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Notas sobre a construção de uma “química social” em Humano, demasiado humano: o papel da ciência, da filosofia e do filosofar histórico

Notes on the construction of a “social chemistry” in Human, All Too Human: the role of science, philosophy and historical philosophizing

Resumo:

Tendo como foco principal o primeiro volume de Humano, demasiado humano, e em particular o primeiro capítulo desta obra, este texto visa, esquematicamente, a apontar o objetivo central da formulação do livro, que, ao nosso ver - e esta é a ideia aqui defendida - é de ordem política. Para tanto, num primeiro momento, procuramos expor o problema sócio-político em questão para Nietzsche, de forma que, num segundo, possamos esboçar a solução epistêmica, para, por fim, abordarmos as dificuldades dela decorrentes.

Palavras-chave:
Nietzsche; sentimentos; conceitos; socialismo; ciência; filosofar histórico

Abstract:

Having as main focus the book Human, All Too Human I, and in particular the first chapter of this work, this text aims, schematically, to point out the central objective of the formulation of the book, which, in our view - and this is the idea defended here - is of a political nature. Therefore, in a first moment, we try to expose the socio-political problem seen by Nietzsche, so that, in a second, we can outline the epistemic solution, so that, finally, we can address the difficulties that arise from it.

Keywords:
Nietzsche; sensations; concepts; socialism; science; philosophizing history

No primeiro volume de Humano, demasiado humano, Nietzsche continua a perseguir seus objetivos maiores. No contexto social e político em que estava inserido, parecia incontornável um embate com os tidos como socialistas, para com isso contribuir para o predomínio de certa visão de mundo, marcado neste momento da obra por um Iluminismo seletivo. A tarefa do filósofo exigia que o campo do conhecimento (no livro, sob a rubrica “conceito”) e o registro moral (sob o termo “sentimento”) fossem devidamente mobilizados, não por serem instâncias tradicionais da filosofia, mas sim por serem, desde a antiguidade, em filosofia, as instâncias que constituem, estruturando por dentro, o modo pelo qual a sociabilidade humana molda o nosso viver.

O problema político latente

No território europeu, francês e alemão em particular, o século XIX foi um período de grandes convulsões sociais e políticas, com revoluções pontuais acontecendo em virtude do impacto das transformações econômicas. Neste contexto, uma das grandes ameaças ao status quo eram, na visão de muitos, as agitações socialistas, promotoras de um “caos” social que precisava ser pacificado em termos de ideias e sentimentos. Bem controlar os fenômenos sociais e morais, a partir de uma física social, era um dos objetivos de Comte. Acabar com este “caos”, reorganizando o social em termos semelhantes aos comtianos, não deixava de ser a intenção de Nietzsche no período de Humano, demasiado humano.

Com esse intento, já no primeiro aforismo do livro, “Química dos conceitos e sentimentos”, Nietzsche se propõe a investigar certos conceitos (metafísica, causalidade, felicidade, progresso, igualdade, liberdade, Deus, substância, dentre outros) e sentimentos (justiça, compaixão, benevolência, altruísmo, dentre muitos outros) de seu tempo, que teriam procedência supostamente socialista, visando miná-los para, indiretamente, interferir na práxis social. Embora tal intento venha a ser mais bem sucedido naquele livro que virá a ser uma versão mais aguçada deste, qual seja, Para além de bem e mal, neste período de sua filosofia, que se encerrará com o livro IV da Gaia Ciência, Nietzsche lança as bases de sua teoria da ciência, afastando-se por completo daquilo que veio a ser denominado posteriormente de teoria do conhecimento. Essa sua teoria da ciência reabilitaria a seu modo o transcendentalismo, agora sem a presença do sujeito de conhecimento, que fora substituído pela história da gênese natural, em grande parte, e da história da formação social, em menor medida. Ela estaria, por sua vez, a serviço da remodelagem que o filósofo faz da teoria social. Assim, se no pensamento de Comte temos uma física social, na filosofia de Nietzsche vamos encontrar algo como o estabelecimento do que nomeamos de “química social”.

