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O instrumento da outorga onerosa em Fortaleza como estratégia de valorização imobiliária

The instrument of outorga onerosa in Fortaleza as a strategy to increase real estate value

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar a apropriação do instrumento de outorga onerosa como nova prática do mercado imobiliário na reprodução do capital no atual contexto brasileiro de crise econômica. Temos como pressuposto que a regulamentação da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo em Fortaleza está sendo instrumentalizada como uma prática associada ao segmento de alta e altíssima renda e a áreas extremamente valorizadas, para (re)estabelecer padrões de reestruturação produtiva e potencializar a acumulação de capital no atual cenário de crise. Verificamos que o instrumento tem sido utilizado como estratégia de diferenciação que possibilita alcançar elevados preços e lucros extraordinários. Essa estratégia é viabilizada pela flexibilização de diferentes índices urbanísticos, sem limites máximos, contrariando legislações superiores e ampliando desigualdades socioespaciais.

crise econômica; estratégias do imobiliário; valorização; produção de mercado

Abstract

In this paper, we analyze an instrument called outorga onerosa, which is used by the government to authorize landowners to exceed the floor area ratio upon payment of a financial compensation, as a new practice of the real estate market in the reproduction of capital in the current Brazilian context of economic crisis. Our premise is that the regulation of such instrument in the city of Fortaleza, state of Ceará, is being used as a practice associated with the high- and very high-income segment and with highly valued areas of the city, to (re)establish production restructuring patterns and increase capital accumulation in the current crisis scenario. We verified that the instrument has been used as a differentiation strategy that allows to reach high prices and extraordinary profits. This strategy is enabled by the flexibilization of different urban indices, without maximum limits, opposing federal and state legislation and increasing socio--spatial inequalities.

economic crisis; real estate strategies; valorization; market production

Introdução

A crise econômica e política brasileira é acelerada entre 2015 e 2016, impondo “a necessidade premente por parte do capital de fazer com que os setores indutores da acumulação urbana capitalista voltem a crescer, especialmente, o mercado imobiliário dirigido às classes de alta renda” (Leal, 2017 LEAL , S. R. ( 2017 ). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado . Cadernos Metrópole . São Paulo , v. 19 , n. 39 , pp. 537 - 555 ., p. 3). Esse movimento requer a retomada dos arranjos institucionais de governança público-privada (ibid.), inclusive arranjos normativos.

Instrumentos como a operação urbana consorciada, a outorga onerosa e a transferência do direito de construir, que envolvem interesse do mercado imobiliário, que apresentavam, originalmente, um discurso de captura da valorização promovida por investimentos públicos, têm sido questionados por análises recentes. A crítica é que esses instrumentos têm contribuído, sobretudo, com o processo de acumulação de capital e valorização, reforçando a mercantilização das cidades (Rosa, 2019; Rufino, 2018 RUFINO , M. B. C. ( 2018 ). “ Do Zoneamento às Operações Urbanas Consorciadas: Planejamento Urbano e Produção Imobiliária na mercantilização do espaço em São Paulo (1970-2017) ”. In: PEREIRA , P. C. X. ( org .) . Imediato, global e total na produção do espaço: a financeirização da cidade de São Paulo no século XXI . São Paulo , FAU-USP , v. 1 , pp. 82 - 111 .; Rolnik et al., 2018 ROLNIK , R. et al . ( 2018 ). Reestruturação Urbana e resistências em Belo Horizonte, Fortaleza e São Paulo . São Paulo , FAU-USP .; Pequeno et al., 2018 PEQUENO , R. et al . ( 2018 ). Implicações da financeirização do desenvolvimento urbano na estruturação da Cidade de Fortaleza . In: 56º CONGRESO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS . Trabalho apresentado no eixo temático: Producción inmobiliária, financiarización y luchas socioespaciales en America Latina . Salamanca , 2018 ; Martins e Gomes, 2009 MARTINS , S. ; GOMES , G. C. ( 2009 ). A verdade que está no erro: a importância do estatuto da cidade para a (re)valorização do espaço . Revista da ANPEGE , v. 5 , pp. 93 - 106 .).

A construção do presente artigo foi fundamentada numa perspectiva de articulação da discussão sobre instrumentos do planejamento urbano com a dinâmica da produção imobiliária e da produção do espaço urbano, problematizando os processos de valorização na produção das cidades e na reprodução de desigualdades.

Em Fortaleza, os instrumentos da outorga onerosa do direito de construir (OODC) e da outorga onerosa de alteração do uso do solo (OOAU) têm ganhado cada vez mais força. A OODC vem sendo utilizada desde 2010, com a incorporação desse instrumento ao Plano Diretor (lei complementar n. 62/2009). A partir de 2015, verifica-se incremento na aprovação de empreendimentos com a OOAU, devido à aprovação das leis específicas n. 10.335/2015 e 10.431/2015, que trazem consigo grande flexibilização e que, apesar de contrariarem o disposto em legislações superiores, atendem a anseios do mercado. Ademais, esse período também coincide com o contexto de aceleração da crise econômica no Brasil.

Nesse sentido, temos como pressuposto que a promoção da regulamentação da OOAU em Fortaleza está sendo instrumentalizada como uma prática do setor imobiliário para (re) estabelecer padrões de reestruturação produtiva e potencializar a acumulação de capital em um cenário de crise nacional. O recrudescimento da utilização do instrumento da OOAU no município como uma alternativa do mercado imobiliário justifica a importância de investigar as ações do poder público e as mudanças normativas e institucionais que permitiram alterações na lógica de produção da cidade. Também justifica a investigação das novas estratégias desenvolvidas pelo mercado imobiliário nesse contexto.

Desse modo, este artigo tem como objetivo principal analisar a apropriação do instrumento de outorga onerosa como nova prática do mercado imobiliário na reprodução do capital em um contexto de crise econômica e arrefecimento do mercado imobiliário brasileiro.

Está estruturado em três partes principais. Na primeira, é feito um breve resgate dos elementos normativos estruturadores dos instrumentos da OOAU e OODC em nível federal e municipal. Esse resgate é importante para subsidiar e compreender as análises que se seguem. Na segunda parte, é feita uma análise da implementação da OODC e da OOAU em Fortaleza, a partir da distribuição espacial e temporal delas. Essa análise joga luz em algumas estratégias de produção imobiliária adotadas em períodos de crise no município e em como os instrumentos analisados têm sido uma importante ferramenta nesse contexto. Na terceira parte, são identificadas e analisadas as estratégias imobiliárias no uso do instrumento e suas repercussões financeiras, principalmente para potencializar acumulação de capital e alavancar os patamares de valorização.

Na primeira parte, foi realizada análise da legislação federal e municipal pertinente ao instrumento da outorga onerosa, além de pareceres técnicos e jurídicos sobre o processo de regulamentação do instrumento em Fortaleza. Na segunda parte, a análise foi desenvolvida na escala do município, com a utilização de banco de dados do Laboratório de estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará – Lehab/UFC, em 2017, e de banco de dados organizado com levantamento das outorgas com base em documentos oficiais das reuniões de aprovação para a análise prévia desses projetos. 1 (1) Foi desenvolvido um banco de dados desses empreendimentos a partir do levantamento, realizado pelas autoras, nas atas, relatórios e anexos das reuniões da Comissão Permanente do Plano Diretor (CPPD), que é a instância responsável por aprovar as solicitações de OODC e OOAU. As variáveis levantadas foram: nome do empreendimento; requerente; tipo de outorga; ano do processo; n. do processo; reunião da CPPD de análise do caso; data da reunião; status da outorga; endereço do empreendimento; bairro; uso anterior do terreno; m do terreno; m construídos; m computável; número de pavimentos; número de apartamentos; escritório do projeto de arquitetura; construtora; incorporadora; IA. outorgado; valor outorgado do IA; IA final; altura outorgada; metros outorgados; altura final do empreendimento; recuo doutorado; taxa de ocupação outorgada. Algumas informações quando não obtidas pelos relatórios oficiais foram complementadas a partir de matérias dos empreendimentos publicadas nas páginas oficiais das imobiliárias e em veículos de imprensa. O recorte temporal analisado aqui, a partir dos dois bancos de dados, foi de 2010 a 2020. Na terceira parte, a análise foi desenvolvida para o universo dos empreendimentos aprovados depois da aprovação da lei que regulamentou a OOAU, o que compreende 25 empreendimentos, todos enquadrados como OOAU. Este corresponde ao período entre 2015 e 2020, envolvendo também o período de aceleração e acirramento da crise econômica. O desenvolvimento do trabalho contou, ainda, com produção de informações georreferenciadas, elaboração de mapas temáticos, pesquisa bibliográfica e documental, além de pesquisas em jornais para ilustrar a percepção e as práticas do mercado e do poder público acerca do instrumento.

A OODC e OOAU em Fortaleza: aspectos normativos

A propriedade do solo não é um direito absoluto, sendo regulada por normas e legislações federais, estaduais e municipais. Um exemplo de regulamentação e controle da propriedade é a regulação de quanto o proprietário tem o direito de construir em seu terreno e que usos ele pode nele desenvolver. É sobre esses pontos que os instrumentos da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo (OOAU) incidem.

Nesta seção, faremos um resgate dos elementos conformadores dos instrumentos urbanísticos em análise, tentando compreender como a norma brasileira disciplinou o mecanismo, considerando a esfera federal, em especial o Estatuto da Cidade (lei federal n. 10.257/2001), e a esfera municipal, observando o disposto no Plano Diretor Participativo (lei complementar n. 62/2009) e nas leis que regulamentam a OOAU (leis complementares n. 10.335/2015 e 10431/2015).

Definição e objetivos da OODC e OOAU no Estatuto da Cidade

A Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) é, em nível federal, disciplinada pela lei federal n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade – EC). Segundo Botelho (2016) BOTELHO , H. ( 2016 ). Parecer sobre a minuta de Decreto do Município de Fortaleza que regulamenta a Lei Municipal n. 10.335, de 1º de abril de 2015 (alterada pela Lei Municipal n. 10.431, de 22 de dezembro de 2015), disciplinando os procedimentos relativos à outorga onerosa de alteração de uso . Solicitante : Laboratório de Estudos da Habitação ., a lógica de aplicação do instrumento baseia-se no pagamento por parte do empreendedor, ao poder público municipal, pela possibilidade de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico, até um limite fixado pelo plano diretor.

