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Eficácia do programa de intervenção para dificuldades ortográficas

Resumos

OBJETIVO:

Elaborar um procedimento de intervenção para as dificuldades ortográficas e verificar a eficácia do programa de intervenção em escolares com desempenho ortográfico inferior.

MÉTODO:

Foi elaborado um programa de intervenção para as dificuldades ortográficas segundo a semiologia dos erros. O programa foi composto por três módulos, totalizando 16 sessões. Participaram deste estudo 40 escolares do terceiro ao quinto ano do ensino fundamental público da cidade de Marília (SP), de ambos os gêneros, na faixa de oito a 12 anos de idade, sendo distribuídos nos seguintes grupos: GI (20 escolares com desempenho ortográfico inferior) e GII (20 escolares com desempenho ortográfico superior). Em situação de pré e pós-testagem, todos os grupos foram submetidos à aplicação do Pró-Ortografia.

RESULTADOS:

Os resultados analisados estatisticamente evidenciaram que, de maneira geral, todos os grupos apresentaram médias de acertos que se tornaram superiores na pós-testagem, diminuindo os tipos de erros segundo a sua classificação semiológica, principalmente relacionada aos erros de ortografia natural. No entanto, os resultados também mostraram que os grupos submetidos à intervenção registraram melhor desempenho em relação aos não submetidos.

CONCLUSÃO:

O programa de intervenção elaborado foi eficaz uma vez que os grupos submetidos a ele apresentaram melhor desempenho nas provas ortográficas em relação aos não submetidos. Portanto, o programa de intervenção pode auxiliar profissionais da área da Saúde e da Educação a minimizar os problemas relacionados à ortografia, proporcionando aos escolares intervenção eficaz para o desenvolvimento do conhecimento ortográfico.

Reabilitação; Educação; Escrita manual; Aprendizagem; Ensino


OBJECTIVE:

To develop an intervention procedure for spelling difficulties and to verify the effectiveness of the intervention program in students with lower spelling performance.

METHOD:

We developed an intervention program for spelling difficulties, according to the semiology of the errors. The program consisted of three modules totaling 16 sessions. The study included 40 students of the third to fifth grade of public elementary education of the city of Marilia (SP), of both genders, in aged of eight to 12 years old, being distributed in the following groups: GI (20 students with lower spelling performance) and GII (20 students with higher spelling performance). In situation of pre and post-testing, all groups were submitted to the Pro-Orthography.

RESULTS:

The results statistically analyzed showed that, in general, all groups had average of right that has higher in post-testing, reducing the types of errors second semiologycal classification, mainly related to natural spelling errors. However, the results also showed that the groups submitted to the intervention program showed better performance on spelling tests in relation to not submitted.

CONCLUSION:

The intervention program developed was effective once the groups submitted showed better performance on spelling tests in relation to not submitted. Therefore, the intervention program can help professionals in the Health and Education to minimize the problems related to spelling, giving students an intervention that is effective for the development of the spelling knowledge.

Rehabilitation; Education; Spelling; Learning; Teaching


INTRODUÇÃO

Ao entrar em contato com a escrita da língua portuguesa, o escolar necessita associar o som e a representação gráfica, visto que, em nossa língua, nem todas as letras representam apenas um som. Dessa forma, para a aprendizagem da escrita é importante ressaltar o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas que correspondem a manifestações explícitas de uma consciência funcional das regras de organização do uso da linguagem( 11. Lima TCF, Pessoa ACRG. Dificuldades de aprendizagem: principais abordagens terapêuticas discutidas em artigos publicados nas principais revistas indexadas no LILACS de fonoaudiologia no período de 2001 a 2005. Rev Cefac. 2007;9(4):469-76. ). Com isso, tanto os processos fonológicos quanto os ortográficos são importantes para a aprendizagem da escrita( 22. Capellini SA, Conrado TLBC. Desempenho de escolares com e sem dificuldades de aprendizagem de ensino particular em habilidade fonolóCGIa, nomeação rápida, leitura e escrita. Rev Cefac. 2009;11(2):183-93.

