Open-access Revisão sistemática de intervenções para prevenção da perda auditiva induzida por ruído ocupacional – uma atualização

Resumo

Objetivo  realizar uma revisão sistemática sobre a efetividade de intervenções para prevenção da perda auditiva induzida por ruído ocupacional, atualizando os achados da mais recente versão da revisão sistemática Cochrane do mesmo tema.

Estratégia de pesquisa  As buscas ocorreram nas bases PubMed, Web of Science e Scopus.

Critérios de seleção  Como intervenções, foram considerados: controles de engenharia/administrativos; dispositivos de proteção auditiva (DPA); vigilância auditiva e monitoramento audiológico.

Análise dos dados  Para a análise de risco de viés, cada estudo foi avaliado de acordo com a adoção de randomização, alocação, cegamento, desfecho, outras fontes de viés.

Resultados  Foram obtidas 475 referências no total. Destas, 17 estudos cumpriram os critérios de inclusão: um randomizado, um de série temporal interrompida e 15 de antes e depois. A maioria dos estudos foi realizada em indústrias; três em ambiente militar e/ou de treinamento de tiro; um em orquestra e outro em construção civil. A maioria dos estudos mostrou alto risco de viés. Seis estudos verificaram redução da exposição ao ruído a curto prazo por meio de controles de engenharia/administrativos; um verificou impacto positivo decorrente de mudança na legislação; cinco verificaram efeitos positivos dos DPA na diminuição da exposição ao ruído e dos treinamentos educacionais no uso do DPA; e dois encontraram redução dos níveis de ruído e aumento no uso do DPA decorrentes da implementação de programas de conservação auditiva.

Conclusão  Todos os estudos analisados concluíram que as intervenções utilizadas resultaram em efeitos positivos sobre a audição e/ou sobre a exposição ao ruído. Em relação aos efeitos de longo termo, a grande maioria dos estudos limitou-se a avaliar efeitos imediatos ou de curto termo, reforçando que estudos incluindo follow-up de longo termo devem ser desenvolvidos.

Descritores:  Ruído; Perda Auditiva Induzida por Ruído; Prevenção & Controle; Programa de Prevenção de Riscos no Ambiente de Trabalho; Ruído Ocupacional; Revisão; Efetividade de Intervenções

Abstract

Purpose  To conduct a systematic review of the effectiveness of interventions to prevent occupational hearing loss, following up on the findings of the most recent version of Cochrane systematic review on the same topic.

Research strategy  Searches were carried out in PubMed, Web of Science and Scopus databases.

Selection criteria  The following interventions were considered: engineering/administrative controls; hearing protection devices (HPD); and audiological monitoring.

Data analysis  For bias risk analysis, each study was assessed according to randomization, allocation, blinding, outcomes, other sources of bias.

Results  475 references were obtained. Of these, 17 studies met the inclusion criteria: one randomized, one interrupted time series, and 15 before and after studies. Most studies were conducted in industries; three in military and/or shooting training environments; one in an orchestra, and one in construction. Most studies showed a high risk of bias. Six studies found a reduction in short-term exposure to noise through engineering/administrative controls; one found a positive impact due to changes in legislation; five studies have found positive effects of HPD in reducing exposure to noise and of educational trainings in the use of HPD; lastly, two studies found a reduction in noise levels and an increase in the using of HPD due to the implementation of hearing conservation programs.

Conclusão  Todos os estudos analisados concluíram que as intervenções utilizadas resultaram em efeitos positivos sobre a audição e/ou sobre a exposição ao ruído. Em relação aos efeitos de longo termo, a grande maioria dos estudos limitou-se a avaliar efeitos imediatos ou de curto termo, reforçando que estudos incluindo follow-up de longo termo devem ser desenvolvidos.

Keywords:  Noise; Hearing Loss Noise-Induced; Prevention & Control; Program of Risk Prevention on Working Environment; Noise Occupational; Review; Intervention Effectiveness

INTRODUÇÃO

É estimado que 4,1 milhões de trabalhadores estejam expostos diariamente a níveis de ruído que excedem o limite de exposição recomendado pelo National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), de 85 dBA(1), e 22 milhões de trabalhadores podem estar expostos a níveis perigosos de ruído anualmente(2). Aproximadamente 27,7 milhões de indivíduos com idades entre 20 e 69 anos nos Estados Unidos vivem com uma perda auditiva induzida por ruído (PAIR)(3), tornando o ruído um fator crítico no local de trabalho em termos de impactos associados à saúde.