Segundo o art. 28 2 (2) “Art. 28: O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. § 1º Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. § 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana” (Brasil, 2001; grifo nosso). do Estatuto, a OODC incide sobre a ocupação do solo , mas especificamente sobre um único parâmetro, o potencial construtivo que o proprietário tem direito de exercer no seu terreno, denominado, na Lei Federal, coeficiente de aproveitamento (CA). Desse modo, um dos principais impactos desse instrumento no território diz respeito ao adensamento construtivo, podendo impactar também no adensamento demográfico, se o potencial construtivo objeto de outorga for utilizado para a construção de mais unidades. A definição sobre em que zonas do plano diretor a OODC pode ser aplicada é de extrema importância, uma vez que o adensamento pode sobrecarregar as redes de infraestrutura, bem como produzir impactos negativos ao meio ambiente e à paisagem.

Também é importante destacar, no parágrafo terceiro do art. 28, 3 (3) Art. 28. [...] 3º O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento , considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área (Brasil, 2001; grifo nosso). que a aplicação do instrumento fica a cargo do município, podendo este estabelecer, na lei do seu plano diretor, um CA básico, bem como um CA máximo, limitando tanto o direito de construir que o proprietário tem sem ônus, como o potencial construtivo máximo que ele tem direito mediante contrapartida. “Sem que a legislação urbanística municipal diferencie esses dois índices (básico e máximo), a aplicação da outorga onerosa do direito de construir fica inviabilizada” (Botelho, 2016 BOTELHO , H. ( 2016 ). Parecer sobre a minuta de Decreto do Município de Fortaleza que regulamenta a Lei Municipal n. 10.335, de 1º de abril de 2015 (alterada pela Lei Municipal n. 10.431, de 22 de dezembro de 2015), disciplinando os procedimentos relativos à outorga onerosa de alteração de uso . Solicitante : Laboratório de Estudos da Habitação ., p. 6).

Já a Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo (OOAU) incide sobre a adequação do tipo de uso do empreendimento à legislação, diferentemente da OODC, que incide sobre a forma de ocupação do território. Sendo assim, segundo o estabelecido no Estatuto (art. 29), “O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário”.

Desse modo, fica facultado ao município, em casos específicos, abrir exceções para aprovação de empreendimentos com usos do solo previamente não permitidos em determinadas zonas, mediante pagamento. Pelo disposto no Estatuto, a OOAU não interfere no potencial construtivo. “Seu único objetivo é possibilitar que, no caso concreto, o empreendimento possa ter uma destinação que não fora prevista nas normas que estabeleceram as modalidades de uso possíveis para o local de sua implantação” (ibid., p. 7).

Os instrumentos OODC e OOAU no Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP/2009)

Segundo o disposto no Estatuto da Cidade, o Plano Diretor de Fortaleza (lei complementar n. 62/2009) estabelece que:

Art. 218. A outorga onerosa do direito de construir permite ao Município autorizar a construção acima do coeficiente de aproveitamento básico até o coeficiente de aproveitamento máximo , mediante o pagamento de contrapartida pelo beneficiário. (Fortaleza, 2009; grifo nosso)

A alteração do uso do solo , mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, será regulamentada em lei específica, observadas as diretrizes da Luos. (Ibid., art. 222; grifo nosso)

Desse modo, tanto em nível federal como municipal, não resta dúvida de que a OODC incide, especifica e unicamente, sobre o coeficiente de aproveitamento (ou índice de aproveitamento – IA), sendo seu limite definido no Plano Diretor, não afetando outros parâmetros de ocupação do solo, como gabarito (altura), taxa de ocupação, recuos, dentre outros. Também fica nítido que a OOAU incide unicamente sobre a alteração do tipo de uso do solo, modalidade diferente da forma ocupação, não devendo esta última interferir na alteração de índices urbanos.

Essa distinção é tão nítida no PDP (2009) que, no corpo de seu texto, ao listar os instrumentos prioritários para cada zona, os dois instrumentos são indicados de forma diferenciada. Em algumas zonas, é mencionado apenas um deles; e, em outras, os dois, como pode ser observado no Quadro 1 . Observa-se que zonas com infraestrutura muito precária, como a ZRU1 (Zona de Requalificação Urbana) e a ZOR (Zona de Ocupação Restrita), não receberam indicação para nenhum desses instrumentos. E zonas compreendidas como aquelas de maior interesse do mercado na época (ZOC, ZOP2, ZOM1, ZOM2) 4 (4) De acordo com o PD (Fortaleza, 2009; grifo nosso): “ A Zona de Ocupação Consolidada (ZOC) caracteriza-se pela predominância da ocupação consolidada, com focos de saturação da infraestrutura; destinando-se à contenção do processo de ocupação intensiva do solo” (art. 97). “ A Zona de Ocupação Preferencial 2 (ZOP 2) caracteriza-se pela disponibilidade parcial de infraestrutura e serviços urbanos e áreas com disponibilidade limitada de adensamento; destinando-se à intensificação condicionada da ocupação do solo” (art. 83). “ A Zona de Ocupação Moderada (ZOM 1) caracteriza-se pela insuficiência ou inadequação de infraestrutura, carência de equipamentos públicos, presença de equipamentos privados comerciais e de serviços de grande porte, tendência à intensificação da ocupação habitacional multifamiliar e áreas com fragilidade ambiental; destinando-se ao ordenamento e controle do uso e ocupação do solo, condicionados à ampliação dos sistemas de mobilidade e de implantação do sistema de coleta e tratamento de esgotamento sanitário” (art. 99). “ A Zona de Ocupação Moderada (ZOM 2) caracteriza-se pela insuficiência ou ausência de infraestrutura, carência de equipamentos públicos, tendência de intensificação da implantação de equipamentos privados comerciais e de serviços de grande porte e áreas com fragilidade ambiental, destinando-se ao ordenamento e controle do uso e ocupação do solo condicionados à ampliação dos sistemas de mobilidade e de implantação do sistema de coleta e tratamento de esgotamento sanitário” (art. 103). receberam indicação de OODC pela provável viabilidade, uma vez que o investidor estaria disposto a pagar por maior potencial construtivo além da oferta de infraestrutura.

Quadro 1
– Indicações do uso da OODC e da OOAU e índices de aproveitamento básicos e máximos estabelecidos para as zonas do macrozoneamento urbano, segundo PDP (2009)

Contudo, apesar de o PDP (2009) textualmente fazer referência à aplicação da OODC em 4 zonas, apenas 3 delas possuem índice de aproveitamento (IA) básico e máximo diferentes (ZOP2, ZOM1, ZOM2), inviabilizando a aplicação desse instrumento para todas as demais zonas (ver Quadro 1 ). Essa divergência, entre o instrumento indicado e o parâmetro estabelecido, deve-se a alterações realizadas no Plano durante o seu processo de aprovação, conforme observou Rosa (2019) ROSA , S. V. ( 2019 ). Acumulação e “valorização” pela natureza no processo de produção capitalista da cidade de Fortaleza . Tese de doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo . ao compar a minuta enviada à Câmara e a lei publicada 62/2009.

Assim, além de ofertar IAs básicos que já representam altos potenciais construtivos (IA acima de 1), o PDP, na forma como foi aprovado, ao igualar o IA básico ao IA máximo, também oferece de forma gratuita o direito de construir máximo (IA máximo). Abdica-se, assim, da faculdade de arrecadação por esse instrumento nessas zonas, restando a aplicação da OODC apenas para a ZOP2, ZOM1 e ZOM2 (observar zonas em destaque no mapa da Figura 1 ).

Figura 1
– Espacialização da OODC e OOAU aprovadas em Fortaleza pelo ano do processo de solicitação

Distorções da OODC e da OOAU a partir de 2015

Em 2015, o município sancionou duas leis regulamentando a Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo, a lei n. 10.335 de 1º de abril de 2015 e a lei n. 10.431 de 22 de dezembro de 2015. Destaca-se que ambas tratam da outorga sobre alteração de uso e não sobre do direito de construir. 5 (5) “ Dispõe sobre a outorga onerosa de alteração de uso do solo de que trata o art. 222 da lei complementar n. 0062/09 , que institui o Plano Diretor Participativo, e dá outras providências” (Fortaleza, 2015a, Preâmbulo da lei n. 10.335; grifo nosso). “ Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 10.335/2015, que dispõe sobre a Outorga Onerosa de Alteração de Uso do Solo de que trata o art. 222 da lei complementar n. 62/2009, que institui o Plano Diretor Participativo e dá outras providências” (Fortaleza, 2015b, Preâmbulo da lei n. 10.431; grifo nosso).

A criação de leis de regulamentação da OODC e da OOAU, adicionais ao Plano Diretor, é prevista no Estatuto da Cidade, e essa leis deveriam estabelecer: “I – a fórmula de cálculo para a cobrança; II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga; III – a contrapartida do beneficiário” (Brasil, 2001 BRASIL ( 2001 ). Lei n. 10.257 de 2001 . Estatuto da Cidade . Brasília ., art. 30). Para a OODC, o Plano Diretor já traz no corpo de seu texto essas informações, sendo necessária, então, a regulamentação apenas da OOAU. 6 (6) Inclusive, como será observado mais adiante, logo após a virada do ano de aprovação do PDP/2009, já podem ser observados empreendimentos com uso de OODC.