3. Mousinho R, Correa J. Conhecimento ortográfico na dislexia fonolóCGIa. In: Barbosa T, Rodrigues CC, Melo CB, Capellini SA, Alves LM (organizadores). Temas em dislexia. São Paulo: Artes Médicas; 2009. p.33-45.
- 44. Smythe I, Everatt J, Al-Menaye N, He X, Capellini S, Gyarmathy E, et al. Predictors of word-level literacy amongst Grade 3 children in five diverse languages. Dyslexia. 2008;14(3):170-87. ).

A habilidade ortográfica, consequentemente, é afetada diretamente pela consciência fonológica na compreensão e no progresso do princípio alfabético, essencialmente nas relações regulares entre som e letra( 55. Kyte CS, Johnson CJ. The role of phonoloCGIal recoding in orthographic learning. J Exp Child Psychol. 2007;93(2):166-85. , 66. Rego LLB, Buarque LL. Consciência sintática, consciência fonolóCGIa e aquisição de regras ortográficas. Psicol Reflex Crit. 1997;10(2):199-217. ). Na escrita de palavras irregulares, há maior envolvimento da consciência sintática e morfológica, uma vez que ele permite análise mais detalhada do contexto para a escolha do grafema a ser utilizado( 33. Mousinho R, Correa J. Conhecimento ortográfico na dislexia fonolóCGIa. In: Barbosa T, Rodrigues CC, Melo CB, Capellini SA, Alves LM (organizadores). Temas em dislexia. São Paulo: Artes Médicas; 2009. p.33-45. ).

O escolar que tem a oportunidade de um ensino enfatizado na reflexão aprende certos automatismos da ortografia, o que diminui as dúvidas na hora da escrita, voltando a sua atenção para o conteúdo do texto e não mais para a notação ortográfica correta dos vocábulos( 77. Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática; 2003. ).

Para se proporcionar uma ajuda mais eficiente aos escolares em processo de alfabetização, faz-se necessário compreender a natureza dos erros encontrados, ou seja, a razão pela qual eles são cometidos, assim como perceber as habilidades que devem ser desenvolvidas para uma escrita eficiente e facilitadora( 88. Zorzi JL, Ciasca SM. Caracterização dos erros ortográficos em crianças com transtornos de aprendizagem. Rev Cefac. 2008;10(3):321-33. ).

Em vista disso, todos que atuam com escolares que apresentam dificuldades ortográficas devem ter a preocupação de desenvolver sua consciência ortográfica no momento da escrita, mediante atividades de ensino/intervenção que promovam atitudes reflexivas acerca das regras ortográficas, e não simplesmente a sua mera exposição( 33. Mousinho R, Correa J. Conhecimento ortográfico na dislexia fonolóCGIa. In: Barbosa T, Rodrigues CC, Melo CB, Capellini SA, Alves LM (organizadores). Temas em dislexia. São Paulo: Artes Médicas; 2009. p.33-45. ).

Quanto à aprendizagem da ortografia e suas dificuldades, são escassos os estudos que abordam metodologias de intervenção. Esse número reduzido de pesquisas resulta na carência de suporte para a elaboração de estratégias de ensino, bem como de indicadores sobre o processo de construção dos conhecimentos ortográficos. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo elaborar um procedimento de intervenção para as dificuldades ortográficas e verificar a sua eficácia para escolares com desempenho ortográfico inferior.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi realizada após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, sob o protocolo nº 1003/2010.

A realização deste estudo foi dividida em duas partes: (1) elaboração do programa de intervenção com as dificuldades ortográficas; e (2) aplicação do programa de intervenção em escolares do terceiro ao quinto anos, de ambos os gêneros, com idade entre oito e 12 anos e 11 meses.

Elaboração do programa de intervenção com as dificuldades ortográficas

A proposta deste procedimento de intervenção levou em con sideração que a sua utilização fosse possível tanto por professores em sala de aula quanto por outros profissionais da saúde, em clínicas ou centros de atendimentos. Foi composto por palavras, figuras e textos selecionados do banco de palavras criado e elaborado pelo grupo de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) "Linguagem, Aprendizagem e Escolaridade" a partir dos livros didáticos do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, editora Moderna, adotados pelo MEC nas escolas públicas da cidade de Marília (SP). As palavras selecionadas foram, então, retiradas desse banco de acordo com a dificuldade ortográfica trabalhada em cada sessão do programa de intervenção.