A PAIR continua sendo a segunda doença ocupacional autorreferida mais comum, apesar dos inúmeros estudos e regulamentações sobre o assunto e das intervenções realizadas nos locais de trabalho(4).

No período de 1981 a 2010, a prevalência de perdas auditivas ocupacionais foi de aproximadamente 20%, variando entre diversos setores industriais dos Estados Unidos(5).

Sendo assim, em virtude da continuidade da alta taxa de PAIR, assim como do potencial preventivo de reduzir a exposição ao ruído, muitos países implementaram variadas intervenções preventivas(6). No entanto, pela variedade de estratégias de intervenção existentes, torna-se um desafio selecionar as mais eficazes(7,8).

Em 2017, foi publicada a segunda atualização da revisão Cochrane sobre a efetividade de intervenções para prevenir as perdas auditivas ligadas ao trabalho(7,8). A busca de literatura foi completa no dia 3 de outubro de 2016. Os autores verificaram evidências de qualidade baixa ou de qualidade moderada em relação às intervenções analisadas no estudo (implementação de legislação mais rigorosa, componentes dos programas de conservação auditiva, treinamento para colocação adequada dos protetores auditivos) ou mesmo a ausência de evidências sobre a eficácia destas intervenções para reduzir a exposição ao ruído ou a perda auditiva ocupacional. Os autores consideraram que a ausência de evidências conclusivas não pode ser interpretada como comprovação de falta de eficácia. Pelo contrário, ressaltam que é provável que novas pesquisas tenham um impacto importante nas conclusões alcançadas(7,8).

Por este motivo, já que a referida revisão Cochrane enfatizou que novas pesquisas poderiam ter um impacto relevante sobre o tema, o presente estudo buscou realizar uma revisão sistemática atualizada, compilando os estudos mais recentes, avaliando a efetividade de intervenções não-farmacológicas para a prevenção da exposição ao ruído ocupacional ou da perda auditiva ocupacional, comparadas a nenhuma intervenção ou a intervenções alternativas.

ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Buscou-se seguir os critérios utilizados por Tikka et al.(8) e descritos a seguir.

Foram realizadas buscas de literatura no PubMed, Web of Science (Clarivate) e Scopus, incluindo estudos publicados entre 01 de janeiro de 2017 e 01 de maio de 2019. A data da última busca de literatura utilizada é 01 de maio de 2019.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Os seguintes desenhos de estudo foram incluídos: ensaios clínicos randomizados, estudos não randomizados de antes e depois, séries temporais interrompidas.

Foram incluídos estudos realizados com trabalhadores expostos a ruído ocupacional (> 80 dBA). Foram excluídos estudos de intervenções clínicas, como o uso de antioxidantes, magnésio ou outros compostos, e estudos de revisão da literatura.

Como intervenções, consideraram-se: controles de engenharia (redução ou eliminação da fonte do ruído, mudança de materiais, processos ou layout do local de trabalho)(9); controles administrativos (mudanças nas práticas de trabalho, políticas de gerenciamento ou comportamento do trabalhador trabalho)(9); dispositivos de proteção auditiva (DPA)(1); vigilância auditiva e monitoramento audiológico por audiometria(1). Os Programas de Conservação Auditiva (PCA) visam evitar mudanças permanentes no limiar auditivo (MPL), considerados efeitos de longo prazo, ocorrendo após vários anos e que podem ser prevenidas pela implementação de medidas de engenharia ou controle administrativo ou pelo uso consistente de DPA. Assim, pode-se supor que as intervenções que reduzem a exposição ao ruído, por sua vez, levarão a uma diminuição da perda auditiva(10).

Foram incluídas como medidas de resultado: efeitos sobre a exposição ao ruído e efeitos na audição. Como há diferentes regras de integração dos níveis de ruído ao longo do tempo (taxa de dobra de 3 e 5 dB) em diferentes países, usamos as definidas pelos autores.

Em relação à audiometria, foram incluídas medidas audiométricas mesmo quando não havia relato de protocolo, por se tratar de um critério excessivamente restritivo(7).

Não foi realizada a meta-análise pelas divergências metodológicas entre os estudos incluídos.