Contudo, as duas leis municipais de regulamentação da OOAU pouco avançam nesses pontos e são contrárias, em muitos outros, ao disposto na lei federal do Estatuto da Cidade e na lei complementar do Plano Diretor/2009, distorcendo e confundindo o instrumento (Botelho, 2016 BOTELHO , H. ( 2016 ). Parecer sobre a minuta de Decreto do Município de Fortaleza que regulamenta a Lei Municipal n. 10.335, de 1º de abril de 2015 (alterada pela Lei Municipal n. 10.431, de 22 de dezembro de 2015), disciplinando os procedimentos relativos à outorga onerosa de alteração de uso . Solicitante : Laboratório de Estudos da Habitação .; Rosa, 2019 ROSA , S. V. ( 2019 ). Acumulação e “valorização” pela natureza no processo de produção capitalista da cidade de Fortaleza . Tese de doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo .).

A primeira grande distorção da OOAU é identificada no primeiro parágrafo do artigo 2º da Lei 10.335/2015, 7 (7) Art. 2º – A outorga onerosa de alteração de uso, prevista no art. 222 da lei complementar n. 62, de 2 de fevereiro de 2009, [...] § 1º – Considera-se alteração de uso a mudança dos índices urbanos na implantação das atividades, nos termos previstos nos arts. 18,19 e 20 da Luos (Fortaleza, 2015a). Art. 20. Os indicadores urbanos da ocupação [...] compreendendo: I – taxa de permeabilidade; II – taxa de ocupação (T.O.) para: a) uso residencial unifamiliar; b) uso residencial multifamiliar; c) outros usos; III – fração do lote para: a) uso residencial multifamiliar; b) uso comércio e serviço múltiplos; c) uso hotel-residência; IV – índice de aproveitamento (IA); V – altura máxima das edificações; VI – dimensões mínimas do lote: a) testada; b) profundidade; c) área. (Luos, 1996) ao incorporar a alteração de IA (função exclusiva da OODC) e de outros parâmetros urbanos de ocupação. Mais grave é que a norma estabelece, por meio da OOAU, o direito de construir acima do coeficiente básico, sem fazer referência aos IAs máximos dispostos no PDP/2009, deixando aberto à interpretação de qual o limite. A norma tampouco estabelece fórmula de cálculo para a OOAU e, além disso, faz menção à fórmula da OODC (art. 220 do PDP de 2009), confundindo os dois instrumentos, contrariando o PDP/2009 e o Estatuto. “Essa confusão tem reflexos em toda a regulamentação, marcando com vício insanável [...]” (Botelho, 2016 BOTELHO , H. ( 2016 ). Parecer sobre a minuta de Decreto do Município de Fortaleza que regulamenta a Lei Municipal n. 10.335, de 1º de abril de 2015 (alterada pela Lei Municipal n. 10.431, de 22 de dezembro de 2015), disciplinando os procedimentos relativos à outorga onerosa de alteração de uso . Solicitante : Laboratório de Estudos da Habitação ., p. 9).

Outro ponto grave da lei n. 10.335/2015 é que ela estabelece que a aplicação da OOAU abrange toda a Macrozona de Ocupação Urbana definida no Plano Diretor. Todavia, como já foi destacado, a aplicação desse instrumento, segundo o PDP, restringe-se apenas a 3 zonas. Essa medida traz possíveis impactos territoriais de adensamento em zonas com infraestrutura já saturada e em zonas com infraestrutura precária, principalmente se a interpretação da Lei é que a OOAU pode incidir sobre o IA básico sem limite. Não bastasse isso, no mesmo ano, o município aprovou a lei n. 10.431/2015 alterando a lei n. 10.335/2015, trazendo como principal mudança a ampliação da aplicação da OOAU para todo o macrozoneamento ambiental, com exceção das zonas de preservação ambiental (ZPA). 8 (8) A Zona de Preservação Ambiental (ZPA) destina-se à preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais e possui todos os parâmetros, bem como o IA igual a zero (Fortaleza, 2009).

Diante do exposto e como concluiu Botelho (ibid.) em parecer técnico, as duas Leis revelam que em sua elaboração não foram considerados os limites impostos pelo Estatuto da Cidade e pelo Plano Diretor Participativo de 2009, produzindo uma lei ordinária que viola preceitos básicos da política urbana e legislações superiores.

Por fim, vale mencionar que está em análise, desde 2016, uma nova minuta de lei de regulamentação da OOAU, que foi levada para apreciação dos conselheiros do CPPD (Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor), 9 (9) Órgão de colegiados ligado diretamente ao prefeito do município de Fortaleza. Foi criada pela Lei Orgânica do município (art. 60) e foi regulamentada em 1995 pela lei n. 7.813. Com o Plano Diretor de 2009, pós-Estatuto, o município teria o prazo de 2 anos para extinguir a CPPD e criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, dentro dos novos preceitos de controle social e gestão democrática. inicialmente, na forma de decreto; hoje, na forma de lei. 10 (10) Não tivemos acesso à versão do documento reformulada como lei até a escrita deste artigo.

Apesar de todas as contradições apontadas, o poder executivo tem se utilizado dessas duas leis para justificar a aprovação de projetos com irregularidades perante o disposto do PDP/2019. Como será observado nas seções seguintes, essas leis viabilizaram a adoção de estratégias do mercado imobiliário que potencializam processos de valorização e capitalização , possibilitando preços e lucros extraordinários .

Implementação da OODC e OOAU em Fortaleza

Nesta seção, procuramos analisar a implementação dos dois instrumentos na cidade de Fortaleza, observando aspectos gerais da sua inserção urbana ao longo do tempo. A análise foi feita considerando os casos de outorga aprovados no município que tiveram processo de aprovação entre os anos de 2010 e 2020. Desse universo, foram 86 OODC e 25 OOAU, sendo 3 destas últimas também identificadas como outorgas do direito de construir.

Para tanto, utilizou-se de base de dados sistematizada pelo LEHAB/UFC (Laboratório de Estudos da Habitação) em 2017, desenvolvida a partir de dados obtidos junto à prefeitura, por meio da Lei de Acesso à Informação; e de base de dados levantada e sistematizada pelas autoras a partir de dados disponibilizados no site da prefeitura e veiculados em atas, relatórios e apresentações dos projetos na CPPD. Desse modo, foi possível observar a implementação do instrumento desde a aprovação do Plano Diretor até a data da regulamentação da OOAU em 2015, perpassando por um período ainda de reações da dinamização imobiliária até chegar ao acirramento da crise atual.

Espacialização e identificação de fases de implementação do instrumento

Para efeitos de análise, as OODC e OOAU foram espacializadas em três períodos, tendo como critérios de cortes principais o ano de aprovação das leis n. 10.335 e n. 10.341, que regulamentaram a OOAU em 2015, e o acirramento da crise econômica no Brasil a partir de 2016, 11 (11) Conforme Leal (2017), a crise política e econômica no Brasil é acelerada em 2015 e 2016. ou seja, os períodos de 2010 a 2014; de 2015 a 2016; e de 2017 a 2020, vistos na Figura 1 . Assim, podemos observar os efeitos da legislação de 2015 e do período de acirramento da crise econômica na implementação desses instrumentos na cidade e na sua distribuição espacial.

I – Primeiro momento (2010-2014): são os casos de outorgas aprovadas durante o período que compreende a publicação do plano diretor de 2009 e a publicação da lei n. 10.335/2015 de regulamentação da OOAU debatida na seção anterior.

É um período ainda de dinâmica imobiliária observada em Fortaleza a partir da década de 2000, marcadamente a partir de 2007. Rufino (2012 RUFINO , M. B. C. ( 2012 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . Tese de Doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo . e 2016) identifica, a partir de 2007, uma intensificação da produção imobiliária e o fortalecimento de grandes empresas de incorporação. Segundo a autora, a partir desse período, o mercado adota a estratégia de segmentação e diferenciação da produção imobiliária. É observada uma ampliação da produção para o segmento econômico, impulsionada pela oferta de crédito e de programas como o MCMV, levando à atuação do mercado imobiliário em áreas de menor valorização e à produção de unidades habitacionais menores, área denominada pela autora, “coroa imobiliária do segmento econômico” (2016, p. 289). Paralelamente, ainda segundo Rufino (2012) RUFINO , M. B. C. ( 2012 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . Tese de Doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo ., é observada uma produção para o segmento de alto padrão, tendo como uma importante estratégia a elevação do preço dos imóveis pela diferenciação dos projetos arquitetônicos e das áreas comuns e serviços ofertados no empreendimento. Essa produção de alto padrão vai acontecer, sobretudo, nas áreas que a autora identifica como “tradicionais de valorização” e nos setores de “expansão das áreas de grande valorização”.

Esse período tem também como característica a condicionante legal do PDP como único instrumento de regulamentação da OODC e da OOAU. Todavia, de acordo com o PDP, as únicas zonas que apresentam diferença entre o IA básico e o máximo e, portanto, as únicas com possibilidade de aplicação da OODC são as ZOP2, ZOM1 e ZOM2.

O resultado é o observado na Figura 1 . Há uma forte concentração (na verdade, quase a totalidade) dos casos de outorga nas zonas ZOP2, ZOM1 e ZOM2, que correspondem ao que Rufino (2012 RUFINO , M. B. C. ( 2012 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . Tese de Doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo . e 2016) identifica como setores de “expansão das áreas de grande valorização”, como o entorno do bairro Aldeota e o eixo da avenida Washington Soares. Essas, ZOP2, ZOM1 e ZOM2, são as únicas zonas com diferenças entre o IA básico e máximo, permitindo, assim, a compra de potencial construtivo através da OODC.

Para o primeiro momento, todas as outorgas foram OODC. 12 (12) A classificação do tipo de outorga dos casos obtidos pela base de dados do Lehab de 2017 foi realizada pela própria prefeitura, que entregou a relação das outorgas aprovadas como OODC. Já os casos mais recentes, após 2015, levantados pelas autoras deste artigo, foram classificados a partir da leitura de atas e relatórios técnicos da prefeitura de análise prévia dos empreendimentos. Estas se distribuem, sobretudo, no entroncamento dos bairros do Papicu/Cocó (ZOP2); nos bairros Guararapes e Engenheiro Luciano Cavalcante, ao longo da avenida Washington Soares (ZOM1); um pouco no bairro de Fátima (ZOP2); e de forma mais dispersa próximo ao bairro Messejana, também ao longo da avenida Washington Soares. Refletem hoje nichos de verticalização com apartamentos de médio e alto padrão ( Figura 2 ). 13 (13) Para esses casos, não possuíamos dados mais detalhados da outorga, assim não foi possível constatar se estas se restringiram apenas ao IA e se respeitaram os limites máximos dispostos no Plano Diretor, contudo, ao observar esses empreendimentos, leva-se a crer que o PDP/2009 foi respeitado. Um estudo com dados mais detalhados ou uma análise melhor desses empreendimentos seria importante para comprovar. São também bairros que apresentam um importante processo de valorização, como pode ser observado pelo IPTU (2015) especializado no mapa da Figura 2 .