Em todas as sessões, inicialmente foi apresentado um texto para os escolares, os quais, selecionados a partir de livros infantis e sites educativos, deveriam apresentar palavras de alta frequência com a dificuldade ortográfica de cada sessão de intervenção. Devido a esse critério, não foi possível manter um padrão de número de palavras, bem como de gênero, em todos os textos.

O programa de intervenção elaborado foi baseado em estudo internacional( 99. Cervera-Mérida JF, Ygual-Fernández A. Una propuesta de intervención en trastornos disortográficos atendiendo a la semiología de los errores. Rev Neurol. 2006;42(Suppl 2):S117-26. ) com adequações direcionadas aos escolares dessa pesquisa. De acordo com os autores, os erros ortográficos podem ser de origem natural ou arbitrária. Entre os de natural, destacam-se os erros por correspondência fonema-grafema unívoca, omissão e adição de segmentos, alteração na ordem dos segmentos e junção ou separação indevida de palavras. Já entre os erros de ortografia arbitrária, encontram-se os erros por correspondência fonema-grafema dependentes de contextos e os por correspondência fonema-grafema independentes de regra.

De acordo com classificação semiológica proposta por Cervera-Mérida & Ygual-Fernández( 99. Cervera-Mérida JF, Ygual-Fernández A. Una propuesta de intervención en trastornos disortográficos atendiendo a la semiología de los errores. Rev Neurol. 2006;42(Suppl 2):S117-26. ), o programa de intervenção elaborado foi divido em três módulos, segundo a tipologia das dificuldades ortográficas. Os módulos e as estratégias utilizadas foram divididos da seguinte maneira:

  • Módulo 1: Intervenção para os erros de ortografia natural. A intervenção visa auxiliar o escolar com os erros de ortografia que têm relação direta com a oralidade. As estratégias deste módulo compreendem leitura, reconhecimento das letras e sons, identificação de sílaba dentro de palavra, análise fonêmica, síntese fonêmica, subtração de fonemas, substituição de fonemas, identificação de palavras dentro de frases, identificação da frase e palavras cruzadas.

  • Módulo 2: Intervenção para o erros de ortografia arbitrária - dependentes de contexto. A intervenção visa auxiliar o escolar na compreensão do sistema de regras ortográficas. As estratégias desse módulo contemplam leitura, identificação da regra ortográfica, formação de palavras com transgressão, frases com lacunas e orientação e ditado de palavras.

  • Módulo 3: Intervenção para os erros de ortografia arbitrária - independentes de regra. A intervenção visa auxiliar o escolar a identificar e buscar maneiras de minimizar os erros cometidos em palavras com notação ortográfica irregular. As estratégias desse módulo incluem leitura, lista de palavras para memorização, elaboração de frases, exercício de derivação, frases com lacunas e orientação e ditado de palavras com apoio do dicionário.

Aplicação do programa de intervenção para as dificuldades ortográficas em escolares com desempenho ortográfico inferior e superior

Para a verificação do desempenho ortográfico, os escolares foram submetidos à aplicação do protocolo de avaliação ortográfica (Pro-Ortografia)( 1010. Batista AO, Capellini SA. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino privado do município de Londrina. Revista Psicologia e Argumento. 2011;29(67):411-25. ) e o seu desempenho foi classificado como inferior, médio ou superior, de acordo com a pontuação obtida, utilizando para esta finalidade o referencial de classificação, desenvolvido em estudo nacional( 1111. Sampaio MN. Desempenho ortográfico de escolares do ensino fundamental: elaboração e aplicação de um instrumento de intervenção. [dissertação] Marília: Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"; 2012. ) e descrito no Quadro 1.

Quadro 1
Classificação do desempenho total dos escolares de primeiro ao quinto ano do ensino público no Pro-Ortografia(10)

A partir dessa classificação, 40 escolares do terceiro ao quinto ano de uma escola do ensino fundamental da cidade de Marília (SP) foram selecionados para participar da pesquisa. Excluíram-se deste estudo escolares com histórico de deficiência auditiva, visual, cognitiva ou motora constante em prontuário escolar ou relato dos professores, bem como os que não apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis.