ANÁLISE DOS DADOS

A pergunta norteadora do estudo foi: “Intervenções não-farmacológicas realizadas com trabalhadores expostos a ruído ocupacional ou ambientes com níveis de ruído acima de 80 dBA, comparadas a nenhuma intervenção ou a intervenções alternativas, produzem efeitos efetivos sobre a exposição ao ruído e/ou sobre a perda auditiva ocupacional?”.

A estratégia de busca foi formulada a partir do quadro PICO (P – Paciente, Problema ou População, I – Intervenção, C – Comparação, O – Outcome(s) (por exemplo: Condição de saúde)(11), onde:

  • P – Trabalhadores expostos a ruído ocupacional;

  • I – Quaisquer intervenções não-farmacológicas para a prevenção da exposição ao ruído ocupacional ou da perda auditiva ocupacional;

  • C – Comparadas a nenhuma intervenção ou a intervenções alternativas;

  • O – Efeito sobre a exposição ao ruído e/ou sobre a perda auditiva.

O fluxograma (realizado de acordo com o PRISMA(12)) das etapas de revisão e a estratégia de busca estão descritos na Figura 1. Após a exclusão dos artigos duplicados, os autores analisaram os títulos e resumos de forma independente e excluíram aqueles que não foram considerados relevantes. Em seguida, foram analisados os textos completos dos 29 artigos selecionados inicialmente, verificando se estavam de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Para cada estudo incluído, os dados foram extraídos e o risco de viés foi avaliado.

Figura 1
Estratégia de busca (limite de data de publicação entre janeiro de 2017 e maio de 2019) e fluxograma PRISMA das etapas de revisão

O efeito de uma intervenção sobre a exposição ao ruído ao longo do tempo foi analisado de acordo com os valores fornecidos pelos autores dos estudos selecionados, da mesma forma que os efeitos sobre a audição.

Para a análise de risco de viés, foi utilizada a ferramenta da Cochrane(13), que avalia cada estudo incluído de acordo com a adoção de randomização, ocultação de alocação, cegamento de participantes, cegamento de avaliadores de desfecho, desfechos incompletos, relato de desfecho seletivo, outras fontes de viés. Cada item foi avaliado como: (-) alto risco de viés; (+) baixo risco de viés; (?) viés incerto. A classificação final (conclusão sobre o risco de viés para um referido estudo) foi obtida pelo sinal mais frequente observado entre todas as categorias.

Durante todo o processo, quando possível, as discrepâncias foram resolvidas pela discussão entre pares; quando não foi possível, um terceiro autor envolveu-se na decisão.

RESULTADOS

A presente pesquisa resultou em 475 referências (270 no Pubmed, 86 no Web of Science e 118 no Scopus), já excluindo as duplicadas. A triagem de referências para elegibilidade resultou em 29 artigos completos. Destes, 17 estudos cumpriram os critérios de inclusão. Os estudos excluídos pelo resumo foram categorizados em temas (Tabela 1). Nota-se que a maioria (47,7%) trata da identificação do risco causado pelo ruído, ou seja, por meio dos limiares auditivos ou medições de níveis de ruído, os estudos identificam alterações audiológicas em indivíduos expostos a ruído, níveis de ruído acima do nível de ação ou uso inconsistente do DPA; porém, nenhum deles realizou intervenções para modificação do que foi constatado, sendo, portanto, excluídos da presente revisão. Foram excluídos também os que tratavam de estudo da atenuação / preferência / conforto de DPA (19%); os que avaliaram conhecimento, atitudes e motivação para uso do DPA (10,8%); os que estudaram preditores para perda auditiva e uso do DPA (7,2%); e os que avaliaram headphones, exposição a ruído não-ocupacional, influência do DPA sobre a voz, traumatismo craniano, doenças metabólicas e cardíacas, efeitos extra auditivos do ruído, entre outros (15,3%).

Tabela 1
Temas e principais variáveis dos estudos excluídos pelo resumo

Caracterização dos estudos incluídos

A Tabela 2 apresenta as características dos estudos incluídos e suas referências bibliográficas. Um estudo utilizou um desenho randomizado(14) e outro série temporal interrompida(15). Os 15 restantes realizaram estudos de antes e depois.

