Open-access Mover-se na metrópole: movimentos pendulares na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Moving in the metropolis: commuting in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro

Resumo

O movimento pendular caracteriza-se pelo deslocamento de pessoas que trabalham ou estudam em um município e moram em outro. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), entre 1980 e 2010, foi verificada uma diminuição do fluxo em direção à capital do estado. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar essa transformação a partir da metropolização do espaço e das mudanças na estrutura sócio-ocupacional analisadas para os municípios da RMRJ entre 2000 e 2010. Para isso, utilizamos um modelo de estratificação social utilizado em trabalhos do Observatório das Metrópoles. Os resultados apontam que municípios da Baixada Fluminense têm se destacado na atração de profissionais.

movimento pendular; estratificação social; Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Abstract

Commuting is characterized by the movement of people who work or study in one municipality and live in another. In the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (MRRJ), between 1980 and 2010, there was a decrease in the flow of people leaving their municipalities to work in the state capital. This article aims to analyze this transformation based on the metropolization of space and on changes in the socio-occupational structure analyzed for the municipalities of the MRRJ between 2000 and 2010. To accomplish this, we used a social stratification model proposed by the Observatório das Metrópoles. The results indicate that municipalities located in the region known as Baixada Fluminense have been attracting large numbers of professionals.

commuting; social stratification; Metropolitan Region of Rio de Janeiro

Introdução

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) é a que apresenta a maior concentração populacional do País. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), cerca de 73% da população do estado reside nessa região, e, destes, 39% vivem na capital (IBGE, 2021). Além disso, por volta de 75% dos empregos formais estão concentrados no município do Rio de Janeiro (MTE, 2020), evidenciando o papel que os movimentos pendulares cumprem para a dinâmica do mercado de trabalho, sendo, portanto, uma condição para os trabalhadores que residem na RMRJ. Destaca-se que as condições em que esses deslocamentos ocorrem são as piores do País ao serem comparadas com outras regiões metropolitanas (Rodrigues, 2013). Isto posto, este artigo se propõe a analisar os movimentos pendulares na RMRJ, por meio de uma análise sócio-ocupacional a partir de três estratos: classe popular, classe média e classe dominante, como proposto por Ribeiro, Ribeiro e Costa (2013), pesquisadores do Observatório das Metrópoles (OM).

Nesse sentido, tem-se como objetivo descrever os movimentos ou deslocamentos pendulares intrametropolitanos, a partir das características sócio-ocupacionais das pessoas que residiam e trabalhavam na RMRJ entre 2000 e 2010, destacando os principais destinos e origens desses movimentos. Para tanto, discutimos a formação e a institucionalização da RMRJ com base em revisão da literatura, evidenciando o papel que esse tipo de deslocamento cumpre para esse processo; revisamos os trabalhos sobre metropolização do espaço; e discorremos sobre os movimentos pendulares a partir dos dados dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a fim de debater esses fluxos.

Para cumprir esse propósito, além desta introdução, este artigo conta com mais cinco seções: a primeira apresenta os aspectos teórico-metodológicos; a seguinte aborda a operacionalização e o tratamento da base de dados; em seguida, discorre-se sobre a formação da RMRJ e os movimentos pendulares; e, por fim, apresentamos os resultados da análise e as considerações finais.

Aspectos teórico-metodológicos

O primeiro passo para a construção deste trabalho foi a revisão da literatura sobre metropolização do espaço, a formação da RMRJ e os movimentos pendulares. A partir disso, apresentamos como esse tipo de deslocamento está na gênese metropolitana do Rio de Janeiro e contribui para o debate sobre uma nova etapa do processo de metropolização (Lencioni, 2017). De forma complementar, os dados quantitativos foram obtidos a partir da análise dos microdados dos Censos Demográficos de 1980, 2000 e 2010, permitindo descrever a realidade socioeconômica do País por meio de “fotografias” de cada momento em que foi realizada a pesquisa censitária.

Ressalta-se que o censo do IBGE levanta dados de todas as Unidades da Federação e do Distrito Federal, sendo uma pesquisa nacional que divulga resultados em diversas escalas, incluindo a municipal e a de setores censitários. Ademais, os dados sobre movimentos pendulares fazem parte do censo desde 1980, exceto na pesquisa que foi a campo em 1991. Desse modo, para esse tema de pesquisa, os censos são a principal fonte de dados públicos para compreender esse fenômeno urbano.

A não realização do censo em 2020 e em 2021 atrasa a compreensão desse fenômeno diante das constantes transformações no mercado de trabalho, no entanto, com os dados disponíveis, podemos descrever as mudanças desses deslocamentos em diferentes contextos políticos e econômicos. Com os dados de 1980, 2000 e 2010, pode-se compreender esse fenômeno num contexto de desindustrialização, de avanço das políticas neoliberais e do que Pochmann7 (2012) denomina ponto de inflexão nos rumos políticos e econômicos do Brasil após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva como presidente da República, em 2002.