Os escolares tinham de oito a 12 anos e eram de ambos os gêneros, sendo 18 (45%) do feminino e 22 (55%) do masculino. Os selecionados foram distribuídos em dois grupos:

Grupo I (GI): composto por 20 escolares, classificados com desempenho ortográfico inferior, subdivididos em: Grupo I experimental (GIe) - contempla dez escolares submetidos ao programa de intervenção; e Grupo I controle (GIc) - com dez escolares não submetidos ao programa de intervenção.

Grupo II (GII): composto por 20 escolares, classificados com desempenho ortográfico superior, subdivididos em: Grupo II experimental (GIIe) - contempla dez escolares submetidos ao programa de intervenção ; e Grupo II controle (GIIc) - com dez escolares não submetidos ao programa de intervenção.

Para este estudo, optou-se por utilizar, como grupo controle, os escolares classificados com desempenho ortográfico superior, pois aqueles com desempenho médio, por apresentarem erros ortográficos esperados para a escolaridade, não permitiriam que as pesquisadoras deste trabalho verificassem o efeito da escolarização sob os escolares, bem como a eficácia do programa. Após o término desta pesquisa, os escolares do grupo GIc, bem como todos os que apresentaram qualquer tipo de dificuldade ortográfica independente de grupo, foram submetidos ao programa de intervenção ou encaminhados para atendimento fonoaudiológico no Centro de Estudos da Educação e da Saúde da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (CEES/UNESP).

Os escolares pertencentes aos grupos GIe e GIIe foram submetidos ao programa de intervenção para as dificuldades ortográficas, e os grupos GIc e GIIc somente foram expostos às atividades pedagógicas habituais da escola. No entanto, todos os escolares deste estudo, em situação de pré e pós-testagem, foram submetidos aos mesmos procedimentos para verificação da eficácia do programa de intervenção utilizado.

Como procedimento de pré e pós-testagem, foi realizada a aplicação do Pro-Ortografia( 1010. Batista AO, Capellini SA. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino privado do município de Londrina. Revista Psicologia e Argumento. 2011;29(67):411-25. ) em suas versões coletiva e individual. A pontuação geral das provas foi realizada mediante a atribuição de um ponto para cada acerto. Já a pontuação da classificação semiológica dos erros, mediante a atribuição de um ponto para cada tipo de erro apresentado nas provas: ditado de palavras (DP), ditado com figuras (DF), escrita temática induzida por figura (ETIF) e ditado de frases (DFR).

A aplicação dos três módulos do programa de intervenção foram realizadas em 16 sessões, divididas em quatro para o Módulo 1, seis para o Módulo 2 e seis para o Módulo 3. O programa foi aplicado na própria escola, de forma individual, duas vezes por semana, com duração média de 50 minutos por sessão, em horário contrário ao de aula dos escolares.

A análise estatística foi realizada pelo programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), em sua versão 17.0. Os resultados foram analisados estatisticamente no nível de significância de 5% (0,05), discriminado com asterisco nas tabelas referentes aos resultados.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a média de acertos, desvios-padrão e valor de p referentes ao desempenho dos grupos GIe, GIIe, GIc e GIIc em todas as provas do Pró-Ortografia( 1010. Batista AO, Capellini SA. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino privado do município de Londrina. Revista Psicologia e Argumento. 2011;29(67):411-25. ) em situação de pré e pós-testagem.

Tabela 1
Distribuição da média, desvio-padrão e valor de p referente ao desempenho do GIe, GIIe, GIc e GIIc nas provas ortográficas em situação de pré e pós-testagem

Com a aplicação de Teste de Kruskal-Wallis foi possível observar que todas as provas ortográficas contidas no protocolo apresentaram resultados com diferenças estatisticamente significantes entre os grupos avaliados, com exceção da prova do erro proposital (EP), na qual verificou-se melhor desempenho entre os grupos em situação de pós-testagem. No entanto, é possível observar também que os grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) apresentaram médias superiores às dos grupos não submetidos (GIc e GIIc) à maioria das provas avaliadas na pós-testagem.