A estruturação de Humano, demasiado humano persegue de perto o intento de, a partir de uma “química social”, vinculada a um projeto conservador, esboçar uma nova forma de viver. Vale lembrar que Marx, ao contrário, para fazer um contraponto, visava a, com sua teoria, um projeto revolucionário. Se no primeiro capítulo do seu livro, Nietzsche tem por tarefa demonstrar o caráter humano dos conceitos e sentimentos1 1 Para estas análises foi fundamental para Nietzsche o livro de Paul Rée, A origem dos sentimentos morais (2018) , além de estabelecer o seu método de trabalho, no segundo, “Contribuições para a História dos sentimentos morais”, começa apontando para a importância das observações psicológicas, que, sem grandes intermediações, deslizam para o campo da fisiologia. Os conceitos e sentimentos que acometem os agitadores, analisados no terceiro e quarto capítulos, são provenientes de seres que, facilmente, serão tidos, conforme o título do quinto capítulo, de cultura inferior. É o caráter dos homens religiosos, assim como dos artistas e escritores, ainda por progredir em direção à idade da razão, que, acredita o filósofo, levaria às agitações revolucionárias, conforme vemos nos capítulos subsequentes. Nos capítulos finais, Nietzsche começa à sua maneira a estabelecer a sua “química”, diversa daquela que encontra entre os agitadores. Estabelece o lugar do homem na sociedade (razão pela qual a questão da hereditariedade e da reprodução são fundamentais), comandada por um Estado com características bem específicas2 2 Em outras palavras, com o primeiro capítulo, “Das coisas primeira e últimas”, em que Nietzsche se defronta com a filosofia metafísica, no caso, a filosofia dogmática, um solo crítico para os seus desvendamentos se estabelece, dando ao livro uma unidade triparte, cujo acabamento se explicita em Para além de bem e mal: questões de caráter epistêmico, de ordem moral e de natureza político-social .

Neste percurso de Humano, demasiado humano, cujo intento a nosso ver é claro, Nietzsche acolhe certas balizas conceituais que direcionam seu projeto. Uma das mais importantes, que segue de perto, é o escalonamento do espírito em três estados (teológico, metafísico e positivo) tal como encontramos no pensamento de Comte3 3 Não queremos aqui colocar a filosofia de Nietzsche deste período em linha direta com a comtiana, mas apenas apontar a presença de certo espírito da filosofia de Comte. Nietzsche, que entra em contato inicialmente com a filosofia de Comte a partir da tradução de um livro de Stuart Mill, August Comte und der Positivismus, não deixa de ter muitas reservas em relação ao pensador francês. Já no primeiro aforismo de Humano, demasiado humano, ele tece críticas ao altruísmo (MA I/ HH I, KSA 2.23-4), assim como no seu pensamento posterior: “As formas mais ocultas do culto ao ideal da moral cristã”: “O conceito brando e covarde de ‘homem’ à la Comte e, de acordo, com Stuart Mill, provavelmente o mesmo objeto de culto ... É mais uma vez o culto da moralidade cristã sob outro nome ... pensadores livres, por exemplo Guyau”. Texto este que se encerra, depois de ter analisado também “o conceito brando e covarde” de natureza e arte, com a seguinte afirmação: “e agora dá voz à totalidade do ideal socialista: nada mais que uma incompreensão desequilibrada deste ideal moral cristão” (Nachlass/FP 1883, 10 [170], KSA 12.558). Tal fragmento bem aponta para a direção da crítica, revertendo de imediato o culto da moral cristã num sectarismo evidente do socialismo. No entanto, no período em que se apropriou da filosofia comtiana, os socialistas, como sempre, eram o alvo. Antes de tudo, assinalemos que, se pontos importantes do pensamento comtiano estão presentes, os “bons sentimentos” de Comte se afastam das posições socialdarwinistas de Nietzsche. . Referindo-se aos agitadores, que poderiam bem ser enquadrados como metafísicos, Nietzsche dirá: “[s]ão homens atrasados, cujo cérebro, devido a tantos acasos possíveis na hereditariedade, não se desenvolveu de forma vária e delicada. Eles mostram o que todos nós fomos, e nos infundem pavor” (MA I/HH I 43, KSA 2.66). Remanescentes de culturas passadas, estes homens podem bem ser localizados no esquema comtiano no estado intermediário.

No aforismo “Sonho e cultura”, do primeiro capítulo, Nietzsche julga esclarecer a “origem” deste escalonamento. Por meio de uma análise original dos sonhos, analogicamente, Nietzsche irá chegar à origem do estado teológico e metafísico, que, como no sonho, nos coloca num estado primitivo:

A perfeita clareza de todas as representações oníricas, que tem como pressuposto a crença incondicional em sua realidade, lembra-nos uma vez mais os estados da humanidade primitiva, em que a alucinação era extraordinariamente frequente e às vezes atingia comunidade e povos inteiros. Portanto: no sono e no sonho, repetimos a tarefa da humanidade primitiva (MA I/HH I 12, KSA 2.31-2).

Tarefa esta que, mediante um problema, considera a primeira “causa” encontrada com a explicação verdadeira para o que nos aflige. É por esta porta que entram as vinculações seguintes com o atraso e as agitações, como deixa entrever o décimo terceiro parágrafo, “Lógica do sonho”. Assim como no sonho, as interferências externas são transpostas para uma situação onírica similar, situação esta que, no estado onírico, é tida como representação efetiva de algo:

tal como o homem ainda hoje” [fazendo uma analogia] “tira suas conclusões no sonho, assim também fez a humanidade no estado de vigília, durante milênios: a primeira causa que ocorresse ao espírito, para explicar qualquer coisa que exigisse explicação, bastava para ele e era tida como verdadeira (MA I/HH I 13, KSA 2.32-5).

