RESUMO
Objetivo Investigar os fatores associados e descrever o desempenho no teste padrão de frequência e teste padrão de duração em idosos.
Método Estudo observacional, seccional, conduzido com idosos de 60 a 79 anos. Os participantes realizaram teste de rastreio cognitivo, entrevista contendo dados sociodemográficos e de saúde geral, avaliação audiológica e testes de avaliação do processamento auditivo temporal (padrão de frequência e padrão de duração). Foi conduzida análise descritiva da associação entre o desempenho nos testes de processamento temporal e as variáveis: sexo, idade, nível de escolaridade e alterações audiométricas, por meio da regressão linear múltipla.
Resultados Participaram do estudo 86 idosos, sendo a maioria do sexo feminino, com idade entre 60 e 69 anos. O desempenho para ambos os testes foi melhor nos homens e nos idosos com maior nível de escolaridade e similar nas diferentes faixas etárias. No teste padrão de frequência, idosos com alteração auditiva apresentaram pior desempenho do que aqueles com média nas frequências de 0.5 a 4 kHz normal.
Conclusão O sexo masculino e maior nível de escolaridade estão associados ao melhor desempenho nos testes de ordenação temporal, enquanto a alteração audiométrica apresenta associação com o pior desempenho apenas no teste padrão de frequência.
Descritores Audição; Envelhecimento; Testes Auditivos; Percepção Auditiva; Transtornos da Percepção Auditiva
ABSTRACT
Purpose To describe the performance of elderly individuals in Pitch Pattern Sequence (PPS) and Duration Pattern Sequence (DPS) tests and research related factors.
Methods An observational, cross-sectional study conducted with elderly people aged 60 to 79 years. The participants underwent cognitive screening tests, interviews containing socio-demographic data and general health, as well as audiologic evaluation and temporal auditory processing (PPS and DPS) evaluation tests. A descriptive analysis of the association between the performance in temporal processing and the variables gender, age, level of education and audiometric alterations was conducted through multiple linear regression.
Results 86 elderly people participated in the study, most of them female, with ages between 60 and 69. Male participants performed better in both tests as well as the participants with higher education, whereas no difference in performance was observed across the different age ranges. In the DPS, the participants with auditory alteration performed worse in relation to the ones with average frequencies of 0.5 to 4 kHz.
Conclusion The male gender and higher level of education were associated with better results in the temporal ordering tests, whereas auditory alteration was associated with worse performance only in the pitch pattern sequence test.
Keywords Hearing; Ageing; Hearing Tests; Auditory Perception; Auditory Perception Disorder
INTRODUÇÃO
A perda auditiva relacionada às alterações degenerativas da idade é conhecida como presbiacusia, caracterizada por um comprometimento do tipo sensorioneural, com redução da sensibilidade auditiva para os tons puros, sobretudo nas frequências altas(1). Cóser et al.(2) descrevem a presença de queixas auditivas significativas em indivíduos que não apresentam diagnóstico audiológico compatível com a magnitude da queixa. Desta forma, acredita-se que podem ocorrer alterações em nível de processamento auditivo (central) - PA (C) - que não são identificadas através da avaliação audiológica básica.
Os estudos evidenciam relação entre o envelhecimento e o declínio das habilidades auditivas, entretanto, o acometimento das estruturas do sistema nervoso auditivo central (SNAC) depende de variáveis extrínsecas, como o uso de medicações e exposição a ruído, e intrínsecas, como a predisposição genética, às quais o indivíduo está exposto ao longo da vida(3).
O processamento auditivo temporal reflete a capacidade do indivíduo de processar estímulos acústicos em um determinado intervalo de tempo e parece ser o mais afetado em decorrência do processo de envelhecimento(4). Dentre as habilidades temporais, a ordenação se refere à discriminação da ordem de ocorrência de um estímulo acústico dentro de um intervalo de tempo e está diretamente relacionada à compreensão da fala(5).
