O uso do teste dicótico de dígitos como método de triagem

RESUMO

Objetivo

Analisar o uso do teste dicótico de dígitos (TDD) como método de triagem e comparar seu desempenho com questionário de autopercepção e demais testes comportamentais do processamento auditivo central (PAC).

Método

Estudo do tipo transversal, retrospectivo e com análise de prontuários. Foram analisados 66 prontuários de crianças com idade de 8 a 11 anos, sendo as mesmas divididas em grupo controle (G1), constituído por 34 crianças que não apresentaram alteração no TDD e o grupo estudo (G2), por 32 crianças que apresentaram alteração no TDD. Foi utilizado o questionário Scale of Auditory Behaviors (SAB). Além de testes comportamentais que avaliaram as habilidades auditivas de localização, fechamento, figura-fundo, ordenação e resolução temporal.

Resultados

Os indivíduos do G2 apresentaram maiores percentuais de alteração em todos os instrumentos, com exceção do teste fala com ruído. Houve associação estatisticamente significante entre as categorias de desempenho do TDD com as categorias do questionário SAB (p-valor 0,022) e da Avaliação simplificada do PAC (p-valor<0,001).O TDD apresentou correlação significante com o questionário SAB e com todos os testes do PAC utilizados, em pelo menos uma das orelhas analisadas.

Conclusão

Conclui-se o TDD pode ser utilizado como método triagem do transtorno do processamento auditivo central na avaliação audiológica básica, uma vez que houve associação no seu desempenho com o questionário de autopercepção SAB.Além de correlação, especialmente na orelha esquerda, com os testes comportamentais aplicados para realizar o diagnóstico do transtorno do PAC.

Descritores
Percepção Auditiva; Testes Auditivos; Triagem; Transtornos da Audição; Audição

ABSTRACT

Purpose

To analyze the use of the Dichotic Digit Test (DDT) as a screening method and to compare its performance with a self-perception questionnaire and other Central Auditory Processing (CAP)behavioral tests.

Methods

Cross-sectional, retrospective study with analysis of medical records. The study analyzed 66 medical records of children aged 8 to 11 years, and divided them into control group (G1), consisting of 34 children who did not show changes in the DDT, and the study group (G2) with 32 children who showed changes in the DDT. The Scale of Auditory Behaviors (SAB) questionnaire was used in addition to behavioral tests that assessed the auditory abilities of localization, closure, figure-ground, temporal ordering and resolution.

Results

Individuals in G2 showed higher percentages of changes in all instruments, except for the speech-in-noise test. There was a statistically significant association between the DDT performance categories with the categories of the SAB questionnaire (p-value 0.022) and the simplified CAP assessment (p-value<0.001). The DDT showed a significant correlation with the SAB questionnaire and with all CAP tests used in at least one of the analyzed ears.

Conclusion

In conclusion, the DDT can be used as a screening method for central auditory processing disorder in basic audiological assessment as there was an association in its performance with the self-perception in the SAB questionnaire, in addition to correlation, especially in the left ear, with behavioral tests applied to diagnose CAPD.

Keywords
Auditory Perception; Auditory Tests; Screening; Hearing Disorders; Hearing

INTRODUÇÃO

O Processamento Auditivo Central (PAC) diz respeito à percepção e compreensão dos sons da fala, os quais interferem na aquisição e compreensão da linguagem. De acordo com a American Speech-Language Hearing Association (ASHA), o PAC refere-se a eficiência e eficácia na qual o Sistema Nervoso Central (SNC) utiliza as habilidades auditivas^(1,2).

O Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) pode ser caracterizado pela alteração de uma ou mais habilidades auditivas alteradas e pode trazer como consequências, problemas de leitura e escrita, desordens do comportamento social, alterações na fala, na memória, na localização sonora, reconhecimento e discriminação de fala^(2-4).

A literatura internacional⁽⁵⁾ relata que a prevalência estimada de crianças com TPAC seja de 6,2%, com aumento dessa porcentagem para populações mais específicas, como os idosos. Na tentativa de rastrear os indivíduos com TPAC, discussões têm sido realizadas com o intuito de identificar um instrumento ou uma bateria de testes sensíveis e eficazes, que sirvam como um bom método de triagem para as habilidades auditivas.

Estudos e guidelines ^(5,6) têm sido realizados com o objetivo de analisar quais combinações de testes ou questionários poderiam ser capazes de funcionar como método de triagem para TPAC. Nos guidelines sugere-se o uso de questionários de autopercepção como uma forma econômica e rápida de obter informações relevantes do comportamento auditivo da criança, sendo de extrema importância para a identificação e intervenção precoce nas crianças com risco para TPAC^(5,6).