Figura 2
– Tipo de outorga aprovada e valor do m 2 residencial segundo o ITBI de 2015

II – Segundo momento (2015-2016): corresponde aos dois primeiros anos de aplicação de outorgas depois da publicação da lei n. 10.335/2015 que regulamentou a OOAU. Na Figura 1 é possível observar de maneira muito nítida os efeitos dessa lei e da que se seguiu (10.431/2015), com relação à flexibilização das áreas nas quais o instrumento poderia ser aplicado.

Os empreendimentos com outorga distribuem-se, nesse período, em várias regiões da cidade, espraiando-se no sentido oeste de forma mais dispersa, correspondendo à área de expansão do “segmento econômico” 14 (14) Corresponde ao eixo que parte do bairro Messejana e entorno, passando pelos bairros Castelão, Passaré, Itaperi, Parangaba, subindo até o Jokey Club (Figuras 1 e 2). e iniciando alguma concentração nos bairros Meireles e Aldeota, 15 (15) Bairros inseridos na ZOC (Zona de Ocupação Consolidada) e ZO (Zona de Orla). Nestas, o Plano Diretor já foi aprovado com o IA máximo igual ao básico. áreas tradicionais de grande valorização imobiliária, alvo de um processo de intensificação da produção imobiliária de mercado, principalmente a partir de 2007, conforme Rufino (2012 RUFINO , M. B. C. ( 2012 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . Tese de Doutorado . São Paulo , Universidade de São Paulo . e 2016)

A expansão da aplicação da outorga para áreas da “coroa imobiliária do segmento econômico” foi viabilizada por dois processos: 1) flexibilização da legislação que regulamentou a OOAU, que, contrariando o Plano Diretor de 2009), não só ampliou as áreas possíveis de aplicação do instrumento, como possibilitou a flexibilização de todos e quaisquer índices urbanísticos (ver seção “A OODC e OOAU em Fortaleza: aspectos normativos”); 2) valorização gerada através da produção imobiliária para o segmento econômico, ainda reflexo do acirramento da dinâmica imobiliária a partir de 2004, movida pela disponibilidade de crédito para esse segmento e fortalecimento de grandes incorporadoras locais e nacionais, incluindo a entrada de algumas com capital aberto, como foi identificado por Rufino (2016) RUFINO , M. B. C. ( 2016 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . São Paulo , Annablume ..

A flexibilização da legislação possibilitou também um movimento para concentração e intensificação do uso da outorga em áreas tradicionais de grande valorização (bairros Meireles, Aldeota e entorno imediato), movimento focado no segmento de alto padrão, conforme ficará evidenciado no momento 3.

Nesse segundo momento (2015-2016), como pode ser observado na Figura 2 , ainda ocorre o predomínio de OODC, todavia são observados alguns casos de OOAU.

III - Terceiro momento (2017-2020): o último período de análise insere-se em um contexto de acirramento da crise econômica no País e de retração da produção imobiliária, iniciado em 2016 16 (16) Entre 2015 e 2016, os efeitos da crise econômica e financeira global começam a ter maiores implicações no Brasil, acirrados pelo contexto político criado com o golpe parlamentar e processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 (Leal, 2017; Ribeiro, 2020). A partir deste período observa-se, então, um acirramento da crise econômica brasileira e uma redução da produção imobiliária (Leal, 2017). (Leal, 2017 LEAL , S. R. ( 2017 ). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado . Cadernos Metrópole . São Paulo , v. 19 , n. 39 , pp. 537 - 555 .; Ribeiro, 2020 RIBEIRO , L. C. Q. ( 2020 ). “ Inflexão ultraliberal e a financeirização da ordem urbana brasileira: explorando algumas hipóteses ”. In: RIBEIRO , L. C. Q. ( org .) . As metrópoles e o capitalismo financeirizado . Rio de Janeiro , Letra Capital, Observatório das Metrópoles .).

A redução de crédito, a diminuição de investimentos públicos, a queda do Programa Minha Casa Minha Vida e a consequente retração da produção acentuam e consolidam a tendência que já se apresentava no período anterior: produção para o segmento de alta renda em áreas tradicionais de grande valorização. Como pode ser observado na Figura 1 , todas as outorgas desse período concentram-se nos bairros da Aldeota, Meireles e entorno imediato, também valorizado. Apenas um empreendimento foi levantado fora desse núcleo. 17 (17) Corresponde a um empreendimento MCMV, voltado para o segmento econômico. Não conseguimos identificar a tempo a faixa exata de renda do empreendimento.

Interessante observar que, dos 18 empreendimentos com outorga nesse período, mais da metade, 10 deles, localiza-se no bairro Meireles e na faixa de orla do Mucuripe, área da cidade com maiores preços do m 2 territorial e construído. É também um espaço que constantemente recebe obras de urbanização da Orla da Beira-Mar, reforçando processos de capitalização de valor para esses terrenos e empreendimentos. Assim, observa-se uma tendência de produção para um segmento muito delimitado de altíssima renda.

Chama a atenção que nesse momento todas as outorgas foram OOAU, com exceção de 3 delas, nas quais, no Relatório Técnico do município de análise de orientação prévia, foram mencionados os dois tipos de outorga. Todavia, a justificativa para aprovação destas era sempre a lei de regulamentação da OOAU (10.335/2015). Como pode ser observado na Figura 2 (em destaque pelo círculo vermelho), os casos de OOAU concentram-se nas áreas tradicionais de grande valorização, sobretudo, no bairro Meireles, em que o valor do m 2 residencial, segundo dados do IPTU (Sefin, 2015), ganham destaque em relação a outros bairros.

Diante do exposto, observa-se que os dois instrumentos atendem a estratégias de atuação do mercado imobiliário em áreas de grande valorização. A análise temporal dos casos de outorgas também possibilita observar que, no contexto de acirramento da crise econômica, esse instrumento (no caso de Fortaleza, em especial, a OOAU) tem sido utilizado cada vez mais nas estratégias de acumulação por produção para segmentos de alto e altíssimo padrão, como será tratado na próxima seção.

As estratégias imobiliárias: novos patamares de valorização

Nesta seção, iremos analisar a percepção e a forma de utilização do instrumento de outorga onerosa, essencialmente o uso da OOAU, que é a principal outorga a ser utilizada em Fortaleza, a partir de 2015, conforme demonstramos anteriormente. Essa análise será feita a partir da perspectiva dos agentes do mercado imobiliário e do poder público, com foco nas estratégias imobiliárias e suas repercussões financeira e socioespacial. Para tanto, além do levantamento de informações realizado para a construção do banco de dados dos 25 empreendimentos, analisamos as atas das reuniões (e seus anexos) da CPPD 18 (18) Observamos, nas atas, que a maioria dos responsáveis por apresentar o empreendimento, sua viabilidade e justificativas para solicitação da concessão das outorgas onerosas são os arquitetos responsáveis pelos empreendimentos. Portanto, o discurso dos arquitetos é um fator fundamental do ponto de vista da forma de mobilização do instrumento pelo mercado imobiliário, principalmente no ponto referente às justificativas para flexibilização dos parâmetros urbanísticos solicitados nas outorgas. No universo dos 25 empreendimentos, identificamos nove escritórios de arquitetura envolvidos, sendo oito locais e um internacional (uruguaio). Dos nove, destaca-se que apenas três se encontram envolvidos em mais de um empreendimento, sendo o escritório Daniel Arruda Arquitetura com o maior número de projetos, constando em sete como responsável pelos projetos de arquitetura; o escritório Cia de Arquitetura com quatro; e o escritório Nasser Hissa Arquitetos Associados com dois projetos. e realizamos levantamento de matérias de jornais sobre uso da outorga em Fortaleza, para identificação dos discursos desses agentes. De todos os casos de OOAU 19 (19) Nesta seção, todas as vezes que estivermos usando a palavra outorga ou outorga onerosa, estaremos nos referindo formalmente do instrumento de Outorga Onerosa de Alteração de Uso, uma vez que é este o instrumento previsto na lei de 2015 que é utilizado nos processos de solicitação de outorga. levantados (25), apenas dois deles incidem de fato sobre alteração de uso, que é o que deveria ser objeto desse instrumento. Em todos os demais, há outorga sobre diversos índices urbanísticos, como índice de aproveitamento, altura, recuos, taxa de ocupação, taxa de permeabilidade e fração do lote.

Na Figura 3 , temos uma aproximação da área com a maior concentração de empreendimentos de outorga e que corresponde também à área com a maioria dos 25 empreendimentos analisados. Dos 25 empreendimentos, mais da metade é de uso residencial (14 com uso residencial e 3 com uso misto associado residencial). Assim, podemos verificar essa maior frequência de empreendimentos de uso residencial. Em menor quantidade, encontramos outros usos: saúde (1); indústria (2); comercial (1); comércio e serviço (1); serviço (1); exclusivamente hospedagem (1); hospedagem e comércio (1). Também destacamos informações e fotos de alguns desses empreendimentos para ilustrar nossas análises no decorrer desta seção.