Clinicamente, os testes utilizados para avaliar as habilidades de ordenação temporal são o teste padrão de frequência (TPF) e o teste padrão de duração (TPD), que avaliam, respectivamente, a ordenação de sequências de sons que se diferenciam pela frequência do estímulo ou pela sua duração(5). Estes testes foram desenvolvidos por Musiek, em 1994, nos Estados Unidos, e são sensíveis a alterações nas áreas temporais hemisféricas e de conexões inter-hemisféricas(6). Estudos conduzidos no Brasil investigaram o desempenho destes testes em indivíduos adultos. Para adultos jovens, com idade entre 17 e 30 anos, Corazza(7) observou acertos superiores a 76% para o TPF e 83% para o TPD. Já Parra et al.(8), avaliando idosos com idade superior a 60 anos e audição normal, identificaram percentuais de acertos de 49% no TPF e de 67% TPD, apontando uma correlação inversamente proporcional entre a idade e o desempenho nos testes.
Contudo, estudos posteriores revelaram que as habilidades auditivas centrais podem ser influenciadas pelo sexo, alteração auditiva periférica e nível de escolaridade(9-11). Apesar das contribuições de Corazza(7) e Parra et al. (8), estes fatores não foram considerados em suas análises e assim, utilizar os padrões estabelecidos nestes estudos para interpretar os resultados em idosos pode não ser o mais adequado, por desconsiderar singularidades dessa população(3,4).
Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo investigar os fatores associados e descrever o desempenho no teste padrão de frequência e teste padrão de duração em idosos.
MÉTODO
Participantes do estudo
O presente estudo, do tipo observacional, analítico, foi realizado entre junho de 2018 e janeiro de 2019, tendo como população de base indivíduos com idade entre 60 e 79 anos que frequentavam centros sociais e de saúde de referência para idosos, localizados no Nordeste do Brasil. Foram incluídos indivíduos sem antecedentes de traumatismo crânioencefálico (TCE) ou acidente vascular encefálico (AVE), que não apresentavam diagnóstico de distúrbio psiquiátrico grave ou doenças neurodegenerativas. Foram excluídos aqueles diagnosticados com perda auditiva do tipo(12) condutiva, mista ou sensorioneural com grau(13) a partir de moderadamente severo em uma das orelhas. Além disso, também foram excluídos aqueles que apresentaram quadro cognitivo alterado, identificado a partir da versão em português do instrumento de rastreio cognitivo, o Montreal Cognitive Assessment (MoCA)(14), e os que não realizaram todos os procedimentos de avaliação propostos para o estudo.
Procedimentos de coleta
Os procedimentos de avaliação foram realizados no Serviço de Audiologia de uma instituição pública de ensino do Nordeste do Brasil. Inicialmente, realizou-se a meatoscopia e, na presença de obstrução do meato acústico externo, o indivíduo foi encaminhado para consulta com médico otorrinolaringologista, retornando para os procedimentos de avaliação. Após esta etapa, foi realizada a avaliação dos aspectos cognitivos mediante a utilização do MoCA. A pontuação máxima obtida nesse instrumento é de 30 pontos e valores abaixo de 26 sugerem comprometimento cognitivo. Nos indivíduos com tempo de escolaridade formal inferior ou igual a 12 anos foi adicionado um ponto ao somatório final do teste(14).
Em seguida, os indivíduos responderam a entrevista desenvolvida para o estudo, contendo aspectos sociodemográficos (idade, sexo e nível de escolaridade) e informações clínicas de saúde geral (diabetes e hipertensão).
A avaliação audiométrica foi realizada em cabina acústica, com equipamentos devidamente calibrados de acordo com a norma ISO 8253(15). Todos os procedimentos foram realizados pelo mesmo pesquisador, devidamente habilitado e em um único equipamento. Iniciou-se pela pesquisa do Limiar de Recepção de Fala (LRF) e, em seguida, foram realizados os testes padrão de frequência e padrão de duração. A ordem de realização dos procedimentos foi adotada com o intuito de garantir maior atenção e confiabilidade nas respostas, minimizando os possíveis efeitos do cansaço e da atenção do indivíduo nos testes. Além disso, o teste de processamento temporal inicial (padrão de frequência ou de duração) foi alternado de acordo com a entrada dos indivíduos no estudo, com a finalidade de minimizar a interferência desses fatores no segundo teste a ser realizado, bem como o possível efeito da aprendizagem nos resultados.
Para a realização do TPF e TPD, utilizou-se um tablet da marca Samsung, acoplado ao audiômetro modelo AC40 do fabricante Interacoustics e fones supra-aurais TDH 39. Ambos os testes foram realizados de forma binaural, na intensidade de 50 decibéis nível de sensação (dBNS), a partir do LRF obtido, apresentando-se três sequências iniciais de treinamento e 30 sequências de avaliação. Os indivíduos que, após três tentativas, não conseguiram discriminar corretamente as sequências estabelecidas para o treinamento foram convidados a retornar para uma nova tentativa de avaliação, em data posterior. Aqueles que no retorno não conseguiram realizar o treinamento foram excluídos da pesquisa.