Atualmente, há escassez de estudos que apontam métodos de triagem auditiva sensíveis para identificação de alterações no PAC^(7,8). Os instrumentos citados como forma de rastreio para detectar possíveis TPAC são: os procedimentos de triagem por meio de um questionário^(8,9); triagem por meio de testes auditivos, ou ainda por uma combinação destes⁽¹⁰⁾.

Entre os testes auditivos comportamentais presentes é possível destacarpesquisas que adotaram como protocolo de triagem o uso do TDD. Este teste usado de forma combinada foi eficiente na classificação de mais de 50% dos indivíduos com TPAC⁽¹¹⁾. Além disso, um estudo em indivíduos com lesões neurológicas, verificou o valor diagnóstico de alguns testes do PAC e dentre os testes estudados, a pesquisa encontrou para o TDD valores de sensibilidadeigual a90% e especificidadede 83%, suficiente parajustificar seu uso como uma futura ferramenta de triagemem novas pesquisaspara identificar o TPAC⁽¹²⁾.

O TDD foi traduzido para o português brasileiro⁽¹³⁾ com a capacidade de analisar a habilidade de figura-fundo na tarefa de integração e separação binaural para sons verbais por meio de uma tarefa dicótica⁽¹⁴⁾. No entanto, tem se observado na literatura que o TDD tem sido apontado como um teste apto para o rastreio das inabilidades auditivas, sendo inclusive recomendado em fóruns nacionais⁽¹⁵⁾ e estudos internacionais⁽⁸⁾, devido ao baixo nível linguístico, facilidade e rapidez na aplicação e por avaliar as habilidades precursoras do processo de aprendizagem. Além de ser ideal para triagens em ambientes escolares ou em avaliação audiológica básica, facilitando os encaminhamentos quando necessários⁽⁷⁾.

De modo a complementar as investigações das habilidades auditivas um dos questionários indicados para detectar características comportamentais de crianças em ambiente escolar e social é Scale of Auditory Behaviors (SAB)⁽¹⁶⁾. Este, em conjunto de uma bateria de teste de PAC, é capaz de identificar e complementar um possível diagnóstico de TPAC^(9,16).

Sabe-se que para o do diagnóstico do TPAC é necessário uma bateria completa de testes auditivos, visto que uma única ferramenta não contempla todos as habilidades auditivas preconizadas pela ASHA^(2,7). No entanto, o presente estudo justifica-se pela necessidade de promoção e prevenção precoce de problemas no processo de aprendizagem, bem como o uso de procedimentos que facilitem a rotina clínica dos profissionais e pacientes. Além de verificar a utilização do TDD como método de encaminhamento para avaliação formal do PAC

Desta forma o presente estudo teve como objetivo analisar o uso do TDD como método de triagem e comparar seu desempenho com questionário de autopercepção e demais testes comportamentais do PAC.

MÉTODO

O presente estudo é do tipo transversal, retrospectivo e com análise de prontuários. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o número de parecer 2.008.562. Todos responsáveis que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram esclarecidos sobre o sigilo das informações. A pesquisa foi realizada na Clínica Escola de Fonoaudiologia UFSC na cidade de Florianópolis.

No ambulatório de avaliação audiológica infantil da Clínica Escola de Fonoaudiologia da UFSC são realizados no mesmo dia da avaliação audiológica básica, o TDD (etapa de integração binaural) e o questionário SAB para avaliar quais crianças têm possíveis demandas para avaliação do PAC.

Desta forma como critério de inclusão, foram coletadas inicialmente informações dos prontuários de 66 crianças, de ambos os sexos, com idade de 8 a 11 anos, que realizaram o TDD e o questionário SAB no dia da avaliação audiológica básica. Como critério de exclusão as crianças não deveriam apresentar na anamnese alterações cognitivas,neurológicas e psiquiátricas descritas. Além de na avaliação audiológica básica não apresentar alteração dos limiares auditivos bilateralmente e na imitanciometria ausência de problemas condutivos.

Nos prontuários foram coletadas informações dos dados sociodemográficos (gênero, idade e escolaridade), resultados do questionário SAB e da avaliação do PAC.

Após as crianças foram divididas em dois grupos: o grupo controle denominado G1 e o grupo estudo denominado G2. O G1 era constituído por crianças que não apresentaram alteração no TDD e o G2 por crianças que apresentam alteração no TDD em pelo menos uma das orelhas.

