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Cartas de um solitário* * Publicado no diário A Imprensa. Rio de Janeiro, ano III, N. 876, 26, de Fevereiro, 1901, p. 9.

Resumos

Artigo publicado em 1901, no diário A imprensa. Este texto constitui a primeira parte aqui transcrita de uma resposta ao texto de Nestor Vitor, F. Nietzsche. Miguel Mello, de maneira irônica e mesmo virulenta, nega que a filosofia de Nietzsche tenha a importância que Nestor Vitor havia lhe atribuído.

Nietzsche; Nestor Vítor; sobre-homem


Article published in 1901 in the diary . This text is the first part that is here reproduced of an answer to the text of Nestor Vitor, . In an ironic and virulent way, Miguel Mello denies that Nietzsche's philosophy has the importance attached to him by Nestor Vitor.

Nietzsche; Nestor Vítor; overman


Santa Elysa, Fevereiro de 1901.

Professamos a arte de Taine, Rode Hemequim. À literatura brasileira (a incomparável literatura) consagremos a nossa carta de hoje.

Suave e boa tarefa: - falar de nossos escritores! E é necessário acrescentar: imparcialmente, o que aí não aparece todos os dias.

Quem escreve estas cartas, desconhecendo os paladinos da Arte da rua do Ouvidor, estranho a côtteries, vivendo como que recluso no interior de um estado, para onde levou-o voluntariamente o seu temperamento avido de paz, pode, pois com perfeita imparcialidade, fazer justa critica dos laureados poetas.

Além disso, dá-nos a redação d'A Impressa, que generosamente nos franqueia as suas colunas, uma absoluta liberdade.

Um artigo recentemente publicado em um jornal daí motivou este nosso desculpável prurido de critica.

Nesse artigo um jovem literato, que tem recebido os mais animadores elogios, pretendeu definir a obra de Nietzsche.

Chama-se Nestor Vítor, o emérito poeta e não menos conspícuo prosador a que nos referimos.

Artigo e autor, ambos infinitos e magníficos.

Ah! - que tristeza profunda neste momento aperta a nossa mão calorosa e forte, a delicada mão que coisas tão belas escreveu! E nós retirados nestes sertões, sem vermos em plena rua do Ouvidor com toda a nobreza, que de certo tem a face contemplativa do escritor extraordinário!

Que delicias aqui perdemos!

Se paga aí uma quantia exagerada para assistir nos teatros improvisados em barracões comedias, que tudo fazem, mas que não conseguem fazer ri, (apresentadas por companhias cosmopolitas, onde cada ator estropia o português conforme a língua natal), entretanto, com um simples número de jornal, aonde venha artigo do carioca Nestor Vítor, um humilde mortal, pelo preço agradável de um tostão, delicia-se intimamente em gozos supernaturais!

Senão, vejamos.

No artigo sobescrito pelo insigne cavaleiro das letras pela primeira vez aparece a tão esperada explicação da obra original de Nietzsche.

O que é que pensas, ó homem sôfregos de imagens ainda não vistas?

Nietzsche, com os seus sonhos apolínios ou dionisíacos, vós o julgais um criador alucinado de ilusões, produto de decadência?

Nietzsche vos aparece como um arauto do futuro, pregando a nova fé, nas suas novas taboas dos valores?

Ou pensas simplesmente que ele seja um frondeur, dominado pela raiva iconoclastia, derribando todos os ídolos para nada reorganizar?

Nada disso! Nunca mais aparecerão duvidas sobre a interpretação verdadeira que se deva dar à filosofia do criador alemão.

Nestor Vítor, servido por uma inteligência sagaz, para cujo poder de observação não existe trevas nem opacidades, definiu numa simples frase toda a filosofia de Nietzsche, o estranho filósofo fulminado pela loucura, que assim expirou o arrojo extraordinário da sua concepção do homem do futuro: o sobre-homem.

Nestor Vítor, elogiando e explicando, descobriu que o celebre filósofo, cuja obra hoje impressiona o mundo inteiro, é simplesmente um "olho rubro e sem pálpebras!".

É enorme! É colossal! É fantástico!

Nietzsche, um olho rubro e sem pálpebras! Inda notem bem que isso foi escrito como um elogio suficiente!

Mas isso é a coisa melhor que já um jornal publicou desde que Gutemberg descobriu a imprensa!

Seja constante, Nestor Vítor, e avante! O teu nome subirá iluminadamente ao pósteros Avante! Continua a tua propaganda, ó Sacerdote supremo da Pilhéria!

Já diante dos teus loiros os calomelanos desengorgitantes empalidecem, sabedores da próxima e inevitável derrota.

Na há, para o fígado, o que se compare aos teus artigos sobre Nietzsche.

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    Publicado no diário A Imprensa. Rio de Janeiro, ano III, N. 876, 26, de Fevereiro, 1901, p. 9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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