No TPF, foram apresentados os tons puros nas frequências de 1122 Hz (alta) e 880 Hz (baixa)(6). Para o TPD, foram apresentadas sequências de três tons de 1000 Hz, que diferiram em relação à duração, sendo estes curtos (250 ms) ou longos (500 ms)(6). Os indivíduos foram instruídos a nomear, de acordo com a ordem percebida, as sequências de sons de frequência alta, como “fino”, ou baixa, como “grosso”, para o TPF, e como longo ou curto, para o TPD. Após, foi registrado o percentual de acertos em cada teste.
Finalizados os testes de PA (C), realizou-se a audiometria tonal liminar por via aérea, nas frequências de 250 a 8000 Hz, e por via óssea, nas frequências de 500 a 4000 Hz, sempre que algum limiar por via aérea foi igual ou maior que 25 dBNA.
Análise de dados
Para fins de análise, a idade foi estratificada em duas faixas etárias: 60 a 69 e 70 a 79 anos. A escolaridade foi subdividida em três níveis: Ensino Fundamental (analfabeto, incompleto ou completo – 0 a 8 anos de estudo formal); Ensino Médio (incompleto ou completo – 9 a 11 anos de estudo formal); e Ensino Superior (graduação incompleta, completa, pós-graduação incompleta ou completa – 12 ou mais anos de estudo formal).
Considerou-se alteração audiométrica quando a média dos limiares obtidos nas frequências de 0,5, 1, 2 e 4 kHz foi superior a 25 dB(16). Para investigar a frequência dessa alteração, utilizaram-se os resultados obtidos na melhor orelha, uma vez que esta representa o funcionamento social do indivíduo, do ponto de vista comunicativo(17).
Realizou-se a análise descritiva do desempenho da população de estudo nos testes de ordenação temporal, de acordo com as variáveis sexo, faixa etária, nível de escolaridade e características clínicas (alteração audiométrica, diabetes e hipertensão). As informações sobre as variáveis clínicas (diabetes e hipertensão) foram obtidas a partir das respostas dos sujeitos e analisadas segundo a presença (“sim”) ou ausência (“não”) das doenças.
Os resultados dos testes de ordenação temporal foram comparados com o padrão de normalidade estabelecido para adultos por Corazza(7), onde considerou-se a média de acertos acima de 76% e 83% para o TPF e TPD, respectivamente.
Análise estatística
A análise foi realizada no software R versão 3.6.1. Para verificar a normalidade da distribuição de dados, utilizou-se o Teste de Shapiro-Wilk, análise gráfica e da simetria e achatamento da distribuição. Para identificar associações entre as variáveis nominais, utilizou-se o teste Qui-Quadrado ou Exato de Fisher e, entre as variáveis quantitativas de acordo com os grupos de interesse, utilizou-se o teste t-student ou a ANOVA, seguido pelo teste a posteriori de Bonferroni. O nível de significância estabelecido para este estudo foi de 5%.
A seleção das variáveis incluídas no modelo de regressão linear múltipla seguiu o critério de p <0,20(18) na associação univariada e foi conduzida através do método stepwise, que exclui do modelo as variáveis cujos parâmetros não se mostrem estatisticamente significante ao nível de 5%. A alteração audiométrica foi inserida no modelo de regressão, apesar de não atender a este critério, considerando a sua relevância no desempenho dos testes de PA (C) de acordo com estudos prévios.
Considerações éticas
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da entidade proponente, sob o parecer de número 2.268.734. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) elaborado para o estudo.
RESULTADOS
Foram convidados a participar do estudo 164 indivíduos. Destes, 30 não compareceram para a realização dos procedimentos de avaliação e 3 não foram elegíveis para o estudo devido ao histórico de TCE ou AVE. Dos 131 que compareceram, 39 foram excluídos, sendo o motivo de exclusão mais frequente a alteração no resultado do teste de rastreio cognitivo MoCA (n=27), seguido de diagnóstico de perda auditiva mista ou condutiva (n=7), e aqueles que não conseguiram realizar os testes de processamento auditivo (n=5) mesmo após duas tentativas de avaliação. Para análise, 6 indivíduos do sexo feminino com idade superior a 80 anos não foram considerados, pois não foram incluídos no estudo indivíduos do sexo masculino na mesma faixa etária.
