celular de um entregador orientando-o a manter distância de outras pessoas em espaços públicos
Motoata em março de 2025, na cidade de São Paulo, no contexto de uma nova paralisação nacional
– Breque de entregadores em 2021. Destaca-se que a monotonia – contrastante com a cena anteriormente narrada – é característica de muitos breques, nos quais a principal atividade realizada consiste em “guardar” a porta dos estabelecimentos, garantindo que nenhum pedido saia para entrega
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Notas
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1
Vale esclarecer: uma operadora logística é “uma empresa intermediária entre a empresa da plataforma e os entregadores, responsável pelas chamadas subpraça ou sub-regiões específicas da cidade”. Uma outra modalidade de trabalho que existe no iFood é a “nuvem”, em que os entregadores “podem entregar onde preferirem e ficam disponíveis para entrega, após aprovação do cadastro, assim que fazem o login no aplicativo” (Fioravanti, Martins e Rizek, 2024, p. 75).
-
2
Ver: Lelles (2022).
-
3
Ver: Dark Store... (2024).
-
4
Tanto trabalhadores da cozinha quanto entregadores dos aplicativos relatam a impossibilidade de utilizar o banheiro, beber água ou descansar em local apropriado nas dark kitchens. Ver: Vieira (2022a).
-
5
A Rede Ibero-Americana de Estudo em Polos Geradores de Viagens os define como locais que possuem a característica de “produzir um contingente significativo de viagens, necessitar de grandes espaços para estacionamento, carga e descarga e embarque e desembarque, promovendo, consequentemente, potenciais impactos”. Ver: O que é um PVG (2022).
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Editores:
Lucia BógusLuiz César de Queiroz Ribeiro
-
Organizadores do Dossiê:
Luiz César de Queiroz RibeiroNelson Diniz
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Set 2025 -
Data do Fascículo
Jul 2025
Histórico
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Recebido
10 Dez 2024 -
Aceito
27 Mar 2025










Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1 (Vieira, 2022a).
Fonte: Vieira (2022b).
Foto: Fabiane de Paula (Dark Kitchen..., 2022).
Fotos: autoria própria.
Foto: autoria própria.
Fonte:
Foto: autoria desconhecida.
Foto: autoria desconhecida.
Fonte: GTA RP... (2022).