No Censo de 2022, o tema dos movimentos pendulares vai fazer parte do questionário, adicionando informações de como esses deslocamentos ocorrem e sob um contexto econômico de transformações no mercado de trabalho. Segundo dados da PnadC, entre 2012 e 2019, os vínculos por conta própria aumentaram 20% no Brasil, e, no mesmo período, a redução do número de pessoas com carteira assinada foi de 1%. Destaca-se que esse vínculo de trabalho aumenta de forma expressiva entre os profissionais com cursos de nível superior, mais do que dobrando no período, e reduz 13% entre os que têm ensino fundamental incompleto. Sendo assim, compreender a dinâmica dos movimentos pendulares entre os diferentes estratos sócio-ocupacionais permite dimensionar a evolução desse fenômeno num quadro de mudanças nos perfis de vínculos de trabalho. Com isso, após a coleta dos dados do Censo de 2022, temos condições de apontar o cenário desses deslocamentos diante dessa realidade.

A RMRJ (Figura 1) foi escolhida como objeto de estudo, pois observamos uma característica peculiar, qual seja: em 1980, os movimentos pendulares tinham como principal destino a capital do estado, que recebia 80% dos trabalhadores vindos de outros municípios; em 2000, esse contingente era de 70%; e, em 2010, o município do Rio de Janeiro atraía 65% desses trabalhadores. Destaca-se isso ocorreu ao mesmo tempo que esse tipo de deslocamento se intensificou em números absolutos, praticamente dobrando entre 1980 e 2010.

Figura 1
– Mapa da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Ojima, Monteiro e Nascimento (2015) compreendem o movimento pendular como o deslocamento de pessoas que residem num município diferente do que trabalham. Já Branco, Firkowski e Moura (2005) também levam em consideração os deslocamentos para estudo, o que não foi considerado neste trabalho, uma vez que o objetivo é analisar esse tipo de deslocamento por diferentes grupos ocupacionais. Segundo Aranha (2005), os deslocamentos pendulares fazem parte da realidade das grandes cidades brasileiras e, por meio deles, é possível investigar desigualdades sociais e espaciais. O autor destaca que, ao se analisar esses movimentos, compreendem-se não apenas fluxos, sentidos e direções, mas oportunidades e desafios nas regiões em que ocorrem. Para Lencioni (2017), a pendularidade é fundamental para compreender a dinâmica metropolitana, uma vez que se trata de uma importante característica do processo de metropolização do espaço.

Isto posto, discorremos sobre o processo de metropolização do espaço, em que os grandes fluxos de mercadorias, pessoas e informações são marcas de uma nova etapa do processo de urbanização, tornando o espaço mais homogêneo, fragmentado, disperso e hierarquizado (ibid.). Destaca-se que a hierarquia é uma característica marcante na RMRJ, uma vez que há um núcleo, município do Rio de Janeiro, que concentra população, oportunidades de trabalho e serviços, o que ajuda a explicar o grande fluxo de trabalhadores em direção a essa cidade.

Segundo Ferreira, Rua e Mattos (2014), a metropolização do espaço pode ser vista como uma continuidade da urbanização, mas atrelada ao processo de desindustrialização e às transformações na organização do trabalho. Para os autores, são características desse fenômeno a desconcentração e a “explosão” da metrópole, isto é, as características da metrópole expandem-se até mesmo para os espaços não delimitados como áreas metropolitanas pelo Estado. De acordo com Dota e Ferreira (2020), a metropolização é um processo que metamorfoseia o espaço, resultando em formas urbanas descontínuas, mas integradas aos fluxos de pessoas, capital e mercadoria. Esses autores ainda destacam que esses fluxos podem estar conectados por dois meios, um direto e outro indireto.

O modo direto diz especificamente sobre a infraestrutura urbana que permite a materialização desses fluxos, seja por meio de estradas, portos e aeroportos, bancos, redes de energia ou telecomunicações, etc. Os modos indiretos dizem respeito às escolas e universidades, hospitais, centros de cultura e lazer. Nesse sentido, a localização dos empregos também pode ser entendida como uma conexão indireta entre as cidades, uma vez que a “explosão” da metrópole implica uma grande extensão metropolitana sobre um espaço fragmentado, marcado por diferenças na distribuição de infraestrutura e oportunidades de trabalho.

De acordo com Lencioni (2017), a metropolização do espaço tem muitas características, entre elas estão: a fragmentação e segregação social do espaço, a intensificação e dispersão dos movimentos pendulares, a diminuição do crescimento demográfico no núcleo metropolitano, entre outras. A autora destaca que essa metamorfose resulta em novos papéis ou funções para as cidades. É comum, por exemplo, que a metrópole concentre atividades de gestão, sendo a localização de sedes de grandes empresas e atividades ligadas aos serviços, enquanto as atividades produtivas se espalham pelo espaço.

As mudanças nas funções da metrópole também são cruciais para entender o processo de metropolização do espaço. Novas funções podem resultar em diferentes estruturas e formas do espaço metropolitano. Por exemplo, uma metrópole de característica de concentração industrial atrai um perfil da força de trabalho mais ligado às atividades fabris e produtivas. Na metrópole dispersa e menos industrializada, o fluxo da força de trabalho também se torna mais disperso e diversificado, mais ligado aos serviços financeiros e ao setor de serviços.

Operacionalização e tratamento da base de dados

Tendo os Censos de 1980, 2000 e 2010 como fontes de dados, realizamos a expansão da amostra, a partir dos pesos amostrais, utilizando as variáveis V604, P001 e V0010, respectivamente. Por se tratar dos dados amostrais dos censos demográficos, esse procedimento de expansão da amostra se faz necessário para que a generalização ocorra sem vieses. Em seguida, os dados foram filtrados para pessoas que tinham o Rio de Janeiro como unidade da federação, que estavam ocupadas, que residiam e trabalhavam nos municípios que faziam parte da Região Metropolitana do estado em 2000. Apresentamos, ainda, uma subdivisão regional da RMRJ (Figura 2), como realizado por Lago (2007), para compreender a dinâmica de mobilidade para o trabalho na região.