O questionário SAB⁽¹⁶⁾ é constituído por 12 questões, as quais têm como opção de resposta de 1 a 5, sendo 1 frequentemente e 5 nunca. Essas questões que envolvem as possíveis manifestações de TPAC abrangem perguntas sobre a vida escolar e social, na qual pode ser respondido por pais e professores. Sua pontuação pode variar de 12 a 60 pontos. Para comparar com os G1 e G2 segundo o desempenho no TDD foram adotados dois pontos de cortes no questionário SAB sugeridos no estudo⁽¹⁶⁾: 46 e 35 pontos. Segundo esse estudo com crianças portuguesas o desempenho inferior a 46 pontos é considerado de risco e recomenda-se que as mesmas sejam encaminhadas para avaliação do PAC. Já com desempenho inferior a 35 pontos as crianças apresentaram alteração em mais de dois testes do PAC e devem ser encaminhadas para avaliação e treinamento das habilidades auditivas. Foram utilizados esses dois cortes para avaliar qual seria o mais adequado para ser adotado nas crianças como método de triagem.

No ambulatório onde foi coletado o questionário SAB o mesmo sempre é preenchido pelo responsável sem interferência do avaliador.

Na avaliação inicial era realizado o TDD na etapa de integração binaural⁽¹⁴⁾ para avaliar a habilidade de figura-fundo para sons verbais. Foi utilizada uma lista com 20 pares de dígitos apresentados em escuta dicótica. A criança escuta quatro dígitos apresentados de maneira dicótica (quatro, cinco,sete, oito ou nove) e deve repetir de forma oral os dígitos apresentados.

Após a divisão dos grupos segundo o desempenho no TDD, foram coletados nos prontuários o desempenho do SAB, da Avaliação Simplificada do Processamento Auditivo (ASPA) e dos testes que avaliaram as habilidades auditivas de: fechamento, figura-fundo (separação binaural), ordenação e resolução temporal. A avaliação do PAC sempre é agendada para ser realizada em outro dia após a conclusão da avaliação audiológica básica e da aplicação do TDD e SAB.

Na ASPA foram analisados os seguintes testes: localização sonora (LS) em cinco direções, memória sequencial para sons verbais (MSV) e memória sequencial para sons não verbais (MSNV). As habilidades auditivas avaliadas foram: localização sonora e ordenação temporal^(13,14). Caso houvesse alteração em algum destes testes o indivíduo era considerado alterado

Para avaliar a habilidade de resolução temporal foi utilizado o teste Random Gap Detection Test (RGDT)⁽¹⁷⁾. Considerou-se dentro dos padrões de normalidade crianças a partir de sete anos que apresentarem acerto na média de quatro frequências sonoras (500, 1000, 2000 e 4000Hz) menor ou igual a 10 ms.

Para avaliar a habilidade de figura-fundo (separação binaural) foram coletadas informações do teste Pediátrico de Inteligibilidade de fala em escuta monótica (PSI)⁽¹³⁾. Foi analisado o desempenho nas relações sinal/ruído de zero e -10dB. Caso o indivíduo apresentasse alteração em uma destas relações era considerado alterado.

Para avaliar a habilidade auditiva de fechamento foram analisados nos prontuários o desempenho do teste fala com ruído (FR) ou do teste fala filtrada (FF)⁽¹⁴⁾. Ambos são testes monoaurais de baixa redundância, nos quais o paciente escuta os monossílabos e deve repeti-los oralmente.

Nas crianças de 9 a 11 anos foi aplicado também o teste padrão de duração (TPD) no tom musical⁽¹⁴⁾ para avaliar a habilidades auditiva de ordenação temporal. Este teste era apresentado de forma binaural e na tarefa de nomeação. Nas crianças foi realizado apenas o teste TPD para avaliar a habilidade auditiva de ordenação temporal para evitar fadiga mental pela aplicação dos testes especiais, uma vez que os testes comportamentais são aplicados todos em uma sessão.

Foi realizada uma comparação entre os grupos G1 e G2 com o questionário SAB e com os resultados da ASPA e os testes especiais do PAC

Os dados foram tabulados em planilhas do Microsoft Excel, versão 2019, e submetidos à análise descritiva e analítica. Para a análise descritiva, os dados foram representados por frequências absolutas, relativas, médias com desvio padrão (dp), medianas, valores mínimos e máximos. A distribuição dos dados foi analisada através de histogramas e pelo teste de Shapiro-Wilk. Após avaliação, optou-se pela utilização do teste não paramétrico U de Mann-Whitney, para verificar se havia associação entre os dados, e o teste qui-quadrado de Pearson, para analisar diferenças entre as proporções dos grupos.