Figura 3
– Empreendimentos com OOAU em áreas de maior valorização imobiliária

A OOAU em Fortaleza é um instrumento, até o momento, utilizado como uma estratégia imobiliária preponderantemente local. Do universo dos 25 empreendimentos, verificamos que as empresas (incorporadoras e construtoras) envolvidas são, em sua grande maioria, locais. Das empresas identificadas, encontramos apenas duas de caráter regional (Moura Dubeux com um empreendimento e Monteplan também com um empreendimento) e onze empresas locais envolvidas com a incorporação e/ou construção desses empreendimentos. Dessas empresas locais, as que estão envolvidas em mais de um empreendimento contemplado com outorga onerosa são: a Diagonal Engenharia e a Colmeia Construtora, cada uma envolvida em três empreendimentos; e a Normatel Incorporações e a Nordeste Empreendimentos e Participações S/A – Norpar, cada uma associada a dois empreendimentos. Trata-se de empresas locais tradicionais e consolidadas no mercado imobiliário de Fortaleza.

Conforme analisado, o instrumento da OOAU vem se apresentando como uma estratégia imobiliária para alcançar maiores patamares de acumulação de capital por processos de valorização e capitalização. É na possibilidade de flexibilização de parâmetros e índices urbanos que o mercado vê a oportunidade de alcançar patamares mais altos de ganhos (lucro e renda), desenvolvendo estratégias imobiliárias de diferenciação, voltadas para o segmento de alta e altíssima renda. A seguir, apontamos três principais estratégias identificadas no uso da outorga, que possibilitam o aumento dos patamares dos ganhos imobiliários e a elevação nos preços dos imóveis.

Estratégia diferencial localização

Como observado anteriormente, com a espacialização de todos os casos de outorgas, verifica-se, a partir do acirramento da crise econômica, um esvaziamento de empreendimentos com outorga nas “áreas de expansão da valorização” (primeiro momento) e nas “áreas com produção imobiliária para o segmento econômico” (segundo momento), enquanto há uma intensificação da atuação do mercado imobiliário (segmento alto padrão) no uso da outorga onerosa, concentrando-se em uma porção restrita (terceiro momento), que corresponde à área tradicional de valorização (bairros Aldeota, Meireles e Mucuripe). Assim, consideramos a hipótese, que deve ser observada cada vez mais nos próximos anos, de uma concentração da atuação locacional do mercado para as áreas tradicionais de grande valorização, com foco no segmento de alto e altíssimo padrão. Essa concentração é associada a uma intensificação na produção imobiliária pelo instrumento da outorga onerosa como uma estratégia locacional no contexto de crise e arrefecimento do mercado imobiliário.

Embora essa área da cidade apresente pouca disponibilidade de terrenos e estes tenham preços elevados, o foco em um perfil de alto padrão de consumidor, atraído pelas estratégias de diferenciação dos produtos imobiliários (ver próxima estratégia) viabilizadas pela outorga, acaba por compensar os elevados preços dos terrenos. Conforme a Figura 3 , nota-se uma distribuição de empreendimentos outorgados ao longo da faixa de orla (avenida Beira Mar/avenida. Abolição), um setor da cidade que, além de provido de infraestrutura e serviços, é privilegiado por atributos naturais (praia, mar), vistas disputadas, espaços livres públicos e equipamentos de lazer.

Recentemente, a avenida Beira Mar foi alvo de investimentos para (mais uma) requalificação. 20 (20) Reforma em andamento. Todavia, destaca-se que a Beira Mar (calçadão) é alvo de reforma em quase todas as gestões municipais. Os reincidentes investimentos públicos nesse setor da cidade, que é constantemente apresentado como uma imagem que “representa” Fortaleza, fomentam a criação de espaços de “raridade” urbana. Os investimentos públicos de qualificação do espaço são fatores fundamentais de intensa valorização diferencial da terra (Kowarick, 2000 KOWARICK , L. ( 2000 ). Escritos Urbanos . São Paulo , Editora 34 .) e são capitalizados pela propriedade fundiária e imobiliária. A construção de setores de raridade urbana é um potencializador da valorização diferencial, em que o Estado contribui para a acumulação de capital para uma fatia muito restrita da população.

Recorda-se que o objetivo de criação do instrumento da outorga onerosa no Estatuto da Cidade seria para recuperar a valorização imobiliária proveniente de investimentos públicos no espaço urbano. Todavia, na medida em que a outorga possibilita redefinir os patamares de expectativa de lucro e renda, principalmente diante da flexibilização relativa ao aumento de potencial construtivo, as áreas sobre as quais a outorga incide tendem a se tornar cada vez mais inacessíveis para grande parcela da população, devido ao aumento dos preços dos imóveis (territoriais e prediais).

Segundo Martins e Gomes (2009) MARTINS , S. ; GOMES , G. C. ( 2009 ). A verdade que está no erro: a importância do estatuto da cidade para a (re)valorização do espaço . Revista da ANPEGE , v. 5 , pp. 93 - 106 ., alguns dos instrumentos criados para capturar a valorização imobiliária, como a outorga onerosa, indubitavelmente ampliam as possibilidades de mobilização das propriedades e permitem, não apenas redefinir os patamares de capitalização das rendas, como também salvaguardar as rendas diferenciais produzidas. Brajato e Denaldi (2019) BRAJATO , D. ; DENALDI , R. ( 2019 ). O impasse na aplicação do Estatuto da Cidade: explorando o alcance do PEUC em Maringá - PR (2009-2015) . Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , v. 21 , n. 1 , pp. 45 - 62 . chamam a atenção para algo que Faria (2013), outrora, já havia argumentado que “a função social da propriedade urbana não está necessariamente vinculada à democratização do acesso à terra urbanizada” e que “a aplicação dos instrumentos não está relacionada ‘geneticamente’ à reversão de processos de especulação imobiliária próprios da lógica capitalista das cidades, mas, ao contrário, pode ser funcional a esses processos de valorização” (Brajato e Denaldi, 2019 BRAJATO , D. ; DENALDI , R. ( 2019 ). O impasse na aplicação do Estatuto da Cidade: explorando o alcance do PEUC em Maringá - PR (2009-2015) . Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais , v. 21 , n. 1 , pp. 45 - 62 ., p. 49).

Estratégia de diferenciação potencial construtivo

A ampliação do número de unidades articuladas a elevados preços do metro quadrado, diante do foco no segmento de alto padrão, contribui para a projeção de enormes valores gerais de vendas (VGV), dando continuidade ao movimento já relatado por Rufino (2016) RUFINO , M. B. C. ( 2016 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . São Paulo , Annablume .. Todavia, para os empreendimentos aqui analisados, o que viabiliza essa estratégia é a flexibilização dos índices e parâmetros urbanísticos que a outorga permite, principalmente o aumento do índice de aproveitamento e do gabarito. Um trecho da matéria do jornal O Povo (2015) O POVO ( 2015 ). Novos instrumentos trazem vantagens para o mercado imobiliário. Sancionadas. transferência e outorga 15/4/2015 . Disponível em: https://www20.opovo.com.br/app/opovo/imoveis/2015/04/15/notimoveis,3422805/novos-instrumentos-trazem-vantagens-para-o-mercado-imobiliario.shtml . Acesso em: 23 maio 2021 .
https://www20.opovo.com.br/app/opovo/imo...
exemplifica a relevância da flexibilização desses índices do ponto de vista do mercado imobiliário: “Aumentar o potencial construtivo de obras e o gabarito de edificações são vantagens que o mercado já esperava, mas que ainda não eram regulamentadas”.

Na Figura 4 , podemos verificar os tipos de índices e parâmetros urbanísticos flexibilizados, em cada um dos 25 empreendimentos, através do instrumento de outorga. As flexibilizações que merecem maior destaque são justamente as do índice de aproveitamento (IA) e da altura máxima da edificação. Dos 25 casos de OOAU levantados, 16 apresentaram alterações de IA (pontos vermelhos no mapa IA, da Figura 4 ) e 17 deles de gabarito (pontos vermelhos no mapa de altura, da Figura 4 ). Importante destacar que, como a incidência desses casos é em zonas onde o IA máximo é igual ao básico, todas as outorgas sobre o IA foram acima do IA máximo definido no PDP/2009 para tais zonas. Das 16 outorgas concedidas sobre IA, metade delas permitiu que o potencial construtivo final do empreendimento ficasse acima de IA 4, limite máximo concedido no PDP/2009 e apenas para o uso hoteleiro na zona de orla. Os índices de aproveitamento observados ultrapassam valores de 5, 6 e até 8. O aumento do potencial construtivo observado acima do máximo, viabilizado pelo aumento do IA, permitiu elevar também a altura máxima dessas edificações. Dos 17 casos de altura outorgada, 15 deles foram acima da altura máxima permitida no município de Fortaleza, que é de 72m. Ademais, todos os casos foram acima da altura máxima permitida para a zona onde o empreendimento está inserido. Na metade dos casos, 12 para ser mais preciso, elevaram-se essas edificações a patamares de altura superiores a 100m. Na Figura 3 , podemos visualizar a imagem de alguns desses empreendimentos com a informação dos IA e gabaritos máximos alcançados com as outorgas.

Essa flexibilização articulada de diferentes índices e parâmetros, por um lado, é o que tem viabilizado empreendimentos de altíssimo padrão, com um a dois apartamentos por andar, 21 (21) Cerca de 80% dos empreendimentos de uso residencial do universo analisado é de 1 a 2 apartamentos por andar. de muitos metros quadrados por unidades. Por outro lado, ela permite o aumento no número de pavimentos, consequentemente, um número maior de apartamentos. Temos empreendimentos com o dobro do número de andares (próximo a 50 andares) em relação à média normal (cerca de 24 andares) desse tipo de empreendimento na cidade.

Desse modo, a estratégia possibilitada pela outorga para esse segmento de alto padrão é aumentar o número de apartamentos, mas sem a necessidade de diminuir o metro quadrado das unidades, e focar em um perfil de comprador de maior poder aquisitivo. Observa-se, inclusive, o lançamento de empreendimentos com apartamentos muito maiores do que costumavam ser construídos para o segmento de alto padrão na cidade.