Desta forma, a amostra foi constituída por 86 indivíduos, dos quais 28 eram do sexo masculino, com média de idade de 68,3 (± 5,9) anos e idade máxima de 79. Das 58 mulheres incluídas no estudo, a média de idade foi de 66,2 (± 4,19), com idade máxima de 76 anos. A Tabela 1 mostra que predominaram idosos mais jovens na amostra (entre 60-69 anos). Não houve diferença estatisticamente significante entre os níveis de escolaridade entre homens e mulheres, assim como presença de diabetes e hipertensão. Observou-se diferença na distribuição entre os sexos em relação à faixa etária e à presença de alteração audiométrica.
Quanto aos indivíduos com perda auditiva na amostra, verificou-se que os valores medianos dos limiares auditivos evidenciam uma configuração audiométrica descendente, com preservação dos limiares auditivos até 2 kHz e maior variabilidade destes em frequências agudas (Figura 1).
Ao considerar o padrão de normalidade atualmente descrito para adultos(7), no TPF verificou-se que 63,8% das mulheres e 32,1% dos homens estariam classificados como alterados. Já no TPD, 81% das mulheres e 46,4% dos homens seriam identificados com desempenho alterado.
No TPF, observou-se porcentagem média de acertos de 85,3 (±12,5) para os homens e 73,7 (±14,6) para as mulheres e no TPD, 81,5 (±15,9) e 70,7 (±17,0) para homens e mulheres, respectivamente. Ambos os testes apresentaram diferença estatisticamente significante entre os sexos (p=0,001 para p TPF e p= 0,005 para o TPD).
A análise do percentual de acertos nos testes de ordenação temporal de acordo com o sexo (Figuras 2 e 3) revela que, no sexo masculino, metade dos indivíduos ou mais, obtiveram mais de 90% de acertos nos testes, enquanto no sexo feminino, nessa mesma faixa percentual de acertos, a frequência foi inferior a 25%. Adicionalmente, identificou-se que o percentual de acertos nos testes é similar entre os sexos até 40%, sendo que a partir deste valor o número de mulheres que atingem a pontuação é expressivamente menor em relação aos homens.
Frequência de indivíduos segundo o percentual de acertos no Teste Padrão de Frequência de acordo com o sexo
Frequência de indivíduos segundo o percentual de acertos no Teste Padrão de Duração de acordo com o sexo
Quando investigado o desempenho nos testes de ordenação temporal em relação a possíveis fatores associados, foi observada diferença estatisticamente significante entre as médias de acertos nos testes em relação ao nível de escolaridade para o sexo feminino (Tabela 2). Observou-se que aqueles com maior escolaridade (ensino médio e superior) têm 10% ou mais de acertos do que os indivíduos com escolaridade mais baixa (ensino fundamental).
Análise dos fatores associados ao desempenho nos testes padrão de frequência e padrão de duração de acordo com o sexo
As Figuras 4 e 5 apresentam a frequência de indivíduos do sexo feminino correspondente a cada percentual de acertos no TPF e TPD, respectivamente, em relação aos diferentes níveis de escolaridade. Verificou-se que, à medida que o percentual de acertos no teste aumenta, a frequência de indivíduos do nível 1 diminui e que o número de mulheres nos níveis 2 e 3 é semelhante em todos os percentuais de acertos nos testes.
Desempenho no teste padrão de frequência de acordo com o nível de escolaridade (sexo feminino)
Desempenho no teste padrão de duração de acordo com o nível de escolaridade (sexo feminino)
Na análise da regressão linear múltipla dos fatores que podem influenciar no desempenho dos testes de ordenação temporal, as variáveis sexo, alteração audiométrica e nível de escolaridade apresentaram associação com o TPF (Tabela 3) e, no TPD, verificou-se associação com o sexo e nível de escolaridade (Tabela 4).