Essa aceitação direta de uma “causa”, essa ingenuidade em relação ao que se passa, pode bem ser subsumida a certas rubricas, no caso, a um estado de outrora da civilização. A observação que vem na sequência desta passagem que citamos, encontra-se entre parênteses; ela tem uma importância extra na argumentação de Nietzsche: “(Segundo relatos de viajantes, os selvagens procedem assim ainda hoje)”. Para além de um evidente eurocentrismo, como diríamos nos dias atuais, Nietzsche conclui não apenas que o sonho é “o fundamento sobre o qual evoluiu a razão superior”, mas também que há, no mundo hodierno a ele, estratos nitidamente inferiores.

Com este escalonamento, que traz as diretrizes para o estabelecimento da ideia de hierarquia nos escritos do último período da filosofia de Nietzsche, o filósofo começa a forjar uma convergência entre as noções de atraso, de agitação e de crença, tal como Comte havia feito, décadas atrás, por volta de 1844, em textos publicados na imprensa. Tal convergência ocorre por meio da ciência, que, ao identificar a origem dos conceitos e sentimentos, colocará - em virtude da natureza científica da investigação empreendida - os movimentos revolucionários em uma chave patológica.

Para este resquício humano atrasado, Nietzsche não propõe evidentemente meios para levá-lo à idade da razão. Ele tinha a este respeito uma posição malthusiana mais do que consolidada. Intenta isto sim justificar os motivos a favor da existência de uma cultura superior. A maneira pela qual irá instrumentalizar a história natural irá permitir isto. Lembremos en passant que, a partir do momento que o filósofo entra em contato com o pensamento de Darwin, o que ocorre neste período de Humano, demasiado humano, fica implícito que, ao tratar de história, ele tem em mente a história natural. É nesta direção que, para realizar a sua “química social”, ao procurar hierarquizar culturas, enquadrando os socialistas (eis o desafio), necessita (cf. MA I/HH I 2, KSA 2.24-5), na linha do pensamento positivista, de um procedimento científico, ou seja, de uma ferramenta metodológica bem precisa.

A solução epistêmica

O problema político que Nietzsche vislumbra não tem como ser equacionado em si, na seara política, mas apenas por meio da crítica de duas outras instâncias, os conceitos e os sentimentos, que, neste momento da obra, são abordadas a partir de uma mesma perspectiva metodológica, qual seja, pela inovação que julga trazer, o filosofar histórico (historische Philosophiren) (MA I/HH I 2, KSA 2.24-5). Para além do fato de um método se impor, em virtude do predomínio de uma teoria da ciência, Nietzsche não deixa de ressaltar nos aforismos que encerram o livro (634 e na sequência 635-7) a importância do recurso a uma metodologia para evitar a recaída na filosofia metafísica:

No conjunto, os métodos científicos são um produto da pesquisa ao menos tão importante quanto qualquer outro resultado: pois o espírito científico repousa na compreensão do método, e os resultados todos da ciência não poderiam impedir um novo triunfo da superstição e do contrassenso, caso esses métodos se perdessem (MA I/HH I 635, KSA 2.360-1).

O filosofar histórico tem, em Humano, demasiado humano, a mesma função que terá o procedimento genealógico posto em funcionamento a partir do livro V da Gaia Ciência, qual seja, será o instrumento de trabalho do momento, que permitirá a Nietzsche fazer a sua “química”, a redução a elementos básicos, dos “conceitos e sentimentos”. Esta pré-forma da genealogia não deixa, no enquadramento dado pelo filósofo, de ser entendida como algo que funciona com os mesmos intentos do transcendentalismo kantiano, estabelecendo as condições de possibilidade do conhecimento4 4 A este respeito, as posições de Corbanezi divergem, uma vez que, ao não trabalhar de forma cronológica os textos de Nietzsche, este desdobramento de uma ideia não ocorreria da maneira como acreditamos se dar entre o filosofar histórico e o procedimento genealógico. Ver CORBANEZI, E. Nietzsche e o problema da relação entre filosofia e ciência. Tese de doutorado. São Paulo, 2019 (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-13032020-171912/publico/2019_EderRicardoCorbanezi_VOrig.pdf). . Nem por isso, ela deixará de requerer uma crítica ao transcendentalismo, embora acolha a crítica à filosofia dogmática realizada por Kant, assim como exigirá a devida demonstração da impossibilidade de viabilizar uma filosofia metafísica, posicionando-se firmemente contra este objetivo kantiano. Nesta crítica, Nietzsche parte da pressuposição de que o defeito hereditário dos filósofos é a falta do sentido histórico.

Com o propósito de bem formular este procedimento, em Humano, demasiado humano, Nietzsche analisa de início criticamente a filosofia metafísica, abordando aquilo que nela é nuclear, ou seja, as oposições, o estabelecimento de um polo para o ser e outro para o vir a ser. Afirmando que algo pode vir de seu oposto, ele, em uma inversão de polos, nos conduz de imediato a uma esfera imanentista como sendo a mais apropriada. Com isso, para além de afirmar a virtude da modéstia (MA I/HH I 2, KSA 2.24-5) ou, de assinalar, como afirma no título de um outro aforismo, que chegou a hora das “verdades despretensiosas” (MA I/HH I 3, KSA 2.25), na linha do transcendentalismo kantiano, circunscreve o único registro no qual o conhecimento pode doravante se dar.