Figura 2
– Mapa das subdivisões regionais da RMRJ

Após aplicados os filtros mencionados, utilizamos as variáveis local de moradia e local de trabalho em todos os censos demográficos para captar os deslocamentos pendulares e as pessoas que residiam e trabalhavam na RMRJ. Sendo assim, foi criada, em cada uma das bases, uma variável auxiliar que indicava se esse tipo de deslocamento era realizado para cada pessoa presente na amostra. Em seguida, ao cruzar as duas variáveis, local de moradia e local de trabalho, obtivemos os fluxos desses deslocamentos, permitindo, desse modo, analisar os fluxos nas três bases de dados. Assim, foram realizadas análises descritivas dos dados, em que se tabularam a origem e o destino desses trabalhadores em 1980, 2000 e 2010.

A partir dos Censos de 2000 e 2010, os trabalhadores foram agrupados em três estratos sócio-ocupacionais: classe popular, classe média e classe dominante, conforme realizado em diversos trabalhos do OM, como: Oliveira (2009), Lago e Mamarela (2010), Ribeiro, Ribeiro e Costa (2013) e Ribeiro (2016). Esses estratos foram criados a partir de variáveis auxiliares criadas com esse objetivo. Para isso, utilizamos as variáveis V4452 (Censo de 2000) e V6462 (Censo de 2010), que se referem às ocupações das pessoas conforme a classificação utilizada pelo IBGE para pesquisas domiciliares.

Desse modo, foram identificadas as cidades que têm como função atrair pessoas para o trabalho nos diferentes estratos sociais. Ressalta-se que esse procedimento não foi realizado no Censo de 1980 porque a forma de captar as ocupações nesses três censos mudou ao longo dos anos, mas, em 2010, o IBGE colocou uma variável V6462, que utilizou a mesma codificação do Censo de 2000, o que nos permitiu utilizar os mesmos critérios para criar os estratos.1 Na classe dominante, estão agrupadas as pessoas em ocupações de nível superior, grandes empregadores e dirigentes de setor público e privado. Na classe média, estão as pessoas em ocupações técnicas de nível médio, empregados em atividades industriais, pequenos empregadores, entre outras. Na classe popular, estão as pessoas em ocupações da base da pirâmide social, como ambulantes, catadores, agricultores, empregadas domésticas, etc.

A RMRJ e os movimentos pendulares

No século XIX, os trens e bondes começaram a funcionar no Rio de Janeiro, sendo esses meios de transporte essenciais para entender a expansão urbana da cidade. Esses modais funcionaram como dois vetores de crescimento urbano em que os trens, que iam em direção à Baixada Fluminense, e os bondes, que iam em direção às Zonas Norte e Sul da cidade, foram fundamentais nesse processo. Segundo Abreu (2013), em 1870, os trens passaram a adequar suas partidas aos horários de entrada e saída das pessoas em seus trabalhos, sendo o centro econômico da cidade o grande concentrador de oportunidades de empregos.

Nesse sentido, pode-se afirmar que os movimentos pendulares, aqui entendidos de forma ampla, como os deslocamentos casa-trabalho-casa, mesmo que intramunicipal, são um fenômeno essencial para a formação metropolitana do Rio de Janeiro, uma vez que, num primeiro momento, as oportunidades de trabalho não acompanhavam os vetores de expansão urbana. Além disso, trata-se de um fenômeno que não ocorre de modo natural ou inevitável, e, sim, a partir de um processo em que estes se tornam condição para a dinâmica produtiva e para a produção social do espaço. E, como condição, os transportes tornaram-se elementos centrais da dinâmica espacial, possibilitando pensar em “marcas” sociais e espaciais a partir da posição dos trabalhadores no sistema de produção. Assim, evidencia-se o papel que os deslocamentos para o trabalho possuem para entender a formação metropolitana, assim como a sua relação com a implementação dos sistemas de transportes ajuda a explicar o processo de ocupação do território.

Abreu (ibid.) nos lembra que, nos anos 1930, esses deslocamentos começaram a se tornar um empecilho à produção, uma vez que o crescimento populacional e, consequentemente, da força de trabalho era superior à capacidade dos trens e muito acima do ritmo de uma ampliação do sistema de transporte que suprisse a demanda. A consequência imediata disso foi o adensamento em áreas mais próximas ao centro econômico, potencializando o surgimento de favelas em áreas centrais ou menos distantes dos postos de trabalho, já que, para a camada mais pobre da população, ficava inviável arcar com os custos dos deslocamentos.

Nesse período, o Estado começa a intervir de forma bastante explícita na localização industrial, durante o Estado Novo sob o comando de Getúlio Vargas. O decreto n. 6.000/1937 privilegia a alocação dessas atividades em áreas menos urbanizadas e, prioritariamente, em localizações que poderiam ser atendidas pelos deslocamentos por trens (ibid.). Em decorrência, disso há um deslocamento das atividades industriais para essas áreas, num movimento de aproximação das indústrias e das localizações que concentravam a força de trabalho. Além disso, é uma medida que acaba influenciando a própria ocupação do subúrbio, principalmente pelas pessoas mais pobres e imigrantes que vinham ao Rio de Janeiro em busca de empregos em atividades industriais.