Para ilustrar, citamos alguns empreendimentos e seus Valores Gerais de Venda (VGVs) elevados (expostos na Figura 3 ): (7) Solar Praça Portugal com 32 unidades (um por andar), apartamentos de 400m 2 e 500m 2 , com VGV superior a R$100 milhões; 22 (22) Informação disponível em https://www.baladain.com.br/negocios/diagonal-inicia-fundacoes-de-edificio-de-alto-luxo/ . (9) Manabu terá 35 unidades (um por andar), apartamentos com metragem de 345 m 2 e 360 m 2 , 23 (23) Informação disponível em https://ootimista.com.br/economia/cdt-lancara-o-manabu-empreendimento-de-alto-padrao-feito-sob-regime-de-incorporacao/ . com preço das unidades de R$3.704.772,50 24 (24) Informação disponível em https://imobiliariamadrededeus.com.br/imovel/AP3529/apartamento-4-quartos-manabu-meireles-fortaleza/ e VGV aproximado de 129 milhões; (5) Epic tem 45 unidades (um por andar), de 394m 2 a unidade habitacional, preço estimado de cada apartamento em R$4.600.000,00 e VGV aproximado de 230 milhões; 25 (25) Informação disponível em https://www.rodrigocesarimoveis.com.br/183/imoveis/venda-apartamento-4-dormitorios-meireles-fortaleza-ce (11) One tem 46 unidades (um por andar), apartamentos de 600m 2 , com preços que giram em torno dos R$7 milhões e um VGV estimado em R$322 milhões; 26 (26) Diário do Nordeste (2017b). (4) S. Carlos terá 33 apartamentos (um por andar) de 820 m 2 , com preço de cada apartamento a 12,5 milhões e VGV em cerca de 412,5 milhões.

A combinação da implantação do empreendimento em áreas extremamente valorizadas, com oferta de grandes apartamentos para o segmento de alto padrão, associada à possibilidade de viabilizar um maior número de unidades tem garantido o alcance de preços de monopólio descolados do preço geral de produção (Marx, 2017 MARX , K. ( 2017 ). O capital: crítica da economia política. Livro III: O processo global da produção capitalista . São Paulo , Boitempo .), 27 (27) O preço de monopólio é “determinado apenas pelo desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, sem depender do preço geral de produção ou do valor dos produtos” (Marx, 2017, pp. 835-836). o que permite alcançar VGV elevados. Os enormes VGVs mostram que a outorga onerosa é instrumentalizada pelo mercado imobiliário como uma estratégia de alcançar lucros extraordinários, especialmente em um contexto de crise, no qual se tende a priorizar perfis de compradores de alto padrão que podem pagar pelos altos preços.

Estratégia de diferenciação produção de raridade

Rufino (2016) RUFINO , M. B. C. ( 2016 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . São Paulo , Annablume . identifica que, até os anos 2000, em Fortaleza, os condomínios residenciais de alto padrão eram normalmente organizados em torre única e que passaram a ser substituídos por duas ou mais torres, com grande volume construído. Todavia, o que observamos no uso da Outorga, especialmente, no terceiro momento identificado na seção “Implementação da OODC e OOAU em Fortaleza” deste artigo, é um movimento contrário de retorno à torre única, porém com a manutenção de um grande volume construído, agora extremamente verticalizado. O uso da outorga para flexibilizar diferentes parâmetros urbanístico possibilitou a produção de “raridades” nos negócios imobiliários:

Segundo o presidente da Cooperativa da Construção do Ceará (Coopercon-CE), Marcos Novaes, a outorga onerosa poderá facilitar para que alguns empreendimentos tenham caráter excepcionais. “Você pode verticalizar mais esses empreendimentos e fazer grandes centros de desenvolvimento”, exemplifica. ( O Povo, 2015)

Empreendimentos que tomam partido da quase ilimitada flexibilização mediante a outorga onerosa buscam diferenciação através da verticalização, da arquitetura, das áreas livres privadas e de itens “diferenciados” .

A verticalização é apresentada como um elemento qualificador do empreendimento. Aparece como um dos principais argumentos nas justificativas que embasam a solicitação de outorga onerosa para a flexibilização de parâmetros dos empreendimentos. Segundo as justificativas, permitir maior verticalização da edificação traria uma série de benefícios para o empreendimento, tais como a melhoria de ventilação, iluminação, liberação de espaço livre no lote, conforme exemplifica o trecho a seguir:

Redução da ocupação da edificação permitindo uma maior fluidez de ventilação e iluminação natural . Fatores primordiais para um bom projeto na região nordeste e principalmente em Fortaleza (A cidade dos ventos). Liberação de mais espaços livres ao redor da edificação devido as maiores áreas de recuo, melhorando as perspectivas do entorno do projeto; Redução de barreiras visuais permitindo que outros empreendimentos do entorno usufruem da paisagem proporcionando uma cidade mais fluida. 28 (28) Fala do arquiteto sobre justificativa do empreendimento Acqualina (Fortaleza, 2019a). Mesma justificativa utilizada pelo mesmo arquiteto para o empreendimento One, Sky, conforme ata e anexos das reuniões 103 e 118 (Fortaleza, 2018b e 2020b). Justificativa semelhante também é encontrada em fala de outros arquitetos responsáveis por outros empreendimentos. (Fortaleza, 2019b; grifo nosso)

A verticalização produz a ideia de “raridade”, por permitir que o empreendimento se destaque na paisagem e destoe da forma urbana do entorno, além de explorar a possibilidade de visuais da paisagem, conforme podemos constatar em anúncios e matérias de jornal: “Epic é uma obra-prima da Arquitetura, tendo um dos Designs mais modernos do País e inspirado nos maiores arranha-céus do mundo, são 50 andares [...] fica atrás do Ideal Clube que é tombado pelo município, com vista mar definitiva”. 29 (29) Rodrigo Cesar Imóveis (S/D). Disponível em: https://www.rodrigocesarimoveis.com.br/183/imoveis/venda-apartamento-4-dormitorios-meireles-fortaleza-ce . Sobre outro empreendimento, o DC 360°: “um imponente espigão residencial de 32 andares [...] ao fato de os apartamentos terem 360 graus de vista livre” (Focus (2021) FOCUS ( 2021 ). Lei de RC viabilizou espigões de mais de 30 andares no terreno da “Casa Azul” e em área vizinha. Por Fábio Campos. 19/3/2021 . Disponível em: https://www.focus.jor.br/lei-de-rc-viabilizou-imponentes-espigoes-de-mais-de-30-andares-em-terrenos-vizinhos-que-pertencem-a-familia-jereissati/ . Acesso em: 23 maio 2021 .
https://www.focus.jor.br/lei-de-rc-viabi...
.

Reforça-se tal argumento com a ideia de construção de empreendimentos “ícones” ou “marcos”, que buscam associar altura e arquitetura diferenciada, como foi ilustrado o empreendimento MD Condomínio (3): “Projetado para ser um marco na cidade de Fortaleza, essa torre residencial curvilínea desempenha com o dinamismo curvas côncavas e convexas ao longo de sua altura, alcançando uma forte imagem escultural” ( Diário do Nordeste , 2017a).

Para alguns arquitetos envolvidos, a altura não deveria ser limitada pela legislação, pois “deveria ser uma coisa que os autores do projeto verificassem qual seria a melhor situação para resolver o problema” (Fortaleza, 2016a), 30 (30) Fala do arquiteto registrada em Ata da reunião 81ª da CPPD (Fortaleza, 2016a). enquanto, para representantes do mercado imobiliário, a compreensão é que “o céu é o limite”. 31 (31) O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon), Roberto Sérgio Ferreira, garante que a verticalização, ao contrário do que muitos pensam, é uma exigência dos próprios compradores. O setor, afirma, é regido pelo desejo do consumidor. "Não temos saídas. O céu é o limite", pontua ( Diário do Nordeste , 2010). Nota-se que é uma visão privatista, meramente individual do empreendimento e que ignora o fato de que cada construção na cidade impacta na conformação da sua paisagem.

A flexibilização da taxa de ocupação do subsolo via outorga ( Figura 5 ) tem viabilizado um aumento de vagas (empreendimentos com 5 a 12 vagas) por apartamento. Em alguns empreendimentos, também são observadas vagas de carro dentro do apartamento em cada andar, com elevadores para o carro sendo apresentados como atrativos e diferenciais do empreendimento. Trata-se de verdadeiras mansões verticais, conferindo um caráter também de raridade ao empreendimento. A flexibilização nos recuos 32 (32) Observou-se que geralmente se flexibiliza algum dos recuos, permitindo à edificação avançar em um dos lados e recuar em outros, não sendo necessário flexibilizar a taxa de ocupação permitida. Trata-se, portanto, nesses casos, de uma solução de implantação de projeto. associada à flexibilização da verticalização permite trabalhar a forma e implantação do edifício ao mesmo tempo que possibilita reduzir a ocupação do terreno e oferecer mais áreas livres e espaços de uso comuns, apresentados também como fatores diferenciais a mais.

Figura 5
– Empreendimentos que tiveram TO e recuos flexibilizados por meio da OOAU entre 2015 e 2020

Esses atributos que compõem a diferenciação dos empreendimentos por produção de raridade levam o processo de mudança de paisagem e da forma urbana, já em curso nos bairros da “área tradicionalmente valorizada”, a outro patamar. Conforme observou Rufino (2016) RUFINO , M. B. C. ( 2016 ). A Incorporação da metrópole: transformações na produção imobiliária e do espaço na Fortaleza do século XXI . São Paulo , Annablume ., entre 2004 e 2010, a produção imobiliária nessas áreas tem demandado grandes terrenos como pressupostos para os grandes empreendimentos, o que reforçou o processo de demolição de antigos condomínios residenciais, de equipamentos (clubes, escolas), casas antigas, etc. A autora conclui:

[...] a valorização imobiliária, impulsionada pela centralização de capital, parece representar um movimento imperativo de transformação urbana, impondo o predomínio das formas rentáveis, isto é a ocupação de grandes lotes por torres verticais que se apropriam da totalidade de potencial construtivo da zona. (Ibid., p. 258)

Com a escassez de terrenos nesses bairros (Aldeota, Meireles, Mucuripe, Praia de Iracema), os empreendimentos outorgados seguem a lógica de demolição e impõem um novo patamar de formas rentáveis, alicerçadas agora nos enormes volumes verticalizados que destoam da composição geral do entorno. O uso de outorga, inclusive em áreas de zoneamento especial, como a Zona de Orla (ZO) e em áreas que visam preservar o patrimônio do conjunto edificado (caso do empreendimento São Pedro, Figura 3 ), traz impactos ainda mais significativos na paisagem.