Tabela 2
Características dos estudos incluídos e seu risco de viés (n = 17)

Verificou-se que 29,5% dos estudos ocorreram nos Estados Unidos, 17,6% no Iran e 11,8% na China. A porcentagem restante (41,1%) foi composta por diversos outros países, cada um deles com apenas um estudo (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Malásia, Polônia, Suécia, Tailândia).

No que se refere ao contexto ou cenário em que foram desenvolvidos, a maioria dos estudos (70,6%) foi realizada em ambientes e/ou contextos industriais; três em ambiente militar e/ou de treinamento de tiro (17,6%); um em orquestra (5,9%) e outro em construção civil (5,9%).

O tamanho das amostras variou de 3 a 18.672 trabalhadores em 9 estudos, totalizando 19.710 participantes, com média de 2.190. Os demais avaliaram: 1.157 áreas de uma indústria de papel-toalha(15); uma indústria de Comando Numérico Computadorizado (CNC)(16); um triturador de grãos(17); três equipamentos pesados(18); 11 pistolas de ar comprimido(19); 14 instalações de fabricação de metal(20); mais de 700.000 medidas de dosimetria(21); e quatro armas de fogo(22).

Quanto às intervenções, dois estudos avaliaram DPA usando a técnica MIRE(23,24); dois avaliaram o treinamento para a colocação adequada de DPA(25,26), incluindo medidas pós-intervenção e de acompanhamento. Seis estudos realizaram intervenção de controle de engenharia, incluindo mudanças, melhorias ou manutenção de equipamentos, isolamento de máquinas e de áreas ruidosas(16-19,22,27). Um deles realizou adicionalmente controle administrativo(22) e outro comparou o desempenho de atenuação de duas conchas acústicas para músicos de orquestra(27). Quatro estudos avaliaram PCAs(15,20,28,29), incluindo controles administrativos e de engenharia, uso de DPA e treinamento dos trabalhadores. Sayler et al.(20) também avaliaram a relação entre custo e efetividade de um PCA. Bourchom et al.(14) avaliaram o impacto do uso de DPA durante a utilização de armas de fogo. Fallah Madvari et al.(30) usaram um modelo educacional para trabalhadores, abordando a importância de usar o DPA. Um dos estudos avaliou o impacto da implementação de uma revisão na regulamentação de ruído da Administração de Segurança e Saúde de Minas (Mine Safety and Health Administration - MSHA) que estabeleceu nível de ação de 85 dBA, taxa de dobra de 5 dB para níveis de pressão sonora (NPS) entre 80 e 130 dBA e requisitos harmonizados para os PCAs(21).

Efeitos da intervenção

Controles de engenharia e administrativos: resultados de redução da exposição ao ruído a curto prazo

Foram incluídos nesta categoria seis dos estudos encontrados(16-19,22,27).

Behar et al.(27) avaliaram a atenuação média de duas conchas acústicas para três instrumentos de orquestra diferentes. A atenuação total foi de 9,2 dBA para a primeira concha e 5,9 dBA para a segunda, com diferença estatisticamente significante.

Khairai et al.(16) desenvolveram um estudo de caso em uma indústria, comparando níveis de ruído antes e depois das melhorias realizadas. O nível médio de ruído inicial, com todas as máquinas desligadas, foi de 95,8 dBA. Depois da manutenção do sistema pneumático, o ruído foi reduzido para 55,5 dBA. Com as máquinas ligadas, o ruído diminuiu de 109,3 dBA para 95,2 dBA, depois que seis máquinas foram reunidas em uma área coberta por cortina de plástico.

Murphy et al.(22) verificaram os efeitos do controle de engenharia (supressor de ruído de arma de fogo) e controle administrativo (munição de baixa velocidade) nos NPS produzidos por diferentes armas. Os supressores reduziram os níveis de pressão de pico nas orelhas do atirador em 17–26 dB, os níveis de energia equivalente em 9–21 dB e o nível geral de potência sonora em 2–23 dB. Os níveis do rifle sem supressão exibiram uma diferença de 1 a 2 dB em função da munição, enquanto o outro tipo de rifle tinha entre 12 dB e 20 dB de diferença entre as duas velocidades de munição.

Prieve et al.(19) compararam a redução de ruído oferecida por pistolas avançadas de ar comprimido em relação às convencionais e verificaram uma redução significativa do nível de pressão sonora variando de 3,3 a 17,7 dBA.