Destaca-se que os transportes não cumpriram apenas o papel de expandir a área urbana da cidade do Rio de Janeiro, sendo que esse processo ganha uma dimensão que ultrapassa os limites administrativos do então Distrito Federal. Silva (1992) argumenta que nos anos 1930 a expansão dos trens continuava tanto nos limites internos quanto para outros municípios. A autora apresenta dados que mostram que, até 1940, a população que vivia na periferia se deslocava somente por meio dos trens e que, até os anos 1970, esse percentual vai diminuindo até ser superado pelos ônibus, conforme expõe a Tabela 1.

Tabela 1
– Passageiros transportados no município do Rio de Janeiro por modalidade de transporte entre 1930 e 1970

Percebe-se que o declínio dos passageiros transportados por trens ocorre a partir dos anos 1950. Especialmente a partir de 1956, o governo de Juscelino Kubitschek começa a investir em um modelo rodoviarista para o País, quando há um grande incentivo ao uso de automóveis devido à atuação de fábricas desses veículos no Brasil, consolidando o capitalismo monopolista no País. A gestão de Kubitschek consolida um processo que se inicia ainda nos anos 1940, quando são construídos túneis, vias e rodovias que ampliam a mancha urbana da RMRJ, podendo citar como notórios exemplos a avenida Brasil, inaugurada em 1946; a rodovia Presidente Dutra, que começou a funcionar em 1951; e a rodovia Washington Luís, inaugurada em 1952. Essas infraestruturas viárias serviram como importantes eixos de expansão industrial e levaram à ocupação de novas áreas, como o município de São João de Meriti, na Baixada Fluminense; e os bairros de Anchieta e Pavuna, no município do Rio de Janeiro (Matela, 2015).

Ressalta-se que, até 1960, o município do Rio de Janeiro era a capital do Brasil e concentrava, com São Paulo, a maior parte dos postos de trabalhos em indústrias do País. E, de acordo com Evangelista (1998), a alta densidade demográfica na então capital tornava o preço do solo muito elevado, junto a outros elementos, como a concentração de equipamentos públicos, redes de transportes, áreas de lazer e equipamentos culturais. Isso favoreceu a ocupação dos municípios do entorno do Rio de Janeiro, que eram mais acessíveis e se pautaram nos loteamentos periféricos, possibilitando, por meio do sistema de transporte, que os trabalhadores conseguissem chegar aos seus postos de trabalho utilizando os diversos modais ou as vias e avenidas que conectavam os diferentes pontos da RMRJ, tornando os deslocamentos casa-trabalho-casa viáveis. Por essa razão, a distância até o centro do Rio de Janeiro não se configurava um empecilho para chegar até os postos de trabalho.

Então, os movimentos pendulares podem ser analisados através dos deslocamentos intermunicipais e, com muita relevância, enfatizando-se aqueles cujo destino é o município do Rio de Janeiro. Esses deslocamentos eram realizados majoritariamente por pessoas mais pobres. Assim, a desigualdade socioespacial passou a estar bastante associada à localização das moradias. Essa separação no espaço dos diferentes grupos ou classes sociais não é fruto do acaso, mas da própria dinâmica da produção social do espaço urbano no capitalismo que produz uma cidade (ou uma região) desigual.

De acordo com Silva (2015), as regiões metropolitanas são constituídas pela incorporação de novas áreas a partir de interações mútuas. Essas relações propiciam a formação metropolitana em diversas direções, as quais os deslocamentos pendulares são fundamentais para a análise. O autor ainda destaca que, se antes havia uma cidade de limites mais claros ou “confinados”, a partir dessas interações, a cidade começa a sua expansão, incorporando novas áreas, principalmente pela rede de transporte. Ademais, Passarelli-Araujo, Souza e Terra (2021) apontam que esse tipo de deslocamentos é fundamental para compreender a integração regional no País.

Também não é por acaso que o Rio de Janeiro tenha sido o principal destino dos trabalhadores. Como capital do Brasil, essa cidade já possuía disparidades de infraestrutura, que possibilitaram o desenvolvimento industrial e atraíam as pessoas para lá viverem. Não se tratava apenas de uma concentração populacional, mas de infraestrutura, atividades industriais, sedes de instituições bancárias, sede dos poderes, entre outras. Todavia, esses aspectos são importantes para entender a característica de concentração ainda existente na RMRJ e na cidade do Rio de Janeiro.

Essa concentração é um tema abordado e explicado por Ribeiro (2001) e Davidovich (2001). Para os autores, as diversas funções que a cidade exerceu ao longo da história são partes fundamentais para entender essa centralização. Ribeiro (2001) lembra que, no período colonial do Brasil, o Rio de Janeiro foi sede do governo de Portugal; com a vinda da família real no século XIX, a cidade foi capital do Império; com a Proclamação da República, foi o Distrito Federal; após a mudança de capital para Brasília, o Rio de Janeiro tornou-se uma unidade da federação, o estado da Guanabara; e, após a fusão, em meados dos anos 1970, do estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, a cidade tornou-se capital dessa nova unidade da federação.