Enquanto é possível viabilizar as estratégias de diferenciação “por raridade” junto à outorga de forma sem limites, a viabilização de lucro extraordinário está garantida. Todavia, a ausência de definição dos parâmetros urbanísticos máximos pode colocar a raridade em risco e ameaçar a segurança de um investimento a partir da produção de uma nova raridade por um concorrente. Representantes do mercado, através do Sinduscon, têm demonstrado preocupação em relação à definição de parâmetros máximos (o que está registrado em várias reuniões da CPPD de aprovação de empreendimento com outorga) 33 (33) Fortaleza (2016b, 2016c, 2020b, 2020c). e ao crescente número de concessões de outorgas nos últimos anos. 34 (34) Embora o instrumento de outorga esteja sendo utilizado desde 2010, somente recentemente, devido a vários questionamentos de setores do mercado imobiliário e da sociedade civil, elaborou-se uma lei que define limites máximos aos parâmetros outorgados. Todavia, essa lei ainda não foi aprovada. Outro aspecto é que, sobre o questionamento da quantidade limite de outorgas possíveis de serem concedidas na cidade, a prefeitura alegou “que não existe nenhum arcabouço jurídico que defina a quantidade outorgas onerosas que possam ser deliberadas na Comissão e que é feita uma avaliação urbanística do empreendimento e do entorno, se o empreendimento se enquadra na Legislação” (Fortaleza, 2020a). Assim, o que hoje é lucro extraordinário, com o tempo, tende a se tornar lucro médio, e serão necessários novos patamares urbanísticos para novos níveis de valorização, criando um ciclo infinito e insaciável da acumulação de capital, no qual a disputa pelo espaço urbano é acirrada.

Considerações finais

O instrumento de outorga onerosa, em especial a OOAU, tem sido instrumentalizado como uma prática recente do mercado imobiliário em Fortaleza. A análise temporal dos casos de outorgas possibilitou observar que, especialmente no contexto de acirramento da crise econômica, este instrumento tem sido utilizado nas estratégias de acumulação da produção imobiliária associado ao segmento de alto e altíssimo padrão. Verificamos que é utilizado como uma estratégia de diferenciação (locacional, de potencial construtivo e de produção de raridade) que possibilita alcançar lucros extraordinários, produtos imobiliários de elevados preços e enormes VGVs. A prática em Fortaleza é caracterizada pela possibilidade de flexibilização de diferentes índices e parâmetros urbanísticos (índice de aproveitamento, gabarito, recuos, taxa de ocupação) sem limites máximos definidos, até o presente momento.

A diferenciação locacional é caracterizada pela intensificação da atuação do mercado imobiliário (segmento alto padrão), concentrando-se em uma porção restrita que corresponde à área tradicional de valorização de Fortaleza (bairros Aldeota, Meireles e Mucuripe). A diferenciação por potencial construtivo, viabilizada essencialmente pela flexibilização de índice de aproveitamento e gabarito, permite a oferta de apartamentos de grande metragem associada à possibilidade de construir um maior número de unidades. Já a diferenciação por produção de raridade viabiliza-se pela combinação da flexibilização de diferentes índices e parâmetros (IA; gabarito, TO e recuos) e assegura, ao empreendimento, a construção de produtos imobiliários diferenciados, tomando partido da verticalização, da arquitetura, das áreas livres privadas, da inclusão de itens “diferenciados” (ex: muitas vagas de estacionamento, elevador para carro). Assim, foi desenhada, ainda que com claras deformações legais, uma estratégia para que o setor imobiliário conseguisse obter altos patamares de acumulação de capital, mesmo no cenário de crise.

Essa prática somente é possível porque é mediada pelo Estado, fundamental na (des)regulamentação do instrumento. É um processo constante de produção de regulação para desregulamentação (Allbers, 2016 ALLBERS , M. B. ( 2016 ). “ Regulated deregulation ”. In: SPRINGER , S. ; BIRCH , K. ; MACLEAVY , J. ( eds .) . Handbook of neoliberalism . Londres , Routledge . Disponível em: https://www.academia.edu/11365910/Regulated_Deregulation_chapter_in_Handbook_of_Neoliberalism . Acesso em: 21 set 2019 .
https://www.academia.edu/11365910/Regula...
), no qual o Estado produz uma estrutura regulatória que privilegia setores específicos, que participam ativamente da definição dessas normas 35 (35) Foi o caso da produção das leis que regulamentam a outorga onerosa de alteração do uso do solo, que foi elaborada com a parceria do Sinduscon-CE. Alguns dos debates foram tratados em reuniões da CPPD e merecem uma análise futura. (Harvey, 2014 HARVEY , D. ( 2014 ). Neoliberalismo: histórias e implicações . São Paulo , Edições Loyola .). É importante mencionar que, no caso de Fortaleza, os novos marcos regulatórios construídos nesse processo estão sendo aprovados localmente, mesmo estando em desacordo com legislações superiores. No caso analisado, a utilização da OOAU na estratégia de valorização é viabilizada pelas leis municipais de regulamentação desses instrumentos, que, ao irem de encontro ao disposto na Lei Federal do Estatuto da Cidade e no Plano Diretor Municipal, abrem espaço para a flexibilização de parâmetros que não poderiam ser flexibilizados e para a compra de potencial construtivo (IA) em zonas da cidade onde isso não é permitido.

O poder público municipal reconhece que o instrumento é uma ferramenta para promover lucro, embora sempre busque ressaltar a importância da sua função de redistribuição, conforme declara: “não é só um objeto de lucro, mas uma distribuição de lucro, principalmente quando se vê que os investimentos estão sendo realizados nos bairros mais necessitados” (Fortaleza, 2018b). É importante registrar também que os recursos captados com as contrapartidas da outorga são destinados atualmente para o Fundurb (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano) e vêm sendo aplicados essencialmente em serviços de melhoria urbana. 36 (36) São aplicados em drenagem, asfalto, calçamento, passeios e áreas de lazer, em bairros mais periféricos da cidade, conforme dados da prefeitura. Todavia, não há clareza da fórmula de cálculo das concessões de outorgas aplicadas, tampouco do valor pago em cada contrapartida por empreendimento no ato do debate que moverá a sua aprovação, dificultando uma análise mais profunda do instrumento enquanto potencial de arrecadação. Cabem estudos futuros comparando os investimentos em melhorias urbanas, as contrapartidas e os ganhos imobiliários.

Ressalta-se, ainda, que o processo de intensificação da valorização de áreas já extremamente valorizadas acentua a enorme desigualdade socioespacial e econômica do município. Exclui parcelas cada vez maiores da população que não possuem capacidade de pagar pelos preços praticados nessas áreas em patamares cada vez mais elevados.

Figura 4
– Empreendimentos que tiveram IA e altura flexibilizados por meio da OOAU entre 2015 e 2020

Referências

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Notas

  • (1)
    Foi desenvolvido um banco de dados desses empreendimentos a partir do levantamento, realizado pelas autoras, nas atas, relatórios e anexos das reuniões da Comissão Permanente do Plano Diretor (CPPD), que é a instância responsável por aprovar as solicitações de OODC e OOAU. As variáveis levantadas foram: nome do empreendimento; requerente; tipo de outorga; ano do processo; n. do processo; reunião da CPPD de análise do caso; data da reunião; status da outorga; endereço do empreendimento; bairro; uso anterior do terreno; m do terreno; m construídos; m computável; número de pavimentos; número de apartamentos; escritório do projeto de arquitetura; construtora; incorporadora; IA. outorgado; valor outorgado do IA; IA final; altura outorgada; metros outorgados; altura final do empreendimento; recuo doutorado; taxa de ocupação outorgada. Algumas informações quando não obtidas pelos relatórios oficiais foram complementadas a partir de matérias dos empreendimentos publicadas nas páginas oficiais das imobiliárias e em veículos de imprensa.
  • (2)
    “Art. 28: O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. § 1º Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. § 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana” (Brasil, 2001 BRASIL ( 2001 ). Lei n. 10.257 de 2001 . Estatuto da Cidade . Brasília .; grifo nosso).
  • (3)
    Art. 28. [...] 3º O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento , considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área (Brasil, 2001 BRASIL ( 2001 ). Lei n. 10.257 de 2001 . Estatuto da Cidade . Brasília .; grifo nosso).
  • (4)
    De acordo com o PD (Fortaleza, 2009; grifo nosso): “ A Zona de Ocupação Consolidada (ZOC) caracteriza-se pela predominância da ocupação consolidada, com focos de saturação da infraestrutura; destinando-se à contenção do processo de ocupação intensiva do solo” (art. 97). “ A Zona de Ocupação Preferencial 2 (ZOP 2) caracteriza-se pela disponibilidade parcial de infraestrutura e serviços urbanos e áreas com disponibilidade limitada de adensamento; destinando-se à intensificação condicionada da ocupação do solo” (art. 83). “ A Zona de Ocupação Moderada (ZOM 1) caracteriza-se pela insuficiência ou inadequação de infraestrutura, carência de equipamentos públicos, presença de equipamentos privados comerciais e de serviços de grande porte, tendência à intensificação da ocupação habitacional multifamiliar e áreas com fragilidade ambiental; destinando-se ao ordenamento e controle do uso e ocupação do solo, condicionados à ampliação dos sistemas de mobilidade e de implantação do sistema de coleta e tratamento de esgotamento sanitário” (art. 99). “ A Zona de Ocupação Moderada (ZOM 2) caracteriza-se pela insuficiência ou ausência de infraestrutura, carência de equipamentos públicos, tendência de intensificação da implantação de equipamentos privados comerciais e de serviços de grande porte e áreas com fragilidade ambiental, destinando-se ao ordenamento e controle do uso e ocupação do solo condicionados à ampliação dos sistemas de mobilidade e de implantação do sistema de coleta e tratamento de esgotamento sanitário” (art. 103).
  • (5)
    Dispõe sobre a outorga onerosa de alteração de uso do solo de que trata o art. 222 da lei complementar n. 0062/09 , que institui o Plano Diretor Participativo, e dá outras providências” (Fortaleza, 2015a, Preâmbulo da lei n. 10.335; grifo nosso). “ Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 10.335/2015, que dispõe sobre a Outorga Onerosa de Alteração de Uso do Solo de que trata o art. 222 da lei complementar n. 62/2009, que institui o Plano Diretor Participativo e dá outras providências” (Fortaleza, 2015b, Preâmbulo da lei n. 10.431; grifo nosso).
  • (6)
    Inclusive, como será observado mais adiante, logo após a virada do ano de aprovação do PDP/2009, já podem ser observados empreendimentos com uso de OODC.
  • (7)
    Art. 2º – A outorga onerosa de alteração de uso, prevista no art. 222 da lei complementar n. 62, de 2 de fevereiro de 2009, [...] § 1º – Considera-se alteração de uso a mudança dos índices urbanos na implantação das atividades, nos termos previstos nos arts. 18,19 e 20 da Luos (Fortaleza, 2015a). Art. 20. Os indicadores urbanos da ocupação [...] compreendendo: I – taxa de permeabilidade; II – taxa de ocupação (T.O.) para: a) uso residencial unifamiliar; b) uso residencial multifamiliar; c) outros usos; III – fração do lote para: a) uso residencial multifamiliar; b) uso comércio e serviço múltiplos; c) uso hotel-residência; IV – índice de aproveitamento (IA); V – altura máxima das edificações; VI – dimensões mínimas do lote: a) testada; b) profundidade; c) área. (Luos, 1996)
  • (8)
    A Zona de Preservação Ambiental (ZPA) destina-se à preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais e possui todos os parâmetros, bem como o IA igual a zero (Fortaleza, 2009).
  • (9)
    Órgão de colegiados ligado diretamente ao prefeito do município de Fortaleza. Foi criada pela Lei Orgânica do município (art. 60) e foi regulamentada em 1995 pela lei n. 7.813. Com o Plano Diretor de 2009, pós-Estatuto, o município teria o prazo de 2 anos para extinguir a CPPD e criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, dentro dos novos preceitos de controle social e gestão democrática.
  • (10)