Saleh et al.(18) compararam os NPS dentro das cabines dos operadores de três equipamentos pesados antes e depois da instalação de tapetes de amortecimento de som (SDMats), obtendo uma redução significativa de 5,6-7,6 dBA nas configurações de aceleração máxima.

Tanas et al.(17) verificaram a efetividade das modificações estruturais realizadas em um triturador de grãos, medindo os níveis de ruído antes e após as melhorias. O nível de ruído total para o operador foi reduzido em 2,6 dBA.

Legislação

Apenas um dos estudos encontrados tratou de legislação(21).

Após a revisão do regulamento de ruído da MSHA, analisando mais de 700.000 dosimetrias, de 1979 a 2014, Roberts et al.(21) verificaram que o nível de ruído total nas minas diminuiu de 84,4 dBA para 79,9 dBA, embora não tenha sido uniforme em todos os setores de mineração.

Resultados de redução da exposição ao ruído: Dispositivos de proteção auditiva e treinamento a curto e médio prazos

Cinco estudos abordaram os resultados da redução da exposição ao ruído(23-26,30).

Aliabadi et al.(23) avaliaram cinco protetores auditivos tipo concha em 50 participantes, por meio da repetição de três medidas do F-MIRE em cada indivíduo. Os valores de atenuação dos protetores, mensurados em bandas de oitava, foram menores que os níveis de redução de ruído estabelecidos em laboratório, para baixas frequências (p <0,05); já para altas frequências, estes valores foram maiores que os obtidos em laboratório (p <0,05).

Biabani et al.(24) avaliaram três protetores tipo concha, com e sem óculos de proteção, em 30 sujeitos, repetindo as medidas de MIRE três vezes. Os óculos de segurança reduziram a média do nível de atenuação pessoal (NAP) em aproximadamente 2,5 dB (p <0,05).

Fallah Madvari et al.(30) utilizaram um modelo de treinamento educacional, comparando o grupo treinado com o não-treinado. Após a intervenção de seis semanas, verificou-se que o tempo de uso do DPA aumentou de 0,5 hora para 6,66 (± 1,40) no grupo intervenção e para 0,83 (± 0,85) no grupo controle, reduzindo a exposição ao ruído de 89 dBA para 80 dBA no primeiro grupo.

Liu et al.(25) conduziram um treinamento para colocação adequada de DPA em 189 trabalhadores de uma indústria têxtil, avaliando a atenuação antes, imediatamente após, depois de 6 e 12 meses. O objetivo foi obter informações sobre a situação atual da proteção auditiva, incluindo a atenuação em campo dos DPA nos trabalhadores, os efeitos do treinamento para melhorar a atenuação e a atenção sobre saúde auditiva, bem como a motivação para o uso dos abafadores em um ambiente com altas temperaturas. Foi observado um aumento da atenuação fornecida pelos DPA após o treinamento.

Gong et al.(26) conduziram um treinamento para colocação adequada de DPA de inserção em quatro fábricas, medindo o nível de atenuação pessoal (NAP) antes, imediatamente depois, e após seis meses. Houve uma melhora estatisticamente significante depois da intervenção, assim como no follow-up na maioria das fábricas.

Resultados de redução da exposição ao ruído ou de mudanças na audição: Programas de Conservação Auditiva

Dois estudos avaliaram a efetividade de PCAs por meio dos efeitos sobre a audição e um deles também relacionou a efetividade com o custo do programa. Sayler et al.(20) mostraram que investimentos mais altos para treinamento e testes para avaliação dos níveis de atenuação estavam significantemente associados com a redução da prevalência de mudanças nos limiares auditivos, com menores prevalências de perda auditiva e de perda auditiva nas frequências altas, num seguimento de dez anos.

Bourchom et al.(14) avaliaram 60 militares divididos em dois grupos, com e sem o uso de DPA. Imediatamente após o treinamento de tiros, aqueles que não usavam o DPA apresentaram maior mudança de limiar nas frequências altas, em comparação ao grupo que usou DPA (53,2% vs. 0%, p <0,05). Após 3 dias, os limiares auditivos melhoraram gradualmente em todas as frequências, exceto 6.000 Hz. Após uma semana, três indivíduos (10%) do grupo que não usou DPA ainda apresentavam rebaixamento do limiar.