Em 1974, a partir da lei complementar n. 20, as regiões metropolitanas são instituídas no País, mas o caso do Rio de Janeiro é bastante peculiar, dado que a região metropolitana era formada por um conjunto de municípios de duas unidades da federação, o antigo estado do Rio de Janeiro e o estado da Guanabara. Diante desse quadro, antes da efetivação ou do reconhecimento institucional da RMRJ, os militares tiveram que unificar os dois estados. Destaca-se que a Guanabara era um estado com característica única no País, sendo composto por apenas um município. Por essa razão, até mesmo do ponto de vista institucional, isso representava uma vantagem em comparação ao restante do País, pois esse estado conseguia captar, ao mesmo tempo, impostos municipais e estaduais (Santos, 2003).

Essa característica permitia, ao estado da Guanabara, realizar um grande volume de investimentos em infraestrutura urbana, que não era acompanhado no mesmo ritmo pelo antigo estado do Rio de Janeiro. Ressalta-se que, nesse mesmo período, a periferia da RMRJ apresentava um crescimento demográfico expressivo, maior do que o verificado na antiga capital federal. Santos (ibid.) lembra que, no período de existência do estado da Guanabara, algumas obras foram importantes vetores de ocupação do território e expansão da cidade, citando como exemplos: a construção dos túneis Santa Bárbara e Rebouças, a avenida Radial Oeste, o início das obras do túnel Dois Irmãos, entre outros.

Uma região metropolitana formada a partir de duas unidades da federação também gerava limitações administrativas, visto que grande parte do desenvolvimento econômico do antigo estado do Rio de Janeiro era dependente do dinamismo das atividades industriais da Guanabara. Além disso, muitos trabalhadores que atuavam em empresas no antigo Distrito Federal viviam na periferia metropolitana, fora dos limites dessa nova unidade da federação.

O entrave de haver uma região metropolitana composta por municípios de duas unidades da federação estava superado após a unificação dos estados. Com isso, a primeira forma metropolitana da RMRJ era composta por 14 municípios que faziam parte do novo estado do Rio de Janeiro: Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Mangaratiba, Maricá, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Rio de Janeiro, São João de Meriti e São Gonçalo. É importante dizer que essa RMRJ foi criada com uma grande disparidade na concentração populacional, atendimento de serviços e distribuição dos empregos que ainda persiste.

Oliveira (2008) destaca que, após a fusão, há uma queda da participação do município do Rio de Janeiro nos valores de transformação industrial: em 1975, esse indicador era 61,9% e, em 1985, passou para 57,4%. Além disso, há uma mudança no perfil das atividades industriais: em 1975, a maior contribuição era no setor de gráfica e edição, mas, em 1985, o setor químico já respondia pela maior parte das atividades industriais da cidade. O autor ainda destaca que esses investimentos foram oriundos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) do governo militar.

Após essa fase de crescimento econômico pós-fusão, o novo estado vive uma crise, com a redução dos investimentos do governo federal devido à crise do petróleo de 1979. Nesse cenário, os primeiros anos da década de 1980 são de recrudescimento dos investimentos em nível nacional e com grandes impactos no Rio de Janeiro, em que o setor industrial começa a ser desarticulado e com impactos em Niterói devido à crise ter atingido o setor naval. Oliveira (2008) argumenta que essa crise nas atividades industriais se intensifica nos primeiros anos da década de 1980, dado que, entre 1981 e 1985, o crescimento industrial foi de 6,4%, enquanto em São Paulo foi de 8,8% e, em Minas Gerais, de 7,8%.

É nesse contexto que os movimentos pendulares ocorrem no Rio de Janeiro, sendo importantes para se compreender a dinâmica metropolitana e sendo um fenômeno utilizado para a definição de regiões metropolitanas no Brasil e no mundo (Aranha, 2005). Branco, Firkowski e Moura (2005) argumentam que a intensidade dos movimentos pendulares destaca a dinâmica urbana dos territórios, tornando-se essencial para pensar uma grande área urbana ou até mesmo metropolitana. Segundo as autoras, os institutos de pesquisa e estatística fazem uso desses dados com essa intenção. Elas acrescentam, ainda, que é importante analisar esses deslocamentos associados a outros indicadores, como renda, ocupação, escolaridade, entre outros, uma vez que dessa forma é possível evidenciar padrões de distribuição da população, segregação espacial e novas centralidades.

Neste artigo, a base de interpretação desses movimentos são os diferentes estratos sociais organizados pela tipologia de classes do OM, em que se debatem os deslocamentos das classes: popular, média e dominante. Mas é preciso destacar que esse fenômeno não ocorre a partir de decisões racionais de cada trabalhador em cada estrato, Gaudemar (1977) afirma que os trabalhadores têm somente a força de trabalho e, por esse motivo, eles precisam estar à disposição do mercado, de modo a ir até o emprego, mesmo que seja distante de sua residência.

Desse modo, saber quem se move e para onde se move mostra quais atividades estão sendo mais requisitadas no processo produtivo e quais espaços estão sendo mobilizados com essa finalidade. A partir dos deslocamentos pendulares, conseguimos acompanhar as transformações de uma cidade industrial para uma cidade dos prestadores de serviços, em que se observam reduções da força de trabalho do setor secundário, de atividades industriais, para setores mais ligados aos serviços. Destaca-se que nem todas as ocupações são importantes nesse processo de deslocamento, algumas atividades vão ser mais demandadas do que outras, resultando num processo não dicotômico de mobilização e imobilização da força de trabalho (ibid.).