Nas Tabelas 2 a 5 podem ser vistas a média de erros cometidos, desvios-padrão e valor de p referentes ao desempenho do grupo composto por GIe, GIIe, GIc e GIIc nas provas de DP, DF, ETIF e DFR, respectivamente.

Tabela 2
Distribuição da média de erros, desvio-padrão e valor de p referente ao desempenho do GIe, GIIe, GIc e GIIc na prova de Ditado de Palavras em situação de pré e pós-testagem
Tabela 3
Distribuição da média de erros, desvio-padrão e valor de p referente ao desempenho do GIe, GIIe, GIc e GIIc na prova de Ditado com Figuras em situação de pré e pós-testagem
Tabela 4
Distribuição da média de erros, desvio-padrão e valor de p referente ao desempenho do GIe, GIIe, GIc e GIIc na prova Escrita Temática Induzida por Figura em situação de pré e pós-testagem
Tabela 5
Distribuição da média de erros, desvio-padrão e valor de p referente ao desempenho do GIe, GIIe, GIc e GIIc na prova Ditado de Frases em situação de pré e pós-testagem

De acordo com os dados da Tabela 2, observa-se que houve diferença estatisticamente significante para os erros de correspondência grafema-fonema unívoca (CF/G), omissão e adição de segmentos (OAS) e correspondência fonema-grafema independente de regras (CF/GIR) nos dois momentos da avaliação. No entanto, os erros de alteração na ordem dos segmentos (AOS) e separação ou junção indevida de palavras (SJIP) apresentaram diferença estatisticamente significante apenas na pré-testagem, indicando, de um modo geral, que as médias tornaram-se inferiores na pós-testagem. Assim também ocorreu com os erros de correspondência fonema-grafema dependente de contexto (CF/GDC) e ausência ou presença inadequada de acentuação (APIA), que apresentaram diferença estatisticamente significante na pós-testagem. Foi possível observar também que os grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) registraram médias de erros inferiores em relação aos grupos não submetidos a ele (GIc e GIIc) na maioria das provas avaliadas na pós-testagem.

Segundo a Tabela 3, ocorreu diferença estatisticamente significante para os erros de CF/G e OAS na comparação entre todos os grupos nos dois momentos da avaliação. Houve também diferença estatisticamente significante para os de erros CF/GDC, CF/GIR e APIA, somente na pós-testagem. Os dados ainda permitem observar que os grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) tiveram médias de erros inferiores às dos não submetidos a ele (GIc e GIIc) na maioria das provas avaliadas na pós-testagem.

Os dados referentes à Tabela 4 permitem compreender que houve diferença estatisticamente significante para os erros de ortografia natural, como OAS e SJIP, tanto na situação da pré quanto na da pós-testagem, indicando diminuição desses tipos de erros na pós-testagem. Na pré-testagem registrou-se diferença estatisticamente significante para o erro de CF/G, indicando também que a média desse tipo de erro foi superior em relação à pós-testagem. No entanto, para os erros de ortografia arbitrária, é interessante ressaltar que não houve diferença estatisticamente significante, porém, por meio das médias é possível observar diminuição dos erros CF/GDC na pós-testagem e comportamento contrário para CF/GIR. Com relação ao número de palavras produzidas (NPP) pelos escolares em seus textos, a tabela indica resultado estatisticamente significante na pré-testagem, revelando que o número aumento na pós-testagem. Análise mais aprofundada referente a esses dados será apresentada em publicações futuras, nas quais os dados correlacionais entre os erros ortográficos e o NPP poderão ser melhor investigados e interpretados.

Com relação aos dados da Tabela 5, é possível verificar diferença estatisticamente significante para os erros de CF/G, OAS e SJIP entre a pré e a pós-testagem para todos os grupos, indicando média de erros inferior na pós-testagem. Isso também ocorreu com o tipo de erro outros achados (OA), com resultado significante na pré-testagem e com o erro CF/GDC na pós-testagem. Por outro lado, ainda que o erro CF/GIR tenha apresentado diferença estatisticamente significante, obteve-se média superior na pós-testagem. Os dados referentes às médias de erros também evidenciaram que os grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) registraram médias de erros inferiores às dos grupos não submetidos a ele (GIc e GIIc) na maioria das provas avaliadas na pós-testagem.