Para verificar se havia correlação entre os testes de avaliação do PAC e questionário SAB, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearmann. Para a interpretação dos dados, foram considerados os seguintes parâmetros: 0 a 0,30 desprezível; 0,31 a 0,50 fraco; 0,51 a 0,70 moderado, 0,71 a 0,90 forte e ≥ 0,91 muito forte. O valor de p foi considerado estatisticamente significante para valores menores do que 0,05 e foi representado com um asterisco sobrescrito (*). As análises foram conduzidas no software SPSS 25.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 66 crianças, que possuíam média de idade de 9,1 anos, com idade mínima de 8 e máxima de 12, sendo 40 (60,60%) do gênero masculino e 26 (39,40%) do gênero feminino. Todos frequentavam entre o 2º ao 6º ano do Ensino Fundamental.

Na Tabela 1, observa-se o desempenho dos indivíduos (G1 e G2) nos testes de avaliação do PAC e questionário SAB. Em relação ao SAB 34 crianças realizaram o mesmo no G1 e 32 crianças no G2. Cabe salientar que no TPD 19 crianças não realizaram o teste porque apresentavam 8 anos de idade.

Tabela 1
Análise descritiva do número de crianças de acordo com cadatestes/questionário e percentual de resultados alterados em G1 (n=34) e G2 (n=32)

Testes	G1- N	G1-% de alteração	G2 - N	G2 - % de alteração
TDD	34	0 (0)	32	32 (100)
SAB ≤ 34	34	12 (35,3)	32	20 (62,5)
SAB ≤ 45	34	20 (58,8)	32	27 (84,4)
ASPA	34	6 (17,6)	32	24 (75,0)
RDGT	34	18 (52,9)	32	24 (75,0)
PSI	34	5 (14,7)	32	7 (21,8)
FR	29	5 (17,2)	9	1 (11,1)
FF	09	0 (0)	19	5 (26,3)
TPD	28	9 (32,1)	19	13 (68,4)

• Legenda: SAB = Scale of Auditory Behaviors; ASPA = Avaliação Simplificada do Processamento Auditivo; TDD = Teste dicótico de Dígitos; RGDT = Random Gap Detection Test; PSI = Teste de Inteligibilidade de Fala Pediátrica; FR = Teste de Fala com Ruído; FF = Teste de Fala Filtrada; TPD = Teste Padrão de Duração; G1 = Grupo controle; G2 = Grupo estudo; N = número de crianças

Os indivíduos do G2 apresentaram maiores percentuais de alteração em todos os instrumentos, quando comparados a G1, com exceção do teste de FR. Além disso, quando observada a pontuação do questionário SAB, observa-se maior proporção de alteração para pontuações abaixo de 45 pontos em ambos os grupos, mas com pior desempenho no G2.

A Tabela 2 mostra a comparação da pontuação dos pontos de corte do SAB com o número de testes do PAC alterados.

Tabela 2
Comparação entre o número de testes auditivo alterados e os pontos de corte do questionário SAB de ambos os grupos

	Nenhum teste alterado n (%)	1 ou 2 testes alterados n (%)	3 ou mais testes alterados n (%)	*p
SAB NL ≥ 35	10 (29,4)	16 (47,1)	8 (23,5)	0,001
SAB ALT ≤ 34	1 (3,1)	10 (31,3)	21 (65,6)
SAB NL ≥ 46	9 (47,4)	8 (42,1)	2 (10,5)	< 0,001
SAB ALT ≤ 45	2 (4,3)	18 (38,3)	27 (57,4)

• ^*
  Teste qui-quadrado de Pearson
• Legenda: SAB = Scale of Auditory Behaviors; NL = Normal; ALT= Alterado

Na Tabela 2, observa-se que a maioria (57,4%) das crianças com desempenho inferior ou igual a 45 pontos apresentaram 3 ou mais testes alterados (p<0,001). Já utilizando a pontuação menor ou igual a 34 pontos verificou-se que 21 crianças (65,6%), apresentaram alteração em 3 ou mais testes (p=0,001).

A Tabela 3 apresenta a comparação dos grupos do TDD com o desempenho no questionário SAB segundo os diferentes pontos de corte.