A ocupação das áreas mais distantes dos centros econômicos pelos trabalhadores mais pobres evidencia o papel desse movimento para a constituição da região. Sendo assim, os deslocamentos majoritários em direção ao município do Rio de Janeiro reforçam o caráter historicamente concentrador do núcleo metropolitano, no qual se concentra a maior parte das oportunidades de empregos, escolas, universidades, atividades de lazer, serviços de saúde, órgãos de administração estaduais e federais, etc. Desse modo, os deslocamentos em direção à periferia apontam para novas funções que esses espaços podem assumir, por exemplo, locais de estudo ou trabalho de estratos sociais médios ou dirigentes. Mais que isso, os deslocamentos rumo à periferia metropolitana mostram uma reorganização espacial da atividade produtiva e, portanto, da demanda por trabalhadores nos setores de serviços, educação, saúde, administração, etc. Ademais, a ocupação das áreas mais distantes dos centros econômicos pelas classes populares impõe grandes desafios à mobilidade para o trabalho.

Nesse sentido, o ponto de partida da análise são os dados apresentados na Tabela 2. Nela, pode-se ver a distribuição dos deslocamentos pendulares pela área metropolitana em 1980. Nesse período, esses movimentos se davam quase que exclusivamente para a capital do estado, 80%, e para Niterói, com 10%. Com isso, evidencia-se que o caráter concentrador do núcleo metropolitano ainda persistia num cenário de crise e de desindustrialização.

Tabela 2
– Principais destinos de trabalhadores que realizavam movimento pendular em 1980

Esse cenário de concentração dos movimentos em direção ao Rio de Janeiro é algo persistente. Em 2000 e 2010, a capital continuou sendo o principal destino dos trabalhadores, mas sendo o local de trabalho de 70% e 64% das pessoas que realizavam esse deslocamento, respectivamente. Esses dados evidenciam maior dispersão dos movimentos pendulares intrametropolitanos, com aumento dos destinos em direção à periferia, como pode ser visto na Tabela 3 e Tabela 4.

Tabela 3
– Percentual da origem e destino dos deslocamentos pendulares na RMRJ em 2000

Tabela 4
– Percentual da origem e destino dos deslocamentos pendulares na RMRJ em 2010

Além disso, como pode ser visto na Tabela 4, a redução dos fluxos em direção à capital do estado, de 70% em 2000 para 64% em 2010, ocorre em conjunto com a intensificação dos destinos em direção à periferia metropolitana, em especial na Baixada Fluminense, que vai de 13% em 2000 para 16% em 2010. Esses fluxos em direção à periferia ocorrem com um maior dinamismo dessa região, uma vez que nesse período mais empregos foram sendo gerados, como pode ser visto no Quadro 1.

Quadro 1
– Distribuição percentual dos empregos formais em diferentes unidades territoriais da RMRJ, entre 1985 e 2010

Sobre esse dinamismo do mercado na periferia do Rio de Janeiro, Lago (2008) argumenta que essa região estaria tornando-se um centro. Essa noção contraditória dá lugar à possibilidade de se analisarem os fluxos para o trabalho não apenas em uma direção (núcleo metropolitano), e aponta para a importância de entender quem realizava esses deslocamentos na RMRJ e, com isso, fornece as bases para a compreensão das transformações espaciais da região como um todo. Analisar os deslocamentos das pessoas que residem em um município e trabalham em outro se configura, portanto, uma importante chave analítica para compreender os desafios da mobilidade urbana em áreas metropolitanas, dado que esses fluxos não são aleatórios e são aproximações da dinâmica da reprodução do capital. Na próxima seção, vamos detalhar esses deslocamentos a partir de diferentes estratos sócio-ocupacionais.

Origens e destinos dos movimentos pendulares na RMRJ em 2000 e 2010

Lago (2008) argumenta que a periferia da RMRJ estava se tornando um local de trabalho, dado que, entre 1980 e 2000, foi verificado um aumento de pessoas que trabalhavam no mesmo município em que residiam. Para explicar esse processo, a autora levanta algumas hipóteses, a primeira seria em razão de um processo de precarização do trabalho que “imobilizaria” as pessoas no mesmo município.

A outra hipótese tentava explicar os empregos gerados em áreas periféricas da RMRJ que estariam absorvendo profissionais de maior qualificação, vindos até de outros municípios. Pela Tabela 5, podemos ver que, entre 2000 e 2010, o estrato sócio-ocupacional da classe dominante aumentou em todas as unidades territoriais, tanto no conjunto de pessoas que trabalhavam no mesmo município de residência, quanto no dos que realizavam movimento pendular.

Tabela 5
– Pessoas que trabalhavam no mesmo município de residência e que realizavam movimento pendular em 2000 e 2010 por estratos sócio-ocupacionais

Essas mudanças na periferia podem ser explicadas pelo que Pochmann (2012) chama de ponto de inflexão a partir de 2003. O autor afirma que a eleição de Luís Inácio Lula da Silva como presidente teria alterado os rumos políticos e econômicos do Brasil. Com isso, ocorreram mudanças na base da pirâmide social, fruto dos ganhos de renda da classe trabalhadora. De acordo com Jannuzzi e Montagner (2020), no Brasil foram criados mais de 20 milhões de empregos entre 2003 e 2014; valor muito superior aos 8 milhões de empregos gerados entre 1985 e 2002. Ressalta-se, ainda, que entre 2000 e 2010 a taxa de desocupação foi reduzida pela metade em todos os municípios da RMRJ.