DISCUSSÃO

De acordo com os dados apresentados, é possível constatar que todos os escolares deste estudo, de maneira geral, aumentaram as médias de acertos na maioria das provas ortográficas na pós-testagem. Observa-se também que o GIe apresentou médias superiores em relação ao GIc, da mesma forma que o GIIe em relação ao GIIc, evidenciando a eficácia do programa de intervenção das dificuldades ortográficas para os grupos submetidos.

Muitos escolares, durante a fase de alfabetização, podem apresentar alterações na escrita devido à ausência de um ensino ortográfico feito de forma pontual( 1212. Massi GA, Berberian AP. A clínica fonoaudiolóCGIa voltada aos chamados distúrbios de leitura e escrita: uma abordagem constitutiva da linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2005;10(1):43-52. , 1313. Santos MTM. Dislexia: princípios para a intervenção fonoaudiolóCGIa. In: Barbosa T, Rodrigues CC, Mello CB, Capellini AS, Mousinho R, Alves LM (organizadores). Temas em dislexia. São Paulo: Artes Médicas; 2009. p.115-22. ). Ressalta-se que escolares com desempenho ortográfico inferior ou superior, submetidos a estratégias direcionadas ao trabalho ortográfico, registram menor ocorrência de erros ortográficos( 1414. Monteiro CR. A aprendizagem da ortografia e o uso de estratégias metacognitivas. Cadernos de Educação. 2010;35(2):271-302. ), como fica evidenciado pelos resultados obtidos por GIe e GIIe neste estudo.

O desempenho dos grupos em relação à prova do erro proposital (EP) mostra que houve diferença estatisticamente significante para GIe, GIIe e GIIc. No entanto, ao se observarem os valores referentes às médias, é possível notar desempenho superior dos grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) em relação aos grupos controle (GIc e GIIc) na pós-testagem.

A prova do erro proposital é baseada na concepção de que, para conseguir cometer erros propositais, os escolares necessitam ter domínio explícito da regra ou princípio gerador da grafia das palavras( 1515. Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática; 1998. ). Tal habilidade é enfatizada no Módulo 2 do programa de intervenção, que se mostrou eficiente uma vez observados os resultados obtidos por GIe e GIIe em relação ao GIc e GIIc. Isso corrobora os resultados de outros pesquisadores que utilizaram estratégias voltadas para a reflexão e a construção das regras ortográficas em seus estudos( 1414. Monteiro CR. A aprendizagem da ortografia e o uso de estratégias metacognitivas. Cadernos de Educação. 2010;35(2):271-302. , 1515. Morais AG. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática; 1998. ).

Em todas as provas ortográficas selecionadas para classificação semiológica dos erros cometidos por GIe, GIIe, GIc e GIIc é possível observar que, de forma geral, há diminuição na maioria dos erros na pós-testagem, confirmando estudos que defendem que a diminuição dos tipos de erros pode ser considerada marca da aquisição da ortografia, apontando para um funcionamento normal de desenvolvimento da escrita infantil( 1616. Capellini SA, Amaral AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérica JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino público. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):227-36.

17. Capellini SA, Romero ACL, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérica JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino particular. 2012;14(2):254-67.

18. Manzano JLG, Sanz MT, Chocano AD. Fundamentos para la intervención en el aprendizaje de la ortografia. Madrid: Editorial CEPE; 2008. p.13-234.

19. Paolucci JF, Avila CRB. Competência ortográfica e metafonolóCGIa: influências e correlações na leitura e escrita de escolares da 4ª série. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):48-55.
- 2020. Zorzi J. Falando e escrevendo: desenvolvimento e distúrbios da linguagem oral e escrita. Curitiba: Editora Melo; 2010. ).