Desmontar a estrutura do pensamento metafísico não é, no entanto, nada fácil, pois as “explicações metafísicas” não deixam de ser vantajosas (em termos de prazer) para o “homem jovem”, seja no registro cronológico de uma vida, seja do ponto de vista de um tempo mais amplo. Tal homem, no entanto, poderá se tornar “desconfiado em relação a toda espécie de explicação metafísica”, na sua madurez, e passar a ver igualmente vantagens nas explicações científicas (físicas e históricas), que venham a inflar “ainda mais o interesse pela vida e seus problemas” (MA I/HH I 17, KSA 2.38). Para esta evolução, de uma explicação a outra, além de uma mera equivalência, as explicações científicas teriam de aportar algo a mais em termos prazíveis para serem aceitas. Neste contexto, a substância e a liberdade, que são as verdades fundamentais que balizariam as ações humanas, do ponto de vista metafísico, teriam de sofrer a devida crítica a partir da noção de causalidade (MA I/HH I 18, KSA 2.38-40). Ou melhor, deveriam ter a sua gênese devidamente demonstrada a partir desta noção, eliminando a aura metafísica. Mesmo que isto não demova as explicações metafísicas, pois é difícil “romper de modo essencial o domínio de hábitos ancestrais de sentimento”, “iluminar a história da gênese desse mundo como representação”, o que ocorre neste viés comtiano é um passo imprescindível (MA I/HH I 16, KSA 2.36-8)5 5 Nietzsche insiste na importância de dar alguns passos atrás para “compreender a justificação histórica e psicológica” e de “reconhecer como se originou delas o maior avanço da humanidade, e como sem este movimento para trás nos privaríamos do melhor que a humanidade já produziu até hoje” (cf. MA I/HH I 20, KSA 2.41-2). .

Nesta direção, no décimo sexto aforismo, Nietzsche procura pôr abaixo a estrutura do pensar metafísico. Para dar preponderância ao vir a ser, considera que não basta, no entanto, uma simples inversão de uma razão (no sentido matemático do termo), nem relegar ao ostracismo o outro polo, no caso, o suprassensível. Abordando o fenômeno e a coisa em si, ele coloca em evidência o fato de que a coisa em si não deixa de ser pressuposta, não deixa de ser um condicionante incognoscível, seja no caso de uma inversão, seja no caso em que é eliminada. O seu fantasma, como o outro, que porta o caráter de imutabilidade, mantém-se intacto (MA I/HH I 16, KSA 2.36-8). Somente seria suprimido, no entanto, se o lógico tivesse vindo do ilógico, o ser do vir a ser, e não o contrário, pois esta é a única maneira de não se pressupor a instituição de uma dualidade, de, afinal, suprimir o imutável e o perene em nome da mudança e do transitório.

Para tanto, Nietzsche tem de dar um outro passo, a partir de ideias desenvolvidas inicialmente alhures e que estão pressupostas e levadas adiante na argumentação em Humano, demasiado humano. Doravante aquilo que pode ser conhecido deve ser o “resultado de muitos erros” que “surgiram gradualmente” (MA I/HH I 16, KSA 2.36-8) então deve ser aquilo que não mais porta, como em Kant, os traços que bem caracterizavam os elementos suprassensíveis. Esse novo objeto do conhecimento somente fica complemente estabelecido a partir da crítica nietzschiana às categorias a priori, em Kant, em particular à do tempo (as demais, excetuando a do espaço, se beneficiam da crítica por extensão). Como a filosofia histórica, “que não se pode mais conceber como distinta da ciência” (MA I/HH I 1, KSA 2.23-4), não se pauta pelo procedimento dogmático kantiano, mas por um procedimento empírico, ela irá percorrer a via da naturalização da noção de tempo como forma de encontrar um solo a partir do qual as análises dos conceitos e sentimentos possam se assentar.