Essas transformações são essenciais, uma vez que elas contribuem para entender as mudanças nos destinos dos deslocamentos pendulares, em que os municípios da periferia podem ter tido mais protagonismos na atração de trabalhadores de outros municípios, vindos de municípios como Rio de Janeiro ou Niterói, ou até mesmo da periferia. Pochmann (2012) também ajuda a compreender a dinâmica do espaço social da RMRJ, já que há importantes ganhos de renda na base da pirâmide social que representam uma mudança muito expressiva no padrão de trabalho dos brasileiros. Ao analisar esse processo em nível nacional, o autor mostra que houve um crescimento do número de trabalhadores que tinham rendas superiores a um salário-mínimo e meio. O autor mostra que, em 1970, cerca de 65% das pessoas ocupadas viviam nesse grupo; já, nos anos 2000, esse contingente não atingiu 35% dos trabalhadores assalariados.

Os deslocamentos pendulares aumentaram entre 1980 e 2010, principalmente para aquelas pessoas que estavam num estrato social mais elevado, nas ocupações de nível superior e de dirigentes. No que se refere ao destino, o principal município de trabalho é o Rio de Janeiro, atraindo 60% desses trabalhadores. Essa atração já foi mais intensa, isto é, entre 2000 e 2010 os fluxos em direção ao Rio de Janeiro apresentaram uma tendência de queda, indicando um maior espalhamento desses fluxos pela RMRJ. Os deslocamentos pendulares não apenas reduziram, em termos percentuais, em direção ao Rio de Janeiro, como eles aumentaram em direção a Niterói e a toda a periferia, principalmente na Baixada Fluminense. Salienta-se que, em 2000, os fluxos em direção à Baixada Fluminense e a Niterói eram muito próximos, mas os municípios da Baixada se consolidaram como o segundo maior destino de trabalho na RMRJ em 2010.

Adiante, analisamos os deslocamentos pendulares com mais especificidade para cada um dos destinos debatidos até aqui: Rio de Janeiro, Niterói, periferia (Baixada Fluminense, periferia Norte e periferia Sul), fazendo os recortes de classe social (popular, média e dominante). Essa discussão nos mostra resultados interessantes como, por exemplo, a ampliação, em direção à periferia, do estrato social dominante.

Vimos que o município do Rio de Janeiro se destaca como o principal destino das pessoas que realizavam deslocamento pendular na RMRJ entre 1980 e 2010. Mas, ao se analisar esse deslocamento por classes, foram obtidos resultados que merecem destaque. Todas as classes sociais reduziram em termos percentuais o seu destino em direção ao Rio de Janeiro, sendo essa redução mais intensa entre os estratos sociais da classe popular, que reduziu de 71%, em 2000, para 65%, em 2010, como pode ser visto no Quadro 2. Destaca-se que essa redução percentual ocorreu ao mesmo tempo que o volume em termos absolutos dobrou nesse período, conforme o Quadro 3. Ressalta-se que o município do Rio de Janeiro está entre as maiores economias do País, possui a sede de grandes empresas e universidades, e uma rede urbana que a conecta a toda a região metropolitana, sendo isso uma razão que justifica a atração de tantos trabalhadores dos estratos mais elevados.

Quadro 2
– Percentual dos deslocamentos pendulares com destinos ao Rio de Janeiro e à Periferia por classe em 2000 e 2010

Quadro 3
– Variação dos deslocamentos pendulares em direção ao Rio de Janeiro por classe em 2000 e 2010

O recorte de classe sócio-ocupacional é fundamental para compreender a dinâmica da pendularidade em direção à periferia metropolitana. Embora o município do Rio de Janeiro continuasse a ser o principal destino de todas as classes sociais em 2010, havia uma tendência de maior dispersão dos movimentos pendulares. Essa dispersão ocorre, principalmente, em direção aos municípios da periferia e, em especial, os da Baixada Fluminense. O aumento do fluxo em direção à periferia evidencia o dinamismo econômico dessa região ao longo dessa década, que passou de pouco mais de 300 mil empregos formais, em 2000, para mais de 600 mil, em 2010. Além disso, a periferia é um local de trabalho que atrai um importante contingente de pessoas da classe dominante, em especial na Baixada Fluminense. Por fim, temos que esses deslocamentos em direção à periferia apontam para as transformações econômicas da região, seja como destino da classe popular, média ou dominante.

Ademais, essa metrópole tem uma capacidade de centralização das atividades econômicas que não apenas atraía as pessoas que realizavam deslocamento pendular em 2000 e 2010, mas “ordenava” os fluxos metropolitanos. Essa “ordenação” ocorre devido a sua grande concentração de infraestrutura para a mobilidade e direcionamento, por meio dos centros de comandos das empresas. Então, o papel de metrópole é reforçado para o Rio de Janeiro, ainda que se pudesse observar um certo espalhamento dos fluxos de deslocamentos pendulares por toda a região metropolitana, em especial na periferia.