Tabela 3
Comparação das proporções entre G1 e G2 segundo os pontos de corte do questionário Scale of Auditory Behaviors e Avaliação simplificada do Processamento auditivo Central

Testes	G1	G2	*p
SAB NL ≥ 35	22	12	0,027*
SAB ALT ≤ 34	12	20
SAB NL ≥ 46	14	5	0,022*
SAB ALT ≤ 45	20	27
ASPA NL	28	8	< 0,001*
ASPA ALT	6	24

• ^*
  Teste qui-quadrado de Pearson
• Legenda: SAB = Scale of Auditory Behaviors; ASPA = Avaliação simplificada do Processamento auditivo Central; G1 = Grupo controle; G2 = Grupo estudo; NL = Normal; ALT = Alterado

Na Tabela 3, verificou-se que houve associação entre as categorias de desempenho do TDD (G1 e G2) com as categorias do questionário SAB e da Avaliação simplificada do Processamento Auditivo Central.

A Tabela 4 apresenta a análise descritiva e comparação do desempenho no questionário SAB e testes do PAC segundo o desempenho no TDD (G1 e G2).

Tabela 4
Analise descritiva e comparação do desempenho no questionário SAB e testes de PAC segundo os grupos G1 e G2

	Média (DP)	Mediana	Mínimo	Máximo	*p
TDD - OD					<0,001*
G1	96,3 (3,6)	97,2	86,2	100
G2	80,8 (17,7)	86,8	20	100
TDD - OE					<0,001*
G1	94,4 (5,0)	95,0	82,5	100
G2	79,5 (17,9)	85,5	10	95
SAB					0,014*
G1	39,2 (11,9)	42,0	18	58
G2	31,7 (11,4)	31,5	12	53
RGDT					0,005*
G1	21,9 (20,2)	11,1	2,7	72,5
G2	51 (44,4)	38,7	2,7	162,5
TPD					0,042*
G1	91,3 (18,8)	100	20	100
G2	78,6 (25,3)	80	10	100
PSI - OD					0,036*
G1	90,8 (10,2)	80	60	100
G2	85,9 (19,1)	90	30	100
PSI - OE					0,866
G1	87,5 (16,3)	90	40	100
G2	85,9 (19,1)	90	30	100
FR - OD					0,808
G1	80,1 (18,6)	86	24	100
G2	82,5 (9,3)	84	68	96
FR - OE					0,695
G1	81,2 (13,5)	84	40	96
G2	81 (10,8)	82	68	96
FF - OD					0,013*
G1	72,8 (14,5)	68	56	88
G2	49,6 (15,5)	54	20	68
FF - OE					0,768
G1	77,6 (14,5)	84	52	88
G2	76,4 (10,7)	76	60	92

• ^*
  Teste U de Mann-Whitney
• Legenda: TDD = Teste dicótico de Dígitos; SAB = Scale of Auditory Behaviors; RGDT = Random Gap Detection Test; TPD = Teste Padrão de Duração; PSI = Teste de Inteligibilidade de Fala Pediátrica; FR = Fala com Ruído; FF = Fala Filtrada; OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; G1 = Grupo controle; G2 = Grupo estudo; DP = Desvio Padrão

Observa-se que houve diferença estatisticamente significante entre o desempenho de G1 e G2 em ambas orelhas do TDD (p<0,001), entre as respostas do instrumento SAB (p=0,014), RGDT (p=0,005), TPD (p=0,042), PSI e FF (ambas na orelha direita: p=0,036 e p=0,013).

A Tabela 5 mostra a correlação dos testes auditivos aplicados e questionário SAB.

Tabela 5
Correlação das variáveis contínuas do Teste Dicótico de Dígitos, Avaliação Simplificada do Processamento Auditivo e ScaleofAuditoryBehaviors com os testes especiais de Processamento Auditivo Central

	TDD OD	TDD OE	SAB	RGDT	PSI OD	PSI OE	FR OD	FR OE	TPD	FF OD	FF OE
TDD - OD	_____	0,776*	0,565*	-0,317	0,240	0,064	-0,006	-0,072	0,587*	0,258	-0,076
TDD - OE	0,776*	_____	0,655*	-0,564*	0,505*	-0,090	0,217	0,554*	0,674*	0,574	0,894*
SAB	0,565*	0,655*	_____	-0,212	0,066	-0,052	0,087	0,105	0,319	0,083	0,099
RGDT	-0,317	-0,564*	-0,212	_____	-0,257*	-0,100	0,108	-0,131	-0,529*	-0,639*	-0,130
PSI - OD	0,240	0,505*	0,066	-0,257*	_____	0,366*	-0,115	-0,290	-0,055	0,201	-0,477
PSI - OE	0,064	-0,090	-0,052	-0,100	0,336*	_____	0,088	0,223	0,001	0,116	-0,143
FR - OD	-0,006	0,217	0,087	0,108	-0,115	0,088	_____	0,688*	-0,069	_____	_____
FR - OE	-0,072	0,554*	0,105	-0,131	-0,290	0,233	0,688*	_____	0,203	_____	_____
TPD	0,587*	0,674*	0,319	-0,529*	-0,055	0,001	-0,069	0,203	_____	0,466	-0,083
FF - OD	0,258	0,574	0,083	-0,639*	0,201	0,116	_____	_____	0,466	_____	0,060
FF - OE	-0,076	0,894*	0,099	-0,130	-0,447	-0,143	_____	_____	-0,083	0,060	_____