    Não tivemos acesso à versão do documento reformulada como lei até a escrita deste artigo.
  • (11)

    Conforme Leal (2017) LEAL , S. R. ( 2017 ). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado . Cadernos Metrópole . São Paulo , v. 19 , n. 39 , pp. 537 - 555 ., a crise política e econômica no Brasil é acelerada em 2015 e 2016.
  • (12)

    A classificação do tipo de outorga dos casos obtidos pela base de dados do Lehab de 2017 foi realizada pela própria prefeitura, que entregou a relação das outorgas aprovadas como OODC. Já os casos mais recentes, após 2015, levantados pelas autoras deste artigo, foram classificados a partir da leitura de atas e relatórios técnicos da prefeitura de análise prévia dos empreendimentos.
  • (13)

    Para esses casos, não possuíamos dados mais detalhados da outorga, assim não foi possível constatar se estas se restringiram apenas ao IA e se respeitaram os limites máximos dispostos no Plano Diretor, contudo, ao observar esses empreendimentos, leva-se a crer que o PDP/2009 foi respeitado. Um estudo com dados mais detalhados ou uma análise melhor desses empreendimentos seria importante para comprovar.
  • (14)

    Corresponde ao eixo que parte do bairro Messejana e entorno, passando pelos bairros Castelão, Passaré, Itaperi, Parangaba, subindo até o Jokey Club (Figuras 1 e 2).
  • (15)

    Bairros inseridos na ZOC (Zona de Ocupação Consolidada) e ZO (Zona de Orla). Nestas, o Plano Diretor já foi aprovado com o IA máximo igual ao básico.
  • (16)

    Entre 2015 e 2016, os efeitos da crise econômica e financeira global começam a ter maiores implicações no Brasil, acirrados pelo contexto político criado com o golpe parlamentar e processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 (Leal, 2017 LEAL , S. R. ( 2017 ). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado . Cadernos Metrópole . São Paulo , v. 19 , n. 39 , pp. 537 - 555 .; Ribeiro, 2020 RIBEIRO , L. C. Q. ( 2020 ). “ Inflexão ultraliberal e a financeirização da ordem urbana brasileira: explorando algumas hipóteses ”. In: RIBEIRO , L. C. Q. ( org .) . As metrópoles e o capitalismo financeirizado . Rio de Janeiro , Letra Capital, Observatório das Metrópoles .). A partir deste período observa-se, então, um acirramento da crise econômica brasileira e uma redução da produção imobiliária (Leal, 2017 LEAL , S. R. ( 2017 ). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado . Cadernos Metrópole . São Paulo , v. 19 , n. 39 , pp. 537 - 555 .).
  • (17)

    Corresponde a um empreendimento MCMV, voltado para o segmento econômico. Não conseguimos identificar a tempo a faixa exata de renda do empreendimento.
  • (18)

    Observamos, nas atas, que a maioria dos responsáveis por apresentar o empreendimento, sua viabilidade e justificativas para solicitação da concessão das outorgas onerosas são os arquitetos responsáveis pelos empreendimentos. Portanto, o discurso dos arquitetos é um fator fundamental do ponto de vista da forma de mobilização do instrumento pelo mercado imobiliário, principalmente no ponto referente às justificativas para flexibilização dos parâmetros urbanísticos solicitados nas outorgas. No universo dos 25 empreendimentos, identificamos nove escritórios de arquitetura envolvidos, sendo oito locais e um internacional (uruguaio). Dos nove, destaca-se que apenas três se encontram envolvidos em mais de um empreendimento, sendo o escritório Daniel Arruda Arquitetura com o maior número de projetos, constando em sete como responsável pelos projetos de arquitetura; o escritório Cia de Arquitetura com quatro; e o escritório Nasser Hissa Arquitetos Associados com dois projetos.
  • (19)

    Nesta seção, todas as vezes que estivermos usando a palavra outorga ou outorga onerosa, estaremos nos referindo formalmente do instrumento de Outorga Onerosa de Alteração de Uso, uma vez que é este o instrumento previsto na lei de 2015 que é utilizado nos processos de solicitação de outorga.
  • (20)

    Reforma em andamento. Todavia, destaca-se que a Beira Mar (calçadão) é alvo de reforma em quase todas as gestões municipais.
  • (21)

    Cerca de 80% dos empreendimentos de uso residencial do universo analisado é de 1 a 2 apartamentos por andar.
  • (22)

  • (23)

  • (24)

  • (25)

  • (26)

    Diário do Nordeste (2017b).
  • (27)

    O preço de monopólio é “determinado apenas pelo desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, sem depender do preço geral de produção ou do valor dos produtos” (Marx, 2017 MARX , K. ( 2017 ). O capital: crítica da economia política. Livro III: O processo global da produção capitalista . São Paulo , Boitempo ., pp. 835-836).
  • (28)

    Fala do arquiteto sobre justificativa do empreendimento Acqualina (Fortaleza, 2019a). Mesma justificativa utilizada pelo mesmo arquiteto para o empreendimento One, Sky, conforme ata e anexos das reuniões 103 e 118 (Fortaleza, 2018b e 2020b). Justificativa semelhante também é encontrada em fala de outros arquitetos responsáveis por outros empreendimentos.
  • (29)

  • (30)

    Fala do arquiteto registrada em Ata da reunião 81ª da CPPD (Fortaleza, 2016a).
  • (31)

    O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon), Roberto Sérgio Ferreira, garante que a verticalização, ao contrário do que muitos pensam, é uma exigência dos próprios compradores. O setor, afirma, é regido pelo desejo do consumidor. "Não temos saídas. O céu é o limite", pontua ( Diário do Nordeste , 2010).
  • (32)

    Observou-se que geralmente se flexibiliza algum dos recuos, permitindo à edificação avançar em um dos lados e recuar em outros, não sendo necessário flexibilizar a taxa de ocupação permitida. Trata-se, portanto, nesses casos, de uma solução de implantação de projeto.
  • (33)

    Fortaleza (2016b, 2016c, 2020b, 2020c).
  • (34)

    Embora o instrumento de outorga esteja sendo utilizado desde 2010, somente recentemente, devido a vários questionamentos de setores do mercado imobiliário e da sociedade civil, elaborou-se uma lei que define limites máximos aos parâmetros outorgados. Todavia, essa lei ainda não foi aprovada. Outro aspecto é que, sobre o questionamento da quantidade limite de outorgas possíveis de serem concedidas na cidade, a prefeitura alegou “que não existe nenhum arcabouço jurídico que defina a quantidade outorgas onerosas que possam ser deliberadas na Comissão e que é feita uma avaliação urbanística do empreendimento e do entorno, se o empreendimento se enquadra na Legislação” (Fortaleza, 2020a).
  • (35)

    Foi o caso da produção das leis que regulamentam a outorga onerosa de alteração do uso do solo, que foi elaborada com a parceria do Sinduscon-CE. Alguns dos debates foram tratados em reuniões da CPPD e merecem uma análise futura.
  • (36)

    São aplicados em drenagem, asfalto, calçamento, passeios e áreas de lazer, em bairros mais periféricos da cidade, conforme dados da prefeitura. Todavia, não há clareza da fórmula de cálculo das concessões de outorgas aplicadas, tampouco do valor pago em cada contrapartida por empreendimento no ato do debate que moverá a sua aprovação, dificultando uma análise mais profunda do instrumento enquanto potencial de arrecadação. Cabem estudos futuros comparando os investimentos em melhorias urbanas, as contrapartidas e os ganhos imobiliários.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Aceito
    13 Abr 2021
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