Análise de regressão linear múltipla para desempenho no teste padrão de frequência de acordo com sexo, idade, alteração auditiva e escolaridade
Análise de regressão linear múltipla para desempenho no teste padrão de duração de acordo com sexo, idade, alteração auditiva e escolaridade
DISCUSSÃO
A literatura descreve que as habilidades auditivas centrais podem ser influenciadas por variáveis sociodemográficas e clínicas(9-11). Entretanto, a maioria dos estudos conduzidos na população idosa não considera estes fatores para interpretar os resultados dos testes de ordenação temporal. Desta forma, investigar os fatores associados e descrever o desempenho de idosos no teste padrão de frequência e teste padrão de duração contribui para o diagnóstico preciso e reabilitação das dificuldades de processamento auditivo nesta população.
Os resultados do presente estudo revelaram que o desempenho nos testes padrão de frequência e de duração em indivíduos idosos está associado ao sexo e ao nível de escolaridade. A presença de alteração audiométrica apresentou associação apenas com o teste padrão de frequência.
Estes resultados são demonstrados pelo melhor desempenho dos homens nos testes de ordenação temporal, independente da faixa etária, bem como melhor desempenho dos indivíduos com nível de escolaridade mais alto e daqueles que obtiveram a média nas frequências de 0,5 a 4 kHz inferior a 25 dB para o teste padrão de frequência.
Ao analisar a faixa etária dos indivíduos, alguns autores corroboram a investigação atual(3,19), porém, há estudos que identificaram o declínio da habilidade de ordenação temporal com o avanço da idade(8,20). É possível que a partir dos 60 anos, faixa etária dos participantes do presente estudo, a redução no desempenho de tarefas de ordenação temporal seja menos expressiva do que na transição entre a fase adulta e a senescência. Adicionalmente, acredita-se que as modificações mais significativas que ocorrem no processamento auditivo central, culminando em declínio das habilidades auditivas em idosos, acontecam a partir de 80 anos, porém, esta faixa etária não foi avaliada na investigação atual.
Na literatura, a média de acertos nos testes de ordenação temporal em indivíduos adultos foi descrita por Corazza(7) e, ao comparar com o presente estudo, verificou-se que, no sexo feminino, a média de acertos foi inferior para o TPF (73,7%) e para o TPD (70,5%). Já no sexo masculino, o percentual de acertos médio para o TPF foi maior (85,3%) e para o TPD, discretamente menor (81,5%). Embora a autora(7) tenha descrito que o desempenho dos indivíduos do sexo masculino foi superior aos do sexo feminino, não foi identificado o percentual de acertos de acordo com o sexo, o que dificulta a comparação dos resultados.
Nas demais investigações conduzidas com idosos descritas na literatura(4,8,19), o percentual de acertos foi inferior ao identificado no estudo atual, variando entre 47 e 68%. Entretanto, nestes estudos, a maioria dos participantes foi do sexo feminino e, como esta variável não foi considerada para apresentação dos resultados, acredita-se que o percentual encontrado pode refletir de forma mais expressiva o perfil do desempenho de mulheres nos referidos testes, o qual, conforme já mencionado, é inferior ao de homens.
A literatura descreve a diferença entre os sexos no desempenho dos testes de ordenação temporal, corroborando com a investigação atual e os autores ressaltam a importância de estabelecer padrões da normalidade de acordo com esta variável(3,20). A diferença entre os sexos, com melhor desempenho para os homens nos testes comportamentais da audição, é descrita também em outras habilidades auditivas(21). Entretanto, a maioria dos estudos que investigou a ordenação temporal na população idosa(4,8,19) não considerou o sexo para análise, o que dificulta a comparação dos achados com o presente estudo.
Em relação à diferença no desempenho dos testes de ordenação temporal entre os sexos, sugere-se que pode existir relação com outros aspectos que não envolvam diretamente o sistema auditivo central. Sabe-se que, a cognição é fundamental para o processamento auditivo e autores relatam que o declínio cognitivo ocorre de forma mais lenta entre os homens(22). Além disso, estes apresentam melhor desempenho em testes que envolvolvem estratégias de processamento, o que pode favorecer a discriminação, memorização e posterior evocação dos estímulos na ordem apresentada(23).
O nível de escolaridade tem sido descrito na literatura como um fator que influencia no desempenho de testes que avaliam a resolução e a ordenação temporal(11,24), corroborando os achados do presente estudo. Embora Lenehan et al.(25) sugiram que as evidências científicas atuais não permitam uma associação consistente entre escolaridade e o declínio de funções cognitivas específicas, a revisão de literatura realizada dá suporte à teoria de que uma maior escolaridade predispõe a uma melhor reserva cognitiva. Assim, é possível conjecturar que esta reserva pode favorecer o desempenho de tarefas mediadas por funções cognitivas, repercutindo em melhor desempenho nos testes de ordenação temporal daqueles idosos com maior escolaridade. Por outro lado, o desempenho inferior nos testes de ordenação dos idosos que apresentavam menor escolaridade em nosso estudo, mesmo sem escores indicativos de comprometimento cognitivo no MoCA, pode refletir uma maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de um declínio cognitivo(26) não detectável pelo instrumento.