Partindo de reflexões do período de sua juventude, Nietzsche abandona a tese da idealidade do tempo, suprimindo, por conseguinte, o seu apriorismo. Não faz o mesmo em relação ao espaço, pois abandona o conceito de matéria em virtude de sua concepção dinâmica do mundo, aportando, no entanto, o caráter da constante mudança para o tempo. Com isso, o vir a ser ganha uma dimensão efetiva, que nos permite falar em ontologia do vir a ser6 6 A respeito, ver o trabalho exaustivo de E. Nasser, 2015. . De forma que, se um oposto viesse a ser criado, ele o seria a partir desta forma na qual o mundo se estrutura: o lógico, por exemplo, procedendo do ilógico. Essa naturalização do tempo, como dissemos acima, se expande desta forma a priori da sensibilidade para as demais categorias do entendimento. Nesta direção, Nietzsche pode bem indicar que toda faculdade de cognição não tem fixidez, mas vem a ser na história. Contrapõe-se, portanto, a Kant e a Spir, que postulam estruturas a priori7 7 Sobre este ponto, ver os detalhados trabalhos de W. Mattiolli, 2011 e de HAN-PILE, B. Han-Pile, 2011. Como fica evidente, continuamos esquematizando questões complexas, já que o objetivo é o de verificar a pertinência ou não do objetivo político, que subsumiria as questões de ordem epistemológicas e axiológicas. : “Não querem aprender que o homem veio a ser, e que mesmo a faculdade de cognição veio a ser; enquanto alguns deles querem inclusive que o mundo inteiro seja tecido e derivado dessa faculdade de cognição” (MA I/HH I 2, KSA 2.24-5). Assim, a partir da constatação do vir a ser como elemento estruturante do homem (e do mundo), a filosofia metafísica cai por terra e a filosofia transcendental tem a natureza de seu objeto de apreensão alterada pela base. Para tanto, Nietzsche tem de trabalhar necessariamente, como vemos, com um procedimento empírico para poder forjar a sua filosofia histórica.

Desse modo, o filósofo poderá investigar a gênese das representações e dos sentimentos morais, ultrapassando - para dizer ainda uma vez com outras palavras - a concepção metafísica que, ao trabalhar com oposições, fornece uma origem miraculosa para algo, “diretamente do âmago e da essência da ‘coisa em si’” (MA I/HH I 1, KSA 2.23-4). E poderá mostrar que a origem de algo, no tempo, é sublimada, tendo o seu aspecto material esquecido, a sua pudenta origo ignorada. A coleção de conceitos e sentimentos que poderia exemplificar essa investigação é grande. Ao fazer a gênese da origem da “justiça”, por exemplo, o passado deste conceito revela uma procedência que os socialistas certamente gostariam de ver ocultada8 8 Cf. Nietzsche nos diz num aforismo intitulado “Origem da justiça”: “A justiça (equidade) tem origem entre homens de aproximadamente o mesmo poder, como Tucídides (...) corretamente percebeu: quando não existe preponderância claramente reconhecível, e um combate resultaria em prejuízo inconsequente para os dois lados, surge a ideia de se entender e de negociar as pretensões de cada lado: a troca é o caráter inicial da justiça” (MA I/HH I 92, KSA 2.89-90). . Com esse procedimento, Nietzsche julga ser bem sucedido, pois encontra os meios adequados para taxar a posição das massas pejorativamente, qualificando-as como inferiores.

O problema da solução

No entanto, se a partir da via epistêmica Nietzsche encontra com sucesso meios para elaborar as justificações de que necessitava ou se não tem simplesmente como ignorar os desdobramentos dela decorrentes, permitindo uma forte crítica aos movimentos que reclamavam por equidade social, um problema maior se coloca.

Neste quadro, dadas as exigências para a empreitada, Nietzsche dispensa a filosofia de sua função de conhecimento, como bem dá a entender o sétimo aforismo, e alça a ciência a este papel: “A filosofia se divorciou da ciência ao indagar com qual conhecimento da vida e do mundo o homem vive mais feliz. Isso aconteceu nas escolas socráticas: tomando o ponto de vista da felicidade, pôs-se uma ligadura nas veias da investigação científica - o que se faz até hoje” (MA I/HH I 7, KSA 2.28). Ele, neste contexto, parece ter dificuldade, malgrado o seu intento, de garantir novamente um espaço à filosofia sem recair numa instância de natureza metafísica. Se no pensamento kantiano, o questionamento lógico-transcendental que limitou o âmbito do conhecimento não rebaixou de posição a filosofia, a crítica hegeliana a este questionamento, crítica esta que Nietzsche não pode dispensar, cerceia a possibilidade de uma teoria do conhecimento, retirando, por extensão, qualquer papel da filosofia neste processo9 9 A este respeito, num contexto em que discute questões em torno do conhecimento, Habermas esclarece: “A posição da filosofia frente à ciência, que um dia levou o nome de teoria do conhecimento, ficou insustentável pela dinâmica do pensamento enquanto tal: o lugar da filosofia foi deslocado pela própria filosofia. Desde então a teoria do conhecimento teve que ser substituída por uma metodologia desamparada pelo pensamento filosófico” (cf. Habermas, 1982, p. 26). E, linhas abaixo, de forma resumida, pontua: “Hegel pode mostrar, contra Kant, que a autorreflexão fenomenológica do conhecimento é uma radicalização indeclinável da crítica do conhecimento (...) Marx, cujo materialismo histórico incentivou particularmente a cadência da autorreflexão hegeliana, compreendeu mal seu próprio plano de trabalho e complementou, por isso, o desmantelamento da teoria do conhecimento. O positivismo pode, assim, esquecer o entrelaçamento da metodologia das ciências com o processo objeto de formação da espécie humana, erigindo o absolutismo da metodologia pura sobre os escombros do esquecido e do reprimido” (Habermas, 1982, p. 27). . O resultado, que já trouxemos rapidamente linhas atrás, é a introdução de uma teoria da ciência, isto é, de uma instância que, doravante, terá de se haver consigo própria, que reduz o conhecimento à ciência, propiciando um sentido intrínseco ao processo. Nesta direção, em que um determinado procedimento metodológico se impõe necessariamente, Nietzsche entenderá, neste livro em pauta, que os resultados das investigações científicas não têm um alvo, nem mesmo os pragmáticos:

Eis aqui o antagonismo entre os campos particulares da ciência e a filosofia. Esta pretende, como a arte, dar à vida e à ação a maior profundidade e significação possível; nos primeiros se procura conhecimento e nada mais [grifo nosso] - não importando o que dele resulte (MA I/HH I 6, KSA 2.27-8)10 10 Em Aurora, M/A 427, KSA 3.263, encontramos a mesma distinção. Ver igualmente, sobre este tema, numa abordagem mais ampla e perspicaz: E. Corbanezi, 2019. .

A falta de um alvo, de um elemento que traga um sentido como outrora ocorria quando a ciência ainda estava subordinada à teoria do conhecimento, é o grande problema para Nietzsche legado por essa “química dos conceitos e sentimentos”, que poderia ser, em tese, resolvido pela filosofia. “O erro tornou o homem profundo, delicado e inventivo a ponto de fazer brotar as religiões e as artes. O puro conhecimento teria sido [como efetivamente foi] incapaz disso” (MA I/HH I 29, KSA 2.49-50). Se, no entanto, neste período o filósofo tivesse retomado a sua teoria da interpretação, tal como havia desenvolvido em Sobre verdade no sentido extramoral, a dificuldade presente teria tido outros contornos. Na verdade, teria desde este momento antecipado os impasses futuros. Nos últimos aforismos do primeiro capítulo, “Das coisas primeiras e últimas”, ou seja, do trinta e um em diante, este problema está destrinchado. Escutemos Nietzsche no aforismo que fecha esta primeira parte, “Para tranquilizar”:

Mas nossa filosofia não se torna assim uma tragédia? A verdade não se torna hostil à vida, ao que é melhor? Uma pergunta parece nos pesar na língua e, contudo, não quer sair: é possível permanecer conscientemente na inverdade? Ou, caso tenhamos de fazê-lo, não seria preferível a morte? Pois já não existe “dever”: a moral, na medida em que era “dever”, foi destruída por nossa maneira de ver, exatamente como a religião. O conhecimento só pode admitir como motivos o prazer e o desprazer, o proveitoso e o nocivo: mas como se arrumarão esses motivos com o senso da verdade? Pois eles também se ligam a erros (...) Toda a vida humana está profundamente embebida na inverdade; o indivíduo não pode retirá-la de tal poço sem irritar-se com seu passado por profundas razões, sem achar descabidos os seus motivos presentes, como os da honra, e sem opor zombaria e desdém às paixões que impelem ao futuro e a uma felicidade neste (MA I/HH I 34, KSA 2.5-5).

De qualquer forma, se o objetivo de desmascaramento por meio da identificação da origem dos conceitos e sentimentos, o trazer à luz as necessidades primeiras da sobrevivência, desarma, faz desmoronar os conceitos e sentimentos (puros) dos socialistas, o filósofo não põe, no entanto, algo no lugar, mas simplesmente expõe uma ferida aberta. Frente ao problema, a tentativa de tranquilizar fica a meio caminho, conforme podemos verificar neste último aforismo citado, que aponta uma saída “entre os homens e consigo, tal como na natureza, sem louvor, censura ou exaltação, deleitando-se com muitas coisas, como um espetáculo do qual até então se tinha apenas medo”, algo, aliás, longamente abordado no último capítulo de Humano, demasiado humano, “O homem a sós consigo”.

No entanto, se as ciências naturais moldam o que Nietzsche passa a entender por “histórico”, dando aos desdobramentos de uma investigação por esta via contornos unicamente epistêmicos, o “filosofar” aporta um outro aspecto a este método eminentemente científico. No filosofar histórico há assim a introdução de uma espécie de filosofia da história de lavra comtiana muito bem esquematizada, como indica a lei dos três estágios, que, mesmo que por vezes apenas no seu espírito, é aplicada ostensivamente no decorrer de Humano, demasiado humano. A adesão a Comte aqui está muito próxima no quesito epistemológico, que fornecerá, por meio da filosofia da história comtiana, uma lógica interna ao desenvolvimento temporal da ciência.