Na classe dominante, os deslocamentos tiveram variação positiva nas diferentes unidades territoriais. No entanto, em 2000, a maioria dos deslocamentos dessa classe em direção ao Rio de Janeiro tinha como origem o município de Niterói. Em 2010, a classe dominante que vivia na Baixada Fluminense ficou em primeiro lugar, indicando uma importante alteração desses fluxos nessa classe e alterações no perfil social da periferia metropolitana, como pode ser visto na Tabela 6.

Tabela 6
– Locais de moradia da classe dominante que trabalhava no Rio de Janeiro em 2000 e 2010

Por fim, evidenciamos que a dinâmica dos movimentos pendulares na RMRJ apresentava dados relevantes ao se fazerem recortes sócio-ocupacionais de classe. É interessante notar que esses movimentos se intensificaram entre os perfis de maior renda e escolaridade, até mesmo na periferia metropolitana.

Considerações finais

O município do Rio de Janeiro tem sido o principal destino dos trabalhadores que realizam movimento pendular desde o século XIX. Ressalta-se que, nesse município, existe como característica a concentração de oportunidades de trabalho, de infraestrutura, de população, entre outras. Embora essas características sejam persistentes, ao se analisarem dados do mercado de trabalho formal entre 1985 e 2010 e os deslocamentos pendulares em 2000 e 2010, percebemos que a periferia metropolitana estava assumindo novas funções, principalmente como local de trabalho.

É diante desse quadro que analisamos os deslocamentos pendulares na RMRJ. Foram observadas a intensificação dos movimentos pendulares em toda RMRJ e uma redução relativa, em termos percentuais, dos deslocamentos em direção ao município do Rio de Janeiro. Os fluxos em direção a essa cidade já foram de 80% em 1980 e em 2010 eram de 65% do total. Se, por um lado, o Rio de Janeiro continua sendo o principal destino das pessoas que realizam movimento pendular, por outro lado, a dispersão desses movimentos pelo território metropolitano indica uma transformação do espaço metropolitano, com a periferia ganhando mais protagonismo.

A partir da estratificação sócio-ocupacional, pudemos analisar a dinâmica dos movimentos pendulares nas três classes em estudo. Como resultados, mostramos que, em toda a RMRJ, a classe popular manteve e até mesmo reduziu, em alguns municípios, o seu volume de deslocamento pendular. No entanto, na classe dominante, foram verificados aumento expressivo de pessoas ocupadas e aumento de pessoas que realizam deslocamento pendular. Dessa forma, podemos dizer que há um duplo processo, um aumento de pessoas da classe popular residindo e trabalhando no mesmo município, ao mesmo tempo que a classe dominante intensifica seus movimentos pendulares. Esse resultado indica que a classe dominante tem mais possibilidades de buscar trabalhos por toda a RMRJ, enquanto a classe popular continua se deslocando majoritariamente para o município do Rio de Janeiro.

Dessa forma, é necessário destacar que esta pesquisa evidencia uma realidade já distante do que observamos atualmente. Não nos referimos a grandes alterações nas dinâmicas dos movimentos pendulares ou a mudanças na estrutura de classe da sociedade. Mas, sim, a uma nova dinâmica do mercado de trabalho que sobrevaloriza relações precárias, em que os vínculos formais têm diminuído em todo o País ao mesmo tempo que crescem os empregados por conta própria. Ademais, temos observado a geração de empregos cujo destino de trabalho é incerto, como os de motoristas e de entregadores “de aplicativos”, que apontam para novas variáveis a serem observadas entre aqueles trabalhadores que declaram realizar deslocamentos pendulares.

Sendo assim, destacamos a importância de bases de dados públicas, como os censos demográficos, para investigações desse tipo. A não realização do Censo Demográfico de 2020, devido à crise sanitária que abateu o mundo e, em seguida, ao desinteresse por parte do (des)governo federal em levar a campo essa pesquisa, mantém desatualizada a melhor fonte de dados para se estudarem os deslocamentos pendulares no Brasil. Ainda que buscássemos fontes privadas, como de empresas que oferecem os serviços de transportes ou de aplicativos que se utilizam do Sistema de Posicionamento Global (GPS, sigla em inglês), para indicar as melhores rotas para o tráfego de veículos, a nossa análise estaria restrita aos fluxos desses deslocamentos, sem detalhes seguros sobre as ocupações dessas pessoas, o que limitaria o estudo e o levaria para outro destino.

Portanto, as lacunas deixadas neste trabalho podem ser respondidas no futuro, quando o IBGE divulgar os dados do levantamento que vai a campo em 2022. Permitindo, dessa forma, conhecer o quadro de mobilidade para o trabalho num contexto de teletrabalho, de aumento de relações precárias e de trabalho por conta própria no Brasil nos últimos anos. O que ressalta, mais uma vez, a grande importância do censo demográfico como um instrumento para mostrar uma “fotografia” social do País. Desse modo, este artigo constrói uma base de diagnóstico desse fenômeno que permitirá a comparação com os resultados do Censo de 2022.

Nota de agradecimento

Agradeço ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística pela bolsa de doutorado concedida entre 2018 e 2020.

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Nota

  • 1
    A adequação das questões ocupacionais para 1980, 2000 e 2010 resultaria em um trabalho específico sobre essa temática de compatibilização de bases de dados, o que não foi o objetivo deste trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2022
  • Aceito
    22 Out 2022
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