Collée et al.(29) avaliaram 18,672 militares antes e depois da implementação de um PCA. Concluíram que para cada incremento de um ano, a média dos limiares para a audiometria tonal em 3, 4 e 6 kHz aumentava em 0,08 dB e que esse grau de piora foi reduzido em 0,18 dB por ano após o PCA.

Dois estudos avaliaram a efetividade dos PCAs por meio dos seus efeitos sobre a exposição ao ruído. Frederiksen et al.(28) avaliaram 271 trabalhadores de várias ocupações, antes e depois da implementação do programa. Verificaram que a média dos níveis de ruído diminuiu de 83,9 dBA para 82,8 dBA. Para os trabalhadores expostos a níveis de ruído acima de 85 dBA, verificaram um aumento no uso do DPA de 70,1 para 76,1%. Neitzel et al.(15) compararam as medições dos NPS de quatro instalações antes e depois da implementação do PCA, verificando que houve um declínio nos níveis de ruído ao longo do tempo, assim como um aumento no uso da proteção auditiva. Contudo, aproximadamente 50% dos trabalhadores eram expostos a NPS maiores ou iguais a 85 dBA por 8 horas.

Risco de viés

Dos 17 estudos analisados, 16 foram classificados com alto risco de viés (94,1%) e apenas 1 estudo(14) apresentou baixo risco (5,9%), sendo este o único a ter adotado randomização (Tabela 2). Com relação à ocultação de alocação, 15 não realizaram (88,2%) e 2 não forneceram informações suficientes para chegar-se a uma conclusão (11,8%). Nenhum dos estudos realizou cegamento de participantes, nem de avaliadores de desfecho. No que diz respeito aos desfechos, 11 estudos não tiveram perda de dados (64,7%), 5 forneceram informações insuficientes para julgamento de desfechos incompletos (29,4%), 1 apresentou perda de participantes sem explicação (5,9%); 16 reportaram os desfechos de acordo com o que foi proposto (94,1%) e 1 estudo não forneceu informações suficientes para concluir-se o risco (5,9%). Não foi possível determinar a presença de outras fontes de viés para nenhum dos estudos.

DISCUSSÃO

Conforme observado entre os artigos incluídos, a maioria foi composta por estudos de antes e depois, o que também foi verificado na revisão sistemática de 2017(7). Nota-se que a distribuição dos países em que foram desenvolvidos é bastante heterogênea, com representantes na América, Ásia e Europa. Sabe-se que diversos países ao redor do mundo vêm buscando desenvolver estudos e implementar leis e recomendações na tentativa de diminuir a incidência da PAIR, obtendo níveis variados de sucesso(6,31), evidenciando a preocupação crescente com este problema global.

Quanto ao contexto ou cenário dos estudos, a maioria foi realizada em ambientes e/ou contextos industriais, mas também houve estudos desenvolvidos em ambiente militar e construção civil. Estes tipos de ocupação estão entre aqueles que apresentam maior risco de danos auditivos em termos de número de trabalhadores expostos(4,31,32), justificando um maior número de estudos com estas populações.

O tamanho das amostras dos 17 estudos variou bastante; nove estudos avaliaram trabalhadores (média de 2.190 indivíduos), sendo a menor amostra composta por três músicos de orquestra(27) e a maior por 18.672 militares(29), números estes menores que os observados na revisão sistemática de 2017(7). Os oito estudos restantes avaliaram, dentre outros, equipamentos, armas de fogo, pistolas de ar, áreas industriais e dosimetrias(21).

Quanto aos efeitos das intervenções analisados na presente revisão, seis estudos(16-19,22,27) buscaram avaliar o impacto de controles de engenharia e administrativos sobre o ruído. As intervenções incluíram conchas acústicas para orquestra(27); manutenção de sistema pneumático e uso de cortina de plástico(16); uso de supressor de ruído de arma de fogo e de munição de baixa velocidade(22); substituição de pistolas de ar comprimido convencionais por outras com redução de ruído(19); instalação de tapetes de amortecimento de som em equipamentos pesados(18); modificações estruturais em triturador de grãos(17). Todos os estudos verificaram redução da exposição ao ruído a curto prazo por meio da avaliação pré e pós-intervenção, comparando-se os níveis absolutos de ruído, mas nenhum deles avaliou este efeito a longo prazo, semelhante ao observado na revisão de 2017(7).