• ^*
  Coeficiente de correlação de Spearmann
• Legenda: TDD = Teste dicótico de Dígitos; SAB = Scale of Auditory Behaviors; RGDT = Random Gap Detection Test; PSI = Teste de Inteligibilidade de Fala Pediátrica; FR = Fala com Ruído; TPD = Teste Padrão de Duração; FF = Fala Filtrada;OD= Orelha direita; OE = Orelha esquerda

Analisando a Tabela 5, destacam-se as correlações estatística significantes entre: TDD em ambas as orelhas com o questionário SAB (correlação moderada e diretamente proporcional), TDD em ambas as orelhas com TPD (correlação moderada e diretamente proporcional) e TDD (OE) com RGDT (correlação moderada e inversamente proporcional), com o FR da OE (correlação moderada e diretamente proporcional) e com o FF OE (correlação forte e diretamente proporcional).

DISCUSSÃO

No presente estudo observou-se que os indivíduos do G1 apresentaram melhor desempenho no questionário SAB e na maior parte dos testes especiais do PAC utilizados (Tabela 1). Houve associação do desempenho do SAB, independente do ponto de corte utilizado, com os grupos do TDD (Tabela 3 e 4).

O uso de questionários tem sido cada vez mais discutido na literatura como meio de triagem para detecção para possíveis alterações no PAC. Em uma pesquisa foi analisada o potencial de uma seleção de questionários para apoiar a avaliação em 49 crianças. O resultado mostrou que todos os questionários aplicados foram sensíveis à presença de alterações no PAC, relacionado principalmente ao TDD e o teste de padrão de frequência⁽¹¹⁾.

No presente estudo verificou-se que utilizando o ponto de corte de pontuação ≤ 45 no questionário SAB foram identificados um maior número de indivíduos com alteração no G2 (Tabela 1). Além da maior ocorrência de indivíduos com alteração em três ou mais testes do PAC do que se fosse utilizado como ponto de corte o valor de ≤ 34 (Tabela 2).

A literatura relata que é nítido o potencial do questionário SAB como instrumento de triagem capaz de classificar uma boa porcentagem de indivíduos⁽¹⁶⁾. No entanto observou-se que muitos indivíduos com SAB normal apresentavam alteração nos testes auditivos. O uso do instrumento de forma isolada pode não ser tãoeficiente para rastrear as crianças que realmente precisam de uma avaliação formal do PAC. Foi possível verificar na Tabela 3 que utilizando apenas o SAB com ponte de corte ≤45 há 47 crianças com alteração e utilizando apenas o TDD há 32 crianças. No entanto utilizando os dois instrumentos juntos verificou-se que há 27 crianças com alteração e esta associação foi significante. Cabe salientar que essas 27 crianças são as que apresentam alteração em três ou mais testes do PAC (Tabela 2). Desta forma recomenda-se o uso dos dois instrumentos juntos e com o ponto de corte ≤45 no questionário SAB, pois além de serem instrumentos de fácil e rápida aplicação apresentam associação e boa correlação e auxiliam no encaminhamento para a avaliação formal do PAC.

Este resultado vai ao encontro dos achados da literatura⁽¹⁶⁾, em que foi investigado as habilidades auditivas de crianças portuguesas com intuito de verificar a correlação entre elas e o desempenho do SAB, demonstrando associação do questionário com o teste TDD entre outros testes pesquisados.

No mesmo estudo⁽¹⁶⁾ os autores observaram que das 51 crianças avaliadas, 33 (64%) apresentaram valor superior a 46 pontos. Das 18 crianças que apresentaram pontuação abaixo de 46 pontos, 17 apresentou alteração um ou mais testes do PAC. Já no presente estudo utilizando o ponto de corte de 46 pontos verificou-se que das 66 crianças, 45 (68,18%) apresentaram alteração em um ou mais testes. Os autores sugeriram quecrianças apresentem escore inferior a 46 pontos no SAB sejam encaminhadas para avaliação do PAC. Os achados do presente estudo reforçam essa orientação pelo expressivo número de crianças que apresentaram essa pontuação e tiveram alteração nos testes comportamentais.