Mesmo que esta trabalhe com falseamentos do efetivo (e não do real, isto é, de ficções já devidamente enquadradas com a supressão dos dualismos), essa lógica interna dos falseamentos científicos é transposta para o registro axiológico e social sem qualquer mediação (como num verdadeiro materialismo vulgar), pois a ciência não tem uma instância autorreflexiva11 11 À diferença de uma possível teoria social marxiana, que distinguiria a apreensão de um objeto externo ao homem do da apreensão do objeto social do qual está imerso, Nietzsche aqui não faz esta distinção. Na filosofia madura de Nietzsche este problema está matizado, embora permaneça. . As consequências giram, portanto, em torno da impossibilidade de um processo científico promover, como outrora promovera a teoria do conhecimento, um significado para as suas produções, levando à racionalização de toda e qualquer atividade, legando, com a “química social”, a plena subordinação do social à ciência.

À guisa de conclusão

Estas notas visaram apenas, de um lado, a ressaltar certo impasse do pensamento de Nietzsche, no período de Humano, demasiado humano, em particular no primeiro capítulo desta obra. Esse impasse decorre dos recursos de natureza científica de que lança mão, que, dados os desdobramentos do pós-kantismo e com o pensamento de Comte eram incontornáveis, para lidar com a ameaça crescente vinda dos movimentos socialistas. Elas visaram, de outro lado, a apontar para o ensaio formular de uma “química social” a partir de uma “química dos conceitos e sentimentos”. Os recursos conceituais anteriores, do período do Nascimento da tragédia, tinham fracassado de forma retumbante. O lugar que passa a ter a filosofia frente à ciência e a construção de uma ferramenta metodológica ganharão novos contornos após Assim falava Zaratustra, reforçando a maneira pela qual os ataques aos socialistas neste período são feitas, sempre a partir de uma base epistêmica, então em grande parte reformulada a partir dos avanços conceituais obtidos no período de Humano, demasiado humano.