Dentre os achados, destacam-se principalmente a diminuição dos erros relacionados à Ortografia Natural, como os erros CF/G, OAS e SJIP. Quando observadas as médias de erros dessa tipologia, é notável diferença mais significativa entre a pré e pós-testagem para GIe e GIIe em relação a GIc e GIIc. Tais resultados são indicativos da ênfase dada a esses tipos de erros no Módulo I do programa de intervenção, quando os escolares são submetidos a estratégias de consciência fonológica.

Partindo do princípio de que os erros de Ortografia Natural têm relação direta com o processamento da fala e da linguagem( 99. Cervera-Mérida JF, Ygual-Fernández A. Una propuesta de intervención en trastornos disortográficos atendiendo a la semiología de los errores. Rev Neurol. 2006;42(Suppl 2):S117-26. , 2121. Fernández AY, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA. Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros: revisão da literatura. Revista Cefac. 2010;12(3):499-504. ), os resultados apresentados corroboram a literatura( 22. Capellini SA, Conrado TLBC. Desempenho de escolares com e sem dificuldades de aprendizagem de ensino particular em habilidade fonolóCGIa, nomeação rápida, leitura e escrita. Rev Cefac. 2009;11(2):183-93. , 44. Smythe I, Everatt J, Al-Menaye N, He X, Capellini S, Gyarmathy E, et al. Predictors of word-level literacy amongst Grade 3 children in five diverse languages. Dyslexia. 2008;14(3):170-87. ), que afirma que tanto os processos fonológicos quanto os ortográficos são importantes para a aprendizagem da escrita, uma vez que os padrões de conversão fonema-grafema podem ser aprendidos com o aumento da exposição à frequência da ocorrência e uso das notações ortográficas.

Este estudo também indica que o programa de intervenção pode ter favorecido o aumento do (NPP) pelos escolares na prova escrita temática induzida por figura, como apontam os valores referentes às medias. Ainda analisando esta prova, os resultados corroboram a literatura( 1111. Sampaio MN. Desempenho ortográfico de escolares do ensino fundamental: elaboração e aplicação de um instrumento de intervenção. [dissertação] Marília: Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"; 2012. , 1717. Capellini SA, Romero ACL, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérica JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino particular. 2012;14(2):254-67. ), ressaltando que o aumento da produção do número de palavras é decorrente do maior uso da escrita e maior exposição a ela, o que leva também ao crescimento de erros do tipo CF/GIR e APIA. Tais resultados apontam para a falta de um ensino sistemático, em contexto de sala de aula, quanto a esses aspectos da ortografia.

Os resultados deste estudo apontam para o fato de que o ensino explícito da ortografia é fundamental, pois somente por meio do ensino formal sobre as características da transparência e opacidade ortográfica os escolares, em fase de aquisição e desenvolvimento da escrita, poderão diminuir a ocorrência de seus erros ortográficos( 33. Mousinho R, Correa J. Conhecimento ortográfico na dislexia fonolóCGIa. In: Barbosa T, Rodrigues CC, Melo CB, Capellini SA, Alves LM (organizadores). Temas em dislexia. São Paulo: Artes Médicas; 2009. p.33-45. , 2222. Meireles ES, Correa J. Regras contextuais e morfossintáticas na aquisição da ortografia da língua portuguesa por criança. Psicol Teor Pesqui. 2005;21(1):77-84. ).

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados obtidos, é possível concluir que o programa de intervenção com as dificuldades ortográficas elaborado para esta pesquisa é eficaz, uma vez que os grupos submetidos ao programa de intervenção (GIe e GIIe) apresentaram melhor desempenho nas provas, diminuindo principalmente os erros relacionados à ortografia natural, em relação aos não submetidos a ele (GIc e GIIc).

Dessa forma, o programa de intervenção pode auxiliar os profissionais da área da Saúde e da Educação a minimizarem os problemas relacionados à ortografia, proporcionando aos escolares uma intervenção eficaz para o desenvolvimento do conhecimento e do desempenho ortográfico.

REFERENCES

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  • Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil.
  • *
    MNS foi responsável pela coleta e tabulação dos dados, colaborou com a coleta e tabulação, e supervisionou a coleta de dados; junto a SAC, acompanhou a coleta e colaborou com a análise dos dados e foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2012
  • Aceito
    03 Nov 2013
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