Foi possível verificar que no presente estudo, a mediana do SAB no G1 foi de 42 pontos e no G2 de 31,5 pontos. Estudos que utilizaram do SAB em crianças com alteraçõesrespiratórias e do sono, a média encontrada variou de 32.85 a 39.92 pontos. Já as crianças de grupo controles (sem queixas) a pontuação variou de 44.75 à 47.90 pontos. Resultados semelhantes aos encontrado nos grupos com e sem alteração do TDD da presente pesquisa^(18-20). Um estudo que utilizou do ponto de corte do SAB ≤ 34 verificou que 57,28% das crianças do estudo apresentaram SAB normal, mas apresentavam alteração em outros instrumentos de avaliação, demonstrando que somente a visão do questionário não é suficiente para identificar crianças com risco para TPAC, indicando a necessidade de ponto de corte maior e de outros instrumentos para complementar o método de triagem⁽²¹⁾.

Com o objetivo de identificar e analisar na literatura nacional questionários e checklists para triagem do processamento auditivo central disponíveis no Brasil para a língua portuguesa, um estudo⁽⁹⁾ realizou uma revisão sistemática onde encontraram diferentes questionários para triagem, entre eles o SAB. Quando avaliaram as habilidades auditivas contempladas por cada questionário, foi verificado que o SAB contemplava as habilidades de figura-fundo, fechamento auditivo, atenção auditiva, resolução e ordenação temporal. As habilidades não contempladas pelo questionário são interação, integração e separação binaural. Esse estudo reforça a importância da utilização de questionários como método para o conhecimento do comportamento auditivo e vida social do indivíduo, além da importância do uso do TDD como teste comportamental para uma ferramenta de rastreio mais completa.

Em relação ao TDD verificou-se além da associação com o questionário SAB houve diferença estatisticamente significante entre os grupos do TDD com a ASPA e com a maioria dos testes auditivos do PAC (Tabela 1, 3 e 4), com exceção do teste fala com ruído bilateralmente.

Em relação à ASPA os indivíduos do G2 foram os que mais apresentaram alteração nesta triagem (Tabela 1). Atualmente, a ASPA é a única bateria validada no cenário nacional e com viabilidade para aplicação no âmbito escolar. Entretanto é composta por tarefas que fazem a triagem de poucos mecanismos auditivos, não abrangendo toda a complexidade do sistema auditivo central⁽¹⁰⁾. Um estudo que aplicou o SAB e ASPA em escolares verificou que a ASPA isoladamente não era suficiente para detectar o TPAC, dessa maneira, a ASPA e o uso de questionário SAB devem ser usados de forma complementar, uma vez que ambos são ferramentas importantes e de fácil acesso para o uso em ambiente escolar⁽¹⁰⁾.

Os testes dicóticos são sensíveis para detectar alterações de PAC. Um estudo relata que quando há baixo desempenho nestes testes há grandes chances do indivíduo apresentar TPAC⁽²²⁾. Alguns autores⁽⁸⁾ já comentam sobre a utilização deste teste como triagem. Assim, já era esperado que o G2 tivesse mais indivíduos com alteração dos testes de PAC.

Estudos recentes^(11,12) têm descrito os resultados dos testes do PAC e sugerido o uso do TDD como um método de triagem para a avaliação do PAC, devido sua eficácia e facilidade na aplicação, além disso, seu uso combinado com outras ferramentas demonstrou boa sensibilidade, especificidade e eficiência, contribuindo para separação dos indivíduos da pesquisa.

Na literatura é possível observar estudos com diversos objetivos^(23-26) e que utilizem o desempenho no TDD como critério de inclusão nas pesquisas, porém há poucos estudos evidenciando este teste como instrumento para triagem. As pesquisas atuais apontam a relação do baixo desempenho neste teste com fatores ambientais e o PAC propriamente dito⁽⁸⁾, destacando a importância de futuras pesquisas na área.

Ao pesquisar a correlação dos resultados do TDD, chama a atenção os resultados a correlação positiva e bilateral do teste como questionário SAB, ou seja, quanto maior a pontuação no SAB melhor a porcentagem de reconhecimento de dígitos em escuta dicótica. Já ao correlacionar o SAB com os demais testes comportamentais verificou-se que não houve correlação com os mesmos (Tabela 5).