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  • MARTON, Scarlett. Humano, demasiado humano. Entre moralistas e iluministas. Nietzsche e a arte de decifrar enigmas. Treze conferências europeias. São Paulo: Loyola, 2014.
  • MARTON, Scarlett. Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
  • MATIOLLI, W. “Do idealismo transcendental ao naturalismo: um salto ontológico no tempo a partir de uma fenomenologia da representação”. In: Cadernos Nietzsche, n.29, v. II, 2011.
  • NASSER, E. Nietzsche e a ontologia do vir a ser. São Paulo: Loyola, 2015 (Col. Sendas & Veredas).
  • NASSER, E. “Humano, demasiado humano. Um livro para espírito livres”. Dicionário Nietzsche. São Paulo: Loyola, 2016, p. 46-50.
  • NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe in 15 Bänden (KSA). Berlim: De Gruyter, 1988
  • NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
  • NIETZSCHE, F. Aurora. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
  • NIETZSCHE, F. Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filhos. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
  • RÉE, P. A origem dos sentimentos morais. Trad. André Luís Itaparica, Claudemir Araldi. São Paulo: Editora da UNIFESP/GEN, 2018.
  • 1
    Para estas análises foi fundamental para Nietzsche o livro de Paul Rée, A origem dos sentimentos morais (2018RÉE, P. A origem dos sentimentos morais. Trad. André Luís Itaparica, Claudemir Araldi. São Paulo: Editora da UNIFESP/GEN, 2018.)
  • 2
    Em outras palavras, com o primeiro capítulo, “Das coisas primeira e últimas”, em que Nietzsche se defronta com a filosofia metafísica, no caso, a filosofia dogmática, um solo crítico para os seus desvendamentos se estabelece, dando ao livro uma unidade triparte, cujo acabamento se explicita em Para além de bem e mal: questões de caráter epistêmico, de ordem moral e de natureza político-social
  • 3
    Não queremos aqui colocar a filosofia de Nietzsche deste período em linha direta com a comtiana, mas apenas apontar a presença de certo espírito da filosofia de Comte. Nietzsche, que entra em contato inicialmente com a filosofia de Comte a partir da tradução de um livro de Stuart Mill, August Comte und der Positivismus, não deixa de ter muitas reservas em relação ao pensador francês. Já no primeiro aforismo de Humano, demasiado humanoNASSER, E. “Humano, demasiado humano. Um livro para espírito livres”. Dicionário Nietzsche. São Paulo: Loyola, 2016, p. 46-50., ele tece críticas ao altruísmo (MA I/ HH I, KSA 2.23-4), assim como no seu pensamento posterior: “As formas mais ocultas do culto ao ideal da moral cristã”: “O conceito brando e covarde de ‘homem’ à la Comte e, de acordo, com Stuart Mill, provavelmente o mesmo objeto de culto ... É mais uma vez o culto da moralidade cristã sob outro nome ... pensadores livres, por exemplo Guyau”. Texto este que se encerra, depois de ter analisado também “o conceito brando e covarde” de natureza e arte, com a seguinte afirmação: “e agora dá voz à totalidade do ideal socialista: nada mais que uma incompreensão desequilibrada deste ideal moral cristão” (Nachlass/FP 1883, 10 [170], KSA 12.558). Tal fragmento bem aponta para a direção da crítica, revertendo de imediato o culto da moral cristã num sectarismo evidente do socialismo. No entanto, no período em que se apropriou da filosofia comtiana, os socialistas, como sempre, eram o alvo. Antes de tudo, assinalemos que, se pontos importantes do pensamento comtiano estão presentes, os “bons sentimentos” de Comte se afastam das posições socialdarwinistas de Nietzsche.
  • 4
    A este respeito, as posições de Corbanezi divergem, uma vez que, ao não trabalhar de forma cronológica os textos de Nietzsche, este desdobramento de uma ideia não ocorreria da maneira como acreditamos se dar entre o filosofar histórico e o procedimento genealógico. Ver CORBANEZI, E. Nietzsche e o problema da relação entre filosofia e ciência. Tese de doutorado. São Paulo, 2019 (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-13032020-171912/publico/2019_EderRicardoCorbanezi_VOrig.pdf).
  • 5
    Nietzsche insiste na importância de dar alguns passos atrás para “compreender a justificação histórica e psicológica” e de “reconhecer como se originou delas o maior avanço da humanidade, e como sem este movimento para trás nos privaríamos do melhor que a humanidade já produziu até hoje” (cf. MA I/HH I 20, KSA 2.41-2).
  • 6
    A respeito, ver o trabalho exaustivo de E. Nasser, 2015NASSER, E. Nietzsche e a ontologia do vir a ser. São Paulo: Loyola, 2015 (Col. Sendas & Veredas)..
  • 7
    Sobre este ponto, ver os detalhados trabalhos de W. Mattiolli, 2011MATIOLLI, W. “Do idealismo transcendental ao naturalismo: um salto ontológico no tempo a partir de uma fenomenologia da representação”. In: Cadernos Nietzsche, n.29, v. II, 2011. e de HAN-PILE, B. Han-Pile, 2011HAN-PILE, B. “Aspectos transcendentais, compromissos ontológicos e elementos naturalistas no pensamento de Nietzsche”. Trad. André Luís Itaparica. In: Cadernos Nietzsche, n. 29, v. I, 2011.. Como fica evidente, continuamos esquematizando questões complexas, já que o objetivo é o de verificar a pertinência ou não do objetivo político, que subsumiria as questões de ordem epistemológicas e axiológicas.
  • 8
    Cf. Nietzsche nos diz num aforismo intitulado “Origem da justiça”: “A justiça (equidade) tem origem entre homens de aproximadamente o mesmo poder, como Tucídides (...) corretamente percebeu: quando não existe preponderância claramente reconhecível, e um combate resultaria em prejuízo inconsequente para os dois lados, surge a ideia de se entender e de negociar as pretensões de cada lado: a troca é o caráter inicial da justiça” (MA I/HH I 92, KSA 2.89-90).
  • 9
    A este respeito, num contexto em que discute questões em torno do conhecimento, Habermas esclarece: “A posição da filosofia frente à ciência, que um dia levou o nome de teoria do conhecimento, ficou insustentável pela dinâmica do pensamento enquanto tal: o lugar da filosofia foi deslocado pela própria filosofia. Desde então a teoria do conhecimento teve que ser substituída por uma metodologia desamparada pelo pensamento filosófico” (cf. Habermas, 1982HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Trad. José N. Heck. Rio de Janeiro: Zahar, 1982., p. 26). E, linhas abaixo, de forma resumida, pontua: “Hegel pode mostrar, contra Kant, que a autorreflexão fenomenológica do conhecimento é uma radicalização indeclinável da crítica do conhecimento (...) Marx, cujo materialismo histórico incentivou particularmente a cadência da autorreflexão hegeliana, compreendeu mal seu próprio plano de trabalho e complementou, por isso, o desmantelamento da teoria do conhecimento. O positivismo pode, assim, esquecer o entrelaçamento da metodologia das ciências com o processo objeto de formação da espécie humana, erigindo o absolutismo da metodologia pura sobre os escombros do esquecido e do reprimido” (Habermas, 1982HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Trad. José N. Heck. Rio de Janeiro: Zahar, 1982., p. 27).
  • 10
    Em AuroraNIETZSCHE, F. Aurora. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2004., M/A 427, KSA 3.263, encontramos a mesma distinção. Ver igualmente, sobre este tema, numa abordagem mais ampla e perspicaz: E. Corbanezi, 2019CORBANEZI, E. Nietzsche e o problema da relação entre filosofia e ciência. Tese de doutorado. São Paulo, 2019 (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-13032020-171912/publico/2019_EderRicardoCorbanezi_VOrig.pdf).
    https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
    .
  • 11
    À diferença de uma possível teoria social marxiana, que distinguiria a apreensão de um objeto externo ao homem do da apreensão do objeto social do qual está imerso, Nietzsche aqui não faz esta distinção. Na filosofia madura de Nietzsche este problema está matizado, embora permaneça.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2020
  • Aceito
    18 Nov 2020
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