Apenas um dos estudos buscou verificar os efeitos da legislação ao longo do tempo (1979 a 2014) sobre os níveis de ruído presentes nas minas, após revisão do regulamento da MSHA em 2000(21). Este estudo verificou um impacto positivo da mudança na regulamentação sobre os níveis de ruído presentes nas minas, muito embora esta redução não tenha sido homogênea para todos os setores. Achados semelhantes foram observados por Tikka et al.(7), que sugeriram que uma redução nos níveis de ruído, decorrentes indiretamente de alterações na legislação, provavelmente são mediadas por controles de engenharia, podendo impactar positivamente na redução da exposição ao ruído.

No que se refere à redução da exposição ao ruído causada por dispositivos de proteção auditiva e treinamento para uso adequado dos DPA, cinco estudos avaliaram os efeitos destas intervenções a curto e médio prazos(23-26,30). Para avaliar os efeitos dos DPA sobre a redução da exposição ao ruído, foram utilizadas as seguintes medidas: verificação da atenuação do DPA pela técnica F-MIRE(23); verificação da atenuação de DPA tipo concha na presença e ausência de óculos de proteção com a técnica MIRE, identificando se a atenuação poderia ser impactada negativamente pelo uso concomitante dos óculos(24); verificação do tempo de uso do DPA comparando grupos que passaram ou não por treinamento educacional(30); verificação da efetividade de treinamento para colocação adequada de DPA pela mensuração da atenuação do DPA antes, imediatamente após, depois de 6 e/ou 12 meses(25,26). Os estudos identificaram que o DPA, quando usado corretamente, tem o potencial de reduzir a exposição ao ruído e que treinamentos educacionais realizados com o objetivo de motivar o uso e orientar sobre a colocação correta têm impacto positivo sobre a atenuação do DPA e/ou sobre o tempo de uso durante a jornada de trabalho. Estudos sobre os efeitos destas intervenções a longo prazo não foram encontrados.

Com relação ao risco de viés, 16 estudos, dos 17 analisados, foram classificados com alto risco (94,1%) e apenas 1 estudo(14) apresentou baixo risco (5,9%), sendo este o único a ter adotado randomização. Esses achados são apoiados pelo que Lie et al.(33) discutem sobre os estudos de exposição ao ruído serem geralmente de qualidade inferior a estudos populacionais, já que estes costumam ter qualidade bastante boa sobre possíveis fatores de confusão ou modificação, como tabagismo, doenças cardíacas e pressão arterial. Considerando essas informações, destaca-se o fato de que os estudos incluídos nesta revisão não mencionam possíveis fatores de confusão, o que contribui para o aumento do risco de viés.

Com base nos achados, nota-se que o corpo de evidências é composto por estudos com alto risco de viés, o que enfatiza a necessidade do desenvolvimento de mais pesquisas nesta área, com metodologias mais criteriosas, buscando diminuir o risco de viés e melhorar a qualidade dos estudos sobre intervenção para prevenção de perdas auditivas.

A premissa para a realização desta atualização foi a reprodução da metodologia proposta pela revisão sistemática original(7), trazendo coerência e validade para a presente. No entanto, a expansão da busca para outras bases de dados e outros idiomas poderia ampliar os estudos incluídos na atual revisão. Pode-se destacar, ainda, como contribuição desta revisão o apontamento de lacunas e questões que ainda necessitam de esclarecimentos por meio de novas pesquisas, que forneçam evidências de melhor qualidade, favorecendo o avanço das intervenções para a prevenção de perda auditiva por exposição a ruído.

CONCLUSÃO

O presente estudo não encontrou diferenças substanciais em relação ao que foi verificado na revisão sistemática de Tikka et al(7).

Todos os estudos aqui analisados concluíram que as intervenções utilizadas (mudança na legislação, controles de engenharia e/ou administrativos, uso/ treinamento para uso de DPA, implementação de PCA), isoladas ou combinadas, resultaram em efeitos positivos sobre a audição e/ou sobre a exposição ao ruído. Em relação aos efeitos de longo termo, a grande maioria dos estudos limitou-se a avaliar efeitos imediatos ou de curto termo no que se refere à audição e/ou à exposição ao ruído, reforçando a sugestão de Tikka et al.(7) de que estudos incluindo follow-up de longo termo devem ser desenvolvidos, de forma a fornecer evidências mais conclusivas sobre esta questão.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2019
  • Aceito
    17 Fev 2020
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