Uma vez que as tarefas para a realização dos testes de ordenação temporal exigem habilidades cognitivo-linguísticas, a demanda no processamento da informação pode refletir não somente as habilidades auditivas, mas também a melhor compreensão sobre a execução dos testes(24). A plausibilidade biológica para esta relação pode ser explicada pelo maior volume de massa branca e cinzenta, principalmente nos lobos temporoparietal e orbitofrontal, descrita em idosos com nível de escolaridade superior, o que, segundo os autores, compensaria os sinais do declínio cognitivo(27). É importante considerar também que, ao longo da vida, a ativação neuronal em decorrência das experiências intelectuais possibilita a construção dinâmica da reserva cognitiva que depende, sobretudo, de aspectos genéticos, socioeconômicos, escolaridade e tipo de atividade laboral exercida(28).
A relação entre os testes de ordenação temporal e a perda auditiva é controversa(3,19,29). Os estudos que revelam relação da perda auditiva periférica com o processamento temporal(29) justificam que a alteração sensorioneural diminui a força da codificação temporal em nível mais periférico do processamento auditivo. Ademais, as perdas sinápticas e a degeneração coclear implicam redução da redundância da codificação neural e possíveis alterações no processamento auditivo central, justificando a dificuldade de percepção da fala, principalmente em ambientes ruidosos(29). Deve-se considerar, também, que na audiometria são avaliadas as frequências de 500, 1000 e 2000 Hz, porém não se sabe ao certo se há distorção dos sons nas frequências avaliadas pelo teste (880 e 1122 Hz), o que poderia justificar a associação encontrada no estudo atual entre o TPF e a alteração audiométrica.
É provável que a maior frequência de indivíduos mais jovens, com idade até 69 anos, tenha contribuído para que a idade não fosse identificada como uma variável que apresenta modificação no desempenho dos testes. Embora não tenha sido verificada esta relação, observou-se elevada frequência de alterações na habilidade de ordenação temporal, quando considerado o padrão de normalidade estabelecido para adultos. Este fato aponta para uma diferença em relação ao desempenho de adultos e idosos nos testes, o que faz pensar que este padrão não deve ser utilizado para avaliação de idosos.
A interpretação dos achados do presente estudo deve ser realizada com cautela, em decorrência de possíveis limitações metodológicas. Por se tratar de uma amostra de conveniência, não se pode descartar implicações decorrentes do viés de seleção. Além disso, não foram investigados idosos com mais de 80 anos. Apesar destas limitações, os resultados do presente estudo contribuem para uma melhor compreensão sobre aspectos que precisam ser considerados na interpretação dos resultados dos testes de ordenação temporal em idosos. Alguns destes aspectos são observados com maior frequência nesta população, por estarem associados ao processo de envelhecimento, como a perda auditiva(30) e o declínio cognitivo(25), ou a questões que implicarão em maiores dificuldades durante a senescência, como a baixa escolaridade que pode incorrer em menor reserva cognitiva. Assim, estes aspectos, além de serem considerados para a interpretação dos resultados, devem pautar a elaboração de estratégias que colaborem para o cuidado e assistência a esta população, contribuindo para processos comunicativos e de socialização mais efetivos.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos no presente estudo, foi possível concluir que idosos com idade entre 60 e 79 anos, do sexo masculino, apresentam melhor desempenho nos testes de ordenação temporal, quando comparados com indivíduos do sexo feminino na mesma faixa etária. Da mesma forma, o nível de escolaridade é um fator que influencia no desempenho dos testes de ordenação temporal e, portanto, deve ser considerado para análise dos resultados. Além disso, a alteração audiométrica analisada neste estudo está associada ao desempenho de idosos no teste padrão de frequência.
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Trabalho realizado na Universidade Federal da Bahia – UFBA - Salvador (BA), Brasil.
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Fonte de financiamento: CAPES.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
06 Abr 2020 -
Aceito
13 Ago 2020