O TDD teve correlação, principalmente da orelha esquerda, com todos os testes comportamentais pesquisados em pelo menos uma orelha. As fibras do corpo caloso são responsáveis pela integração entre os hemisférios direito e esquerdo, conectando-se nas vias auditivas centrais. Os testes dicóticos são sensíveis para avaliar o corpo caloso por meio da tarefa de integração binaural e úteis para auxiliar a identificar alteração na transferência de informação dos hemisférios direito para esquerdo, o que resulta na piora no desempenho na orelha esquerda^(2-5). Cabe também salientar a interferência que a faixa etária até os oito e nove anos de idade pode causar na avaliação comportamental. Indivíduos abaixo desta faixa etária podem apresentar pior desempenho na orelha esquerda acarretando desvantagem da orelha esquerda em relação ao desempenho na orelha direita devido a imaturidade do corpo caloso, o que também pode ser visto em indivíduos com faixa etária superior com diagnóstico de TPAC⁽²⁷⁾. Acredita-se que este fato possa ser o motivo de alguns testes do presente estudo apresentarem uma associação maior com a orelha esquerda. Estes achados reforçam que o questionário SAB não deve ser aplicado isoladamente como método de triagem e salientam o potencial do uso do TDD como método de triagem.

Além da faixa etária, o desenvolvimento do indivíduo e a sua maturação cerebral sofrem influência de fatores externos, como por exemplo, a condição socioeconômica, otites de repetição, falta estímulo no ambiente e condições precárias de saúde. Todos esses fatores interferem na maturação do corpo caloso, trazendo consequências nas habilidades do processamento auditivo⁽²⁸⁾. Em um estudo de revisão sistemática, foi pesquisado a resiliência nas tarefas de escuta dicótica em adolescentes em situação de risco social, esse estudo mostrou que o TDD é destacado pelo baixo desempenho dos sujeitos com alta vulnerabilidade. O resultado apresentou que o TDD foi o teste mais significativo em sujeitos com maiores riscos sociais, enfatizando baixo desempenho nas habilidades de integração e separação binaural, confirmando a importância de aplicação deste teste como instrumento de rastreio⁽²⁸⁾.

Em uma outra pesquisa foi analisado a aplicação de bateria de testes de PAC em 30 crianças entre 5 a 16 anos com suspeita de possível TPAC. Nos resultados apresentados, verificou-se que entre os testesdicóticos, o TDD sobressaiu-se pela quantidade de sujeitos com baixo desempenho, apresentando 65% de respostas incorretas⁽²⁹⁾. Corroborando com estes achados outro estudo avaliou a utilidade do TDD na detecção do TPAC em crianças em idade escolar e avaliou 235.664 crianças. Os autores concluíram que o TDD é teste a ser considerado como método de triagem em crianças na idade escolar, pois é fácil de ser executado em ambientes escolares e exige baixos níveis linguísticos dos indivíduos⁽³⁰⁾.

No atual estudo destacou-se que houve associação e correlação entre o desempenho no TDD com o questionário SAB e com maioria dos testes do PAC pesquisados, mostrando que aqueles que tiveram TDD alterados também apresentaram baixo desempenho no questionário e nos testes especiais de PAC. Este achado é muito importante para contribuição na prática clínica, pois mostra a relevância de utilizar a combinação de questionário e do TDD como método para identificar sujeitos que possam apresentar TPAC.

Os achados do presente estudo fortalecem as pesquisas que apontam que o TDD, pode ser um método de rastreio para identificar possíveis indivíduos com alteração no PAC.

Devido à grande demanda dos serviços, em especial, clínicas escolas que realizam avaliação do PAC sugere-se que, além das queixas comportamentais analisadas na anamnese, sejam somados os resultados do TDD (tarefa de integração auditiva) e do questionário SAB na avaliação audiológica básica para encaminhar crianças para avaliação formal do PAC. Acredita-se que o uso concomitante com o questionário SAB ao TDD auxiliará no diagnóstico precoce de TPAC, além da prevenção de futuros problemas de aprendizagem.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o TDD pode ser utilizado como método triagem do TPAC na avaliação audiológica básica, uma vez que houve associação no desempenho do teste com a ASPA e questionário SAB. Além de correlação do TDD, especialmente na orelha esquerda, com os testes comportamentais aplicados para realizar o diagnóstico do TPAC.

• Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC - Florianópolis (SC), Brasil.
• Fonte de financiamento: nada a declarar.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  27 Set 2020
• Aceito
  29 Nov 2020